AVALIAÇÃO EDUCACIONAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA GESTÃO DE COORDENADORES PEDAGÓGICOS EM ESCOLAS PÚBLICAS DO DF
Resumo: Este texto trata da experiência de formação de coordenadores pedagógicos, na modalidade de educação a distância, no Curso de Especialização em Coordenação Pedagógica, ofertado pela Fundação Universidade de Brasília em parceria com o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica, de 2014 a 2015 no Distrito Federal. O objetivo é analisar desafios e possibilidades que permeiam a gestão dos profissionais responsáveis pelo trabalho pedagógico na escola, no que se refere à discussão acerca da avaliação educacional no contexto da coordenação pedagógica, incluindo a avaliação que lhe é inerente, articulando-a aos demais níveis em que a avaliação se desenvolve – aprendizagem e em larga escala.
Palavras-chave: avaliação educacional; coordenador pedagógico; gestão.
INTRODUÇÃO
Este texto relata experiências de formação vivenciadas por coordenadores pedagógicos de escolas da rede pública de ensino do Distrito Federal, na modalidade de educação a distância (EaD), no Curso de Especialização em Coordenação Pedagógica – Escola de Gestores, ofertado pela Fundação Universidade de Brasília (FUB) em parceria com o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Básica (MEC/SEB), de 2014 a 2015.
O texto objetiva: a) analisar desafios e possibilidades da gestão dos profissionais responsáveis pela coordenação pedagógica da escola, na condução de processos formativos que se desenvolvem nesse espaço-tempo; b) acenar as possibilidades da formação continuada para a gestão pedagógica dos processos de avaliação formativa na escola, considerando ser esta função avaliativa defendida nos documentos da Secretaria de Estado de Educação (SEDF), nos Projetos Políticos-Pedagógicos (PPP) das escolas e predominante nos discursos dos profissionais.
A coordenação pedagógica nas escolas da rede pública de ensino do Distrito Federal, prevista em Portaria, é conquista política dos professores, por meio de lutas históricas travadas durante anos, sob o argumento de que contribuiria para a melhoria da qualidade da educação pública. (DISTRITO FEDERAL. ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA. PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA NAS ESCOLAS, 2014, p. 29-30). Com esse intuito, 15 horas semanais da carga horária de 40 horas do professor, são destinadas à formação continuada, estudo, discussão, planejamento e avaliações.
O Distrito Federal é referência da conquista de um tempo para a coordenação pedagógica, integrante da carga horária de trabalho docente, em relação aos demais estados e municípios brasileiros. No entanto, desde a sua instituição na década de 1990, este espaço-tempo vem perdendo seu sentido político-pedagógico, aspecto que, por si só, justifica a necessidade de investimento na formação dos professores que assumem a função de coordenadores pedagógicos, considerando-se ser esta desempenhada por profissionais concursados para a carreira magistério, não havendo concursos específicos ou outras exigências legais para que assumam o cargo de coordenador pedagógico.
O estudo acerca da avaliação educacional foi contemplado no curso de Especialização em Coordenação Pedagógica, com o objetivo de compreendê-la em seus três níveis: avaliação dos estudantes realizada pelo professor; avaliação institucional ou autoavaliação da escola; e avaliação externa, em larga escala ou de redes, sendo estes desenvolvidos de forma articulada e em perspectiva formativa, ou seja, voltados à promoção das aprendizagens de todos.
As informações analisadas neste texto foram extraídas dos fóruns de discussão da disciplina “Avaliação Educacional” sob minha responsabilidade e serão analisadas à luz do referencial teórico adotado no curso.
Na primeira parte do texto, discutirei as perspectivas de avaliação educacional e de qualidade da educação, evidenciando a reciprocidade presente na relação entre esses processos.
Na segunda parte, identificarei os desafios e as possibilidades apresentados à gestão escolar, especificamente aos coordenadores pedagógicos, na condução da formação continuada dos seus pares que implica na proposição e encaminhamento de momentos de estudos, debates, planejamentos e processos avaliativos no âmbito da escola.
O texto finaliza recuperando documentos da Secretaria de Estado de Educação que, por defenderem a avaliação formativa como a que melhor atende aos propósitos de formação integral dos sujeitos, demanda, daqueles que a concretizam, empenho no sentido de atender, senão transcender ao proposto institucionalmente, visando um projeto de educação e avaliação emancipatório.
AVALIAÇÃO EDUCACIONAL, PARA QUAL QUALIDADE?
Até o final da década de 1980, o foco das pesquisas e dos debates acerca da avaliação educacional era a avaliação do desempenho dos estudantes pelos professores. A partir da década de 1990, outros níveis de avaliação educacional têm assumido centralidade na legislação, nas políticas educacionais brasileiras e no cotidiano escolar, demandando de gestores escolares e coordenadores pedagógicos a gestão dos processos avaliativos como mais uma de suas atribuições. Isso ocorre porque são eles os articuladores do trabalho pedagógico no contexto escolar, sendo a avaliação componente de singular importância no exercício dessa atividade. Os depoimentos abaixo, no entanto, revelam que a gestão desses processos é repleta de dúvidas, inquietações e desafios:
O maior desafio é reorganizar o trabalho pedagógico a partir dos dados das avaliações. [...], rever as ações a partir dos resultados. Tenho a impressão de que todos esperam por um milagre, um “outro” que virá de fora e dará respostas para as nossas necessidades. (Ana Lúcia - Coordenadora pedagógica).
[...]. Ainda não percebi como a avaliação, principalmente em larga escala, pode contribuir para o aprimoramento das questões da educação. Como inserir o tema para a sociedade, visto que é uma modalidade nova e, ao mesmo tempo, é um dos grandes anseios desta sociedade. (Adriano - Coordenador pedagógico).
Como categoria do trabalho escolar e pedagógico, a avaliação tem a função de subsidiar professores, estudantes, gestores, equipes de apoio, pais e mães com informações para reorganizá-lo. O cumprimento dessa função requer dos envolvidos identificar o que fazer a partir dos resultados das avaliações realizadas pelos professores em sala de aula, articulando-as aos resultados das avaliações institucionais ou autoavaliação da escola e das avaliações externas, de forma crítica, reflexiva e propositiva. Essa busca por caminhos que possibilitem a todos o direito de aprender continuamente passa, necessariamente, pela análise do trabalho realizado pela e na escola, uma vez que as informações sobre o desempenho dos estudantes, sejam eles gerados em sala de aula ou a partir dos testes em larga escala, dependem, em grande parte, do modo como esse trabalho é organizado e conduzido. A autoavaliação realizada na e pela escola constitui, assim, processo que permite articular os níveis avaliativos, visando garantir a todos a conquista permanente de aprendizagens, qualificar a atuação dos profissionais da educação e imprimir qualidade à educação escolar.
Nesse sentido, Freitas et. al. (2009, p. 34) chamam a atenção para a necessidade de produzirmos escolas reflexivas, “recolocando a questão da avaliação do professor e dos outros profissionais que atuam na escola como uma tarefa coletiva”, orientada por um Projeto Político-Pedagógico, construído, implementado e avaliado coletivamente.
Diante dessa realidade, convém ressaltar que a Constituição Federal de 1988 aponta a educação como direito público subjetivo e a “garantia do padrão de qualidade” – Art. 206, inciso VII, como um dos princípios nos quais o ensino deve se embasar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reforça o princípio da qualidade no art. 3º, inciso IX. O Plano Nacional da Educação (PNE, 2014) apresenta a qualidade da educação como meta a ser alcançada no período de 10 anos, até 2020.
A perspectiva de “qualidade negociada” defendida e estudada no curso de formação dos coordenadores pedagógicos, conforme Bondioli,
[...] não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm um interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, ideias sobre como é a rede [...] e sobre como deveria ou poderia ser. (2004, p. 14)
Essa visão de qualidade se contrapõe à qualidade total que orientou a educação pública na década de 1990, lógica mercantilista focada no resultado, na eficácia e na produtividade com o objetivo de
tornar os serviços educacionais integrantes da lista de produtos comercializáveis e sujeitos às normas da OMC, ou seja, tratar a educação pública no campo dos interesses comerciais, ofertada por empresas de educação e disponibilizando-a para compra no mercado. (NAVIA; VELASCO, apud, SILVA, 1995, p. 86)
A defesa dos educadores progressistas é pela “qualidade negociada”, que recupera a educação como prática social e considera os processos de construção coletiva e a pluralidade sociocultural, tendo como objetivo a garantia das aprendizagens para todos.
Essa perspectiva de qualidade, decorrente de processos participativos e processuais, coloca a avaliação no centro do debate, uma vez que é por meio dela que serão conquistadas as condições que possibilitarão requerer do Estado o cumprimento do seu papel como responsável pela implementação de políticas públicas promotoras de melhorias educacionais.
A conquista da qualidade constitui, portanto, processo de “negociação e responsabilização bilateral” (FREITAS, 2007, p. 975). Não compete exclusivamente ao gestor a responsabilidade pelas decisões que nortearão o trabalho desenvolvido pelo coletivo. Não é ele o operador do “milagre” ao qual se refere a coordenadora. Também não compete ao “outro, que virá de fora”, normalmente, profissionais dos níveis central e intermediário das secretarias de educação e de regionais de ensino e/ou especialistas das universidades, “dar as respostas” para os problemas das escolas. Isso ocorre porque a avaliação
é um processo de reflexão coletivo e não apenas a certificação de um resultado pontual. Essa é a maneira mais adequada de se pensar a avaliação em quaisquer níveis: como processo destinado a promover o permanente crescimento. Há que se medir, mas esta não é a parte mais importante; há que se avaliar – esta sim é fundamental. Avaliar é promover no coletivo a permanente reflexão sobre os processos e seus resultados, em função de objetivos a serem superados”. (FREITAS et. al., 2009, p. 78)
A coordenação pedagógica como espaço-tempo primordial de formação continuada da e na escola deve se constituir como “processo dinâmico por meio do qual, ao longo do tempo, um profissional vai adequando sua formação às exigências de sua atividade profissional” (ALARCÃO, 1998, p. 100). Exigências essas que, no atual contexto, têm sido pautadas fortemente por políticas avaliativas como mecanismo de regulação do Estado. Exemplo disso são as avaliações externas adotadas como uma das formas de controle dos rendimentos dos estudantes por meio de testes padronizados fundamentados em modelos internacionais. Utilizada dessa forma, a aplicação de testes padronizados e em larga escala se mostra insuficiente para a promoção de melhorias na qualidade do ensino, uma vez que polariza responsabilidades fazendo recair sobre a escola o que, em grande medida, cabe ao Estado prover, abrindo caminhos para a privatização da educação.
A “qualidade negociada via avaliação institucional” (FREITAS, 2007, p. 975, grifos do autor) emerge nesse contexto como prática capaz de se contrapor a essa lógica e a coordenação pedagógica como espaço de singular importância para o seu desenvolvimento e para a formação dos profissionais que a viabilizarão. Pensar a avaliação no espaço da coordenação pedagógica foi uma das atividades requeridas aos estudantes do curso, conforme especificado a seguir.
AVALIAÇÃO NO CONTEXTO ESCOLAR: HÁ DESAFIOS, MAS TAMBÉM POSSIBILIDADES NA GESTÃO DOS COORDENADORES PEDAGÓGICOS
Uma das atividades desenvolvidas no curso propôs aos coordenadores pedagógicos que planejassem e realizassem debates na coordenação pedagógica, a partir de questionamentos aos professores, com o objetivo de problematizar a articulação entre a avaliação realizada pelo professor em sala de aula e a avaliação externa por meio da avaliação institucional. Os relatos das atividades foram apresentados e discutidos no fórum da disciplina “Avaliação Educacional” e serão aqui analisados, procurando identificar os desafios e as possibilidades da gestão dos coordenadores pedagógicos na condução de processos formativos voltados à avaliação educacional.
OS DESAFIOS...
Alguns depoimentos caracterizados como desafios são apresentados cotidianamente aos coordenadores pedagógicos, na condução de processos formativos que visam discutir a avaliação educacional. Quando o foco é a avaliação praticada pelo professor, as reações tendem a surpreender, como é perceptível nos relatos dos coordenadores pedagógicos:
A atividade me pareceu muito interessante e, embora todos a tenham realizado, ouvi, logo no início, o seguinte comentário: "lá vêm as ideologias que não funcionam e as críticas ao nosso trabalho realizado em sala". (Amanda – coordenadora pedagógica)
Muitos disseram que tinham muitos anos de carreira e estavam calejados dessas utopias educacionais que só funcionam na teoria, que quem está fora de sala de aula vive criando novos mecanismos, mas que, na prática, são inviáveis. (Antônio – coordenador pedagógico)
A avaliação é categoria do trabalho pedagógico orientadora de todo o processo de ensino e aprendizagem que envolve professores e estudantes. Ela o inicia, o acompanha e o conclui, é justamente por isso que compreender suas finalidades é fundamental para problematizar o campo das práticas avaliativas, desvelando as contradições e, ao mesmo tempo, propondo intervenções que contribuam para transformar concepções e práticas, sempre com o objetivo de dar centralidade às aprendizagens dos estudantes.
Ao avaliar, o professor revela as suas concepções de mundo, educação, ensino, aprendizagem e de cidadão que se pretende formar. Talvez seja esse um dos motivos das resistências dos professores às discussões que colocam em “xeque” suas práticas; quando se trata de práticas avaliativas, a situação é ainda mais complexa. Para Giroux (1981), subjaz à resistência a existência concreta de contradições na realidade social, “são os comportamentos contraditórios e ambíguos e as situações conflituosas presentes na realidade social que permitem que tal resistência apareça.” (LEITE & ANDRÉ, 1986, p. 45)
As reações dos professores, além de expressarem contradições e resistências, podem ser vistas também como mecanismos de defesa diante da dificuldade que sentem ao avaliar os estudantes e da incompreensão quanto à importância de se autoavaliar. Ao mesmo tempo, dão mostras do enorme desafio apresentado aos coordenadores pedagógicos na promoção de espaços formativos que objetivam pensar e repensar a avaliação concebida e praticada pelos docentes.
Em relação ao nível da avaliação institucional, foi possível apreender das discussões realizadas pelos coordenadores pedagógicos nos fóruns da disciplina “Avaliação Educacional” uma frágil apropriação do tema pelos professores, bem como a pouca adesão das escolas à prática autoavaliativa. Os depoimentos a seguir são elucidativos em relação a isso:
[...] não houve ainda avaliação institucional ou autoavaliação da escola. O orientador educacional apresentou o Projeto Político-Pedagógico em meados de abril, a discussão foi bem acirrada e disseram que haveria algumas alterações no atual projeto, no entanto, até o momento não obtivemos o retorno. (Almir – coordenador pedagógico). Grifos meus.
Em minha escola, a avaliação institucional e o Projeto Político- Pedagógico se relacionam, mas de forma externa, para inglês ver. Faz-se uma avaliação, lembra-se da existência do PPP sem que haja uma articulação entre os dois, tem-se a avaliação como feita e ponto final. (Amélia – coordenadora pedagógica). Grifos meus.Essa avaliação feita pela escola, que se destina a identificar as potencialidades e as fragilidades e, ainda, refletir e realinhar suas ações permanentemente com a intenção de promover a aprendizagem não existe em minha escola. O que lá se vê é meramente o cumprimento de um calendário organizado pela Secretaria de Educação da forma mais superficial possível, simplesmente para executar ordens superiores. (Ana – coordenadora pedagógica). Grifos meus.
Em 2014, participei pela primeira vez de uma autoavaliação na Secretaria e na minha primeira temporada lá, isso não existia. Primeiramente, reuniram-se: professores, servidores, direção, terceirizados e duas mães de alunos no pátio da escola e cada setor era avaliado pelos outros. Tudo terminou em avaliação de pessoas, exaltando uns e diminuindo outros. Fiquei constrangida com o show. O que aconteceu foram ataques e autodefesas sem que houvesse reflexão com o intuito de reorganizar os processos e melhorar as concepções e as práticas da instituição. Quanto ao Projeto Político- Pedagógico, só citaram o seu nome, dizendo que era responsabilidade de todos, mas nunca presenciei uma oportunidade para uma discussão a respeito dele. Não posso considerar nada que tenha sido proveitoso nesse momento. (Aldo – coordenador pedagógico). Grifos meus.
Dos relatos dos coordenadores pedagógicos emergem algumas categorias relevantes para análise. A primeira, a avaliação institucional não gera feedback, ou seja, há evidência de que avaliação institucional e PPP da escola não se articulam nem se relacionam reciprocamente inviabilizando um processo que serviria para retroalimentá-los. Mesmo quando o projeto é avaliado, não há uma sistematização, registros e retorno aos pontos analisados e discutidos, assim, o que se pode denominar feedback do processo autoavaliativo da escola não ocorre verticalizando o trabalho desenvolvido sendo a avaliação posta ao final desse processo. Na percepção da coordenadora Amélia, a articulação é “para inglês ver”, “a avaliação é feita e ponto final”. Nesse caso ela serve à constatação do que foi feito, perdendo sua principal função de (re)orientar o que está por vir.
A segunda, a avaliação institucional cumpre função burocrática, é realizada em atendimento a exigências institucionais prevista em calendário escolar, emanado da gestão central das Secretarias de Educação, apresenta-se na contramão da compreensão expressa pela coordenadora pedagógica Ana, de que a autoavaliação da escola objetiva a “[...] identificar as potencialidades e fragilidades e, ainda, refletir e realinhar suas ações permanentemente com a intenção de promover a aprendizagem [...]”. O automatismo que caracteriza o processo avaliativo realizado por imposições superiores limita a avaliação a análises superficiais ou artificializadas do trabalho realizado, esquivando-se da possibilidade de, junto com seus pares, aprimorá-lo.
A terceira, a personificação da avaliação institucional, serve à exposição e constrangimento dos que dela participam. Avalia-se as pessoas e não o trabalho por elas desenvolvido, o que gera, inevitavelmente, “ataques e autodefesas”, como relatado pelo coordenador pedagógico Aldo. Nesse sentido, Sordi (2009) adverte que é importante que a avaliação do trabalho da escola não seja voltada para a avaliação de pessoas, com vistas à exclusão, punição ou premiação, no entanto o desconhecimento da real função da avaliação institucional tem reverberado nessas práticas que pouco contribuem para a constituição de um projeto de escola pensado e refletido pelos seus atores. Vale destaque para o fato de que o coordenador também demonstra compreensão da real função da avaliação institucional, como processo de avaliação da escola por ela mesma, de forma reflexiva e propositiva. A autoavaliação da escola é uma prática em constituição e desafiadora pelas possibilidades que oferece para a organização do trabalho escolar, representa “a apropriação da escola pelos seus atores” permitindo a eles
identificarem as iniciativas em que se encontram envolvidos, o impacto das mesmas, bem como, e por consequência, os pontos fortes e as vulnerabilidades dessas iniciativas e da racionalidade pedagógica que as sustenta e, por outro, projectarem o futuro, em termos das iniciativas que se deve continuar a prosseguir, a reformular ou a realizar. (COSME e TRINDADE, 2010, p. 37)
A avaliação institucional deve tomar como referência o PPP da escola, constituindo-se prática em que todos os sujeitos envolvidos no trabalho escolar o analisam, localizam seus problemas e refletem acerca deles, orientando as decisões coletivas para a sua melhoria, tendo sempre em vista as aprendizagens de todos os envolvidos, especialmente dos estudantes. Este nível da avaliação promove o encontro dos dados da avaliação feita pelos professores em sala de aula com as informações levantadas por meio da aplicação de exames externos aos estudantes, permitindo, assim localizar disfunções e buscar soluções capazes de extirpá-las ou ao menos minimizá-las. Quando o olhar sobre a avaliação se limita ao trabalho desenvolvido em sala de aula, são desconsideradas as influências advindas do contexto maior – escola e sociedade – que, muitas vezes, comportam grande parte dos problemas que comprometem o êxito do processo ensino-aprendizagem.
Quanto à avaliação externa ou de redes, os estudos propostos no curso tiveram o propósito de subsidiar os coordenadores pedagógicos na compreensão das relações existentes entre os seus resultados e o trabalho que realizam na escola, bem como as relações entre investimentos e implementação de políticas para a melhoria da qualidade da educação, na perspectiva de se fazer gestão dos processos educativos de forma consciente, intencional, planejada, comprometida ética, política e pedagogicamente com as aprendizagens de todos os estudantes.
Não foi possível, entretanto, apreender dos relatos apresentados no fórum aspectos que sugerem a compreensão da função desse nível de avaliação na escola, o que mostra sinais de que é ainda pouco explorado e compreendido por gestores, professores, estudantes, pais, mães e demais profissionais da educação. Recupero o relato feito no início deste texto pelo coordenador pedagógico Adriano, por ser a expressão dessa constatação: [...]. Ainda não percebi como a avaliação, principalmente em larga escala, pode contribuir para o aprimoramento das questões da educação.
Conforme discutido, a avaliação externa é adotada como uma das formas de controle, pelo Estado, dos rendimentos dos estudantes por meio de testes padronizados fundamentados em modelos internacionais,
[...], em que se demonstrariam os níveis de eficácia e eficiência dos sistemas de ensino e que, portanto, remeteriam às próprias escolas autônomas o sucesso ou o peso do fracasso, seriam justificadas as ações intervencionistas do Estado. (NAVIA; VELASCO, apud, SILVA, 1995, p. 59)
Embora instituídas como mecanismo de regulação e controle visando responsabilizar unilateralmente as escolas pelos resultados alcançados, as avaliações externas e os dados por ela gerados podem e devem ser utilizados pelos profissionais da educação para qualificar os processos didáticos – ensinar, aprender e avaliar; reorganizar o trabalho escolar; além de orientar a elaboração de políticas públicas educacionais de modo a possibilitar a aprendizagem de todos os estudantes. Isso significa que o uso que se faz dos resultados obtidos a partir da aplicação de testes em larga escala é definidor da função que cumprem junto aos que dele se utilizam, podendo servir a propósitos formativos e inclusivos ou classificatórios e excludentes.
No Brasil tem sido frequente o uso da avaliação de redes para aferir escolas e o trabalho do professor em sala de aula. Um exemplo disso é a disponibilização dos resultados em sites ou o envio para as escolas sem uma preparação das equipes gestoras, pedagógicas e docentes para fazerem uso desses resultados, ou seja, interpretá-los com vistas a proposições de ações que visem à melhoria do trabalho da escola e de seus profissionais. A simples divulgação dos resultados não contribui para que sejam reconhecidos como pertencentes à escola. Estaria, assim, assegurada apenas a dimensão técnica da disponibilização dos resultados às escolas, aspecto que se mostra importante, porém insuficiente, uma vez que é a dimensão política que garante o uso formativo desses dados pelo coletivo das escolas. (FREITAS, et. al., 2009)
Assim, não basta avaliar e divulgar resultados, é preciso que eles subsidiem a tomada de decisões, no sentido de intervir para melhorar a qualidade da educação pública.
AS POSSIBILIDADES...
Apontar possibilidades implica sinalizar aspectos da gestão dos coordenadores pedagógicos favoráveis à instauração de movimentos nas escolas que qualifiquem as práticas avaliativas e contribuam para a adoção de uma perspectiva formativa de avaliação.
Inicialmente, é preciso destacar a percepção dos coordenadores participantes do curso quanto ao seu papel do coordenador pedagógico na condução de processos de formação continuada que contribuam para a promoção das mudanças urgentes e necessárias no campo avaliativo, do protagonismo que assumem na organização do trabalho pedagógico e na condução de processos de avaliação educacional voltados para as aprendizagens dos estudantes.
O coordenador - articulador do trabalho pedagógico - deve incentivar a prática coletiva no sentido de se usar todos os instrumentos/procedimentos que podem potencializar as estratégias de avaliação formativa: avaliação por pares ou colegas, provas, portfólio, registros reflexivos, autoavaliação, seminários, pesquisas, trabalhos de pequenos grupos, sem desconsiderar outros adotados na unidade escolar. (Alline – coordenadora pedagógica). Grifos meus.
Aprendendo a usar seus resultados, compreendendo os fatores que interferem na qualidade dos processos educacionais e subsidiando a proposição de políticas públicas comprometidas com a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem. Não basta avaliar e divulgar resultados, é preciso que esses resultados orientem a tomada de decisões, no sentido de intervir para melhorar a qualidade da educação. (Angela – coordenadora pedagógica). Grifos meus.
Se hoje me fosse dada a incumbência de ser a diretora de minha escola, começaria por convocar uma avaliação institucional extraordinária, [...]. Seria uma chamada geral, pais, alunos, professores e servidores. Teria em mãos dados do primeiro bimestre, relatos do conselho de classe acerca de rendimento e comportamento das turmas, além do mal falado PPP, feito sem muita reflexão. Começaria por ele, apresentaria seus objetivos e seu plano de ação e proporia uma reflexão a respeito de cada item apresentado, sua relevância e aplicabilidade naquela comunidade, enfim, partiria para a sua reformulação geral. (Andréia – coordenadora pedagógica). Grifos meus.
Ao se perceberem como agentes de mudança, os coordenadores pedagógicos contribuem para a superação da coordenação pedagógica como ordenação, que se constitui como espaço-tempo de trabalho fragmentado, alienado e alienante, com foco no emergencial e no procedimental, o que leva à burocratização da função, ou seja, como lugar de tradução das exigências institucionais como instrumento de adaptações. Assumem, em contrapartida a coordenação pedagógica como (co)ordenação em que a ação dos coordenadores pedagógicos é reflexiva e impulsionadora, propositiva e de ação solidária. (FERNANDES, 2012)
Destaco, ainda, a compreensão que a coordenadora Alline demonstra dos estudos relativos à avaliação formativa, realizados no curso. Aparentemente fundamentada por Villas Boas (2008), a cursista reforça que a intenção de avaliar formativamente os estudantes pressupõe, por parte dos professores, a adoção de diversificados procedimentos e instrumentos avaliativos. Para justificar seu posicionamento, Ângela reconhece que “medir propicia um dado, mas medir não é avaliar. Avaliar é pensar acerca do dado com vistas ao futuro." (FREITAS, et. al., 2009, p. 48)
Andréia sugere que a formação continuada dos coordenadores pedagógicos pode contribuir também para a construção de outra relação entre o PPP da escola e a avaliação institucional, ressaltando a natureza reflexiva de ambos na análise dos desempenhos dos estudantes como expressão do desempenho da própria escola e, consequentemente, do cumprimento de sua função social.
Ressalto que, embora o coordenador pedagógico seja o articulador do trabalho pedagógico, é preciso considerar que mudanças nos processos internos da escola partam do conjunto dos atores da escola, sob o risco de centralizarmos as ações, personalizando-as.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fecho provisoriamente a análise, tendo em vista a impossibilidade de concluí-la, considerando a diversidade de olhares que se lançarão sobre o curso, a gestão dos coordenadores pedagógicos acerca dos processos avaliativos vivenciados internamente na escola, e os desenvolvidos mediante atuação de atores externos a ela. Estou consciente de que as análises apresentadas se complementarão com o objetivo de melhor compreender como a gestão pedagógica dos processos avaliativos se efetivam no âmbito das escolas, podendo repercutir na sua organização política e pedagógica, teço aqui minhas considerações finais.
A coordenação pedagógica, como espaço e tempo primordial de articulação do trabalho pedagógico coletivo, ou seja, de formação continuada, de reflexão acerca das práticas pedagógicas e práticas avaliativas e de elaboração, implementação e avaliação e outros, requer o envolvimento de todos os responsáveis pela escola. A articulação desse trabalho pelo coordenador, em conjunto com a equipe da direção, contribui para instaurar um processo de tomada de consciência dos problemas e das questões que emergem no contexto escolar e de organização de meios para solucioná-los, em um movimento autoavaliativo constituindo-se, assim, desafio à escola como um todo.
A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal orienta os processos avaliativos nas escolas da rede pública de ensino por meio das Diretrizes de Avaliação Educacional: aprendizagem, institucional e em larga escala (DISTRITO FEDERAL, 2014) e da Orientação Pedagógica: Projeto Político-Pedagógico e coordenação pedagógica nas escolas (DISTRITO FEDERAL, 2014). No entanto, embora as diretrizes e as orientações emanadas do sistema, sejam relevantes para dar suporte didático-pedagógico e teórico-metodológico para o planejamento, o desenvolvimento, a organização e a avaliação do trabalho pedagógico desenvolvido na escola e fortalecer o sentido de “rede”, são insuficientes para concretizar as intenções explicitadas nos documentos e nos discursos de professores e gestores. É preciso avançar, criando as condições favoráveis, para que, de fato, a avaliação assuma a centralidade dos processos educativos em todos os níveis de gestão educacional: central, intermediário e local. Para isso, todos precisam se perceber como corresponsáveis e protagonistas na construção de um projeto de escola e de avaliação que sejam emancipatórios e formativos.
REFERÊNCIAS
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