MARCOS TEMPORAIS DA CONSTITUIÇÃO DO CAMPO ACADÊMICO DA POLÍTICA EDUCACIONAL NO BRASIL Agências financiadoras: Capes e Fundação Araucária.

Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar demarcações temporais da constituição da política educacional no Brasil como um campo acadêmico específico. Trata-se de um trabalho que envolveu um projeto de pesquisa mais amplo sobre o processo histórico de constituição do campo acadêmico da política educacional no Brasil. Os marcos temporais da constituição desse campo foram divididos em três momentos, a saber: 1) Antecedentes do campo acadêmico da política educacional no Brasil (década de 1820 a 1950); 2) A institucionalização do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1960; e 3) A expansão do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1990.

Palavras-chave:política educacional; campo acadêmico; demarcações temporais.

INTRODUÇÃO

O propósito do presente trabalho é apresentar demarcações temporais da constituição da política educacional no Brasil como um campo acadêmico específico. A abordagem desse tema integrou uma pesquisa mais ampla cujo objetivo foi analisar o processo histórico de constituição do campo acadêmico da política educacional no Brasil.

Como se trata de um campo relativamente recente, ainda são poucos os estudos que abordam essa temática. Dentre as publicações que destacam aspectos históricos e de constituição desse campo, bem como versam sobre a produção de conhecimento no campo, pode-se citar: Santos (2008, 2009, 2014); Arosa (2013); Wittmann e Gracindo (2001); Bittar; Bittar e Morosini (2012); Santos e Azevedo (2009, 2012, 2014); Azevedo e Aguiar (2001); Gonçalves (2005); Sander (2007); Krawczyk (2012); Weber (2012); Bello; Jacomini e Minhoto (2014); Schneider (2014); Souza (2014).

Segundo Faria (2013, p. 12), “[...] a institucionalização de um campo de estudos, de uma disciplina, vem tradicionalmente acompanhada da criação de associações profissionais, de conferências e de periódicos que influenciam, direta ou indiretamente, a alocação de recursos materiais e simbólicos.” Nessa perspectiva, a análise da constituição do campo acadêmico da política educacional no Brasil demandou compreender diversos elementos que contribuíram para a sua institucionalização, como: a implantação da Pós-Graduação no Brasil e a criação de linhas e grupos de pesquisa; a criação da ANPAE, da ANPEd e em seu âmbito, do GT 5 - Estado e Política Educacional; a criação de disciplinas de política educacional; a criação de periódicos científicos especializados; a criação de redes de pesquisa de política educacional; a realização de eventos científicos específicos; a expansão de publicações de/sobre política educacional.

A tentativa de elaborar uma periodização é sempre um desafio porque demanda a busca de inúmeros dados e evidências para subsidiar o fracionamento de um todo específico em sucessões temporais. Envolve um processo de construção que resulta em um trabalho de síntese, o qual pode contribuir significativamente para a área de estudo. Um ponto importante a ser considerado é que não existe uma divisão temporal absoluta, mas uma periodização que pode ser considerada mais adequada, a partir das fontes utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa. Assim, as demarcações temporais construídas e apresentadas neste trabalho representam uma interpretação a partir de diversas fontes que fizeram parte do corpus empírico da pesquisa mais ampla do qual o trabalho é parte A pesquisa envolveu a garimpagem dos primeiros estudos sobre política educacional, o levantamento das produções do campo, bem como a coleta de uma série de outros dados empíricos: boletins e anais da ANPEd, publicações da ANPAE, publicações de periódicos específicos, dados das linhas e grupos de pesquisa em Programas de Pós-Graduação, dados da disciplina Política Educacional nos cursos de Pedagogia, entre outros dados relevantes..

O DESENVOLVIMENTO DO CAMPO ACADÊMICO DA POLÍTICA EDUCACIONAL NO BRASIL: MARCOS TEMPORAIS

A emergência da política educacional como campo acadêmico começa a ganhar impulso, especialmente a partir da década de 1960. Esse marco na constituição do campo no Brasil está relacionado a três aspectos: a) a criação da ANPAE em 1961; b) o uso mais frequente do termo política(s) educacional(is) nos títulos de teses, dissertações, artigos e livros; e c) a implantação da Pós-Graduação (1965) e do primeiro Mestrado em Educação (PUC-Rio, 1966), momento em que a pesquisa em educação no Brasil é incorporada pelo campo acadêmico. Apesar de ser possível demarcar a emergência do campo a partir da década de 1960, um marco explícito da institucionalização do campo dá-se na década de 1980 com a criação do GT 5 - Estado e Política Educacional (1986/1987) no âmbito da ANPEd. Da década de 1990 em diante, a institucionalização do campo expande-se a outros espaços acadêmicos com a criação de: disciplinas de/sobre política educacional nos currículos de cursos de Graduação, de linhas e grupos de pesquisa na Pós-Graduação, de periódicos especializados, de eventos científicos específicos e redes de pesquisa de política educacional.

No Brasil os estudos de política educacional emergem ligados à administração escolar, administração educacional e educação comparada. O campo é produto de condições históricas e sociais e a sua institucionalização representa a consolidação de ideias que foram sendo construídas, desenvolvidas e debatidas no âmbito econômico, político-social e educacional brasileiro. Assim, a emergência do campo a partir da década de 1960 é decorrente de antecedentes que estão relacionados às demandas do momento histórico, à própria organização do campo educacional e ao desenvolvimento da pesquisa em educação.

Assim, apresentamos os marcos temporais da constituição do campo da política educacional no Brasil em três momentos: 1) Antecedentes do campo acadêmico da política educacional no Brasil (década de 1820 a 1950); 2) A institucionalização do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1960; 3) A expansão do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1990.

1 - Antecedentes do campo acadêmico da política educacional no Brasil (década de 1820 a 1950)

Desde a década de 1820, são encontradas na bibliografia pedagógica brasileira (INEP, 1944), publicações de temas da educação, bem como de temas que, atualmente, são considerados como objeto de estudo da política educacional. Tais publicações são resultado de memórias, relatórios sobre a instrução pública nas províncias, discursos, cartas, atas, regulamentações, pareceres e descrições assistemáticas. Nessa época, o Brasil havia conquistado a sua autonomia política com a independência (1822) e elaborado a sua primeira Constituição (1824). Assim, no chamado Brasil Império (1822-1888), surgem as primeiras tentativas de organização do ensino no país, as quais se caracterizaram por uma orientação descentralizadora, uma vez que o ensino primário e secundário ficou a cargo das províncias e a instrução superior, do governo central (RIBEIRO, 1984).

Com a instauração da República (1889), diversas reformas educacionais começaram a ser efetuadas e o problema da educação nacional tornou-se cada vez mais uma preocupação diante das necessidades de desenvolvimento econômico e social do Brasil. É na década de 1920 que a educação como campo dá seus primeiros passos em termos de organização com a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE). A referida associação agregou diversos educadores engajados no movimento de renovação da educação brasileira e teve papel notável no debate e na luta das questões educacionais, na divulgação de ideias pedagógicas e influência na definição da política educacional brasileira.

A partir de 1930, o Brasil vive um período de centralização das decisões políticas com a Revolução de 1930 e o Estado Novo (1937-1945). Essa ampliação da atuação do Estado é evidenciada na educação que, de imediato, cria o Ministério da Educação e Saúde Pública (1930) e trata de reorganizar a estrutura do ensino no país de forma a assegurar a unificação e a articulação dos sistemas estaduais de ensino. A nova ordem político-econômica que se instala no país com base na expansão industrial impulsiona as demandas de uma escola universal, cuja reivindicação já vinha sendo defendida pelos educadores escolanovistas engajados no movimento de renovação da educação (AGUIAR, 1991). Assim, perante as necessidades de desenvolvimento do país e as ideias pedagógicas que defendiam a estruturação de uma política nacional de educação fundamentada cientificamente, surgem os primeiros estudos teóricos sobre política, administração escolar, administração educacional e educação comparada com os trabalhos de Anísio Teixeira (1935), Isaías Alves (1937) No levantamento bibliográfico que fez parte da pesquisa mais ampla deste trabalho, a obra “Técnica e política educacional” de Isaías Alves, foi o primeiro livro localizado que se intitula como sendo de política educacional. Segundo Mello (2005), a temática central da produção teórica de Isaías Alves concentrou-se na política educacional, cuja perspectiva estava intimamente ligada à militância política como um defensor do Estado Novo., José Querino Ribeiro (1938) e Antônio Carneiro Leão (1939/1945).

No Estado Novo lançam-se as bases concretas de uma educação nacional e de um processo de centralização das informações educacionais (AGUIAR, 1991). Em 1937 cria-se o Inep O Inep foi instituído por meio da Lei n. 378, de 13 de janeiro de 1937, com o nome Instituto Nacional de Pedagogia. Entretanto, inicia as suas atividades em 1938 com o Decreto-Lei n. 580, de 30 de julho de 1938, que dispõe sobre a sua organização e altera a denominação para Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Somente a partir de 1972, passa a denominar-se Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. , com o propósito de coordenar estudos e pesquisas sobre os problemas do ensino em seus diferentes aspectos, bem como sistematizar os conhecimentos educacionais para subsidiar as ações governamentais. A criação do Inep é considerada marco no desenvolvimento mais sistemático da pesquisa em educação no Brasil.

Tendo em vista seu propósito, o Inep cria, em 1944, a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos (RBEP). A RBEP foi um dos periódicos científicos pioneiros na divulgação do conhecimento na área da educação e de políticas educacionais, contribuindo de forma muito peculiar para a emergência e o desenvolvimento do campo. Já em seu primeiro número foram publicados artigos sobre a situação da educação nacional envolvendo aspectos daquilo que atualmente compreendemos por política educacional (LOURENÇO FILHO, 1944; BASTOS, 1944). Ao longo dos anos, os estudos relacionados à política educacional tiveram uma maior ou menor centralidade nas suas publicações em virtude de fatores históricos, como: a aprovação de novas leis de educação; implantação de reformas educacionais ou políticas educacionais inovadoras, principalmente a partir da redemocratização; expansão de políticas neoliberais (a partir dos anos 1990); criação de políticas e programas de abrangência nacional, etc.

Com o fim do Estado Novo, marcado por um sistema político ditatorial, dá-se início a uma nova fase na política brasileira caracterizada por um regime democrático. Configura-se, também, a partir da década de 1950, uma nova etapa de modernização da sociedade brasileira e, por conseguinte, da educação. Segundo Aguiar (1991), essa fase é marcada pelo pensamento técnico-científico e pela visão do planejamento no âmbito do Estado. Tal perspectiva é decorrente da necessidade de um desenvolvimento econômico e social acelerado com vistas a superar a condição de subdesenvolvimento do país. A educação é percebida como fator de desenvolvimento e, portanto, de investimento econômico (AGUIAR, 1991).

Nesse contexto, o desenvolvimento de pesquisas em educação ganhou maior impulso e encontrou um espaço mais específico com a criação, em 1955, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), sede no Rio de Janeiro, e dos Centros Regionais de Pesquisas Educacionais (CRPEs), nas cidades de Recife, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre (GATTI, 1987). Conforme Rothen (2005), a nova estrutura do Inep, mediante a implantação do CBPE e dos CRPEs, tinha o propósito de fortalecer a pesquisa em educação, bem como descentralizar as ações do Inep, estabelecendo uma posição de ruptura com o seu passado, ligado ao Estado Novo.

Assim, nesse primeiro momento dos antecedentes do campo acadêmico da política educacional, destaca-se a contribuição da ABE, do Inep, da RBEP, do CBPE e dos CRPEs para o desenvolvimento da pesquisa em educação e para a emergência dos primeiros estudos relacionados à política educacional no Brasil. Verifica-se que a pesquisa em educação não teve inicialmente seu desenvolvimento no espaço da universidade, mas sim impulsionada por órgãos governamentais com finalidades bem definidas de subsidiar a política educacional brasileira (GOUVEIA, 1971).

2) A institucionalização do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1960

O processo de institucionalização do campo acadêmico da política educacional pode ser demarcado a partir da década de 1960, momento em que a pesquisa é incorporada pelo campo acadêmico. É quando ocorre o fortalecimento da pesquisa em educação no Brasil com a institucionalização da Pós-Graduação em meados da década de 1960. Implantada durante o regime militar (1964-1985), sua valorização e a decisão de institucionalizá-la, segundo Saviani (2008a), decorriam da perspectiva de modernização da sociedade brasileira, em que se definiu como área estratégica, o desenvolvimento científico e tecnológico. O surgimento da Pós-Graduação em Educação data o ano de 1966, quando foi criado o primeiro Mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A institucionalização do campo acadêmico da política educacional no Brasil, a partir da década de 1960, é marcada também pela criação das associações científicas. Uma delas foi a Associação Nacional de Professores de Administração Escolar (ANPAE), em 1961. Tendo em vista a relação da política educacional com a administração da educação, a criação da ANPAE (1961) pode ser considerada um primeiro marco no processo de institucionalização do campo. Essa relação entre os campos é evidenciada posteriormente, quando a ANPAE altera sua denominação. No decorrer de sua trajetória, a ANPAE teve outras quatro denominações.

Em 1971, a associação amplia o seu quadro associativo, alterando o seu nome para Associação Nacional de Profissionais de Administração Escolar. Em 1976, passou a nominar-se Associação Nacional de Profissionais de Administração Educacional. Em 1980, modificou para Associação Nacional de Profissionais de Administração da Educação e, finalmente, em 1996, amplia o seu foco com a denominação Associação Nacional de Política e Administração da Educação (SANDER, 2011).

Além das contribuições para os debates do campo acadêmico da política educacional por meio de seus Simpósios Brasileiros e Congressos Internacionais, a ANPAE vem publicando diversas obras especializadas sobre temas de política e de gestão da educação. Outra contribuição relevante da ANPAE para o campo foi a criação da Revista Brasileira de Administração da Educação (RBAE) em 1983, a qual, a partir de 1997, amplia seu foco e escopo passando a denominar-se Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE).

A criação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em 1976, e dos Grupos de Trabalho (GTs) foi outro fator importante para a institucionalização do campo acadêmico da política educacional. Na verdade, o primeiro momento explícito de legitimação do campo foi a criação do Grupo de Trabalho “Estado e Política Educacional no Brasil”, que iniciou suas atividades junto aos 13 GTs da ANPEd em 1987, por ocasião da 10ª Reunião Anual. O GT foi efetivamente criado em 1986 durante a 9ª Reunião Anual. No entanto, já estava em pauta a discussão da criação de um GT sobre “Política, Administração e Planejamento da Educação” (ANPED, 1986, p. 3) desde 1984 (7ª Reunião Anual). Como GT “em formação” recebe inicialmente a denominação “Administração e Planejamento da Educação” (ANPED, 1985, p. 19). A partir de 1995, o GT Estado e Política Educacional no Brasil passou a compor os GTs da 18ª Reunião Anual com a denominação GT 5 - Estado e Política Educacional, ampliando a sua abrangência para além do âmbito nacional. Concomitante à criação do GT Estado e Política Educacional no Brasil, ocorreu também a alteração da denominação de alguns Grupos de Trabalho, os quais incluíram o termo “política”. A partir de 1987, o GT Ensino de 1º Grau passou a denominar-se Política do Ensino de 1º Grau, e o GT Ensino Superior passou a ser designado Política de Ensino Superior A partir de 1995, passaram a denominar-se, respectivamente, GT 13 - Ensino Fundamental e GT 11 - Política da Educação Superior. (ANPED, 1987).

A formação do GT 5 - Estado e Política Educacional situa-se no contexto político-social da década de 1980, em que os anseios democráticos mobilizavam a sociedade em virtude da abertura política do país. Nesse sentido, a perspectiva da política educacional acabou sendo favorecida e o GT foi constituído. Embora a criação da ANPAE possa ser considerada um primeiro marco na institucionalização do campo, em virtude da relação entre o campo da administração da educação e os estudos de política educacional, é com a criação do GT 5 - Estado e Política Educacional que de maneira mais explícita a política educacional é definida no âmbito de um espaço institucional.

A atuação e a contribuição da ANPEd para a constituição do campo acadêmico da política educacional não se restringe apenas à criação do GT 5 - Estado e Política Educacional. O engajamento com as discussões sobre a política educacional brasileira está presente também nos temas das reuniões nacionais. Além disso, a sua articulação com outras entidades promoveu amplos debates sobre a política educacional brasileira.

A organização do campo educacional a partir do final da década de 1970 é caracterizada pela fundação de diversas entidades. Além da ANPEd (1976), outras duas importantes entidades foram criadas: o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES), e a Associação Nacional de Educação (ANDE), ambas fundadas em 1979. Essas três entidades mobilizaram-se conjuntamente na organização das Conferências Brasileiras de Educação (CBEs) que ocorreram no período de 1980 a 1991. A preocupação principal que caracterizou os eventos das CBEs voltou-se não apenas à crítica, mas, especialmente, à busca de propostas e de encaminhamentos aos problemas da educação brasileira (SAVIANI, 2008b).

Assim, essas associações científicas tiveram uma contribuição importante na medida em que participaram dos movimentos do campo educacional para a reorganização da educação brasileira e promoveram eventos que agregaram diversos pesquisadores e educadores para debater amplamente temas da política educacional brasileira. No âmbito desses eventos, pode-se considerar que os conhecimentos produzidos colaboraram para avanços no processo de amadurecimento das discussões do campo da política educacional. A VI CBE realizada em 1991, por exemplo, organizou uma série composta por seis volumes com os textos dos simpósios e mesas redondas. Um dos volumes da série (COLETÂNEA CBE, 1992) foi dedicado ao exame da trajetória e das contradições da relação entre Estado e educação.

Outro aspecto que permite demarcar a institucionalização do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1960 é o uso mais frequente do termo “política(s) educacional(is)” em títulos de teses, dissertações, livros, artigos e publicações oficiais (e.g. SANTOS, 1960; PORTO ALEGRE, 1966; MARQUES JÚNIOR, 1967; MARTINS, 1969; SILVA, 1969; SODRÉ; CINTRA; AZANHA, 1969; LIMA, 1970; CUNHA, 1973; CUNHA, 1974; ARROYO, 1974; entre outros).

Como mencionado, nesse período o país é conduzido pelo regime militar (1964-1985) cuja lógica de intervenção estatal na educação baseava-se na perspectiva do planejamento e da racionalização técnica. Com efeito, os estudos sobre política educacional nessa época surgem vinculados às discussões sobre planejamento educacional. Assim, até meados da década de 1970 uma parte significativa dos trabalhos, que atualmente são considerados estudos de política educacional, eram considerados como pesquisas e discussões de administração da educação ou administração escolar/educacional ou ainda de planejamento educacional. É o caso, por exemplo, da dissertação de mestrado de Cunha (1972) que se enquadrava na área de planejamento educacional. Posteriormente, foi publicada em formato de livro (CUNHA, 1973).

Portanto, no processo de institucionalização do campo ao longo da década de 1960 e 1970, a política educacional era abordada como estudo de planejamento educacional ou administração da educação. A política educacional começa a ganhar uma maior legitimidade na década de 1980. Em detrimento da intensa mobilização social, face à redemocratização do país, a política educacional começa a adquirir espaço específico de debate em espaços institucionais.

3) A expansão do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1990

No contexto da expansão do campo acadêmico da política educacional a partir da década de 1990 situa-se as diversas reformas educacionais de caráter neoliberal, formuladas e implantadas no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002), vários pesquisadores começaram a dedicar-se à análise das ações do Estado nessa nova conjuntura político-econômica. Assim, há um significativo aumento dos estudos sobre política educacional. Em especial, a partir dos anos 2000, com o Governo Lula (2003-2006 e 2007-2010) e o Governo Dilma (2011-2014), há uma ampliação das políticas sociais e a implementação de um conjunto de programas em todos os níveis e modalidades de ensino. Desse modo, novos objetos de investigação tornam-se preocupação dos pesquisadores do campo acadêmico da política educacional.

Uma questão que marca a expansão do campo acadêmico da política educacional a partir dos anos 1990 é o conjunto de propostas apresentado pela Capes para a organização dos Programas de Pós-Graduação em linhas de pesquisa. Foi nesse contexto que começaram a surgir linhas de pesquisa de/sobre política educacional, bem como grupos de pesquisa que se ocuparam do estudo das temáticas relacionadas à política educacional. A criação das linhas e dos grupos de pesquisa trouxeram contribuições importantes para a estruturação do campo de pesquisa em política educacional Na pesquisa realizada, dos 121 Programas de Pós-Graduação em Educação avaliados em 2012, 88 programas possuíam linhas de pesquisa relacionadas à política educacional. De um total de 412 linhas de pesquisa na área da educação, 93 referiam-se a linhas de pesquisa de/sobre política educacional. Em relação aos grupos de pesquisa, a partir da consulta no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, identificaram-se, no ano de 2015, 255 grupos de pesquisa de/sobre política educacional. .

O momento da criação da disciplina Política Educacional nos currículos de cursos de Graduação também pode ser considerado um marco no processo de institucionalização do campo acadêmico da política educacional. Com essa denominação, a disciplina Política Educacional, começa a fazer parte dos currículos dos cursos de Pedagogia a partir da década de 1990.

Além da disciplina, outro aspecto que pode ser compreendido como integrante do processo de institucionalização do campo acadêmico da política educacional é a criação de periódicos, eventos científicos e redes de pesquisa.

A partir da década de 1990 há a criação de diversos periódicos científicos especializados de política educacional: Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (1983) Ampliou seu foco a partir de 1997. Até 1996 denominava-se Revista Brasileira de Administração da Educação., Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação (1993), Revista Eletrônica de Política e Gestão Educacional (2001), Jornal de Políticas Educacionais (2007), Políticas Educativas (2007), FINEDUCA – Revista de Financiamento da Educação (2011), Educação e Políticas em Debate (2012), Laplage em Revista (2015), Revista de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa (2015).

Nesse momento de desenvolvimento do campo, caracterizado por um certo acúmulo de conhecimento produzido, evidenciado pelas pesquisas sobre estado da arte, há também o crescimento de eventos científicos especializados e a criação de redes de pesquisa que integram pesquisadores interessados no avanço do conhecimento da política educacional. Como exemplo de redes de pesquisa e entidade científica pode-se citar: Red de Estudios Teóricos y Epistemológicos en Política Educativa (ReLePe), Rede Latino-Americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (Rede ESTRADO), Rede Ibero-Americana de Investigação em Políticas de Educação (RIAIPE) e Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (FINEDUCA).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho apresentamos demarcações temporais que contribuem para compreender a constituição do campo acadêmico da política educacional no Brasil. Esse campo vem se desenvolvendo em articulação com o contexto histórico de cada período. É difícil demarcar o início da institucionalização da política educacional como campo acadêmico no Brasil. No entanto, foi no contexto da década de 1980 que os debates sobre a política educacional ganharam força e que o campo começa a adquirir maior legitimidade em espaços institucionais com a criação do GT 5 - Estado e Política Educacional no âmbito da ANPEd e, posteriormente, a partir da década de 1990, com a criação de linhas e grupos de pesquisa na Pós-Graduação, disciplinas, periódicos, eventos e redes de pesquisa. Trata-se, portanto, de um campo acadêmico institucionalmente legitimado no Brasil e em processo de expansão e consolidação.

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