AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO CONTINUADA: DIÁLOGOS EM MOVIMENTO

Resumo: No cenário das políticas educacionais brasileiras, este texto focaliza as interlocuções entre a avaliação institucional realizada em instituições públicas de Educação Infantil de um município do Espírito Santo e as vivências de formação continuada de docentes participantes desse processo. Em diálogo com referenciais teórico-metodológicos bakhtinianos, a pesquisa caracteriza-se por uma abordagem qualitativa de caráter exploratório, com procedimentos de análise documental e realização de entrevistas. As análises evidenciam a dimensão formativa presente na realização da avaliação institucional, destacando a relevância da participação dos sujeitos envolvidos quando se efetiva esse processo avaliativo.

Palavras-chave: Avaliação Institucional; Formação Continuada; Educação Infantil.


INTRODUÇÃO

Atualmente a avaliação se encontra na centralidade das políticas educacionais, sobretudo com a realização de testes padronizados e em larga escala, impulsionando debates que envolvem diferentes posicionamentos demarcados conforme distintos interesses e concepções. Nesse contexto de disputas, a Educação Infantil (EI), como primeira etapa da educação básica (BRASIL, 1996), vem alcançando conquistas que reverberam em apontamentos legais, políticas de formação, programas de financiamento, entre outras dimensões da educação. Inseridos nesse intenso movimento dialógico (BAKHTIN, 2011), reconhecemos as disputas que envolvem as questões educacionais no campo das políticas públicas e assinalamos que fortalecer o pertencimento à educação básica com ações que demarquem suas especificidades constitui um dos desafios da EI, inclusive no campo da avaliação. 

Nesse escopo, faz-se necessário acentuar que o debate e a implementação de políticas de avaliação de qualidade da EI tiveram características específicas e, portanto, diferentes das demais etapas da educação básica (CAMPOS, 2011), sendo importante demarcar que a EI é a única etapa que não se insere em políticas avaliativas de larga escala e com testes padronizados implementadas nas demais etapas há mais de vinte anos. Articulando-se a esse debate, Rosemberg (2013) assinala que a avaliação na/da EI vem constituindo-se como “um novo problema social” e argumenta que, ao assumir esse status, a avaliação na/da EI passa a exigir a atenção pública como um assunto de política social, ganhando visibilidade e provocando debates.

Com este texto, propomo-nos a compartilhar resultados derivados da pesquisa de mestrado “Avaliação institucional na Educação Infantil: percursos formativos”, que tematiza a avaliação e a formação continuada no bojo de uma pesquisa ampliada desenvolvida por um grupo de pesquisadores que focaliza a formação e atuação de educadores no campo da EI e que vem mapeando a EI no cenário de um estado brasileiro. Assim, com procedimentos de análise documental e realização de entrevistas, firmamos nossa ancoragem em referenciais teórico-metodológicos bakhtinianos (BAKHTIN, 2009; 2010a; 2010b; 2011), analisando o evento da avaliação institucional em sua efetiva realização e articulando-o às ações formativas vivenciadas por docentes que participaram desse movimento.

Compondo essa polifonia, buscamos o diálogo com os enunciados das entrevistas realizadas com as 11 docentes participantes da pesquisa e com os textos do Projeto Político-Pedagógico (PPP 1 e 2) e do Plano de Ação (PA 1 e 2) dos dois Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) pesquisados, realçando a interlocução com documentos relacionados ao contexto das práticas (BALL, 2001; 2009). Considerando a avaliação institucional realizada nos dois turnos dos CMEI, abordamos as discussões transcorridas nas salasDe acordo com a metodologia do documento Indicadores da Qualidade na Educação Infantil Pública do município pesquisado, seguindo a proposta do documento do MEC (BRASIL, 2009a), no primeiro momento da realização da avaliação institucional, os participantes se dividem em grupos, reúnem-se em salas e analisam alguma(s) dimensão(ões) com seus indicadores e questões. Simultaneamente outros grupos analisam outra(s) dimensão(ões). e na plenáriaTambém prevista na metodologia, é o momento em que todos os participantes compartilham a análise realizada em cada sala com os participantes das demais salas que discutiram dimensão(ões) diferente(s). das quais as docentes participaram.

Cabe destacar que a abordagem formulada por Ball (2001; 2009) “enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos profissionais que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de se articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais” (MAINARDES, 2006, p. 49). O autor assinala a relevância dessa abordagem para o estudo de questões educacionais, principalmente pela característica de flexibilidade, possibilitando compreender os contextos das políticas públicas de forma dinâmica e inter-relacionada.

Referindo-se ao ciclo de políticas, Ball (2009, p. 305) assinala que “a pessoa que põe em prática as políticas tem que converter/transformar essas duas modalidades, entre a modalidade da palavra escrita e a da ação, e isto é algo difícil e desafiador de se fazer”. Concordando com essa assertiva, consideramos que a realização da avaliação institucional e a elaboração de documentos (PPP e PA) pelos CMEI se localizam nesse desafio de transformação, visto que se situam no contexto local, com interveniências do contexto de produção de textos das políticas públicas e, ainda assim, com possibilidades de delineamentos próprios.

Diante das limitações desta produção, na composição deste texto, direcionamos nossas análises às ações desencadeadas no dia de realização desse evento avaliativo. Com essa organização, abordamos inicialmente o processo desenvolvido, destacando a participação dos docentes, famílias e crianças como elemento que, promovendo diálogos, fomenta a formação continuada.  Na sequência, analisamos a dimensão formativa do ato de avaliar, reconhecendo que a formação se efetiva também a partir de sentidos construídos coletivamente entre docentes e demais profissionais do CMEI, familiares e crianças. Seguindo para nossa arena dialógica apresentamos questões que dialogam com os processos de interação e participação dos sujeitos envolvidos.

A PARTICIPAÇÃO COMO MOVIMENTO FORMATIVO

Iniciamos esta interlocução sobre o dia da avaliação institucional, situando-nos no primeiro movimento, em que os participantes se reuniram em diversas salas, com dimensões diferentes, para avaliar o processo de qualidade do CMEI. Na perspectiva desse encontro em pequenos grupos, os enunciados das docentes evidenciam questões atinentes à participação dos sujeitos nos processos de discussão e à importância do conhecimento antecipado das questões constantes no instrumento avaliativo.

Pesquisadora: Como se desenvolveram as discussões na sala em que você participou?
Professora B: As pessoas estavam engajadas realmente em avaliar. Pela minha percepção, estando à frente da coordenação, a gente identificava pessoas que queriam realmente compreender os critérios de avaliação, as cores, e... Sim, houve uma discussão.

Professora D: [...] Aí foi mais tranquilo porque todo mundo já sabia do que se tratava, houve esse preparo, e eu me lembro que foi mais amarrando mesmo... fechando... e não teve esse conflito... foi mais na formação [referindo-se à etapa de planejamento da avaliação institucional em que emergiam muitas dúvidas].

Com esses posicionamentos, as docentes ressaltam o engajamento, a seriedade e o interesse em compreender o processo avaliativo como elementos integrantes da discussão, destacando a formação como um preparo que possibilita mais tranquilidade e segurança aos participantes. Ao considerar que os conflitos aconteceram em encontros de formação que antecederam o dia da avaliação, problematizamos, numa perspectiva dialógica, a importância de concebermos os conflitos, os dissensos e as discordâncias como integrantes dos processos avaliativos. Embora representem desafios e muitas vezes possam ser considerados como impeditivos desses processos, são momentos formativos constituídos no exercício do debate de diferentes pontos de vista entre sujeitos (docentes, assistentes de EI, demais profissionais, familiares, crianças) que convivem na instituição de EI em distintas posições e, portanto, com diferentes expectativas.

Pesquisadora: Na sala em que você estava havia a presença de familiares das crianças? Em caso afirmativo, como foi a participação deles? Em caso negativo, por que acredita que os familiares não participaram?

Professora A: Muito boa a participação dos pais! A visão que eles têm, trazendo pra a gente, e nós podendo refletir sobre essa visão...

Salientamos que, nesse CMEI, a avaliação institucional foi realizada à noite, com o intuito de favorecer a participação das famílias. Em articulação com esse desafio, Rosemberg (2013) problematiza a questão de ainda não conseguirmos integrar os direitos das crianças aos direitos de pais e mães trabalhadores, demarcando essa singularidade da EI em relação às demais etapas da educação básica que precisam ser consideradas num processo avaliativo. A autora também ressalta a importância de uma “[...] postura ética e de posicionamento político quando se trata de pesquisas avaliativas em educação infantil” (ROSEMBERG, 2013, p. 52).

Considerando a questão da participação, a elaboração, em 2008, do PPP 1 contou com a “participação das famílias, através de pesquisa onde foram abordadas questões como: importância do CMEI para a comunidade atendida; como seria um bom CMEI; as expectativas dos pais perante a Unidade de Ensino” (PPP 1, 2008, p. 14). De acordo com o PPP 1, a maioria dos familiares destacou que o CMEI atende as suas expectativas.

Consideramos que esse levantamento da opinião das famílias constitui um processo avaliativo, embora não seja formalizado como tal. Destacamos ainda que essa iniciativa foi tomada antes da publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009b) e igualmente antes da publicação do documento Indicadores de Qualidade da Educação Infantil (BRASIL, 2009a), apontando uma perspectiva avançada de trabalho coletivo e participação democrática.

Por meio desse levantamento realizado pela instituição pesquisada, as famílias ressaltaram que um bom CMEI se traduz naquele que tem comunicação com a família, oferece novas aprendizagens, é organizado, dá segurança e dispõe de bons profissionais. Além disso, destacaram a importância de transmitir confiança aos pais, de a criança ser bem cuidada, sentir-se feliz e ser tratada com igualdade. E complementaram dizendo que o CMEI deveria incentivar os valores, ter espaço físico adequado, dispor de bons materiais e professores “capacitados”, adotar horário integral, oferecer turma de Berçário I, ser um lugar colorido e agradável do qual a criança goste, no qual tenha boa alimentação, um lugar que cuide e eduque. O texto do PPP 1 destaca que, em razão dessa consulta às famílias, o atendimento às crianças de 6 meses a 1 ano foi incluído no CMEI. Acreditamos que, conforme já mencionado pelas docentes, o envolvimento, a participação, o posicionamento dos participantes têm grande importância quando se pretende realizar a avaliação institucional numa perspectiva coletiva.

Avançando para o segundo movimento desse encontro dialógico, buscamos evidenciar o encadeamento das discussões que se desenvolveram nas salas quando compartilhadas no encontro ampliado com todos os participantes na plenária. Ressaltamos que os enunciados das docentes indicam vivências formativas que fomentam diálogos com outros enunciados.

Pesquisadora: E as opiniões que vocês consensuaram ou definiram na sala, quando foram para a plenária, houve mudança? Você se recorda se houve propostas diferenciadas, análises diferentes das de outro grupo?

Professora A: No caso da sala que eu estava, sim. Aconteceu. Nós fizemos até várias colocações num nível bom e ótimo. A gente falou que, mesmo que a gente achasse, não íamos colocar, mesmo que estivesse ótimo, mas que melhorasse. Porque se fosse ótimo pra lá [referindo-se à SEME], ia ficar meio esquecido. Quando chegou na plenária, percebemos, não que foi ruim, mas que o nosso bom era regular, alguma coisa assim. Tinham outras visões de pessoas que estavam em outra sala. Mas as discussões foram fantásticas.

Pesquisadora: Então, na plenária as pessoas tinham outras coisas a falar?

Assistente A: Sim [prolongado], sempre têm.

Assistente B: Todo mundo falava alguma coisa, alguém sempre tinha uma observação. “Não, não concordo com isso, acho que a gente tem que pensar melhor e eu vejo dessa forma”. Mas as falas, exatamente, não tem como lembrar.

Podemos, assim, entender que, para esses participantes, os resultados da avaliação institucional incidem sobre as decisões e prioridades do órgão central quanto às ações de apoio aos CMEI. Então, embora a avaliação seja voltada à realidade da instituição de EI, os participantes trazem para esse momento a interlocução com a equipe da Secretaria Municipal de Educação (SEME), demonstrando conhecer os entrelaçamentos desse complexo processo que envolve os contextos de produção de textos na política e o das práticas (BALL, 2001; 2009), conforme indica o documento que propõe subsídios para a sistemática de avaliação da EI:

Os resultados da avaliação institucional, produzidos pelos estabelecimentos educacionais, interpretados em seu conjunto, trazem pistas para a definição de prioridades e formulação de políticas educacionais; do mesmo modo, as avaliações das redes municipais de ensino iluminam as decisões em âmbito do Ministério da Educação (BRASIL, 2012, p. 20).

Problematizamos, neste momento, três vertentes assimiladas com esse enunciado: na primeira, as limitações de qualquer instrumento que se propõe a estabelecer critérios para um processo avaliativo, sejam quais forem as nomenclaturas, códigos, escalas ou índices de qualquer ordem, visto que os sujeitos ativos e falantes se apropriam desses códigos, não levando em conta o significado explícito em documentos e instrumentos, mas, sim, os seus sentidos; na segunda, a força do pertencimento dos sujeitos ao grupo, quando interagem e se constituem como coletivo; numa terceira vertente, problematizamos a escuta de contrapalavras, quando a análise desenvolvida pelos participantes de uma sala se encontra com os pontos de vista dos participantes de outras salas e não coincidem, vivificando o movimento dialógico que pode encontrar, no excedente de visão do outro, possibilidades para sua completude, ainda que sempre inconclusa (BAKHTIN, 2011).

Pesquisadora: E em relação à plenária? O que vocês pensam sobre essa metodologia? Falem um pouquinho de como vocês vivenciaram isso.

Assistente B: Eu acho que traz uma praticidade. Porque, se levarmos todos os pontos para plenária, é uma discussão muito longa, então, quando a gente vai pra sala e traz meio caminho andado, acho que já adianta. Acho que não haveria tempo pra ser discutido de forma ampla.

Professora A: A única coisa que não foi legal foi o tempo. Nós precisávamos de mais tempo, porque teve uma hora que demos uma corridinha pra irmos pra plenária. E a plenária não foi rápida e esvaziou um pouquinho... já eram 10 horas da noite! Acho que deveria ter sido uma programação de um tempo, por exemplo, uma manhã inteira. [...]

As observações sobre a dinâmica de avaliação desenvolvida em dois momentos indicam sua intricada relação com a dimensão temporal na perspectiva de garantir que os sujeitos, como falantes (BAKHTIN, 2011), possam expressar suas ideias, compreensões, dúvidas, enfim, vivenciar os movimentos desse encontro com mais possibilidades de diálogo sobre o processo de melhoria da qualidade do CMEI. Quando o tempo não é suficiente e ocorre o “esvaziamento”, em razão de as pessoas “não poderem” permanecer além do horário previsto, as discussões e debates podem ser comprometidos, assim como a produção dos dados sobre a qualidade que foi avaliada.

Considerando as análises das docentes, para superar a dificuldade evidenciada, não seria necessário reduzir a quantidade de questões, indicadores ou dimensões do instrumento, tampouco alterar a dinâmica da avaliação, que foi planejada para acontecer em dois movimentos diferenciados, e sim proporcionar mais tempo de interação entre os sujeitos que se dispõem a avaliar a qualidade da instituição de EI.

Ressaltamos que, como todo movimento dialógico, diferentes pontos de vista se encontram, ora aproximando-se, ora rivalizando-se, convocando outros encontros. Na intenção de que esses outros encontros sejam viabilizados para a efetivação do processo avaliativo, precisamos atentar-nos para a importância da participação. Essa é uma condição primordial quando apostamos numa concepção educativa que exige, para sua realização, “[...] o envolvimento ativo de uma pluralidade de sujeitos: não somente os professores, mas também as famílias, as crianças ou os estudantes e, em um âmbito sistêmico mais amplo, a sociedade civil no seu conjunto” (BONDIOLI, 2013, p. 40).

Concordando com essas assertivas, precisamos desafiar-nos a incluir as crianças nesse “coletivo avaliador” para a escuta de suas necessidades, de seus pontos de vista, dispondo-nos a conversar sobre o que desejam, buscando compreender suas respostas e suas propostas.

Pesquisadora: E com as crianças? Foi feito algum tipo de trabalho? As crianças sabiam o que estava acontecendo?

Professora C: Sabiam! [ênfase] Eu lembro! A gente fazia uma dinâmica pra elas das coisas que elas “gostam e não gostam”. Para os maiores, a gente fez em forma de desenho, para eles relatarem desenhos das coisas que eles gostavam. Já os pequenos, a gente não conseguia pegar isso, mas a gente, de alguma forma, tentou fazer esse trabalho.

Pedagoga C:[...] eu creio que a gente poderia ter feito melhor com as crianças e também que faltou uma orientação desse trabalho com as crianças... até no grupo de pedagogos. Eu creio também que não teve essa ênfase que deveria ser dada... assim... [pausa] maior.

Cientes da processualidade de viabilizar a participação das crianças no processo de avaliação institucional e em diálogo com o que expressam as docentes, argumentamos que os avanços nessa questão estão sendo conquistados com investimentos em diferentes ações e iniciativas, inclusive no campo das pesquisas. Também problematizando a concepção de qualidade como “[...] um conceito relativo que deve surgir de um debate democrático e ser constantemente revisto”, Campos (2013, p. 41) alerta sobre o respeito às necessidades e ao protagonismo das crianças como elementos primordiais nos debates.

Reconhecemos que a pesquisa com crianças constitui desafio no campo da EI (CAMPOS, 2008), exigindo estudos e conhecimentos metodológicos que, para além de uma escuta atenta e sensível das vozes infantis, nos subsidiem para vivenciar com elas movimentos dialógicos, com possibilidades de réplicas, contrapalavras, concordâncias, discordâncias, silenciamentos (BAKHTIN, 2009, 2011) diante do desafio do ato de avaliar e, sobretudo, de sua dimensão formativa, que analisamos a seguir.

A DIMENSÃO FORMATIVA DO ATO DE AVALIAR

Ao longo das análises sobre os dois movimentos dialógicos que integram o dia de realização da avaliação institucional, a formação emergiu em diversos enunciados como parte relevante do processo avaliativo. Avançando nessa dinâmica, abordamos a dimensão formativa do ato de avaliar, que nos remete à concepção de responsividade (BAKHTIN, 2010 a), reconhecendo simultaneamente nossas singularidades como sujeitos em nossas vivências e a necessidade do outro para nossa constituição e formação.

Nesse sentido, defendemos uma avaliação institucional “[...] marcada pela lógica da inclusão, do diálogo, da construção da autonomia, da mediação, da participação, da conscientização da responsabilidade com o coletivo [...]” (PPP 2, 2014, p. 23). Concordando com essa afirmativa, indagamos as docentes a respeito de sua participação no dia da avaliação institucional.

Pesquisadora: E nessa etapa, como analisa sua participação?

Assistente A: Bacana! Sempre que eu me recordava de alguma coisa que achava necessário falar, geralmente eu falava ou discutia com alguém do lado: “Lembra disso? Acho que não é assim não”, e aí acabávamos comentando...

Professora A: Então... a minha expectativa era muito grande, e eu participei com empolgação desse sistema, achei legal! Acho que a gente... avaliar a prática... refletir... ajuda a ter novas perspectivas. E também, no dia, eu tentei participar da melhor maneira possível. Eu me sinto um pouco... [pausa] como posso dizer? Eu participei muito da construção dessa educação infantil! [ênfase]

As docentes evidenciam sua participação no dia da avaliação institucional realçando a importância da interlocução com o outro e da responsabilidade com esse processo ao mencionarem: “discutia com alguém do lado” e “eu participei muito dessa educação infantil”. No que tange aos princípios de trabalho coletivo, concordamos que

[...] a participação não é um conceito abstrato como um ‘direito’ ou um ‘dever’, mas é um compromisso entre pessoas, que se traduz em sinergia de ações; tem, portanto, sempre uma conotação local e histórica, ligada a precisos momentos de uma escola ou de um contexto educativo e a participantes concretos (BONDIOLI, 2013, p. 41).

Nessa perspectiva de trabalho coletivo situado social e historicamente, que necessita da participação de todos os envolvidos para se concretizar, indagamos as docentes acerca dos processos de interação e de discussão entre os participantes na plenária.

Pesquisadora: Na plenária, como você analisa a interação e o processo de discussão entre os participantes?

Professora D: Com respeito! Porque eu me lembro que tinha que fazer inscrição pra poder falar e era dada a vez, e tinha a questão do tempo também. Eu acho que foi uma coisa democrática dentro da possibilidade de escuta. Eu me lembro que estava um dia muito quente... e as pessoas iam chegando... e eu vejo uma coisa muito sistematizada, com toda a organização possível..

Professora A:[...] tanto que teve uma pessoa de outro CMEI que veio para o nosso CMEI no outro dia, já que eram em dias diferentes, para ver a dinâmica [referindo-se ao dia da avaliação institucional]. Ela chegou aqui e falou: “Nossa! Tinha pensado: assim dá certo”. E as meninas... tem uma coisa, a [fala o nome da pedagoga] tem uma forma de organizar! Ou era [fala o nome da diretora] na direção, se eu não me engano. Elas fizeram um programa de ação muito interessante. Então outras pessoas quiseram conhecer para aplicar.

Pesquisadora: E isso é importante para um processo de avaliação?

Professora A: Importante! [ênfase] e nós temos muito resultado. Tudo que a gente faz, por mais simples que seja, fazemos com muita responsabilidade e muito envolvimento para as crianças. E isso é velho aqui; desde que eu cheguei aqui que é assim, e nós não queremos perder. As pessoas que chegam depois, nós falamos: “Olha, a gente trabalha assim, é assim que a gente acredita” e a gente tenta contagiar essas pessoas.

Nessa abordagem, os enunciados das docentes indicam que as interações extrapolam as relações encontros entre os participantes da avaliação institucional no do CMEI e alcançam profissionais de outra instituição de EI, potencializando processos formativos no contexto das práticas avaliativas, uma prática rememorada em sua “organização”, nas relações de “respeito”, no reconhecimento do exercício de colegas da equipe de trabalho, em sentidos constituídos coletivamente e com as crianças, sentidos que, conforme a docente ressalta, são preservados e compartilhados com novos profissionais que “chegam depois”.

As expectativas postas à avaliação institucional, de acordo com Freitas (2012), concentram-se geralmente na localização de problemas e contradições da instituição pelos profissionais ou pela comunidade escolar, que assumem, na sequência, compromissos com a melhoria ou superação dessas dificuldades na própria instituição ou recorrem a outras instâncias na busca de soluções.

Na esteira desse movimento de superação, cabe salientar que no PA 2, ao se referir à avaliação institucional, o documento enfatiza que “Os estudos e discussões no decorrer de 2012 e os instrumentos avaliativos [...] aplicados junto à comunidade escolar serviram de subsídios para avaliação final de nosso CMEI” e ressalta que foram apontadas prioridades para a formação continuada no ano de 2013. Cabe destacar que uma dessas prioridades foi a atualização do PPP. O documento ainda afirma que essa ação “proporcionou uma avaliação de vários aspectos que envolvem a educação oferecida por este CMEI” e que os resultados subsidiaram o planejamento coletivo do ano subsequente. Encaminhando a prática avaliativa de âmbito institucional ao escopo da EI, concordamos que a avaliação é uma prática que

[...] permite à instituição educativa refletir sobre si, sobre sua identidade, verificando e consolidando consensos acerca de seu próprio projeto; a ênfase ao caráter formativo da avaliação de determinado contexto, o que potencializa a criação de percursos de melhorias, em detrimento do juízo final acerca dos resultados (MORO; SOUZA, 2014, p. 122).

A dimensão formativa da avaliação institucional requer nossa compreensão do outro como sujeito singular, insubstituível (BAKHTIN, 2010a), concepção que implica reconhecer que o excedente de uma visão própria do sujeito requer um posicionamento ético, ao se situar no lugar do outro. E esse posicionamento, no contexto desta pesquisa, determina a condução do processo de avaliação. Ao dialogarmos com os enunciados das docentes acerca de sua percepção de alguma contribuição formativa mediante a avaliação institucional, elas afirmam:

Assistente B: Ajuda bastante. Como no caso, eu estava na faculdade de pedagogia em 2012. Então, quando paramos pra fazer uma avaliação, começamos a perceber coisas que no dia a dia a gente não observava antes de avaliar

Professora D: Eu acho que trouxe essa contribuição. Inclusive foi dando o horário e nós fomos ficando, até porque a gente não queria se ausentar... Naquele momento ali seria importante. E ao mesmo tempo quebrou aquele tabu de medo, porque muitas vezes as pessoas ficam receosas quando se trata de um documento. [...] E as pessoas, elas se distanciam com medo de dar opinião. E esse movimento foi uma coisa que envolveu a todo [...].

Há que considerar, nesse sentido, o indicativo de fragilidade nas relações entre as políticas de avaliação e as de formação relacionadas à qualidade educacional, conforme apontado por Santos (2012). Como possibilidade de superar essa fragilidade, a autora sinaliza a relevância da participação coletiva na elaboração de projetos e propostas que incluam questões ligadas à formação, ao desenvolvimento e à avaliação, tanto dos estudantes quanto dos professores.

Ao abordar a formação de professores em meio à complexidade do trabalho na escola, Nóvoa (2009) aponta a importância dessa formação como espaço da análise partilhada das práticas. E acrescenta que “[...] não há respostas feitas para o conjunto de dilemas que os professores são chamados a resolver numa escola marcada pela diferença cultural e pelo conflito de valores” (NÓVOA, 2009, p. 41), ressaltando, por isso, o valor da ética profissional que se constrói no diálogo com os colegas.

Assim, o processo de formação continuada, entre outras características, “precisa centrar-se nos problemas da escola, [...] mobilizando conceitos, teorias, métodos no contexto concreto de uma reflexão profissional” (NÓVOA, 2009, p. 41). Concordando com essa premissa sobre a formação continuada, inspiramo-nos em Bakhtin (2010b), quando analisa a relação entre o autor do romance e a personagem, para reafirmar a dimensão formativa da avaliação institucional quando este processo se fundamenta no reconhecimento de autoria e autonomia dos envolvidos e dos movimentos de resistência como elementos constituintes dos processos dialógicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto abordamos a questão da avaliação institucional na EI no cenário das políticas educacionais brasileiras, considerando sua interlocução com a formação continuada. Reconhecemos que a temática da avaliação institucional situada no campo da primeira etapa da educação básica, quando analisada no contexto das políticas públicas em nosso país, integra um panorama marcado pela regulação em que se destacam conquistas e se apresentam desafios característicos do contexto vivido.

Direcionando nossos olhares para a realização da avaliação institucional, evidenciamos que o dia desse evento marcou um momento muito significativo de encontro dos adultos (famílias, docentes e demais profissionais) para debater e analisar a qualidade da EI, que é ofertada às crianças. Embora nesse dia as crianças não estivessem nos CMEI, o compartilhamento das ideias e opiniões sobre a qualidade nas dimensões avaliadas e sobre o envolvimento dos diversos atores responsáveis pela educação estavam centrados nas ações relativas à infância.

Como desafio dessa marca participativa na avaliação institucional, realçamos que é preciso buscar possibilidades que viabilizem ao máximo a participação das famílias e das crianças. Nesse sentido, os laços que se constroem nas diversas interações desenvolvidas no cotidiano dos CMEI precedem esse momento específico para avaliar a qualidade e são primordiais na promoção de processos participativos.

Nesse sentido, precisamos demarcar que tipo de avaliação queremos na EI, que indicadores consideramos prioritários e que instrumentos dialogam com nossas concepções, defendendo a avaliação institucional no intuito de fortalecer a dimensão técnica e política dessa ação. Desse modo, concordamos que o processo avaliativo, no conjunto de suas nuances, requer ações formativas que dialoguem com seus diferentes movimentos, constituindo, assim, percursos diferenciados. Em meio a um contexto de tantas influências, reafirmamos a especificidade da EI, defendendo que a avaliação da qualidade não seja alicerçada em instrumentos ou procedimentos que incidam sobre as crianças, e sim analisem a qualidade do que lhes é ofertado, incluindo as condições da formação e do trabalho docente.

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