A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO EM POLÍTICA EDUCACIONAL: ANÁLISE DE PERSPECTIVAS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS E O LUGAR DO PLURALISMOFinanciamento: Capes e CNPq.
Resumo: O trabalho apresenta uma análise das perspectivas teórico-epistemológicas de uma amostra de 140 artigos de política educacional, de autores brasileiros, publicados entre 2010 e 2012. A maioria dos trabalhos foi classificada na categoria teorização adicionada, a qual remete ao pluralismo metodológico. Concluiu-se que: a) há necessidade de aprofundar as discussões sobre o pluralismo metodológico e das possibilidade e limites da teorização combinada como fundamento para a pesquisa do campo da política educacional; b) o aprofundamento do estudo da epistemologia e das teorias que têm sido usadas na pesquisa em educação emerge como uma tarefa relevante no contexto atual, uma vez que o referencial teórico exerce um papel fundamental na pesquisa.
Palavras-chave: Política educacional; epistemologia; pluralismo.
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é analisar as perspectivas teórico-epistemológicas que têm sido empregadas na pesquisa de/sobre Política Educacional no Brasil, a partir da análise sistemática de uma amostra de 140 artigos de autores brasileiros, publicados entre 2010 a 2012, em sete periódicos (Cadernos de Pesquisa, Educação & Sociedade, Educação e Política em debate - EPD, Ensaio – Avaliação e Políticas Públicas em Educação, Jornal de Políticas Educacionais-JPE, Revista Brasileira de Educação – RBE, Revista Brasileira de Política e Administração da Educação – RBPAE). Na seleção dos artigos, foram excluídos da amostra os artigos de autores estrangeiros e os artigos de comentários e críticas. Assim, os artigos selecionados referem-se a pesquisas de natureza teórica ou empírica.
O presente trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla, que objetivava analisar uma série de aspectos relacionados à epistemologia das políticas educacionais, por meio da metapesquisa. Nesse trabalho, inicialmente apresentamos o referencial teórico-metodológico que fundamentou a pesquisa. Em seguida, apresentamos a análise e conclusões.
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A pesquisa baseia-se no enfoque das epistemologias da política educacional – EEPE (TELLO, 2012), nos conceitos de teorização combinada e teorização adicionada (McLENANN, 1996) e na proposta da metapesquisa em política educacional (TELLO; MAINARDES, 2015b). Consideramos a política educacional como um campo teórico e como um campo acadêmico. Como campo teórico, a política educacional tem como antecedentes as teorias e produções da Ciência Política. A política educacional, como campo acadêmico, vem se constituindo, no Brasil, desde o final da década de 1960, com a criação de associações (Anpae, por exemplo), utilização do termo (política educacional), criação de disciplinas, departamentos, revistas especializadas, eventos, redes de pesquisa, etcA respeito da constituição da política educacional como campo acadêmico, ver Stremel e Mainardes (2013) e Stremel (2016). . Do nosso ponto de vista, a realização de pesquisas sobre o desenvolvimento desse campo é essencial para compreender como os pesquisadores têm empregado os referenciais teóricos e como esse campo vem avançando, em termos teórico-metodológicos e epistemológicos. As pesquisas e reflexões sobre referenciais teórico-epistemológicos podem contribuir de forma significativa para o fortalecimento da política educacional enquanto campo teórico e acadêmico.
Com base em Bourdieu, Tello (2012) considera que o EEPE é um esquema analítico-conceitual que pode ser empregado pelo próprio pesquisador para o exercício da reflexividade e da vigilância epistemológica, bem como para desenvolver estudos de metapesquisa de política educacional.
O enfoque das epistemologias da política educacional (EEPE) possui três componentes analíticos: a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico e o enfoque epistemetodológico (TELLO, 2012). A perspectiva epistemológica é a perspectiva teórica que o pesquisador emprega em seu processo de investigação (exemplo: marxismo, neomarxismo, estruturalismo, pós-estruturalismo, pluralismo, etc). O posicionamento epistemológico decorre da própria perspectiva epistemológica ou dela deveria decorrer, em uma investigação consistente e coerente. O posicionamento epistemológico pode ser entendido também como o posicionamento político do pesquisador. Alguns exemplos de posicionamento epistemológicos são: crítico, crítico-radical, crítico-analítico, reprodutivista, neo-institucionalista, jurídico-institucional, empirista, neoliberal, etc. O enfoque epistemetodológico é o modo como se constrói metodologicamente a pesquisa a partir de uma determinada perspectiva epistemológica e posicionamento epistemológico. Nenhuma metodologia é neutra e, por essa razão, ao explicitar as suas bases epistemológicas, o pesquisador deve preocupar-se com a vigilância epistemológica em sua pesquisa (metodologia, análise de dados, argumentação, conclusões, etc), cuja construção parte da perspectiva epistemológica e do posicionamento epistemológico.
Os conceitos de teoria combinada e teoria adicionada (McLENANN, 1996) foram também relevantes na análise dos artigos. McLenann (1996), explica que estratégias explicativas combinadas são legítimas e talvez promissoras. Teorização combinada, nesse sentido, é um esforço de articular teorias ou conceitos oriundos de diferentes teorias, com o objetivo de compor um quadro teórico consistente para fundamentar uma determinada análise. Tal esforço demanda fazer escolhas teóricas e justificá-las, o que implica em um exercício de reflexividade e de vigilância epistemológica. Já a noção de teoria adicionada, significa a adoção mais ou menos aleatória de teorias, conceitos, ideias de diferentes teorias e perspectivas epistemológicas, resultando em um conjunto de ideias e conceitos sem coerência, unidade e articulação teórica. O resultado do simples adicionamento e sobreposição de ideias de diferentes autores resulta em uma tentativa fracassada da definição de um referencial teórico, o qual pode ser considerado frágil, desarticulado e epistemologicamente pouco coerente.
A metapesquisa refere-se ao processo de tomar um conjunto de textos como objeto de reflexão e análise. No caso da metapesquisa fundamentada no enfoque das epistemologias da política educacional, busca-se identificar como os pesquisadores trabalham com as questões epistemológicas, teorias ou conceitos que fundamentam a sua pesquisa e como são apresentadas em seus relatórios de pesquisa. Assim, busca-se identificar uma série de elementos e características, tais como: a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico, o enfoque epistemetodológico, o tipo de pesquisa (natureza teórica, pesquisa empírica, comentários ou críticas), marcos teóricos (conceitos), os níveis de abordagem e abstração (descrição, análise e compreensão) e de outros aspectos relacionados ao uso de teorias e perspectivas epistemológicas na pesquisa em política educacional (TELLO; MAINARDES, 2015b).
No sentido metodológico, a pesquisa partiu da seleção de artigos de política educacional, de autores brasileiros publicados entre 2010 a 2012, em sete periódicos já mencionados. A partir da leitura sistemática, buscou-se identificar, em cada artigo, a perspectiva epistemológica, o posicionamento epistemológico, as opções metodológicas (epistemetodologia), marcos teóricos, nível de abstração, argumentação e a abrangência da pesquisa (local, nacional, global).
Nesse trabalho, exploramos os dados relacionados às perspectivas teóricas dos artigos da amostra. Tendo em vista que a teoria combinada mostrou-se como a perspectiva teórica empregada na maioria dos trabalhos, buscamos evidenciar o papel dessa perspectiva e de alguns de seus limites.
PERSPECTIVAS TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS NA PESQUISA NO CAMPO DA POLÍTICA EDUCACIONAL
O objetivo central da pesquisa foi o de analisar os artigos sob ponto de vista epistemológico, explorando como os pesquisadores têm operado com teorias, bem como a articulação entre teoria, dados e análise. Ball (2006, 2011) defende a necessidade urgente de teoria na pesquisa em educação e na formação de pesquisadores. Para ele, a teoria ocupa um papel central na tomada de decisões epistemológicas; no sentido de garantir robustez conceitual; para oferecer um método para a reflexividade, isto é, para a compreensão das condições sociais da produção de conhecimento. Ele sugere também a importância da ‘violência’ que a teoria possui, como uma ferramenta reflexiva na prática da pesquisa, seu papel de desafiar ortodoxias conservadoras e fechadas, parcimônia e simplicidade – que é o papel da teoria em manter algum senso de obstinação e complexidade do social.
Os 140 artigos da amostra foram classificados em 16 categorias (Tabela 1). É importante destacar que toda tipologia ou classificação é arbitrária e está relacionada a propósitos específicos. Além disso, em virtude da sua natureza arbitrária, os mesmos objetos podem ser classificados de formas diferentes.Thiry-Cherques (2006) explica que “Embora herdeiro da filosofia das ciências, Bourdieu se recusa a aplicar sistemas classificatórios aos objetos que investiga (Bourdieu, 1992a:184). Entende que toda tipologia cristaliza uma situação, isto é, que tende a ser arbitrária, na medida em que descarta os tipos que não se enquadram e os casos que se encontram na fronteira, os casos que não se distinguem claramente. Ele deve a Bachelard (1984) a idéia de que o pensamento opera como um movimento de pinça, que descobre, integra e supera as limitações das teorias em uma composição conceitual cada vez mais abrangente” (THIRY-CHERQUES, 2006, p. 29).
Categorias | Nº |
% |
Teoria combinada |
92 |
65,8 |
Materialismo histórico e dialético |
10 |
7,1 |
Sem evidências de fundamentação teórica (ausência de teorização) |
8 |
5,8 |
Teoria adicionada |
7 |
5,0 |
Enfoque neoinstitucional (institucionalismo normativo, institucionalismo histórico, institucionalismo de redes) |
5 |
3,6 |
Enfoque histórico-sociológico |
4 |
2,9 |
Teoria de Bourdieu |
3 |
2,1 |
Enfoque histórico-filosófico |
2 |
1,4 |
Enfoque jurídico-institucional |
2 |
1,4 |
Teoria de Foucault |
1 |
0,7 |
Enfoque funcionalista |
1 |
0,7 |
Enfoque culturalista |
1 |
0,7 |
Teoria das Representações Sociais |
1 |
0,7 |
Teoria crítica |
1 |
0,7 |
Análise crítica do discurso (ACD) |
1 |
0,7 |
Teoria do discurso (Laclau e Mouffe) |
1 |
0,7 |
Total |
140 |
100 |
Com relação à explicitação da perspectiva epistemológica que fundamenta a análise, constatou-se que apenas cinco artigos da amostra (3,5%) explicitavam uma perspectiva epistemológica: Ferretti (2011) menciona a perspectiva marxiana; Oliveira et al (2010), abordagem crítico-dialética; Masson (2012) e Saldanha e Oliveira (2012), concepção materialista histórico-dialética; Souza, A. L. L. (2012), a perspectiva histórico-filosófica. Em alguns casos, autores de outras perspectivas epistemológicas são mencionadas na análise (e.g. Ferretti, 2011; Oliveira et al, 2010). Em outros três artigos, a perspectiva teórica foi explicitada: Machado e Aniceto (2010), a teoria das representações sociais; Barreto (2010), a análise crítica do discurso (ACD) e Pereira e Velloso (2012), a teoria do discurso (Laclau e Mouffe). Nos demais 132 artigos, as perspectivas epistemológicas ou teóricas foram depreendidas a partir da leitura e análise dos artigos, pois não havia tal explicitação pelos próprios autores.
A maioria dos artigos (65,8%) enquadrou-se na categoria teorização combinada, indicando uma tendência dos autores do campo em empregar ideias (ou conceitos, categorias, contribuições) de diferentes perspectivas teóricas ou de diferentes autores. Identificou-se também o emprego do materialismo histórico e dialético (7,1%), estratégias de teorização adicionada (5,0%) e outras perspectivas teóricas com menor incidência.
Um aspecto importante a ser destacado é a existência de artigos caracterizados pela ausência de fundamentação teórica (5,8%) e de artigos que empregam a teorização adicionada (5,0%). A teorização adicionada significa a utilização de autores, ideias, conceitos de diferentes perspectivas teórico-epistemológicas, os quais não configuram um quadro teórico consistente e articulado.
Tendo em vista o número significativo de artigos classificados na categoria de teorização combinada, consideramos relevante a análise dessa categoria.
TEORIZAÇÃO COMBINADA E LIMITES DO PLURALISMO TEÓRICO-METODOLÓGICO
A estratégia da teorização combinada foi identificada em 92 dos 140 artigos (65,8%). A principal característica dessa categoria é o uso de ideias ou conceitos de mais de um autor ou de mais de uma teoria, os quais configuram um quadro teórico coerente ou minimamente satisfatório.
Na maioria dos artigos da amostra, observou-se que a teorização combinada resultou em um uma fundamentação consistente e coerente, oferecendo elementos teóricos para uma análise satisfatória (e.g. ADRIÃO; PINHEIRO, 2012; AUGUSTO; OLIVEIRA, 2011; BRUEL; BARTHOLO, 2012; CAMPOS, 2012; CHAVES, 2010; COSTA; KOSLINSKI, 2011; DAVIS et al, 2011; FREITAS, 2012; MORAIS, 2012; SANTOS, 2010; SOUZA, A. R., 2012; SUSIN; PERONI, 2011).
Além disso, dois aspectos mostraram-se relevantes na composição do quadro teórico: a utilização de autores clássicos e de referenciais internacionais contemporâneos. A utilização de clássicos como Weber, Bourdieu, Foucault (AMARAL; OLIVEIRA, 2011; MARTINS; LOTTA, 2010; SOUZA, A. R., 2012) constituiu-se em estratégia relevante para o aprofundamento analítico e ampliação da argumentação. A utilização de referenciais internacionais, em alguns artigos, propiciou uma análise mais ampliada, consistente e diferenciada da temática (AUGUSTO; OLIVEIRA, 2011; BRUEL; BARTHOLO, 2012; DAVIS et al, 2011).
Em alguns casos, a utilização apenas de autores contemporâneos ou de autores que pesquisam o mesmo tema, tornou o referencial teórico da pesquisa relativamente frágil, com consequências para a análise e discussões. É importante explicitar que a interlocução com as pesquisas da área é fundamental. No entanto, tal interlocução parece mais adequada na etapa da revisão de literatura. Em alguns casos, os autores que pesquisam a mesma temática são utilizados como uma espécie de referencial teórico. Embora alguns desses trabalhos possam, de fato, servir de base para outros estudos, faz-se necessária uma análise criteriosa para identificar os trabalhos que, efetivamente, possuam potencial para isso. Parafraseando Ball (2006), pode-se concluir que alguns pesquisadores contentam-se com o que está disponível (em termos de teorias e de dados), em vez do que seria mais significativo para uma análise mais ampliada e aprofundada.
A forte presença da estratégia da teorização combinada indica que a perspectiva epistemológica pluralista tem sido bastante empregada nas pesquisas do campo da política educacional. Apesar disso, ainda são raros as publicações que apresentam discussões acerca do pluralismo teórico-metodológico na pesquisa de política educacionalA respeito do pluralismo na pesquisa de política educacional, ver Mainardes, Tello e Ferreira (2011) e Tello e Mainardes (2015a)..
Em termos conceituais, é importante distinguir pluralismo de ecletismo. O que aqui chamamos de pluralismo, como perspectiva epistemológica, é o uso consciente e reflexivo de conceitos e ideias de diferentes teorias, as quais são articuladas para compor um quadro teórico para a pesquisa. Assim, não se trata da mera justaposição de teorias, ou um seleção aleatória e não consciente de conceitos e ideias de diferentes teorias, o que configuraria a estratégia da ‘teorização adicionada’. A articulação de ideias de diferente teorias implica em justificar tais escolhas, em apresentar reflexões e torno do próprio quadro teórico construído. Já o ecletismo significa a justaposição de teorias ou ideias, de forma mais ou menos aleatória, sem muito rigor e sem que haja evidências do reconhecimento das diferenças epistemológicas que estão na base de tais ideais ou teorias. De modo geral, os autores que utilizam-se do ecletismo não apresentam reflexões ou justificativas das escolhas teóricas.
Um ponto de partida importante para compreender a perspectiva epistemológica pluralista é considerar o ponto de vista daqueles que a defendem, bem como daqueles que a criticam.
Autores como Saunders (2007) e Ball (entrevista a Avelar, 2016), por exemplo, explicam que, dificilmente, uma única teoria seria capaz de oferece todos os elementos necessários para a análise e que é possível articular teorias diferentes. Segundo Ball, “não podemos interpretar o mundo, criar significado sobre o mundo, utilizando uma teoria ou posição epistemológica, porque o mundo é persistentemente mais complexo e difícil do que aquilo que se pode entender com o simples uso de uma posição, adotando um posicionamento” (AVELAR, 2016, p. 4). Saunders (2007) explica que a dependência teórica (o reconhecimento de que toda pesquisa necessita de uma teoria) não implica em determinância teórica. Em outras palavras, não há razão para sugerir que diferentes perspectivas teóricas não possam ser utilizadas em áreas comuns de conceptualização e em critérios comuns de evidência empírica (SAUNDERS, 2007). Nas discussões sobre o pluralismo, evidencia-se que é possível identificar nas teorias pontos de aproximação e não apenas aspectos de incompatibilidade (MAINARDES; MARCONDES, 2009). Apesar disso, deve-se ter clareza de que a combinação de perspectivas epistemológicas, teorias, conceitos, ideias é complexa e demanda alto nível de reflexividade, alguma justificativa das combinações realizadas, consciência da perspectiva epistemológica que está base das teorias, ideias ou conceitos que se estão sendo combinados. Não se trata, portanto, da escolha aleatória e pouco consciente de tais teorias, ideias ou conceitos. A composição teórica necessita, acima de tudo, ‘fazer sentido’ enquanto fundamentação teórica para a análise e desenvolvimento de conclusões.
McLennan (1995), Tonet (s.d) e Mèszáros (2004) apresentam críticas ao pluralismo. Para McLennan (1995), o pluralismo possui diferentes facetas, tais como: pluralismo metodológico, pluralismo sociocultural, pluralismo político. Para o autor, o pluralismo indica, entre outras coisas: a) um acabrunhamento conveniente e aceitação relativista de que há um conjunto de valores culturais; b) oposição às formas de imperialismo cultural; c) reconhecimento de que a diversidade metodológica é frutífera; c) considera que há diferentes formas de conhecer e de ser; d) criatividade e abertura à teoria; e) envolvimento em um conjunto de interesses sociais e grupos de interesse no moderno cenário político; f) a afirmação da democracia como um fim em si mesmo; g) atenção às complexidades de lealdade política; h) senso de que identidades sociais e políticas são escolhidas em vez de herdadas; e i) consagração do princípio de ‘igual mas diferente’. McLennan (1995) também indica a existência de pluralismo teórico radical ou moderado, bem como pluralismo de “direita”, de “esquerda”. Para ele, um pesquisador pode ser pluralista em termos de ontologia, epistemologia, metodologia, teoria social, moralidade, política, cultura, ou pluralista apenas em ou dois desses domínios (McLennan, 1995). O autor aponta as seguintes críticas ao pluralismo: a) o pluralismo pode ser visto como um conceito-chave nas ciências sociais. Como um conceito modal, o pluralismo é uma referência indispensável nos debates científicos e sociais. No entanto, por ele mesmo, não produz soluções claras e duradouras às antigas questões e preocupações analíticas e políticas; b) como uma atitude de vida e de visão política, pode ser compreendido como demasiado tolerante, pseudo-tolerante, ostensivamente humanista e um tipo de pessoa intelectualmente eclética, um tipo de pessoa que não tem opiniões claras sobre qualquer coisa e que não questiona ou não deseja mudanças na sociedade; hesitante quando necessita empregar o conhecimento sociológico ou a ciência política em seu completo potencial crítico. Mèszáros (2004) critica o pluralismo, considerando-o como legitimador da ideologia dominante. Critica também o discurso reformista que tenta desviar a atenção das determinações sistêmicas para discussões mais ou menos aleatórias sobre efeitos específicos (Mészáros, 2005). Para Tonet (s.d.), o pluralismo metodológico, embora seja antidogmático, não deixa de ser uma forma de relativismo e de ecletismo, uma vez que o seu fundamento está na subjetividade e não na objetividade. Segundo ele, “na sua forma concreta atual, representa uma solução inteiramente equivocada e anti-científica” (TONET, s.d., p. 14).
CONCLUSÕES
Nesse trabalho, apresentamos as perspectivas teóricas identificadas nos artigos da amostra, com especial referência à estratégia da teorização combinada. Argumentamos que tal estratégia configura o emprego de uma epistemologia pluralista na análise de políticas. Indicamos que o que chamamos de pluralismo envolve a escolha consciente e reflexiva de ideias de diferentes autores, teorias ou perspectivas epistemológicas.
A partir da análise dos artigos da amostra, apresentamos as seguintes conclusões:
- Tendo em vista a forte tendência em empregar a estratégia da teorização combinada, consideramos necessário aprofundar as discussões em torno do pluralismo metodológico e das possibilidade e limites da teorização combinada como fundamento para a pesquisa do campo da política educacional;
- Diante da crescente complexidade da realidade atual (política, econômica, social, cultural), a teorização combinada é uma estratégia que permite a criação de modelos analíticos mais abrangentes e flexíveis para a análise de políticas. No entanto, essa opção demanda uma análise rigorosa dos conceitos (categorias, ideias, contribuições) que estão sendo combinadasA esse respeito, Tonet (s.d., p. 2), diz que “o que se entende por pluralismo metodológico? Às vezes ele é entendido como ecletismo, ou seja, a liberdade de tomar idéias de vários autores e articulá-las segundo a conveniência do pensador. Isto normalmente é feito sem o cuidado de verificar com rigor a compatibilidade de idéias e paradigmas diferentes, dando origem a uma colcha de retalhos, quando mais, inteligentemente tecida. É bom ressalvar que há ecletismo de baixo e de altíssimo nível”.;
- O aprofundamento do estudo da epistemologia e das teorias que têm sido usadas na pesquisa em educação emerge como uma tarefa altamente necessária e relevante no contexto atual, uma vez que a composição do referencial teórico das pesquisas exerce um papel fundamental no fortalecimento das pesquisas do campo;
- As pesquisas e discussões sobre referenciais teórico-epistemológicos contribuem para o fortalecimento da política educacional enquanto campo teórico e acadêmico;
- Uma questão que persiste está relacionada ao papel e importância da explicitação da perspectiva epistemológica ou da perspectiva teórica que fundamenta a pesquisa. No caso de autores que articulam ideias de diferentes autores e teorias, defendemos que a explicitação do papel de cada uma na fundamentação da pesquisa, das possíveis diferenças e possíveis incompatibilidades é fundamental e constituem-se em evidência de vigilância epistemológica e reflexividade na pesquisa.
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