AS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO DOCENTE: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CULTURA DO DESEMPENHO NO ESPAÇO ESCOLAR E O PAPEL DO GESTOR

Resumo:: O presente texto discute a implantação das políticas de avaliação docente a partir da década de 1990 até os dias atuais no Estado de Minas Gerais e a institucionalização da cultura do desempenho no espaço escolar provocando mudanças tanto no trabalho docente quanto na gestão escolar. Partindo dessa premissa e levando em consideração os resultados da pesquisa desenvolvida no Núcleo de Estudos Sociais do Conhecimento (NESCE) e do Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Educação (NETEC) da Universidade Federal de Juiz de Fora entendemos que as políticas de avaliação, têm contribuído para reforçar a ideia não de uma cultura em comum e sim de uma cultura meritocrática, individual que compromete o trabalho coletivo e do gestor escolar.

Palavras-chave: avaliação; desempenho; docentes.


I - INTRODUÇÃO

As transformações intensas que ocorreram na sociedade brasileira marcaram de forma singular a democratização da escola pública desde a década de 1970, nos aspectos políticos, econômicos e socioculturais. Pode-se considerar que as pressões e reivindicações de apropriação do conhecimento em favor dos trabalhadores adquiriram centralidade no sentido de se reforçar os compromissos da gestão escolar com a construção de projetos pedagógicos voltados para a conciliação entre emancipação de sujeitos coletivos e individuais e transformação social. No entanto, os movimentos e reivindicações populares foram retidos por processos políticos pautados nos interesses da burguesia brasileira associada ao capitalismo monopolista.   

Nesta perspectiva torna-se necessário analisar o impacto dessas transformações sobre a educação, bem como seus desdobramentos sobre a configuração do trabalho escolar. Cabe compreender a dinâmica da gestão escolar frente aos desafios colocados, entre eles a implantação de mecanismos de avaliação preconizados pelas políticas educacionais nos anos de 1990 e intensificadas na atualidade. Pretende-se, a partir dessa análise, contribuir para a compreensão da necessidade de construção coletiva de um projeto político-pedagógico no sentido de romper com a fragmentação das atividades escolares, criando condições concretas para a universalização do direito à educação.

A ênfase com que se tem defendido a democratização dos processos decisórios na escola pública e o controle social sobre a qualidade dos serviços educacionais, em muitas ocasiões, não corresponde a uma efetiva apropriação dos temas e problemas mais recorrentes nas instituições escolares e, tampouco, a conquista de vez e de voz por parte daqueles que estão envolvidos em seu cotidiano.

Assim é importante resgatarmos, em um breve histórico, as questões inerentes ao processo de avaliação dos docentes e sua institucionalização no ambiente escolar.

II - O CONTEXTO HISTÓRICO E A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS

Para compreendermos como a avaliação de desempenho dos docentes começou a figurar nas políticas públicas educacionais atuais, é necessário traçarmos um breve comentário sobre a influência dos princípios ditados pela globalização e pela ideologia neoliberal que assolaram nossos sistemas educacionais, sobretudo no final do século XX e início do século XXI.

Embora a década de 1990 marque as relações capitalistas, mostrando seu viés radical no “sentido da exploração, de expansão e da acumulação do capital” (CUNHA, 2009, p. 14), configurando uma conjuntura econômica, já apresentava sinais de um contexto de crise estrutural que se iniciou a partir da década de 1970, gerando mudanças significativas no universo da produção, intensificando “conflitos, com rupturas e continuidades, nas dimensões econômica, social, política e cultural” (BRITO; FRANÇA, 2009, p. 1) e também educacional. 

Para Behring (2008), foi na década de 1990 que o Brasil estreou um cenário marcado pela nova ofensiva burguesa, que se adaptou às exigências do capital mundial, configurando-se no que a autora chama de contrarreforma social e moral, para que a hegemonia burguesa pudesse se recompor no país, ou seja, houve uma contrarreforma do Estado brasileiro que passou por transformações tanto do ponto de vista econômico quanto social. Essas crescentes mudanças exigiram transformações profundas nos objetivos, funções e organização da escola. Tais mudanças estão voltadas para a busca da qualidade e eficiência, centrando-se na avaliação de desempenho docente, sua formação, sua prática e também no papel dos gestores frente a estes desafios.

Segundo Fonseca (1995, p. 18) a educação está inserida numa “época de revolução científica e tecnológica, progressiva globalização dos mercados, competitividade baseada na incorporação e difusão do progresso técnico”, representando a forma neoliberal de pensar a educação. Nessa concepção, o Estado deve repensar o seu papel potencializando sua orientação estratégica, a regulação à distância, impulsionando a autonomia e a avaliação de resultados de forma tal que, esse mesmo Estado, possa desempenhar um papel “organizativo e integrador do sistema educativo com o sistema produtivo, redefinindo suas políticas e estratégias na busca de consensos educativos que integrem os diversos atores econômicos, políticos e sociais”. (Idem, p. 17).

Para esse tipo de concepção, a crise existente na educação, enfrentada pelos países latino-americanos, é, segundo Gentili (1998, p.17), uma crise de eficiência, eficácia e produtividade. Essa crise se revela em consequência do mau gerenciamento e da má qualidade das políticas educacionais, expressando a incapacidade do Estado em administrar políticas sociais, tendo como causa o centralismo e a burocracia do Estado interventor. Nesse sentido, foi necessário buscar soluções adequadas para a crise educacional de toda América Latina e consequentemente a do Brasil.

Entendendo que a reforma educacional, neste prisma, é de cunho administrativo, logo, ela possibilita a transferência das questões educacionais do campo político para o técnico, com destaque para a lógica do mercado.

Nessa perspectiva do mercado, todo o sistema educacional passou a ser visto como uma empresa que necessita valer-se de critérios de controle de qualidade, especificamente no interior da escola, reduzindo a educação à condição de mercadoria a ser adquirida por um consumidor individual, que terá êxito ou fracasso tanto quanto for o seu esforço individual, deixando assim, de ser um direito social. (MARTINS, 2000).

Tratando-se a escola como empresa, dela passou-se a exigir uma administração capaz de garantir desempenho eficiente de seus atores. A proposta de avaliação de desempenho (AD), figura, nesse contexto, como a materialização do controle do Estado sobre o trabalho realizado pelos profissionais da escola, cuja contraface é representada pela avaliação discente (AMBRÓSIO, 2001). Nessa ótica buscou-se estabelecer nas instituições de ensino critérios de qualidade perpassando a lógica de prêmios e castigos que estimulem a produtividade e a eficiência. Nessa questão, o estado de Minas Gerais foi profícuo em suas políticas educacionais.

2.1 - AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS IMPLEMENTADAS NA DÉCADA DE 1990 NO ESTADO DE MINAS GERAIS

As reformas do Estado brasileiro também se fizeram presentes nas mudanças preconizadas pelo Estado de Minas Gerais, principalmente no início da década de 1990. Pautada na perspectiva neoliberal da eficiência, da eficácia e da qualidade total, a reforma educacional mineira elegeu o quadro altíssimo de evasão e repetência escolar como meta prioritária de suas ações.

A partir do bloco no poder, instaurado no governo Newton Cardoso (1987-1991), inaugurou-se o período de modernização e racionalização do Estado implantando um conjunto de reformas que se expressaram também na educação. Uma medida que podemos destacar nesse período, entre outras, se refere à desativação dos colegiados nas instituições escolares cerceando os trabalhadores da educação da tomada de decisão tanto em questões administrativas quanto pedagógicas da escola, dando lugar ao autoritarismo e à centralização administrativa.

Quando Hélio Garcia retornou ao governo (1991-1994), as orientações políticas neoliberais foram reforçadas pelo que ficou conhecido como a Nova Era da educação mineira, um período de consolidação da proposição da qualidade total na educação, apoiando-se nas ideias dos organismos internacionais para solucionar os problemas sociais nos quais o Estado estava mergulhado para projetá-lo no cenário nacional e internacional (PEDROSA; SANFELICE, 2005). Assim, imbuído desse ideário, o governo mineiro privilegiou como política pública uma educação de qualidade e a universalização do ensino como “carro chefe” de sua administração. À época foi implementado o Programa de Qualidade Total em Educação (PQTE), que mais tarde  recebe financiamento do Banco Mundial e denominou-se de Projeto Qualidade na Educação Básica de Minas Gerais, mais conhecido como PróQualidadeO Programa do ProQualidade foi instituído pelo Decreto nº 35.423, de 03 de março de 1994. Sobre este tema ver TEIXEIRA, L.H.G. (1998)..

De acordo com os autores acima mencionados, a gestão de Garcia marcou o início de mudanças simultâneas nos diversos setores da educação, tais como o Ciclo Básico (1ª e 2ª) séries com promoção automática, instituição do programa de avaliação da escola pública; eleição de diretores; formação de Colegiados Escolares; descentralização administrativa e pedagógica nas escolas; capacitação continuada dos professores em serviço; capacitação dos dirigentes escolares; melhoria da rede física e racionalização do espaço escolar e a implantação de um sistema de monitoramento e avaliação do sistema escolar, consolidando o início das reformas neoliberais na educação.

Finalizada a gestão de Garcia, Eduardo de Azeredo assumiu o governo mineiro no período de 1995-1998, com o slogan Minas para Todos dando continuidade às reformas neoliberais implantadas pelo seu antecessor. Essa continuidade garantiu a estabilidade política de Azeredo e a “reprodução da gestão Fernando Henrique Cardoso em esfera local” (PEDROSA; SANFELICE, 2005, p.8). Assim, o governador Azeredo estabeleceu a base política necessária para a integração Brasil e mercado internacional. (Idem).

Coerente com esta política, no primeiro mandato (1991-1994), vários projetos educacionais foram criados visando princípios da equidade social, porém em contexto totalmente desigual. Dentre os projetos implementados podemos destacar a implantação dos ciclos nas séries iniciais e finais do Ensino Fundamental, capacitação de professores e dirigentes das escolas públicas, que foram denominados de Projeto de Capacitação de Professores do Estado de Minas Gerais (PROCAP) e o Projeto de Capacitação dos Dirigentes Escolares de Minas Gerais (PROCAD), programa de educação à distância e programa de apoio a inovações escolares – PAIE, que se destinou a auxiliar os professores para a progressão continuada do Ensino Fundamental. Esses programas repercutiram diretamente no trabalho docente e discente, como também no trabalho dos gestores, surgindo “uma nova cultura escolar”, ou seja, da eficiência, da produtividade e competitividade entre os pares no interior das escolas.

Ao término do segundo mandato de Azeredo em 1999, o ex-presidente Itamar Franco chegou ao Palácio da Liberdade para o período de 1999-2002, tendo como Secretário de Educação Murilo Hingel, trazendo como política educacional os compromissos assumidos e explicitados na Carta dos Educadores Mineiros, que fora elaborada no ano anterior, no Fórum Mineiro de Educação. A proposta política do governo Itamar era imprimir uma política educacional de qualidade, mais humanizadora e para todos. Entretanto, durante o seu governo poucas reformas foram implementadas e o que se viu foi uma continuidade das mudanças iniciadas e consolidadas nos governos anteriores, inclusive o agente financiador, o Banco Mundial, foi preservado. (CUNHA, 2009).

Nessa ótica, o plano de governo em Minas Gerais pretendia “(...) implantar o Sistema Mineiro de Educação, o Sistema de Avaliação de Desempenho Escolar, o Sistema Estadual de Controle e Avaliação da Qualidade da Educação e o Instituto Superior”. (CUNHA, 2009, p. 52).

Após os anos de 1990, houve intensas e profundas mudanças nos setores políticos, sociais, econômicos e educacionais no Estado de Minas Gerais, surge no cenário político uma “nova ordem”, denominada: “choque de gestão”, a partir do governo de Aécio Neves (2003-2010)O governador Aécio Neves se afasta do Palácio da Liberdade para concorrer ao pleito eleitoral de 2010 a princípio para um cargo no Senado Federal deixando como seu substituto o vice-governador Antonio Augusto Junho Anastasia que termina o mandato de Aécio e é reeleito Governador para o período de 2011-2014. No entanto, afasta-se em abril de 2014 para coordenar o Plano de Governo de Aécio Neves para Presidência da República e ficar à disposição à sua candidatura ao Senado Federal. Assumiu então, o governo de Minas, seu vice, Alberto Pinto Coelho que findou o mandato. Em janeiro de 2015 Fernando Pimentel assume o governo de Minas, após as eleições de 2014..

2.2. – A CONSOLIDAÇÃO DA REFORMA MINEIRA NO SÉCULO XXI: O “CHOQUE DE GESTÃO”

Ao assumir o governo de Minas Gerais em 2003, Aécio Neves assumiu um discurso de que Minas estava mergulhada em crise financeira e fiscal, considerada pela sua gestão como a mais grave do Estado. Apresentou uma reforma cujos eixos centrais pretendiam reorganizar a administração, valorizar os profissionais e sanar as contas públicas. Para tanto, distribuiu cartilhas nas repartições públicas estaduais que explicavam esta reforma com os seguintes dizeres: “Reforma do Estado. Você tem o direito de saber. O governo tem o dever de informar.”

A cartilha trouxe informações sobre a realidade encontrada pela nova administração e sobre as mudanças que estava realizando destacando os principais pontos da reforma enviada à Assembléia Legislativa. Entre os pontos destacados podemos citar: garantia dos direitos adquiridos pelos atuais servidores; recebimento de adicionais de remuneração para os antigos e novos servidores; avaliação de desempenho profissional (grifo nosso); reajuste salarial e fortalecimento do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado (IPSEMG). A mensagem do Governador à Assembléia destaca que o objetivo do “choque de gestão” era “dar ao Estado modernidade, agilidade e eficiência, adequando-o aos novos tempos, garantir transparência nos atos e ações do governo”. (MINAS GERAIS, 2003, p. 6).

Para dar conta de reformas tão profundas o governo implementou ações que

[...] buscam revisar o modelo de gestão dos recursos humanos, dos processos de rotinas administrativas, consolidar a parceria com o terceiro setor e o setor privado na prestação do serviço público, alinhadas, à avaliação de desempenho institucional e individual e à transparência da ação pública. (CUNHA, 2009, p. 53)

Assim, Minas, mais vez, em nome da modernização do Estado “faz parte de um movimento denominado Nova Gestão Pública (...) que vem sendo aplicado em diversas partes do mundo, em diferentes governos” (VILHENA, 2006 apud  CUNHA, 2009, p. 53). Trata-se de implementar a gestão nos moldes de uma administração gerencial que pauta-se nos resultados e nos fins, que busca estímulo à produtividade e à qualidade, redefinindo a gestão de pessoas “sob novas lideranças e valorização do trabalho em equipe, com salários baseados nos resultados alcançados, horizontalização de carreiras e nova ética pública”. (Idem).

Nesse panorama, a Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE/MG) cumpre seu papel na adequação e implementação de políticas voltadas para os resultados, tendo em vista o baixo desempenho das escolas mineiras não só no SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica), como também no SIMAVE (Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública) e na Prova Brasil.

Em relação ao trabalho docente, houve e ainda há uma precarização desta atividade, tendo em vista os ajustes de natureza econômico-administrativa das reformas implementadas, que interferem de forma direta não só no trabalho dos docentes, como também no funcionamento da escola e na sua organização administrativa e pedagógica (CUNHA, 2009). Uma característica que trouxe consequências imediatas diz respeito à forma de reorganização da remuneração do funcionalismo, que antes tinham vantagens conquistadas ao longo do tempo sendo substituídas por adicionais pautados no desempenho (Idem). Vale destacar que esta reorganização não passou pela discussão coletiva do funcionalismo, foi uma adesão forçada ao modelo implementado pelo poder público que favoreceu a consolidação da cultura do desempenho no cotidiano da escola.

III – A CULTURA DO DESEMPENHO NO ESPAÇO ESCOLAR E O PAPEL DO GESTOR

Como já mencionado anteriormente, a década de 1990 foi significativa em Minas Gerais no que tange as reformas em todos os setores, principalmente na educação. Dessa forma, é importante resgatar fatos que contribuíram para que se instalasse na escola a cultura do desempenho.

De acordo com Ambrósio (2001) um dos fatos importantes da época que merecem destaque diz respeito ao Seminário de Educação denominado a “A Hora da Chamada”, promovido pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais em outubro de 1991, quando o então Secretário de Estado da Educação, Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto, em sua palestra, apresentou a realidade do ensino no Estado justificando a necessidade de mudanças. Na ocasião, o secretário deu ênfase à baixa produtividade e ao grande número de jovens fora da sala de aula, recomendando que o governo desse prioridade à melhoria da qualidade do ensino básico, do pré-escolar ao 2º grau, hoje ensino médio. Esclareceu que a rede pública estadual era muito grande, não sendo possível administrá-la de forma centralizada. Segundo ele, a solução seria a descentralizaçãoCleiton de Oliveira (1992, p.24) estabelece bem a distinção entre descentralização e desconcentração. Considera desconcentração como processo de delegação de determinadas funções de um órgão do Estado para outro que tenha a mesma personalidade jurídica, mas pertença a um nível territorial menor. Refere-se a estrutura de decisão do poder. Descentralização é entendida como possibilidade de entidades regionais ou locais, com graus significativos de autonomia, definirem as suas próprias formas de organização e administração em sua área de ação. Diz respeito à configuração espacial de uso e controle do poder (AMBRÓSIO, 2001). , com as “decisões” sendo tomadas pela escola (MARES GUIA NETO, 1992, p.23).

Nesse sentido, a SEE divulgou seus compromissos e prioridades de ação. Os compromissos eram com o aluno, com a família, com o professor, com o especialista e demais servidores e com a escola. Cada compromisso elencado correspondia a ações que deveriam ser seguidas por cinco prioridades que nortearam os primeiros quatro anos do governo: autonomia da escola (aspectos financeiros, administrativos e pedagógicos); fortalecimento da direção da escola através da liderança do diretor e do colegiado; programa de aperfeiçoamento e capacitação, com o treinamento de professores, especialistas e funcionários; avaliação do Sistema Estadual de Educação (grifo nosso) e integração com os municípios.

Diante destas prioridades as escolas públicas estaduais foram alvo de muitos projetos e programas que intensificaram não só o trabalho do docente como também dos gestores que segundo o discurso oficial, teriam que assumir novas responsabilidades para resolução de seus problemas.

Dentre as questões que demandavam ações imediatas da SEE, a avaliação do ensino se notabilizou no sentido de buscar o que fosse necessário para melhorar cada unidade de ensino e o sistema estadual de educação. Para tanto, a assessoria especializada da Fundação Carlos Chagas (FCC), foi requerida para promover a implantação do sistema de avaliação do ensino público em Minas Gerais. O objetivo era comparar, através dos resultados das avaliações, o desempenho “de diferentes escolas, cidades e regiões, podendo então ajudar as escolas que necessitarem de auxílio” ( MARES GUIA NETTO, 1992, p. 26).

A avaliação de desempenho profissional constitui-se no bojo da proposta de avaliação discente, buscando, na verdade, medir o bom ou mal desempenho do professor, enfatizando o controle da produtividade docente.

Dessa feita, a implantação do processo de avaliação de desempenho (AD) no Estado de Minas Gerais começou a se apresentar a partir de 1995 e objetivou: a) classificar os candidatos às designaçõesO termo designação é utilizado no mesmo sentido de contratação de funcionários no Estado. às funções públicas nas escolas; b) distribuir aulas facultativasAulas facultativas eram aquelas remanescentes atribuídas ao ocupante de cargo efetivo de professor, até o limite de 18 aulas. Existiam critérios para essa distribuição. As aulas facultativas deixaram de existir através da Lei nº 13.41, de 22 de dezembro de 1999. dos professores efetivos; c) elaborar projetos de reciclagem do servidor, integrando-o ao grupo, com vistas a um melhor desempenho de suas funções. Para implantar tal processo, a Secretaria lançou mão da legislação já existente, valendo-se de preceitos contidos em documentos legais, aprovados desde a década de 1950. (AMBRÓSIO, 2001).

No ano seguinte, a SEE divulgou documentos com orientações, textos (a maioria oriunda da área da administração empresarial) que serviriam de base para as discussões sobre a AD nas escolas mineiras preparando os educadores mineiros para a adesão ao processo de avaliação profissional. Tal proposta adquiriu força no ano de 1997, quando a então, a SEE determinou que tanto professores quanto outros funcionários, aprovados no último concurso público, realizado pelo Estado, fossem avaliados no estágio probatórioO Estágio probatório naquela ocasião dizia respeito ao período compreendido pelos dois primeiros anos de efetivo exercício do servidor em virtude de concurso público. Atualmente este período ampliou-se para três anos, tendo vista mudanças constitucionais..

Com essa nova roupagem as escolas mineiras seriam submetidas a um modelo uniforme de avaliação, não considerando, portanto, as realidades de cada uma, o que gerou insatisfações no interior das instituições de ensino.

Na ocasião, a SEE repassou os instrumentosSobre o tema ver Ambrósio (2001) que explica de forma detalhada estes instrumentos que eram constituídos de fichas previamente definidas pelo Órgão Central nos quais eram determinados os requisitos de avaliação e as notas., já definidos para a avaliação dos servidores, tornando-a obrigatória a partir de então, em todas as escolas públicas do Estado. Contudo, a AD dos professores não se deu no vazio, na verdade, outros programas avaliativos como os da avaliação sistêmica que foram atrelados à capacitação dos profissionais da educação.

Durante a gestão de Azeredo a implantação da cultura do desempenho nas escolas mineiras se consolidou através de normas legais que definiram claramente as ações que deveriam ser desenvolvidas pelas comissões de avaliação dos profissionais.

No período de 1999-2002, no então governo de Itamar Franco, a AD foi deixada de lado, ou seja, não foi uma prioridade de governo e embora não fosse uma obrigatoriedade, muitas escolas continuaram a utilizá-la para dispensar professores que não tinham desempenho satisfatório, ou seja, continuaram punindo. Vale ressaltar que nessa gestão, as diretrizes para a organização da escola e de seu pessoal deixavam claro que a mesma poderia utilizar a avaliação de desempenho para os designados.

Com o “choque de gestão” de Aécio Neves (2003-2010) e continuidade com Antônio Anastasia (2010-2014) a Avaliação de Desempenho voltou a ser pauta governamental, passando por reformulações em relação à edição anterior e recebendo a denominação de Avaliação de Desempenho Individual (ADI), que foi implantada pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG) através de normas legais instituídas.

Ao fazermos a análise dos documentos legais tanto da ADI como da Avaliação Institucional percebemos que na perspectiva do “quadro de gestão adotado pelo Estado, constituem, juntamente com outras medidas de macro-gestão, um modelo de gestão de recursos humanos baseado no sistema meritocrático.” (CUNHA, 2009, p. 61). Embora o modelo de ADI seja em muitos quesitos diferente do modelo da década de 1990, a essência é a mesma – promover o bom desempenho, a produção pelo mérito. É uma perspectiva que corrobora a ótica neoliberal de

[...] flexibilização, extinção de direitos e precarização do trabalho. A lógica de premiar por desempenho é coerente com o leque de reformas que reduzem direitos e vantagens e que, consequentemente implicam salários mais baixos, retirando-se as vantagens conquistadas com o tempo de serviço (biênios, quinquênios) e de cargo (gratificação) – benefícios desestimulados no novo plano de carreira dos docentes do Estado. (CUNHA, 2009, p. 66).

Dessa forma, é importante salientar, que políticas educacionais que tenham esse caráter orientado pela lógica do mercado, favorecem e reforçam no interior das escolas a cultura do desempenho e da competitividade entre seus pares. Santos (2004) chama a atenção para o fato de que se o professor passa a ser remunerado pelo seu desempenho corre-se o risco de voltar-se apenas para ensinar conteúdos que serão alvos de avaliação discente. Acrescenta que se o desempenho é medido pelos resultados dos testes dos alunos não há a preocupação com os aspectos de formação humana.

Nesse contexto, surge a performatividade, que segundo Cunha (2009), pode ser entendida como “cultura e modo de regulação, ‘que serve de críticas, comparações e exposições como meios de controle, atrito e mudanças’” (BALL, 2002, p. 4 apud CUNHA, 2009, p.68). Assim, a figura do diretor escolar é peça de fundamental importância para a realização das políticas educacionais, especificamente as de avaliação, seja docente, seja institucional externa ou interna.

3.1 – O PAPEL DO GESTOR E AS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO

Para Oliveira (2002), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei  nº 9394/96,  propiciou a ampliação da autonomia das escolas em seus aspectos relacionados à gestão e às formas de organização escolar, trazendo novas exigências para o trabalho dos profissionais da escola e principalmente para aqueles que estão na direção escolar.

Segundo Ambrósio (2001) a tão propalada descentralização nas reformas educacionais dos anos de 1990 veio acompanhada de suas vertentes administrativas, financeiras e pedagógicas imputando às escolas não só uma maior autonomia, mas, sobretudo uma sobrecarga de trabalho, pois atividades antes realizadas pelas instâncias superiores foram transferidas para a instituição escolar, sob o nome de autonomia. Essa transferência de tarefas trouxe aos diretores e diretoras a ampliação de suas responsabilidades e consequentemente, a intensificação de sua jornada de trabalho para dar conta de responder não só às exigências legais como também às demandas requeridas pela comunidade que se quer mais participativa. Assim, as direções escolares sentem-se muitas vezes impotentes.

Vale ressaltar que apesar do princípio constitucional da gestão democrática representar uma conquista da sociedade brasileira através do processo de eleição de dirigentes escolares, a elaboração do projeto pedagógico pela própria instituição escolar, constituição de colegiado, entre outras formas de gestão democrática, trouxe mudanças significativas, como já foi dito anteriormente, no trabalho escolar, mas sobremaneira no papel do diretor, imputando-lhe características mais políticas, trazendo “novas exigências para a sua formação e novos desafios para sua identidade e caracterização”. (OLIVEIRA, 2002, p.134).

Se, de um lado, a escola precisa de autonomia para decidir sobre sua própria administração, gerenciando suas atividades em questões financeiras e pedagógicas, por outro, deverá também ser capaz de determinar suas próprias normas, levando em consideração o contexto sociocultural em que está inserida, observando seus próprios limites e potencialidades. E é exatamente neste ponto que os diretores e diretoras sentem-se angustiados e com certo desapontamento com as condições de trabalho.

No processo de avaliação profissional implantado pelas políticas públicas de Minas Gerais, o diretor de escola é responsabilizado pelo processo de ADI e para tanto deve conhecer profundamente os mecanismos da avaliação que são introduzidos no interior da instituição escolar. Nesse sentido, pode ser cooptado pelo Estado Avaliador para trabalhar contra os interesses comuns que os liga aos professores e demais trabalhadores da escola. É certo que a posição que ocupa enquanto “está” diretor o coloca em conflito, pois antes de exercer essa função ele é um docente e sente a necessidade de também lutar por qualificação e valorização profissional. Por outro lado, obedece as normas emanadas do sistema educacional que o empurra para o cumprimento de prazos cada vez mais acirrados no que diz respeito às questões administrativas. Ou seja, uma intensificação do seu trabalho no bojo da reestruturação capitalista.

Nesse contexto, a cultura da avaliação de desempenho, especificamente do trabalho docente é controversa, pois sua utilização pode possibilitar “o reconhecimento de alguns professores supostamente melhores que outros” (CUNHA, 2009, p. 58), reforçando a meritocracia.

Dessa forma nota-se que os desafios enfrentados pelo gestor em relação às políticas educacionais formuladas pelo Estado e com as demandas da população que participa da escola intensificam incessantemente as tarefas a serem desempenhadas. As exigências do Estado colocam o gestor numa situação de isolamento e, ao mesmo tempo, controlam os resultados, classificando tanto a escola como os professores e os próprios gestores, sem relação com os desafios que emergem das demandas populares. Nesse contexto contraditório, a posição política frente a gestão da escola tem se inclinado para um gerenciamento das relações que o diretor precisa adotar, colocando-o um entreposto, como ressalta Paro (1996), entre a sociedade e o Estado. No entanto, sua posição pode ser a de superar a perspectiva do gerenciamento, assumindo a direção da escola no sentido de reforçar o processo de democratização, superando a lógica competitiva, seletiva e excludente que nega a participação da sociedade tanto no projeto político-pedagógico quanto na construção e implementação e avaliação das políticas educacionais.

CONCLUSÃO

A avaliação tende a se transformar num processo de simples “cumprimento de normas”, caso não se reverta sobre a finalidade do trabalho escolar. (AMBRÓSIO, 2001). Segundo essa compreensão, um programa de avaliação docente supõe o conhecimento das capacidades e limitações individuais dentro de um contexto específico de cada avaliado, podendo despertar em cada um a consciência do seu próprio valor e o desejo de aperfeiçoar-se. Caso contrário, essa avaliação tende a camuflar seus resultados beneficiando ou punindo determinado professor, de acordo com as cumplicidades estabelecidas entre o avaliador e o avaliado. Isso se dá pela pouca ou nenhuma experiência da escola lidar com o “novo”, de enfrentar as dificuldades do processo de avaliação de seu pessoal, especialmente se isso acontecer por determinação legal, vinculada à questão de controle.

Nesse contexto, o papel do diretor de escola se caracteriza mais por ser um gerente, pois nesse caso, há uma tendência de lhe imputar uma posição subordinada à sombra do poder, que fragiliza as possibilidades que a autonomia e a participação política se estabeleçam na sua atuação. Dessa forma, ele não consegue constituir uma posição de comprometimento com as expectativas e interesses populares no âmbito da escola. Coerente com essa ideia, podemos dizer que fica difícil articular as experiências dos sujeitos coletivos e individuais, suas vivências sociais, suas concepções de mundo em torno da construção de uma cultura em comum em contrapartida à cultura do desempenho.

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