AS ASSOCIAÇÕES DE MUNICÍPIOS E AS POLÍTICAS DE NATUREZA PRIVADA NA EDUCAÇÃO PÚBLICA: ANÁLISES PRELIMINARES
Resumo: Este artigo procura debater aspectos relativos à relação público e privado na educação em municípios da mesorregião oeste de Santa Catarina, incorporando ao debate, as Associações de Municípios (AM). Para tanto, tem como objetivo analisar que relação guardam as AM, por meio dos Colegiados de Educação e as políticas públicas educacionais de natureza privada. O interesse pelo tema se manifesta pela acentuada presença de Sistemas Privados de Ensino em redes de ensino públicas. A governança e o IDEB integram o debate, pois fazem parte do quadro para compor a totalidade necessária à análise inicialmente proposta. O trabalho aponta que embora as AM sejam consideradas formas de governança, não possuem influência direta na adoção de sistemas privados de ensino.
Palavras-chave: relação público-privada; Associação de Municípios; IDEB.
Introdução
O objetivo deste trabalho é analisar que relação guardam as Associações de Municípios, por meio dos Colegiados de Educação em cidades de Santa Catarina e as políticas públicas educacionais, de natureza privada, praticadas por esses municípios. Escolhemos em particular, uma região do estado catarinense – a oeste, por apresentar dados que chamam atenção quando analisamos a quantidade de municípios que possuem parcerias com empresas privadas, principalmente fornecedoras de materiais apostilados.
Em levantamento Organizamos um questionário composto de três perguntas, cujo objetivo era saber se a Secretaria de Educação do Município mantinha alguma ação/parceria/convênio com instituições externas, para o desenvolvimento de suas políticas educacionais. Em caso afirmativo, qual a instituição parceira e o nome do projeto/parceria e, por fim, qual a etapa de ensino beneficiada. Enviamos o questionário por e-mail às Secretarias municipais de Educação, mas devido ao baixo número de retorno por essa via (26), contatamos por telefone (32) também fizemos pesquisa no site institucional (5). Mas foi a UNDIME/SC que mais forneceu informações (141 municípios), já que, à época, organizava uma pesquisa com os municípios catarinense para saber quantos e quais mantinham parcerias com Sistemas Apostilados de Ensino. Informações obtidas via e-mail em 25 set. 2014. realizado em 204 dos 295 municípios do estado, entre os meses de setembro de 2014 e julho de 2015, constatamos que em 71 há políticas de natureza privada que são desenvolvidas como ações pelo poder público municipal. Na mesorregião oeste, são 42 municípios, a qual é constituída por 119 municípios e oito Associações de Municípios (AM). Dos municípios com políticas privadas na educação pública, 31 possuem população até 10 mil habitantes, 7 entre 10 mil e 20 mil e 4 acima dessa faixa populacional.
Esses dados nos intrigam e fazem pensar nos motivos que levam as redes municipais de ensino a optarem por essas políticas. A organização administrativa promovida pela Reforma do Aparelho do Estado, com a adoção dos preceitos do Estado gerencial, inclusive da governança Governança é o conjunto de regulações decorrentes do novo papel do Estado. Para BALL (2013) a governança envolve uma catalisação de todos os setores da sociedade para resolução de seus problemas., poderia explicar as razões para o quadro descrito acima? Em que medida as AM e seus Colegiados de Educação podem influenciar as redes de ensino na proposição de políticas de natureza privada? As avaliações externas acabam atribuindo novos rumos à educação, já que, para muitos, representam a materialização da eficiência e a qualidade da educação?
Para responder a essas questões, o trabalho se valerá dos dados coletados nos municípios, de documentos disponíveis em meios eletrônicos, bem como da literatura da área. Apresentamos, ainda, quais são as políticas educacionais de natureza privada escolhidas nos 42 municípios e a relação que possuem com os Índices das avaliações externas, no contexto das Associações de Municípios. O tema da governança, no decorrer do texto, se apresenta como necessário, uma vez que as AM, segundo Matsumoto, Franchini e Mauad (2012) compõem as novas formas de pensar a organização política do Estado. Procuraremos apontar em que medida as AM podem interferir na definição das políticas educacionais dos Municípios de sua abrangência, haja vista que os Colegiados de Secretários de Educação são órgãos com funções colaborativas e que integram as Associações.
De modo geral, os questionamentos que geraram a inciativa da escrita deste artigo perpassam por analisar a relação entre AM e seus Colegiados de Educação, a adoção de políticas de natureza privada e a governança. O IDEB compõe parte significativa das análises, pois tem sido usado por gestores como expressão máxima da qualidade de ensino, inclusive nos municípios adotantes de políticas privadas no seio da educação pública. O ano de referência utilizado nesse trabalho é o de 2013, visto que os resultados do IDEB referentes à avaliação 2015 ainda não foram divulgados pelo Ministério da Educação (MEC).
O presente estudo, que visa articular elementos a priori distintos – AM, relação público – privado, governança e IDEB – é uma tentativa preliminar de apontar explicações que possam contribuir para as questões hoje postas sobre a educação pública municipal e a expressiva presença de políticas de natureza privada, num dos setores do Estado que mais tem sido impactado pelas mudanças advindas da Reforma do Estado.
A contribuição teórico-metodológica do materialismo histórico-dialético é o guia de nossas análises. A educação, nessa perspectiva, é vista de modo complexo, pois é uma prática social. Isso implica em compreender que as políticas educacionais, em especial as de natureza privada, devem ser analisadas na sua totalidade e suas contradições a fim de entender a materialidade por elas expressa.
As Associações de Municípios e os Colegiados de Educação
As AM são instituições de direito privado sem fins lucrativos e são compostas por municípios pertencentes a mesma região geográfica. No Brasil, surgiram na década de 1960 e buscavam aumentar o poder reivindicatório dos municípios junto aos órgãos governamentais. As AM têm como princípio a ideia de cooperação intermunicipal e podem “constituir-se em importante instrumento para as municipalidades no sentido de viabilizar soluções de problemas comuns, de maneira compartilhada, articulada e planejada” (MARQUES, 2003, p. 12).
Em Santa Catarina (SC), a primeira AM surgiu em 1961 – a Associação dos Municípios do Meio Oeste Catarinense - AMMOC. As demais AM dessa mesorregião foram criadas em diferentes datas entre as décadas de 1960 a 1990. Muitas delas tiveram origem no auge do Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), articulado no âmbito das funções da SUDESUL. Hoje, SC possui 21 Associações existentes no estado (MARQUES, 2003).
Segundo Marques (2003), os organismos institucionais, como a Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL), tiveram por objetivo planejar o processo de urbanização e acabaram por influenciar o associativismo municipal. A SUDESUL, órgão do Governo Federal, criado em 1967 e extinto na década de 1990, tinha como função planejar e impulsionar o desenvolvimento regional harmonizado com o modelo brasileiro. Nesse período de maior centralização e forte controle estatal, há criação de outras instituições em diversas regiões do país, a exemplo da SUDESUL. Essa, por sua vez, incentivou a instituição de Associação de Municípios, com prestação de assistência técnica e financeira como maneira de exercer o controle sobre o desenvolvimento, no período em que o Brasil vivia a Ditadura Militar.
Em que pese a centralização, Filho, Almeida e Cardoso (s/d) destacam que os benefícios sociais gerados pela presença planejadora do Estado, ocorriam pelas distintas determinações e foram resultados da conjugação de diferentes ideias hegemônicas, e não do interesse das classes dirigentes propriamente ditas, as quais, muitas vezes, estagnaram e retardaram o crescimento dos municípios. Assim, é possível afirmar que os organismos institucionais embora vinculados ao projeto político de governo no regime ditatorial, submetidos à lógica do desenvolvimento econômico numa perspectiva tecnocrática e economicista, proporcionaram a formação de instituições de caráter associativo, de discussão política, como as AM.
Para Matsumoto, Franchini e Mauad (2012, p. 159) “os municípios precisavam aumentar seu poder reivindicatório e o associativismo surgiu como possibilidade inovadora de alavancar os interesses coletivos e resolver problemas comuns” Embora não sendo objeto desse estudo, consideramos importante ressaltar que o município como é conhecido hoje, ou seja, como ente público autônomo, sofreu diversas determinações na sua constituição durante a história do Brasil. Araujo (2005) tem um debate significativo acerca da constituição histórica e conceitual do regime político brasileiro desde a colônia até a CF de 1988. Assim, a partir do debate sobre o federalismo consegue demonstrar que os modelos pendulares de centralização e descentralização política definiram entendimentos sobre os municípios brasileiros, fazendo uma densa análise do processo de municipalização.. Ressalta-se que as AM representam apenas uma maneira de associativismo, pois é possível considerar outras como os consórcios municipais ou os convênios de cooperação, compreendidos como formas de cooperação horizontal, conforme prevê o art. 241 da Constituição Federal (CF) de 1988 (idem, 2012).
O associativismo municipal carece de estudos, apresentando pouca literatura, ainda mais quando direcionado ao contexto da educação, ou seja, embora a legislação preveja a possibilidade de convênios de cooperação entre municípios, há pouca pesquisa que tem foco na AM em relação às abordagens em temáticas de mecanismos legais (consórcios públicos, regiões metropolitanas) (MATSUMOTO, FRANCHINI e MAUAD, 2012).
O trabalho de Oliveira e Ganzeli (2013) problematiza as relações intergovernamentais a partir de quatro mecanismos mais comuns de convênios de cooperação - os fundos, os convênios, os consórcios públicos e os Arranjos de Desenvolvimento da Educação. Destacam que, embora a CF possibilite que os entes federados convivam em regime de colaboração, os mecanismos não contribuem para a construção de um Sistema Nacional de Educação, pois trabalham de maneira fragmentada. Não compunha o debate desses autores, a relação dos quatro mecanismos com as AM, que, aqui, representa um dos eixos do trabalho, no entanto esclarecem outras experiências associativas entre os entes.
As AM são espaços de representações políticas dos gestores municipais e “[...] funcionam mais pela lógica de redes do que de consórcios [...]” (MATSUMOTO, FRANCHINI e MAUAD, 2012, p.153). Muito embora se verifique certa informalidade, “as associações, muitas vezes, ultrapassam a representação política, tendo caráter de apoio técnico local” (Idem, p.154). Mas isso não as impede de manterem, através de termos de cooperação, convênios entre os entes municipais para atuação num fim comum, como de fato acontece, a exemplo dos consórcios ambientais, de infraestrutura urbana e rural, de convênios na área da saúde ou serviços sócios assistenciais de alta complexidade Estes termos de cooperação, a título de ilustração são desenvolvidos na Associação dos Municípios do Alto Uruguai Catarinense (AMAUC). Disponível em: amauc.org.br. Acesso em 24 mar. 2016..
Na educação, o que é habitual entre as Associações são os Colegiados de Educação, mas não encontramos nenhuma parceria de natureza conjunta nas oito Associações pertencentes à mesorregião oeste No site das Associações, há poucas informações sobre a atuação dos Colegiados Municipais de Educação., que possa caracterizar a institucionalização de termos de cooperação Consultar Gilda Araujo. Federalismo cooperativo e arranjos de desenvolvimento da educação: o atalho silencioso do empresariado para a definição e regulamentação do regime de cooperação (2012)., conforme disposto na legislação supracitada. Caso venham a existir, podem ser efetivados contratos com parceiros da área empresarial ou da Sociedade Civil, transformando os Colegiados de Educação em mais uma instância de debate e lócus da penetração do setor privado no desenvolvimento de políticas públicas, cujo ideário seja do propositor e, nesse caso, podem inclinar para ações de cunho gerenciais ou de ideais mercadológicos. Nos demais setores, segundo Estatuto de um dos Consórcios, a AM pode “receber contribuições, auxílios e subvenções de municípios [...] de empresas públicas ou privadas ou organizações internacionais”.
As informações disponíveis nos sites das Associações dão conta de que alguns Colegiados procuram promover trabalhos em conjunto, mas sem a influência de terceiros ou da celebração de termos de cooperação. No Colegiado de Educação da AM do Alto Vale do Rio do Peixe (AMARP), um grupo de trabalho, com representação de 14 municípios, participou de encontros mensais entre o período de julho de 2014 a novembro de 2015. Desse trabalho conjunto, classificado pelo Colegiado como de formação continuada, resultou na construção e publicação da Diretriz Curricular da Educação Infantil para a AMARP Disponível em: amarp.org.br. Acesso em 30 mar. 2016..
As AM contam com sede própria e possuem um Secretário Executivo, mas as presidências são assumidas por agentes políticos – prefeitos eleitos. Dentre as principais atividades que desenvolvem, destacam-se a troca de informações sobre os municípios associados, a realização de cursos de políticas locais (saúde, educação) para gestores e servidores municipais, as prestações de serviços conjuntos, a realização de conferências e fóruns de discussões sobre temas comuns, dentre outras atividades de caráter cooperativo (MATSUMOTO, FRANCHINI e MAUAD, 2012).
Na mesorregião oeste, todas as Associações possuem Colegiado de Educação, os quais são constituídos pelos Secretários Municipais de Educação ou equivalentes da mesma AM. São órgãos de decisões, com finalidades de analisar, orientar, promover o planejamento e a execução de ações no âmbito da Educação, como forma de desenvolvimento de políticas educacionais voltadas à educação pública dos Municípios, constituindo-se em instância de integração dos gestores municipais de educação Disponível em: amosc.org.br. Acesso em 23 mar. 2016. A definição de colegiado se repete nas demais associações, por isso, tomamos o da AMOSC como definição.. Os Colegiados de Educação aproximam-se, portanto, da mesma função das AM, ou seja, procura-se debater problemas comuns das redes municipais de ensino.
Essa forma particular de atuação das Associações, logo de seus Colegiados, com foco na função política, ajuda, segundo Matsumoto, Franchini e Mauad (2012) a fazer pressões frentes aos governos estadual e nacional, cuja mobilização conjunta e madura pode garantir melhor resultado nas reinvindicações. E é justamente na função política de atuação que é possível fugir da tradicional visão de governos para abranger a lógica da governança. Assim, “[...] a governança representa a maior articulação dos diversos atores políticos na consecução de políticas” (Ibid, 2012, p. 155). Nessa ótica em que há a participação é que se entende que a “Associação de Municípios seguramente faz parte dessa nova forma de pensar a atividade política”, ou seja, as AM representam a governança no atual estágio de governabilidade brasileira.
A eficiência como pressuposto da governança nas políticas educacionais
Na Reforma do Estado, a administração pública gerencial envolveu uma mudança na estrutura da gerência, definindo setores em que o Estado opera, a saber, o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não exclusivos e o setor de produção de bens e serviços para o mercado.
No primeiro setor, a efetividade das decisões é mais importante que a eficiência, mas nos demais, essa última passa a prevalecer na gestão gerencialista. Para a consecução desses fins, o Plano Diretor coloca entre os objetivos globais da reforma, o aumento da governança do Estado, ou seja, “sua capacidade administrativa de governar com efetividade e eficiência, voltando a ação dos serviços do Estado para o atendimento dos cidadãos (DI PIETRO, 2009, p. 34).
Nesse sentido, o Estado passa a garantir a governança - “maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas” (BRASIL, 1995, p. 44). Nos serviços não exclusivos, nos quais se encontra a educação, “a administração deve ser mais que descentralizada – deve ser autônoma: a sociedade civil dividirá, com o governo, as tarefas de controle” (PEREIRA, 1997, p. 35). No núcleo estratégico das atividades não exclusivas, a governança deve garantir a eficiência, logo essa última passa a ser o pressuposto da primeira.
Nessa nova arquitetura da organização estatal, o Estado cada vez mais contrata e monitora, ou seja, há novas formas de regulação por meio da governança. “Portanto, novas vozes e interesses são representados no processo político, e novos nós de poder e influência são construídos e fortalecidos” (BALL, 2013, p.177).
No caso brasileiro, na definição das políticas sociais, inclusive a educação, os novos parceiros são grupos privados ou Organizações da Sociedade Civil, que procuram programar e implementar propostas corretivas ou soluções educacionais com base nos processos do mercado, prometendo qualificar a educação. De forma geral, os novos parceiros devem promover políticas educacionais que garantam a eficiência, a qual tem sido mensurada por avaliações em diversas etapas da educação básica O Brasil possui vários programas de avaliação desde o Ensino Fundamental ao Superior. Na educação básica, destaca-se a Provinha Brasil, a Avaliação Nacional da Alfabetização – ANA e a Prova Brasil. Esta última é condição para obtenção do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, aliado a outro indicador- fluxo escolar.. Como estamos tratando nesse artigo de AM, e essas são constituídas por municípios, é importante que analisemos o desempenho dos municípios que mantêm parcerias com o setor privado ou com o público não estatal, visto que as avaliações se constituem em exemplos práticos da eficiência, no modelo de Estado em que privilegia esse tipo de parcerias e prima por resultados.
Para tanto, nos valeremos dos dados das avalições do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), pois a eficiência é o pressuposto do modelo de governança quando nos referimos às atividades não exclusivas do Estado e que, para muitos, têm sido sinônimo de qualidade. Embora tomando esses índices de forma como se apresentam à sociedade, ou seja, sem uma análise de totalidade que permite que o compreendamos como parte de um processo, a apresentação aqui é necessária para demonstrar que, no modelo gerencial, as avaliações têm tomado lugar de destaque. Por isso, o IDEB, embora seja um indicador, não é o único elemento daquilo que entendemos por uma educação democrática e de qualidade.
As AM da mesorregião oeste, as políticas educacionais de natureza privada e o desempenho no IDEB: que relações guardam?
As AM da mesorregião oeste são compostas por 119 municípios (FECAM, 2013/2014). Desses, 42 possuem políticas de natureza privada na educação pública, sendo a mais comum a contratação de Sistemas Privados de Ensino, a exemplo do Sistema Aprende Brasil, Sistema Positivo, SEFE, Dom Bosco, Energia e Expoente. São 37 municípios, ou seja, 88% das cidades possuem negócios com esses grupos. Apenas em 5 municípios é que as parcerias com o setor privado não são relativas à compra de material, mas de formação de professores.
Muitos estudos (DELGADO, 2010; MIRANDOLA, 2010; ROSSI, 2009 e ADRIÃO et al, 2009, 2015) têm se ocupado de analisar os Sistemas Privados de Ensino na educação pública, apontando inclusive que o IDEB, nos municípios pesquisados, não melhorou com essa prática. O trabalho de Adrião et al (2015) sobre Sistemas Privados de Ensino na educação pública tratou de verificar em que medida a financeirização econômica impacta aspectos específicos da política educacional e, consequentemente, do direito à educação, apontando limites significativos das políticas privadas em âmbito público.
De modo a compreender os resultados do IDEB/2013, necessário se faz apontar algumas particularidades presentes nos 42 municípios. Em todas as cidades, o Índice dos anos iniciais é maior que o dos anos finais, ou seja, o ensino fundamental é marcado pela disparidade no desempenho dos alunos entre os dois segmentos. Se tomarmos a maior média do IDEB nos anos iniciais de um dos municípios – 7,1 observamos que há um desempenho 16,90% maior nesse segmento do que no dos anos finais. Ao analisarmos outro Município, agora com a menor média obtida no IDEB, entre os dois segmentos, constatamos que o percentual aumenta, ou seja, há uma variação de 30% entre o índice dos anos iniciais em relação aos finais. Se a governança prima pela eficiência nos parece a priori, que há uma incompletude desse pressuposto no segmento dos anos finais.
Em trabalho recente sobre os efeitos colaterais da meritocracia na Rede Municipal de Ensino de Foz do Iguaçú (PR), Benitez e Souza (2015), a partir da análise da implantação da política que aplica benefícios aos professores que alcançam boas médias no IDEB, destacam limites que supervalorizam os resultados dessa política avaliativa, bem como do processo meritocrático. Dentre os efeitos colaterais apontados pelos autores, como a precarização do currículo escolar, a competição entre escola [...], há um que nos interessa em particular – o treinamento para as provas.
Essa prática tem sido um jeito encontrado para “burlar o sistema, embora não leve ao aprendizado” (BENITEZ e SOUZA, 2015, p. 365). O trabalho destaca ainda que o treino exaustivo para a prova não garante a aprendizagem, sendo que depois dessa fase os alunos acabam esquecendo o que aprenderam. Esquecer o que aprenderam caminha para aquilo que chamamos de não aprendizagem, ou seja, o resultado do IDEB não é definidor para classificar a educação como boa ou ruim. Essa não continuidade na aprendizagem nos ajuda a compreender os motivos que podem justificar o menor desempenho dos alunos nos anos finais.
Sistemas de avaliação estão presentes também nos produtos ofertados às redes de ensino quando estas adquirem Sistemas Privados. A Editoria Positivo Disponível em: editorapositivo.com.br. Acesso em 29 mar. 2016., por exemplo, oferece o Sistema de Avaliação Positivo – hábili, que avalia competências e habilidades em matemática, língua portuguesa e ciências para alunos de todas as séries do Ensino Fundamental e Médio. O hábili se fundamenta na legislação educacional brasileira e nas matrizes de referência do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), como a Prova Brasil. Em que pese, não configurarem-se diretamente como testes para treinamento, o hábili se mostra uma ferramenta similar ao das avaliações externas, ou seja, os Sistemas Privados de Ensino acabam incentivando o preparo dos alunos para a realização de testes, muito embora o sistema de avaliação Positivo revela-se capaz de elaborar relatório do diagnóstico educacional do aluno, conforme apontado pela empresa.
A análise do desempenho do IDEB/2013 nos municípios da mesorregião oeste aponta ainda que as médias nos anos iniciais em quatro municípios não conseguiram superar as metas projetadas pelo Ministério da Educação (MEC). Quando observamos os anos finais, esse número aumenta para nove cidades, sendo que dos 42, apenas 22 municípios têm média dos anos finais, uma vez que não são todos os municípios que fazem a avaliação desse segmento, observado os critérios de participação estabelecidos pelo MEC. Desse modo, 40% dos municípios não atingiram as metas projetadas para os anos finais, indicando mais uma vez de que a eficiência enquanto premissa da governança não está sendo cumprida. Portanto, como podemos explicar alunos com bom desempenho num segmento e noutro com limites consideráveis?
Os dados acima destacados não são encontrados em uma única Associação, ao contrário, a situação está presente em todas, pois índices com tamanha disparidade entre os anos iniciais e finais são encontrados nas oito AM da mesorregião oeste de SC. Assim, entendemos que a opção ou não por adotar sistemas privados de ensino não é uma deliberação conjunta no âmbito das Associações, mas parece marcar influência no processo decisório.
Chama atenção a Associação dos Municípios do Alto Uruguai Catarinense (AMAUC) que dos 15 municípios nove têm parcerias com Sistemas Privados de Ensino. Embora não tenhamos outros elementos para nortear nossas análises, que não o que encontramos nas páginas eletrônicas, questionamo-nos a respeito da forte presença de políticas privadas na educação pública desses municípios. As datas de adoção dos Sistemas Privados nessa Associação, em particular, variam entre os anos de 2008 a 2012, ou seja, três anos após a divulgação dos primeiros resultados do IDEB.
Portanto, pode ter havido influência de um município para outro quanto à adoção dessa política, todavia, não é possível afirmar que as deliberações que possam ter incentivado medidas dessa natureza tenham sido debatidas no âmbito interno dos Colegiados de Educação das AM. Na pesquisa de Nicoletti (2009) e Delgado (2010), a adoção de sistemas privados de ensino – os apostilados encontrava na qualidade, a justificativa para a parceria. Os prefeitos dos municípios pesquisados utilizavam-se da retórica da qualidade de ensino proporcionado pelos sistemas privados, a exemplo do que era utilizado na escola privada, como apoio de que precisavam em suas campanhas políticas. Rossi (2009) destaca que a adoção de Sistemas Apostilados era bem vista pelos eleitores, fazendo parte dos programas de governos de alguns partidos.
Assim, entendemos que ações dessa natureza, mais que decisões de Colegiados, são políticas eleitoreiras e advêm de prefeitos e gestores que muitas vezes nem consultam os próprios integrantes das Secretarias de Educação tampouco a comunidade escolar para tomada de decisão na construção de quaisquer políticas educacionais.
Ademais, nos parece que o alastramento de políticas privadas entre os sistemas públicos de ensino são manifestações daquilo que Barroso (2003) chamou de efeito contaminação. Ao estudar a evolução dos modos de regulação estatal a partir da reestruturação do Estado, o autor chama a atenção para três novas formas – o efeito contaminação, o hibridismo e o efeito mosaico O efeito hibridismo é o resultado da sobreposição ou mestiçagem de diferentes lógicas, discursos ou práticas na definição de ações políticas, reforçando seus caracteres ambíguos e compósitos. O efeito mosaico é a visão predominante de como podem ser organizadas as políticas educacionais, não tendo sistema nacional, mas unidades isoladas é a degenerescência do sistema vigente. (BARROSO, 2003). No primeiro, há a tendência em adotar soluções transportáveis, em uso num determinado país, para serem aplicadas em outro, “[...] olhar para os sistemas educativos de outros países e observar aquilo que funciona exerce uma atracção evidente nos decisores políticos em busca de soluções rápidas [...]” (BARROSO, 2003, p. 25).
Embora as políticas que ora analisamos sejam entre municípios pertencentes às AM, o conceito do autor português parece se adequar com propriedade à situação que vemos na região. Se um município contrata e vê que há sucesso, é possível que o outro também o faça. Isso pode ajudar a explicar a concentração de políticas privadas nos municípios que pertencem a uma mesma Associação.
O fator que, de certa forma, torna-se comum entre as AM e seus municípios com as políticas privadas nas redes de ensino, considerando os Índices do IDEB, é a nova gestão pública. Foi por meio de seus pressupostos, inclusive o da governança, que a educação passou a compor um bom nicho de mercado e enquadrada como boa ou ruim a partir dos resultados do IDEB. Como sugere o subtítulo dessa seção, a relação que se estabelece não é direta entre um elemento e outro, mas há que se olhar a totalidade para compreender que o real não é imediatamente dado, mas, sobretudo expressa as contradições nesse período particular do capitalismo, marcado por mudanças que desresponsabilizam o Estado em seu papel para com a educação.
Considerações finais
A organização administrativa promovida pela Reforma do Estado possibilitou a inserção de políticas privadas no âmbito público, pois justamente as atividades não exclusivas estão sujeitas a todos os tipos de parceiros. Procuramos demonstrar que a governança se manifesta quando a sociedade civil é chamada para dividir responsabilidade com o Estado compondo, portanto, novas formas de regulação. Desse modo, a partir da reforma, a governança tem como pressuposto de sucesso a eficiência, que tem sido materializada largamente pelos índices do IDEB. Em que pese as AM exercerem a governança, como afirmam Matsumoto, Franchini e Mauad (2012) entendemos que as consequências danosas na educação não advêm das AM, tampouco dos Colegiados de Educação. A Educação nas AM não está organizada em forma de Consórcios, Fundos ou Arranjos de Desenvolvimento da Educação. Por enquanto, as AM e seus Colegiados de Educação estão primando pelo debate e ajuda mútua, possuindo, portanto, caráter diferenciado dos demais serviços públicos municipais como meio ambiente, infraestrutura ou desenvolvimento social, que, em seus estatutos, já estão previstas parcerias com o setor privado. No entanto, os Colegiados de Educação também podem seguir essa tendência firmando parcerias ou outras formas de convênio de cooperação, possíveis de serem realizáveis com parceiros de qualquer natureza, inclusive do setor privado.
No que diz respeito à opção dos municípios por Sistemas Apostilados de Ensino, não há influência direta das AM. Apontamos que pelo efeito contaminação poderá despertar interesses entre municípios que já desenvolvem algumas políticas em relação àqueles que estão à procura de soluções educacionais, especialmente porque o IDEB tem, de forma obscura, mostrado apenas resultados positivos, mas algumas análises são reservadas ou nem mesmo desenvolvidas. Corroboramos com Besson (1995, p. 37, destaques do original) quando diz que “[...] ‘os estatísticos podem fazer com que os números digam o que se quiser’[...] toda demonstração consiste em se fazer dizer ‘o que se quer’ dos fatos [...]”.
Respondendo de forma concisa ao objetivo desse trabalho, dizemos que a relação entre as AM e as políticas privadas não se apresenta de forma direta. Mas a governança como agente regulador (do Estado) e as avaliações como indicadores de eficiência, compuseram o conjunto de elementos necessários para construir as análises aqui postas.
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