O PROCESSO DE AUTOAVALIAÇÃO E GESTÃO INSTITUCIONAL EM IES PRIVADAS
Resumo: O presente trabalho relata a pesquisa que objetivou analisar a relação entre o processo de autoavaliação e gestão institucional em três faculdades isoladas do sul catarinense, na visão dos integrantes da CPA (Comissão Própria de Avaliação). O estudo valeu-se da análise de conteúdo dos Regimentos das CPAs e entrevistas semiestruturadas com seus membros, que nos permitiu concluir que a composição da CPA é realizada, na maioria das vezes, por indicação/convite da gestão da IES, fortalecendo, por conseguinte, o caráter gerencialista em detrimento do caráter democrático e emancipatório.
Palavras-chave: ensino superior; avaliação institucional; comissão própria de avaliação.
INTRODUÇÃO
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior, o SINAES, em vigor desde 2004, compreende três modalidades de avaliação: Avaliação de Desempenho dos Estudantes (ENADE), Avaliação dos Cursos de Graduação (ACG) e Avaliação das Instituições de Ensino Superior (AVALIES). Esta última, composta por uma avaliação externa, realizada por avaliadores designados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e outra interna (autoavaliação), coordenada pela Comissão Própria de Avaliação (CPA), objeto de nosso estudo.
A pesquisa sobre as CPAs, entre nós, ainda é incipiente, principalmente, no que se refere às faculdades isoladas do sul do Estado de Santa Catarina, o que nos levou ao seguinte questionamento: Qual a relação entre o processo de autoavaliação institucional e a tomada de decisão pela gestão da IES, na visão dos integrantes da CPA das faculdades isoladas do sul catarinense?
Dessa maneira, o estudo buscou compreender a relação entre os processos de autoavaliação institucional e a tomada de decisão pela gestão das faculdades isoladas do sul catarinense, na visão dos integrantes da CPA. Por sua natureza, a metodologia compreendeu a análise de conteúdo (BARDIN, 2005) do regimento das CPAs pesquisadas e das entrevistas semiestruturadas com seus membros, representantes dos segmentos das IES envolvidas.
Nosso propósito nesse trabalho, portanto, é descrever o estudo realizado. Neste sentido, de início, tecemos considerações sobre o histórico dos programas nacionais de avaliação institucional em nível superior. Em seguida, abordamos o SINAES, com destaque na autoavaliação institucional. Por fim, discutimos os resultados da pesquisa realizada nas faculdades privadas do sul catarinense.
A AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
O ensino superior brasileiro, a partir do período colonial, expandiu-se vagarosamente. Mesmo assim, de acordo com Rossato (2005), entre os anos de 1891 e 1919 houve a criação de 27 escolas superiores.
Com a primeira LDB – Lei de Diretrizes e Bases –, instituída pela Lei nº 4.024, de 1961, as universidades passaram a ter autonomia para criar seus novos cursos e facilitou a criação de instituições isoladas privadas. (BRASIL, 1961). Diante dessa expansão, em 1963 foram fixadas normas de autorização e de reconhecimento das IES.
Com o objetivo de analisar os impactos da Lei da Reforma Universitária (Lei nº 5.540/1968), em 1983 o MEC criou o Programa de Avaliação da Reforma Universitária (PARU), que considerava tanto a produção e a disseminação do conhecimento, como a gestão da IES (BRASIL, 2009). Este programa teve curta duração, sendo extinto em 1984, ano seguinte a sua implementação. Apesar de sua curta trajetória, para Barreyro e Rothen (2008, p. 135), “o PARU, foi o precursor das experiências de avaliação posteriores no país (PAIUB, SINAES-CEA), inaugurando a concepção de avaliação formativa e emancipatória”. Ainda para os autores, outro importante legado deixado por esse programa foi a preocupação para com a gestão institucional.
Em 1985 o MEC apresentou uma nova proposta de avaliação da educação superior por meio de um Grupo Executivo para a Reforma da Educação Superior (GERES), que teve como objetivo controlar a qualidade das instituições, o que implicava a distribuição de recursos públicos destinadas às IES públicas ou privadas (BRASIL, 2009). De acordo com Cunha (2002), essa proposta recebeu muitas críticas, porém permaneceu como orientações gerais para o ensino superior.
No início dos anos 1990, com o discurso de modernização e da inserção no Brasil na economia globalizada, coube às IES formar recursos humanos para suprir essa demanda. Diante disso, o Ministério da Educação detectou que, desde a década de 1960, o ensino superior brasileiro vinha apresentando problemas, principalmente em decorrência da rápida expansão e da pouca preocupação com a qualidade (QUEIROZ et al, 2013).
Para estudar esse problema, foi criado em 1993 o Programa de Avaliação das Universidades Brasileiras (PAIUB), proporcionando grande autonomia às IES, que, aderindo voluntariamente ao Programa, criavam e apresentavam ao MEC seus próprios modelos de autoavaliação. Vale ressaltar, que “o PAIUB concebia a autoavaliação como etapa inicial de um processo que, uma vez desencadeado, estendia-se a toda a instituição e se completava com a avaliação externa” (BRASIL, 2009, p. 27).
Desse modo, o PAIUB foi o primeiro programa proposto e fomentado pelo MEC com “princípios de avaliação coerentes com a posição emancipatória e participativa” (LEITE, 2005, p. 51), constituído por uma avaliação interna (autoavaliação) e outra externa, realizada por especialistas da área, além da reavaliação, na qual a IES poderia discutir os resultados das avaliações anteriores e estabelecer propostas de melhoria
Mesmo sendo um programa de livre adesão, o PAIUB obteve grande adesão por parte das IES, que passavam a receber recursos financeiros para executar seus programas de avaliação institucional próprios, o que leva a concluir que a origem da proposta de uma Comissão Própria de Avaliação para cada IES, deu-se nesse Programa, o qual previa que cada IES contasse com uma Comissão Central interna, que coordenaria o processo de autoavaliação.
Em novembro de 1995, a Lei n° 9131 (BRASIL, 1995), estabeleceu que os estudantes concluintes de cursos de graduação deveriam realizar exames escritos, aplicados anualmente em todo o país: o Exame Nacional de Cursos (ENC), também conhecido como “Provão”. Esse mecanismo de avaliação utilizava o desempenho dos alunos para medir a eficácia das IES, “baseado na lógica de que a qualidade do curso é igual à qualidade de seus alunos” (BRASIL, 2009, p. 28).
Para Dias Sobrinho (2010, p. 206), o Provão “teve o mérito de colocar a avaliação na agenda da educação superior e da própria sociedade brasileira”, porém o autor aponta que a principal fragilidade desse Exame era a aplicação de um instrumento “num único momento e se limitava a estabelecer a qualidade dos cursos tomando como matéria os desempenhos estudantis em uma prova”.
Concomitante ao Provão, o MEC realizava o Censo da educação superior e as Avaliações das Condições de Ensino (ACE), que consistiam em avaliações in loco, focadas na organização didático-pedagógica, no corpo docente e nas instalações físicas das IES e/ou dos cursos, objetivando o credenciamento ou o recredenciamento das instituições, bem como a autorização ou o reconhecimento de cursos.
O Provão surgiu no movimento da LDB/96, que, após tramitar oito anos no Congresso Nacional, foi assinada e implantou processos de avaliação e de regulação das IES e de seus cursos de graduação – a exemplo da educação básica –, além de favorecer a descentralização e a flexibilização, facilitando a expansão do ensino superior privado.
Devido a essa expansão e à preocupação com a qualidade do ensino ofertado, em 2003, paralelamente ao Provão, o MEC designou uma Comissão Especial de Avaliação (CEA) que, levando em consideração a análise das experiências avaliativas anteriores, inclusive o ENC e ACE, propôs o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), sistema vigente até os dias atuais.
SINAES – SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Instituído pela Lei nº 10.861/2004, o SINAES, coordenado e supervisionado pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) e operacionalizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), se constitui como um processo permanente de avaliação, que
deve articular duas dimensões importantes: a) avaliação educativa propriamente dita, de natureza formativa, mais voltada à atribuição de juízos de valor e mérito em vista de aumentar a qualidade e as capacidades de emancipação e b) regulação, em suas funções de supervisão, fiscalização, decisões concretas de autorização, credenciamento, transformação institucional, etc., funções próprias do Estado (BRASIL, 2009, p. 85).
Para isso, as IES devem elaborar de forma coletiva um projeto de avaliação institucional que reúna informações que contribuam para a tomada de decisão, tanto em âmbito administrativo quanto pedagógico, buscando a melhoria contínua da qualidade institucional. Por ser uma política de Estado, o SINAES “se fundamenta em princípios e objetivos ligados diretamente aos interesses sociais da educação superior, cuja implementação deverá ser, portanto, ensejada por todas as instituições de ensino superior, sejam de caráter público ou privado” (ANDRIOLA, 2005, p. 58), respeitando sua identidade e peculiaridades, conforme complementa Dias Sobrinho (2010, p. 208).
O SINAES é constituído por três pilares: avaliação da instituição, do curso e dos estudantes. Essas avaliações propostas pelo SINAES são entendidas como processo permanente de melhoria da qualidade institucional.
O desempenho dos estudantes é aferido pelo ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes –, tendo como referência os conteúdos previstos nas diretrizes curriculares de cada curso. Esse exame é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação, por meio de avaliações trienais aplicadas de acordo com as áreas avaliadas.
Para Dias Sobrinho (2010, p. 215), a Lei do SINAES produziu significativo desvio quanto ao seu objetivo ao fornecer “argumento para a elaboração de rankings” entre cursos e IES. Isso ficou mais evidente após a publicação da Portaria Normativa 40/2007, republicada em 2010, em que foram instituídos o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC), considerados indicadores de qualidade.
Além do ENADE, conforme a Lei do SINAES, as avaliações dos cursos de graduação devem ser realizadas in loco, por comissões avaliadoras designadas pelo INEP, que devem seguir procedimentos e instrumentos estabelecidos pelo INEP, com o objetivo de “identificar as condições de ensino oferecidas aos estudantes, em especial as relativas ao perfil do corpo docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica” (BRASIL, 2004).
De acordo com o SINAES as IES também passam por avaliação que se divide-se em duas modalidades: a avaliação externa e a avaliação interna (chamada de autoavaliação). A avaliação externa é realizada por comissões designadas pelo INEP, enquanto a autoavaliação é coordenada pela CPA – Comissão Própria de Avaliação – que é o foco principal deste estudo.
A comissão de avaliação externa verifica se os dados previamente fornecidos pela IES são verídicos e, ao final da visita, emite relatório e atribui um conceito institucional (CI).
Além dessa avaliação externa, o SINAES estabelece que as instituições de ensino superior devem se autoconhecer (autoavaliar) nos aspectos relacionados ao seu desenvolvimento institucional e políticas acadêmicas, entre outros. Desse modo, o item seguinte aborda questões relativas à autoavaliação institucional.
AUTOAVALIAÇÃO INSTITUCIONAL NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO
No contexto educacional, de acordo com Saul (2010), existem dois tipos de avaliação: a avaliação da aprendizagem – cujo objetivo é verificar o rendimento escolar do aluno – e a avaliação de currículo – que visa a avaliar o programa de ensino. Esta última, proposta pela autora, pode também ser aplicada na avaliação de cursos e até mesmo na avaliação institucional.
A avaliação institucional para além dos processos de ensino aprendizagem, busca compreender a realidade da instituição em suas diferentes dimensões, no sentido de “aproximar o máximo possível o que está dito nos documentos institucionais acerca do trabalho da IES e aquilo que realmente acontece cotidianamente, quando a IES está em funcionamento” (RIBEIRO, 2009, p. 75).
Assim, a avaliação institucional tem como principal objetivo a melhoria contínua da qualidade dos serviços educacionais. Ampliando essa compreensão, Gatti (2006) afirma que a avaliação institucional busca identificar a realidade da instituição, considerando suas atividades acadêmicas de ensino, de pesquisa e de extensão, bem como os aspectos de gestão e de inserção social, propondo-lhe as melhorias que se julgam necessárias.
Saul (2010, p. 65), em sua visão emancipatória, entende que a avaliação institucional tem como objetivos “iluminar o caminho da transformação e beneficiar as audiências no sentido de torná-las autodeterminadas”. Desse modo, a avaliação propõe uma projeção de futuro e, para isso, faz-se necessário analisar e avaliar a prática institucional, visando ao planejamento e ao desenvolvimento de ações em busca da qualidade.
O paradigma da avaliação emancipatória propõe conceitos básicos de “emancipação, decisão democrática, transformação e crítica educativa” (SAUL, 2010, p. 66), ou seja, por meio de lutas transformadoras que contemplam tanto o consenso quanto o dissenso na tomada de decisão referente aos compromissos sociais e políticos, envolvendo os participantes (considerados como avaliadores), visando à análise valorativa de seu objeto de estudo, que nesse trabalho é direcionado às IES.
Quanto às formas de avaliações institucionais, tomamos como referência a sistematização proposta por Gatti (2006) disposta em quatro modelos:
a) Descritivos - que apresentam os dados institucionais por meio de questionários, traçando o perfil institucional;
b) Descritivos analíticos - que proporcionam a comparação dos dados coletados com os processos internos da IES;
c) Reflexivo-interpretativos - que, partindo dos dados descritivos e analíticos, apresentam interpretações distintas, baseadas em informações sócio-científico-culturais, por meio de formas diferenciadas de coleta de dados, como entrevistas, observações, entre outros.
d) Reflexivo-participativos - que se apoiam nos objetivos da avaliação participativa, promovendo o diálogo e a reflexão contínua entre os envolvidos.
De acordo com a autora (2006), esses modelos não se excluem e são complementares, porém os modelos mais utilizados nos processos de avaliação institucional são os descritivos e os descritivos-analíticos, que, por suas características, podem ser classificados como modelos de avaliação regulatória, cuja finalidade básica é a regulação e o controle.
Na concepção de Gatti (2006), os métodos reflexivos-interpretativos e reflexivos-participativos são os mais compatíveis com a perspectiva de avaliação institucional, pois implicam uma reflexão interdisciplinar sobre o papel da IES.
Para Leite (2005, p. 16), “as instituições universitárias, assim como outras organizações sociais, por suas características de autonomia, precisam exercitar as regras pedagógicas do jogo democrático, mediante a avaliação participativa”, com atuação constante e ativa nos processos avaliativos. Assim, a avaliação institucional “permite o balanço dos rumos da instituição em busca de qualidade” (LEITE, 2005, p. 33), se constituindo como instrumento de gestão institucional, propondo ajustes necessários com vistas à elevação do desempenho e da qualidade da IES.
A CPA NO PROCESSO DE AUTOAVALIAÇÃO DA IES
Em atendimento ao artigo 11 da Lei do SINAES, cada instituição de ensino superior deve instituir uma Comissão Própria de Avaliação, com a função de articular e de coordenar os processos avaliativos internos da IES. A CPA deve ser composta por representantes de todos os seguimentos da comunidade acadêmica (docentes, discentes, pessoal técnico-administrativo) e da sociedade civil organizada.
A CPA deve elaborar regulamento próprio, aprovado pelo órgão colegiado máximo da instituição, explicitando sua composição, sua dinâmica de funcionamento, sua duração de mandato para os membros, bem como suas atribuições.
Cabe à CPA realizar a sensibilização envolvendo a comunidade acadêmica, por meio de seminários, palestras, reuniões, entre outros, com o objetivo de elaborar democraticamente sua proposta de avaliação. Por ser parte constituinte do SINAES, a autoavaliação deve ser entendida como um processo cíclico e renovador, o que requer que essa sensibilização seja realizada frequentemente.
Belloni, Magalhães e Souza (2007) assim sintetizam o processo de autoavaliação institucional:
(1) buscar compreender a realidade na qual se insere; (2) voltar-se para o processo decisório que a orienta; (3) responder aos questionamentos colocados e; (4) possibilitar a identificação do mérito ou valor das ações e resultados que concernem ao seu objeto de análise. Com efeito, sua finalidade primordial é solucionar problemas e promover conhecimento e a (5) compreensão dos fatores associados ao êxito ou fracasso das instituições, das políticas, planos e programas, com vistas ao seu aperfeiçoamento (BELLONI; MAGALHÃES; SOUZA, 2007, p. 87).
Em razão dessas asserções, o principal objetivo da autoavaliação institucional é identificar as fragilidades e as potencialidades da instituição, como um processo contínuo de autoconhecimento, visando à melhoria da qualidade dos serviços educacionais, tornando-se assim um importante instrumento de gestão. Para que isso aconteça, conforme Dias Sobrinho (2000, p. 121), é necessário saber o que deve ser avaliado, e quem deve avaliar, devendo a CPA realizar esta seleção, pois “nem todo dado é importante e útil para uma determinada avaliação”.
Desse modo, para que o processo de autoavaliação institucional realizado pela CPA tenha sucesso, é necessário que seus membros, como protagonistas do processo avaliativo, participem de forma consciente desse processo, constituindo-se em elo entre a gestão institucional e a comunidade acadêmica (AUGUSTO; BALZAN, 2007).
Assim, a CPA resguardando sua autonomia em relação à gestão da IES, configura-se como elemento primordial para orientar a tomada de decisão por parte da gestão institucional.
Para que a avaliação conduzida pela CPA se torne uma cultura institucional, faz-se necessário que ocorra a participação da comunidade acadêmica: dirigentes, docentes, técnicos-administrativos, alunos e representantes da comunidade, de forma que se valorize o processo avaliativo e não somente os resultados alcançados, visando à promoção de uma cultura avaliativa que coadune tanto elementos de um paradigma regulatório quanto de um paradigma emancipatório.
Para Dias Sobrinho (2002, p. 127), as instituições devem desenvolver um sistema de avaliação democrático e participativo, “produzido por múltiplas estruturas e relações, para construir organicamente os juízos de valor sobre todas as suas atividades e instituir os processos adequados à melhoria de sua ‘qualidade’”.
Por essas razões, a avaliação institucional, segundo Muriel (2006) deve se constituir como primeira etapa do planejamento da IES, pois por meio dela é possível identificar as potencialidades e as fragilidades da instituição. Essas ações, tanto administrativas quanto acadêmicas, devem constar no Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), uma vez que desde a implantação do SINAES, a autoavaliação passou a ser “condição sine qua non” para a elaboração deste (MARBACK NETO, 2007, p. 189).
É importante destacar como a autoavaliação institucional tende a se comportar na relação com a gestão da IES. Neste sentido, consideramos importante destacar os modelos de gestão sistematizados por Santiago et al (2003, p. 77) na relação entre avaliação e gestão institucional:
a) modelos que ressaltam o “pressuposto da racionalidade absoluta” – a avaliação institucional visa identificar os problemas e buscar soluções para o aumento da eficiência da IES, dentro de um modelo burocrático, porém, com a participação democrática da comunidade acadêmica;
b) modelos que “privilegiam a ambiguidade e incerteza” – a avaliação institucional pode ter influência de valores e dados na tomada de decisão, uma vez que neste modelo a avaliação depende do grau de autonomia dos atores, “das alianças e coligações estabelecidas” (p. 83);
c) modelos que “privilegiam a visão das universidades como uma organização política” – a avaliação institucional recebe “influência das estruturas sociais internas na tomada de decisão” (microssistemas políticos) (p. 84).
Seguindo a ideia de Santiago; et al (2003), Bernardes (2014) ressalta que, mesmo atendendo à legislação do SINAES, atualmente existem dois tipos de CPAs vigentes. O primeiro tipo está na perspectiva regulatória e gerencialista, que, com base em dados quantitativos acerca da realidade institucional, elabora o relatório de autoavaliação, a fim de cumprir a legislação. De acordo com a autora, a perspectiva gerencialista aponta a dificuldade em relação à participação democrática na avaliação, pois “algumas CPAs não conseguem abrir brechas para uma avaliação democrática, participativa e emancipatória” (BERNARDES, 2014, p. 8). Esse tipo de CPA está relacionada aos modelos que ressaltam o “pressuposto da racionalidade absoluta” e modelos que “privilegiam a ambiguidade e incerteza”, propostos por Santiago et al (2003).
O segundo tipo de CPA proposto por Bernardes (2014) está na perspectiva emancipatória democrática, em que a comunidade acadêmica é estimulada a se comprometer com uma avaliação consciente e responsável, com práticas formativas, tendo em vista que, “para que a tomada de decisão ocorra de acordo com a necessidade da realidade institucional, é importante aos participantes dialogar e negociar” (BERNARDES, 2014, p. 8). Esse tipo de CPA está na perspectiva dos modelos que “privilegiam a visão das universidades como uma organização política” (SANTIAGO et al, 2003).
Portanto, avaliação e gestão institucional estão entrelaçadas. A primeira promove a reflexão pertinente e significativa sobre a realidade da instituição, auxiliando no processo de gestão à medida que promove o conhecimento real da IES, possibilitando a tomada de decisão no sentido de qualificar o seu plano de desenvolvimento institucional em prol de práticas formativas emancipatórias.
AS CPAS DAS FACULDADES PARTICULARES DO SUL CATARINENSE: A VISÃO DE SEUS INTEGRANTES
Conforme indicado anteriormente, a pesquisa realizou-se junto às CPAs de três faculdades isoladas do sul catarinense, com a finalidade de compreender a relação entre os processos de autoavaliação institucional e a tomada de decisão pela gestão das referidas IES, na visão dos integrantes das suas comissões.
Nos regimentos das CPAs pesquisadas, identificamos que tais comissões devem se caracterizar pela autonomia em relação às demais instâncias de gestão da instituição, responsabilizando-se pelo processo avaliativo interno, que compreende a elaboração do projeto, sensibilização da comunidade acadêmica, implementação da avaliação propriamente dita, supervisão, análise dos dados, deliberação sobre recomendações e orientações à gestão institucional e prestação de informações à comunidade e ao INEP.
As entrevistas semiestruturadas nos permitiram identificar a visão dos integrantes da CPA sobre o processo de autoavaliação. Por meio delas constatamos que, na visão dos integrantes das CPAs, tais comissões estão satisfeitas com a atenção recebida por parte da equipe gestora das IES, que procuram acolher as recomendações das CPAs e incluí-las na tomada de decisão para melhorar os serviços prestados pela instituição. Porém, identificamos que a composição das CPAs é realizada, na maioria das vezes, por indicação/convite dos gestores, o que, a nosso ver, pode comprometer a autonomia dessas comissões, prevista na legislação e, por consequência, nos regimentos das CPAs, no que concerne à tomada de decisão no âmbito de sua atuação.
Tal situação revela-se contraditória ao que prevê os regimentos das CPAs ao preconizar que essas devem ser autônomas em relação à gestão da IES para tomar decisões no âmbito de sua atuação mediante a condição de seus membros de representante dos segmentos a que correspondem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado, conforme o exposto, nos possibilitou identificar que as CPAs, por seus regimentos, devem atuar de forma autônoma em relação às demais instâncias de gestão da instituição, responsabilizando-se pela elaboração e execução do projeto de avaliação interna da IES, bem como pela deliberação sobre recomendações e orientações à gestão institucional, decorrente das avaliações realizadas. Desse modo, as competências destas comissões relacionam-se às etapas do processo avaliativo interno, que dizem respeito à sensibilização da comunidade acadêmica, implementação da avaliação propriamente dita, supervisão, análise dos dados e prestação de informações.
Por meio das entrevistas, foi possível perceber que nas três IES pesquisadas a composição da CPA é realizada, na maioria das vezes, por indicação da gestão da IES, fortalecendo, por conseguinte, o caráter gerencialista em detrimento do caráter democrático e emancipatório.
Os entrevistados também se mostram satisfeitos quanto ao atendimento das equipes gestoras, no sentido de acolher as recomendações das CPAs e incluí-las na tomada de decisão. Porém, questiona-se se essa ação pode estar intimamente relacionada a essa indicação de seus membros pela gestão e não a um processo democrático, visto que a autonomia dessas comissões aparece comprometida, considerando os dados acima descritos.
Nesse sentido, cabe questionar: qual a representatividade que os membros das CPAs têm em relação aos segmentos que representam? Além disso, qual a autonomia que as CPAs têm para propor recomendações e alternativas pertinentes às questões político-pedagógicas da instituição?
Esses questionamentos, por sua natureza, apontam as limitações da pesquisa que, pelo tempo de que dispúnhamos, nos conduziu à opção de realizar uma pesquisa preliminar de cunho exploratório. No nosso entender, seria interessante realizar o confronto das análises realizadas com a visão dos gestores das IES sobre o processo de autoavaliação. Além disso, a incursão na prática das CPAs seria fundamental para apreender, pela observação in loco, sua dinâmica e aprofundar suas possibilidades e contradições, especialmente, no que se refere à autonomia e ao processo democrático.
Afinal, precisamos fortalecer as CPAs para que elas possam, pela via democrática, resistir à tendência gerencialista burocrática que as enfraquecem como instrumento de emancipação. Este, sem dúvida, foi a mais importante reafirmação que obtivemos pelo exercício da pesquisa realizada.
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