A INTERNACIONALIZAÇÃO NO CONTEXTO DA PRÁTICA DA POLÌTICA DE AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa que analisou como a proposta de internacionalização do Plano Nacional de Pós-Graduação (2011-2020) é traduzida nos no contexto da prática de dois programas de uma universidade privada da Região Centro-Oeste. Trata-se de um estudo de caso qualitativo que usou o método do ciclo de políticas para compreender a internacionalização da educação superior e o seu peso na avaliação de programas de pós-graduação realizada pela CAPES. Os dados foram coletados junto a gestores e docentes da instituição por meio de análise documental, entrevistas semiestruturadas e questionários. Por ser um critério relevante na avaliação da CAPES, a internacionalização dos programas precisa ser priorizada na política local das universidades.

Palavras-chave: Internacionalização da Educação Superior; Pós-Graduação Stricto Sensu; Política de Avaliação.


INTRODUÇÃO Este estudo vincula-se ao Grupo de Pesquisa do CNPq– Educação superior: políticas, governança e cidadania (PPGE/UCB) e às atividades desenvolvidas no âmbito da Pesquisa “Programa Ciência Sem Fronteiras: uma análise da parceria entre Brasil e Canadá na internacionalização da educação superior”, financiado pelo CNPq.

Apesar do surgimento de algumas experiências isoladas e elitizadas de internacionalização no período colonial, foi apenas a partir da década de 1930 que o Estado brasileiro passou a adotar ações mais concretas de internacionalização. Esse movimento ocorreu em virtude do projeto nacional de criação das primeiras universidades que passaram a incluir programas de cooperação acadêmica internacional e que contavam com a presença de intelectuais franceses e consultores norte-americanos que vinham para o país com a missão de contribuir para a estruturação do sistema nacional de educação superior. 

A expansão da internacionalização ganhou notoriedade durante a ditadura militar (1964-1985), quando a política de educação superior se voltou para o fortalecimento da pós-graduação stricto sensu e para a formação do quadro dos professores brasileiros em universidade estrangeiras. Desde então, o processo de internacionalização vem se alicerçando no Brasil, por meio da evolução do sistema de ensino de pós-graduação consolidado nos “Planos Nacionais de Pós-Graduação” (PNPG’s), que já conta com cinco edições publicadas atualmente.  O PNPG 2011-2020 fez várias recomendações no que se referem à avaliação do Sistema Nacional de Pós-Graduação - SNPG. Dentro da temática da avaliação, a CAPES deverá adotar como um dos parâmetros a comparação com programas internacionais considerados de referência, o que abrange os cursos com notas 5, 6 e 7 e exclui os cursos com notas 4, 3 e 2. As diretrizes para se alcançar uma inserção internacional, segundo as metas do PNPG são: o envio de mais estudantes ao exterior para fazerem doutorado, atrair mais alunos e pesquisadores visitantes estrangeiros e o aumento do número de publicações com instituições estrangeiras (CAPES, 2013).

Paralelamente ao atual PNPG, foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que traz as metas e estratégias para a expansão da pós-graduação. Dentre as 20 metas do atual PNE, destaca-se a meta 14 que tem como uma de suas estratégias a internacionalização da pesquisa e da pós-graduação brasileiras, incentivando a atuação em rede e o fortalecimento de grupos de pesquisa e a promoção de intercâmbio científico e tecnológico, nacional e internacional, entre as instituições de ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 2014).

Diante desse cenário, este artigo discute o modelo de internacionalização defendido na atual política de pós-graduação do Brasil e como esse modelo tem sido traduzido em dois programas stricto sensu de uma instituição de educação superior privada, na região Centro-Oeste. O estudo de caso qualitativo que deu oriegem ao texto se baseou no método de análise do ciclo de políticas (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL,1994) e partiu do princípio de que as políticas não são apenas “implementadas”, mas podem estar sujeitas a um processo de reinterpretação no contexto da prática, uma vez que, segundo Ball (2012) é nesse contexto que as políticas ganham significados distintos de acordo a atuação dos atores envolvidos. Esse método propõe a análise das políticas a partir de um ciclo contínuo e não linear constituído por cinco contextos: contexto de influência, contexto da produção de texto, contexto da prática, contexto dos resultados (efeitos) e contexto da estratégia política. Apesar de constarem cinco contextos, o presente estudo se voltou principalmente para o contexto da prática. Para Ball (2012), as políticas educacionais não são simplesmente “implementadas”, mas sujeitas a processos de reinterpretação e tradução pelos atores de cada contexto. Ainda que essa políticas sejam colocadas em prática em um mesmo espaço, existe a possibilidade de haver diferenças nessas dimensões contextuais que interferem na tradução dessas políticas.

Para este estudo, foram consideradas as notas recebidas pela instituição na última avaliação realizada pela CAPES, optando-se pelos dois programas mais antigos da instituição selecionada, atualmente avaliada com notas quatro e cinco. Uma vez que a internacionalização é um dos critérios mais importantes para que os programas consigam alcançar as notas 6 e 7 na avaliação da CAPES (notas máximas), selecionou-se dois programas que ainda não alcançaram esses níveis e que lidam com o desafio de promover a internacionalização em seus contextos práticos. Os dados foram coletados no segundo semestre de 2015 junto a docentes e gestores, por meio da análise documental, entrevistas semiestruturadas e questionários. Os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo de Bardin (2010) e o tratamento estatístico foi feito pelo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS).

A PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU NO BRASIL

A formação da comunidade acadêmica na história do Brasil foi um importante acontecimento para o desenvolvimento do país. Sua formação se deu, sobretudo, a partir da década de 1930, quando ocorreu a separação entre pesquisa e ensino, com a inauguração dos primeiros cursos de pós-graduação, pois aos poucos foram surgindo instituições envolvidas com pesquisas e discussões acerca da necessidade do investimento em ciência para o desenvolvimento do Brasil, as quais se tornaram parte da agenda política nacional. Com o Decreto Lei nº 19.851, de 11 de Abril de 1931, foi criado o Estatuto das Universidades Brasileiras e, por meio desse decreto, foram dados os primeiros passos rumo à pós-graduação. No Art. 4º, o processo de internacionalização da educação superior aparece como um dos regulamentos do Estatuto das Universidades com a finalidade de desenvolver ações em benefício da alta cultura nacional, e se esforçar para ampliar, cada vez mais, as suas relações e o seu intercâmbio com as universidades estrangeiras (BRASIL, 1931, Art. 4º).

Para Cury (2004), a pesquisa passou a ser institucionalizada e realizada por programas de pós-graduação somente na segunda metade do século XX, com o aparecimento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 1950. Esses dois órgãos passaram a desempenhar função essencial na forma de incentivo a pesquisa, por atuarem, desde a sua criação, como agências de fomento, incentivando essa modalidade de ensino por meio de financiamentos.

Os primeiros anos da CAPES, durante a década de 1950, foram de estruturação, de planejamento e de estabelecimento de contatos com instituições estrangeiras vinculadas à formação de pessoal especializado na educação superior, sob a direção do professor Anísio Spínola Teixeira. Nesse período foram firmados acordos entre o Brasil e os Estados Unidos que implicavam em uma série de convênios entre escolas e universidades norte-americanas e brasileiras por meio do intercâmbio de estudantes, pesquisadores e professores. Em 1953 foi implantado o Programa Universitário, principal linha da CAPES junto às universidades e institutos de educação superior. O professor Anísio Teixeira contratou professores visitantes estrangeiros, estimulou atividades de intercâmbio e cooperação entre instituições, concedeu bolsas de estudos e apoiou eventos de natureza científica. (CURY, 2004).

Garcia e Canêdo (2005) destacam que no curso dos primeiros nove anos de funcionamento da CAPES e do CNPq (1952-1960), mais de dois terços dos 150 estudantes considerados à concessão de bolsas (104 bolsistas) se dirigiram a universidades americanas, em programas de estudos orientados principalmente à física, ciências médicas, biológicas, agrárias e formação de engenheiros. De 1951 a 1979, aproximadamente 879 brasileiros se beneficiaram de bolsas da CAPES e do CNPq para efetuar estudos e pesquisas nos principais centros científicos do mundo. Nos decênios seguintes, entre 1970 e 1998, o volume de bolsistas passou para 17.000 estudantes (CAPES, 2010).

Após o estabelecimento do Regime Militar, em 1964, as universidades passaram pela interferência direta do governo federal.  Foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Lei da Reforma Universitária nº 5.540/68, em 28 de novembro de 1968. De caráter centralizador, próprio dos governos militares, essa reforma se impôs em um clima avesso ao diálogo. Mesmo assim, a universidade foi adequadamente definida como instituição que se caracteriza pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.  Foi no regime militar que a pós-graduação se desenvolveu como patrimônio institucional da qualificação de docentes e como elemento fundamental da criação de um sistema nacional de ciência e tecnologia (CURY, 2004).

Nas décadas de 1970 e 1980, foram realizados várias ações pelo Governo Federal para o aprimoramento do sistema de ensino de pós-graduação no Brasil, concretizados nos “Planos Nacionais de Pós-Graduação” (PNPGs) que se constituíram em outro elemento crucial na construção do sistema, imprimindo uma direção para sua consolidação e institucionalização e para o desenvolvimento da internacionalização (LIMA; CONTEL, 2011). Os Planos que conduziram a pós-graduação à evolução até os dias atuais e as motivações para a internacionalização da educação superior podem ser descritos conforme apresentado a seguir.

O I PNPG (1975-1979) tinha como principal diretriz institucionalizar o sistema de pós-graduação, consolidando-o como atividade regular no âmbito das universidades e garantindo-lhe financiamento, principalmente pela ação de agências federais de fomento (CNPq CAPES e FINEP) tendo sido legitimado e consolidado pelo regime militar. Segundo Lima e Contel (2011) foram estabelecidos programas de cooperação acadêmica internacional por meio da concessão de bolsas de estudos para a realização de mestrado ou doutorado no exterior.

O II PNPG (1982-1985) focou na formação de recursos humanos qualificados para as atividades docentes, de pesquisa e técnicas para as áreas mais intensivas em conhecimento dos setores públicos e privados nacionais, buscando adequar essas atividades com o sistema produtivo brasileiro. Foram concedidas bolsas de estudos para se realizar doutorado no exterior em áreas consideradas estratégicas para o Brasil, dando início à consolidação da internacionalização da educação superior motivada por interesses acadêmicos e mercadológicos (BALBACHEVSKY, 2005).

Além disso, são priorizadas as questões direcionadas à qualidade da educação superior, sobretudo da pós-graduação, sendo necessário o aprimoramento do processo de avaliação iniciado pela CAPES desde 1976, com a participação da comunidade científica. Para tanto, o órgão formou comitês encarregados de avaliar e classificar cada programa nas diversas áreas do conhecimento. Para Balbachevsky (2005), esses comitês se transformaram em importantes fóruns para a fixação dos padrões de qualidade da pesquisa e de legitimação dos objetos de estudo, teorias e metodologias, além da valorização de determinados padrões de publicação e de interação com a comunidade internacional.

O III PNPG (1986-1989)  estabeleceu que a universidade fosse o ambiente privilegiado para a produção do conhecimento, além de enfatizar o seu papel no desenvolvimento nacional (CAPES, 2004, p.15). Dando continuidade ao projeto desenvolvementista, o IV PNPG (2005-2010) define políticas de cooperação internacional e de formação de recursos humanos no exterior. O atual plano nacional, V PNPG (2011-2020) avança bastante em relação aos demais e incorpora novas ações em relação à internacionalização, considerando-a como uma de suas maiores prioridades.

A INTERNACIONALIZAÇÃO NO CONTEXTO DA PRÁTICA

Neste trabalho, foi utilizada a expressão “internacionalização” para se referir ao conjunto de ações interinstitucionais, especialmente entre instituições nacionais e internacionais, que ocorre de modo cooperativo com vistas a melhoria no processo de desenvolvimento de ambas, contemplando ainda aspectos sociais, e não institucionais apenas. (KNIGHT, 2005; LIMA, CONTEL, 2011).

Para Ball, Maguire e Braun (2012) o foco da análise de políticas deve incidir sobre a formação do discurso da política e sobre o processo ativo de interpretação realizado pelos profissionais que atuam no contexto da prática, processo este que relaciona os textos da política às ações dos atores. Por se tratar de uma rede complexa, em que os atores dão forma aos seus diferentes projetos a partir de seus discursos, artefatos e interpretações, a verificação, no contexto da prática, da Internacionalização, requer a compreensão de aspectos tais como: a percepção que se tem acerca do termo, as atividades recorrentes que ilustram o processo e também as potencialidades e dificuldades encontradas na implementação da política.

A pergunta inicial da entrevista realizada com os docentes questionou acerca da concepção de internacionalização, ou seja, qual a compreensão dos entrevistados em relação ao termo. As respostas, de modo geral, referiam-se a um processo de troca, de partilha, de colaboração mútua, de intercâmbio institucional, especialmente com instituições estrangeiras. Para os participantes, a internacionalização caracteriza-se essencialmente, por um processo de intercâmbio entre países. No entanto, esta colaboração assume perspectivas diferentes, ainda que consideremos um único contexto, como o institucional, por exemplo.

Na perspectiva dos docentes do programa com nota cinco, percebe-se que as concepções limitam-se a questões acadêmicas apenas, não havendo referências a aspectos que extrapolam o nível educacional e abrangem também dinâmicas econômicas próprias do novo modelo de governança da educação em tempos de globalização neoliberal.

Internacionalização, pra mim, é a participação do Programa em atividades internacionais com instituições e pesquisadores internacionais, nesses dois aspectos – aspecto de pesquisa e de ensino (DOCENTE II, PROGRAMA NOTA 5).
A internacionalização é a participação, tanto de professores e de alunos – né? – em atividades acadêmicas no exterior. E isso leva a uma certa troca de aprendizagem do que está sendo estudado lá fora e do que nós temos aqui. (DOCENTE I, PROGRAMA NOTA 5)

Para os docentes do programa com nota quatro, mais que isso, a internacionalização configura-se como um processo de intercâmbio onde alunos e professores participam de atividades tanto de pesquisa quanto de ensino que estejam vinculadas a outra instituição, especialmente aquelas localizadas no exterior. Estas experiências são percebidas como uma possibilidade de influência e contribuição múltipla, que contempla – ou ao menos deveria – não apenas os professores, mas também alunos.

Então, na academia isso foi visto como projetos de pesquisa interuniversidades, intercâmbio de professores entre universidades, intercâmbio de estudantes e, obviamente, como resultado de tudo isso, intercâmbio de culturas, valores, atitudes, comportamentos e conhecimentos também (DOCENTE IV, PROGRAMA NOTA 4).
Então a internacionalização ela é uma possibilidade de construir diálogos e trocas com parceiros internacionais fora do Brasil e essa troca não é só dos professores, eu entendo que essa troca principal talvez seja justamente receber e enviar alunos para o exterior, no caso aqui alunos de mestrado e doutorado, principalmente doutorado (DOCENTE III, PROGRAMA NOTA 4).

As falas dos docentes do programa com nota quatro reforçam um modelo mais horizontal e mais baseado na troca, intercâmbio, parceria e participação, apresentando uma percepção mais colaborativa e de ganhos que extrapolam o âmbito institucional. Entretanto, é possível perceber na fala dos docentes do programa com nota cinco uma perspectiva mais restrita a aspectos acadêmicos e uma concepção mais passiva de internacionalização.

Segundo Knight e Wit (1997) o processo de internacionalização contempla as políticas e os programas específicos organizados em diferentes níveis: governos, instituições acadêmicas e mesmo pela iniciativa individual de departamentos e instituições para se adaptar ou para explorar de forma criativa os desafios impostos pela globalização. O espaço para a criatividade está nas mãos das instituições por meio da formulação de estratégias e de políticas de internacionalização responsáveis pela estruturação das ações como reforma curricular, pesquisas conjuntas, acordos internacionais, intercâmbio de estudantes e professores, considerados pontos cruciais que definirão um processo sustentável de internacionalização da instituição.

No contexto investigado, os participantes, de modo geral, afirmaram não haver um planejamento institucional voltado para as atividades de internacionalização da universidade e, mais especificamente, dos programas de pós-graduação. As falas abaixo ilustram como a falta de uma estratégia organizacional deixa a internacionalização fragilizada na IES investigada:

Eu acho que, assim, nós, enquanto Programa não temos um projeto muito claro de internacionalização. Insisto sempre naquela dificuldade que temos de planejar à longa distância, porque o máximo que a gente consegue planejar é dar a vinda de um professor para dar aula aqui como visitante [...]Você planeja quando você tem dinheiro para poder seguir um planejamento. Ela é uma internacionalização oportunista (DOCENTE I, PROGRAMA NOTA 4).

Tudo depende, como eu te falei, é uma coisa muito pessoal. Não existe uma política, no meu modo de ver, institucionalizada de forma mais certa (DOCENTE III, PROGRAMA NOTA 5).

Como se pode observar, não há uma política institucionalizada de internacionalização na IES investigada. As ações são decorrentes, na maior parte das vezes, de contatos e parcerias estabelecidas pelos próprios docentes. Grande parte dos docentes entrevistados, no entanto, afirmou não haver uma sistematização da política de internacionalização no âmbito institucional. Esta sistematização não se refere a processos, mas a todas as ações que são desenvolvidas de modo quase aleatório, a depender das circunstâncias e oportunidades que surgem e são aproveitadas pelos docentes.

Os resultados de uma pesquisa realizada entre 2012-2014, envolvendo alunos, professores e gestores que participaram de atividades de internacionalização de duas universidades, uma no Brasil e outra no Canadá, apontaram que a maiorias das suas parcerias internacionais começou a partir de sua própria iniciativa, por meio de contatos informais com outros colegas, professores e pesquisadores (SANTOS; GUIMARÃES-IOSIF; SHULTZ, 2015, p. 27).

Quando questionados acerca das atividades de internacionalização realizadas pelo Programa, surgiu uma diversidade de respostas nas falas dos docentes, apontando ações que vão desde aulas ministradas por professores estrangeiros a doutorado sanduíche. E, ainda que não haja a sistematização de uma política de internacionalização, as atividades realizadas pelos dois programas pesquisados apresentam-se semelhantes. No entanto, foi possível identificar, por meio das falas, que a realização de pós-doutorado dos docentes e a realização de doutorado sanduíche para discentes são as práticas de internacionalização mais comuns e que estas práticas ocorrem com freqüências diferentes nos dois programas pesquisados.

Como se sabe, o domínio de outro idioma é um pré-requisito para o ingresso na pós-graduação stricto sensu. De modo geral, os estudantes de mestrado devem dominar ao menos um idioma estrangeiro, e os de doutorado, ao menos dois. Este conhecimento é necessário visto que grande parte das principais referências se encontra em outras línguas. Por se tratar de dois programas distintos, de áreas diferentes, o perfil dos estudantes também varia. Deste modo, os docentes precisam adaptar sua metodologia e suas referências segundo as características dos estudantes.

Os docentes do programa com nota cinco utilizam textos em outros idiomas com mais freqüência, e apontam que esta é uma necessidade, visto que sua literatura mais relevante está em outro idioma, o inglês mais especificamente.

Sim. Aqui no Programa, acho que praticamente todas as disciplinas têm textos em língua estrangeira. Primeiro, porque se você adota livro-texto, livro-texto de Pós-Graduação em sociais aplicadas acho que não tem nenhum que seja traduzido para Português. Então, quase todas as disciplinas, se você quer acompanhar o que está sendo ensinado nas principais escolas, tanto a nível nacional quanto a nível internacional de sociais aplicadas, você tem que ir para as publicações mais recentes; e essas publicações são em Inglês. (GESTOR, PROGRAMA NOTA 5)

Os docentes do programa com nota quatro, no entanto afirmaram não utilizar muitos textos em língua inglesa e outros idiomas, dada a dificuldade dos estudantes na leitura e compreensão destes textos, conforme a fala a seguir:

Eu por exemplo, um dos cursos que eu tinha aqui, que boa parte dos textos estavam em Inglês, como era mais pra o mestrado, metodologia da pesquisa. Eu disse: “Bom, o que adianta? Repetindo, né? Eles não estão aqui pra aprender Inglês, estão aqui pra aprender”. Aí eu troquei tudo pra textos brasileiros, nacionais, com referências, é claro, a textos estrangeiros, autores estrangeiros (DOCENTE I, PROGRAMA NOTA 4).

O ensino de um segundo idioma no Brasil nunca atingiu a esfera de uma “política lingüística”, que segundo Rajagopalan deveria ser uma política conduzida a refletir sobre o ensino de línguas com o objetivo de “conduzir ações concretas de interesse público relativo à(s) língua(s) que importam para o povo de uma nação, de um estado ou, ainda, instâncias transnacionais maiores” (RAJAGOPALAN, 2013, p.19).

Os dados apontaram que os dois programas investigados apresentam, além das notas, percepções  e práticas distintas de internacionalização.

A Internacionalização e a avaliação da CAPES

A avaliação do Sistema Nacional de Pós-Graduação foi estabelecida em 1998 e é responsabilidade da Diretoria de Avaliação/CAPES. Certificar a qualidade da pós-graduação brasileira – que é utilizada como referência para a distribuição de bolsas e recursos para o fomento à pesquisa – e identificar assimetrias entre regiões e áreas estratégicas do conhecimento são os principais objetivos da CAPES. A avaliação realizada pela CAPES, é caracterizada pelos seguintes eixos: 1 - ela é feita por pares, oriundos das diferentes áreas do conhecimento e reconhecidos por sua reputação intelectual; 2 – ela tem uma natureza meritocrática, levando à classificação dos e nos campos disciplinares; 3 – ela associa reconhecimento e fomento, definindo políticas e estabelecendo critérios para o financiamento dos programas(BRASIL, 2014).

A avaliação foi uma expressão bastante recorrente ao longo das entrevistas. Grande parte dos docentes pesquisados apontou para os impactos da internacionalização nas avaliações, sugerindo que somente a internacionalização é capaz de conferir notas superiores a cinco.

O doutorado, para ele manter nota mínima, que é 5, ele precisa ter o mínimo de internacionalização, tá? Então, essa daí é uma das grandes responsabilidades de um diretor de curso. Tentar captar recursos da própria instituição ou recursos externos para trazer professores de fora para a instituição – para apresentar seminários, apresentar suas pesquisas, fazer o intercâmbio com grupos de pesquisas lá fora; com uma outra área também, que o nosso Programa procura atingir esse objetivo (DOCENTE I, PROGRAMA NOTA 5).

O impacto dessas diretrizes na última avaliação trienal 2013 se faz presente na apreciação de cada programa. De acordo a ficha de avaliação do programa nota quatro foi sugerido na apreciação que, para avançar em seu processo de desenvolvimento e trabalhar no sentido de consolidar os bons resultados é importante ampliar seus esforços para incorporar às linhas de pesquisa e ao Programa as ações de cooperação e de inserção internacional. Já no programa nota cinco, foram destacados que os esforços de internacionalização são expressivos e bem documentados.

A análise dos critérios de avaliação estabelecidos pela CAPES, não leva em consideração especificamente um indicador “internacionalização” na avaliação e, por esta razão, não há um peso diferenciado em relação aos demais. A internacionalização não aparece como um dos indicadores avaliativos na avaliação da CAPES. Entretanto, no Roteiro de Visitas e Cursos Novos, a internacionalização aparece como um dos tópicos e com referenciais de análise (CAPES, 2014). A internacionalização é avaliada segundo critérios como publicações internacionais e recebimento de alunos de outros países, bem como atividades conjuntas com outros programas de pós-graduação. Este critério de transversalidade foi encontrado em algumas das entrevistas realizadas, conforme falas a seguir:

Ele tem um peso, vou te dizer, não prioritário. Na avaliação do todo, ele não é um elemento prioritário de avaliação. Então hoje se avalia, prioritariamente, a produção acadêmica e aí é tanto docente como discente. Em especial, o elemento mais ponderado é a produção acadêmica. Isso se vincula com projetos de pesquisa. E aí que entra a internacionalização (GESTOR/PROFESSOR, PROGRAMA NOTA 4).
Embora a Capes como um todo destaque a importância da internacionalização, um dos pontos que foi muito considerado, ou ponderado, foi a publicação em revistas científicas (DOCENTE II, PROGRAMA NOTA 5).

As falas revelam que a principal medida da internacionalização é a quantidade de publicações e a classificação Qualis da CAPES. Este fato evidencia que, realmente, há um peso maior para o critério “publicação”, visto que, conforme os dados apresentados, o programa nota quatro, apesar de apresentar uma quantidade maior de atividades de internacionalização, obteve menor nota em relação ao programa com nota cinco.   A análise dos Cadernos de Indicadores - Produção Bibliográfica de ambos os programas do ano de 2012, com resultados da última avaliação, conforme dados da tabela abaixo:

Tabela 1– Publicações em idiomas estrangeiros segundo o Qualis da CAPES
  Programa nota 5 (N=10) Programa nota 4 (N=10)
A1 0 0
A2 4 1
B1 3 0
B2 5 0
B3 0 0
B4 0 0
B5 6 0
C 0 4
Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

A Tabela 1 mostra a quantidade de publicações em outros idiomas segundo a classificação Qualis da CAPES. No entanto, foram encontradas outras publicações em outros idiomas nos cadernos de indicadores que não receberam classificação e, por esta razão, não entraram na contagem. O programa com nota cinco apresenta uma quantidade maior de publicações em outros idiomas, o que aponta em direção a uma valorização das publicações em detrimento de outras atividades ligadas à internacionalização. As falas abaixo corroboram os dados apresentados acima:

Nós fomos penalizados no último triênio e nós acabamos caindo de 5 para 4, não é? E um dos pontos foi a internacionalização. Então, a partir daí, o programa começou a entrar com essas partes, com os intercâmbios internacionais, direcionando publicações para o exterior.  Então, o Programa dá prioridade para a internacionalização. São duas coisas que o Programa hoje dá como prioridade: é internacionalização e publicação dos alunos (DOCENTE I, PROGRAMA NOTA 5).
A qualidade de uma universidade pode ser definida pela qualidade da sua pesquisa. Aliás, pode ser não, os rankings internacionais que qualificam as universidades qualificam a partir do desempenho da sua pesquisa. E esse desempenho é medido pela quantidade de publicações que são colocadas em periódicos internacionais de impacto e especificamente pelo impacto dessas publicações na formulação de novas pesquisas (DOCENTE II, PROGRAMA NOTA 4).

Os docentes referem-se à publicação como um dos principais critérios avaliativos. Entretanto na percepção dos entrevistados, são vários os fatores que compõem o complexo processo de internacionalização da educação. Foram destacados vários pontos importantes, tais como: bolsas integrais, para permitir ao aluno dedicação em seus estudos; maior apoio financeiro; constituição de uma política de internacionalização; maior cooperação internacional; fornecimento de cursos de inglês por parte da instituição, para professores e alunos e a construção de uma cultura de internacionalização.

CONCLUSÃO

Exitem vários pontos de fragilidade no processo de internacionalização nos programas investigados. Indentificou-se a falta de uma política e de diretrizes que promovam e sustentem uma cultura de internacionalização institucionalizada o que faz com que cada programa desenvolva o seu modelo de internacionalização de um modo muito peculiar. Nesse sentido, o estudo apontou para a necessidade da construção de uma política clara e consistente de internacionalização, que se fortifique e se consolide a partir de práticas institucionais unificadas. Essa medida evitará que a internacionalização ocorra de forma isolada em cada programa, podendo fortalecer a instituição como um todo.

Foram identificadas algumas ações que são realizadas pelos gestores e docentes dos dois programas de pós-graduação, para a efetivação do processo de internacionalização, tendo as recomendações do PNPG como diretrizes nesse processo. Os participantes, de um modo geral, afirmaram não haver um planejamento institucional voltado para as atividades de internacionalização da universidade e, mais especificamente, dos programas de pós-graduação. As ações são decorrentes, na maior parte das vezes, de contatos e parcerias estabelecidas pelos próprios docentes. Os dados analisados evidenciaram que, além de não haver uma política de internacionalização institucionalizada, não foi verificada uma sistematização de processos para a realização das atividades de internacionalização nos dois programas analisados. Os gestores dos programas precisam documentar melhor as atividades de internacionalização realizadas porque falhas no preenchimento da Plataforma Sucupira podem impactar na avaliação do programa.

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