AS AVALIAÇÕES EM LARGA ESCALA E SEUS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Resumo: Este artigo discute os impactos das avaliações em larga escala na educação básica, sua utilização e a relação com a melhoria da qualidade na educação contemporânea. Para tanto buscamos fazer um diálogo com autores que estudam o tema tanto no âmbito nacional quanto internacional. O texto faz parte de uma pesquisa de doutorado em andamento intitulada: “Desdobramentos dos Resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) na Organização do Trabalho Docente da Rede Municipal de Juiz De Fora.”
Palavras-chave: avaliações em larga escala; educação; qualidade.
INTRODUÇÃO
Este trabalho desenvolve uma discussão entre o objetoObjeto vinculado a pesquisa em desenvolvimento intitulada: Desdobramentos dos Resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) na Organização do Trabalho Docente da Rede Municipal de Juiz De Fora. de investigação da nossa pesquisa de doutoramento e alguns textos que compõe o livro: “Marcos Históricos na Reforma da EducaçãoObra organizada por Nigel Brooke, 2012.”, a escolha se justifica, pois a temática abordada nessa obra possui estreita relação com nosso tema de pesquisa.
Inicialmente o artigo fará uma breve apresentação acerca do objeto a ser pesquisado, inserindo-o no contexto histórico-político-social, bem como, com as reformas educacionais a partir dos anos 1990. Abordaremos, também, sobre a temática da avaliação em larga escala, buscando trazer ao debate as contribuições dos textos de Brooke (2012) ao dialogar com outros autores. Finalizamos o texto tecendo algumas considerações a respeito da relevância de estudar a temática das avaliações em larga escala, sua utilização e relação com a melhoria da qualidade da educação atual.
A RELAÇÃO DO IDEB COM AS REFORMAS EDUCACIONAIS PÓS DÉCADA DE 1990
O tema acerca dos impactos dos resultados do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) no trabalho docente se apresenta como foco de nossa investigação, na pesquisa desenvolvida no âmbito do processo de doutoramento ainda em fase inicial.
O IDEB foi instituído pelo MEC (Ministério da Educação) em 2007, a partir de estudos elaborados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) para avaliar o nível de aprendizagem dos alunos, tomando como parâmetro o rendimento dos estudantes (pontuação em exames padronizados, Prova Brasil ou SAEB, obtida no final dos 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio) nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática e os indicadores de fluxo (taxas de promoção, repetência e evasão escolar), a partir de uma escala de zero a dez. Os exames são bianuais e começaram a ser considerados a partir dos resultados das provas realizadas em 2005. Dessa forma, as escolas brasileiras têm até 2022 para atingir a nota seis, que é o índice obtido pelos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que são os países mais desenvolvidos.
A instituição do IDEB expressa à preocupação com qualidade da educação brasileira bem como, associa-se às reformas educacionais internacionais que previam o estabelecimento de estratégias similares, como forma de implementar políticas para superar as dificuldades concernentes ao aspecto qualitativo do ensino ofertado na maioria das instituições escolares de várias partes do planeta.
Nessa perspectiva, as grandes reformas ocorridas a partir da década de 1990, têm sido nomeadas por (BROOKE, 2012, p.325) de “processo de internacionalização das reformas educacionais”, cujas propostas educacionais preservam certas semelhanças, com o predomínio de um núcleo comum, “como se estivessem seguindo um receituário de políticas educacionais”, para ser implantado em escala global.
Nesse cenário, temos a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, como marco das reformas. Observa-se que a educação ganha intensa centralidade nas agendas governamentais com a realização de grandes eventos internacionais para se discutir e traçar objetivos educacionais similares. Os países signatários desses encontros estabelecem compromissos de reformas educacionais que almejam, dentre outros aspectos, uma gestão descentralizada da educação, maior autonomia e maior responsabilidade para as escolas, políticas de avaliação, aumento de investimento, melhoria no processo de formação docente e articulação dos conhecimentos escolares às demandas da sociedade contemporânea. Segundo Gajardo (2000, p.333), as reformas educacionais visam uma formação que contribua com “o desenvolvimento de uma moderna cidadania vinculada à competitividade dos países, à democracia e à equidade”.
Nota-se que são propostas que tentam reorganizar os sistemas educacionais, se referendam em critérios racionais, oriundos do âmbito econômico, visando “encontrar formas novas e eficientes de oferecer os serviços da educação e de melhorar a qualidade” (Brooke, 2012, p.201). A educação vinha acumulando insucesso que impactava negativamente o crescimento econômico, assim precisava passar por mudanças que promovesse mais eficiência ao ensino público.
Todavia, Lima e Afonso (2002) denunciam que as propostas educacionais enfatizam uma busca pela modernização em detrimento à democratização da educação. Nesse sentido, o processo de democratização é ressignificado via utilização “de uma nova semântica em prol da modernização”. Desse modo, a educação é colocada como instrumento capaz de alavancar o crescimento econômico e inserir o país à modernização. Os atrasos econômicos, muitas das vezes, são associados à questão de ineficiência na gestão dos recursos públicos. Portanto, similar à esfera econômica, a educação necessita ser mais adequadamente gerida, os reformadores alegam que a adoção de mecanismos administrativos se configura como alternativa promissora.
No que tange as avaliações em larga escala, as reformas educacionais anunciam que a implantação de políticas via testes padronizados, podem contribuir para melhoria da qualidade de ensino, para a diminuição da pobreza e para a busca pela equidade social. O investimento em uma educação de qualidade busca promover a formação escolar mais qualitativa, de forma que os sujeitos que passam pela escola tenham melhores condições de se inserir no mercado profissional, potencializando mobilidades sociais e quiçá contribua para a diminuição da pobreza.
Neste sentido, a pesquisa que propomos tem como objetivo geral investigar os desdobramentos dos resultados do IDEB na Rede Municipal de Juiz de Fora, observando os limites e possibilidades que são apresentados a partir dessa política educacional. Inicialmente, pretendemos trabalhar com educadores que atuam na supracitada rede de ensino, com apoio de entrevistas semiestruturadas, a fim de pesquisar as implicações dos resultados do IDEB na organização do trabalho docente, bem como, analisar as ações responsivas utilizadas pela Secretaria de Educação de Juiz de Fora (SE/JF) frente às metas propostas para elevação desse índice.
Como estratégias de pesquisa serão utilizadas análise de documentos oficiais da SE/JF, análise de documentos oficiais oriundos do âmbito federal, análise de informações coletadas em relatórios referenciados por órgãos federais e por estudos acadêmicos de pesquisadores da área, além de entrevistas semiestruturadas com membros da SE/JF. A pesquisa é de cunho qualitativo, mas quando for necessário irá se valer dos dados quantitativos, visto que a temática pesquisada produz resultados estatísticos e com certeza esses irão aparecer no decorrer do lócus investigativo.
No próximo tópico, apresentaremos o destaque que as avaliações externas vêm ganhando no cenário educacional brasileiro, principalmente, no que tange ao discurso de responsabilização pela melhoria da qualidade do sistema educacional. Destacaremos que seus impactos se apresentam de forma pouco desejada pelos seus idealizadores, visto que nem sempre a interpretação dos resultados dessas avaliações se faz associar a novas estratégias de planejamento e mudança na atuação prática.
AVALIAÇÃO EXTERNA: DESDOBRAMENTOS NA BUSCA DA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
A avaliação educacional trouxe novos elementos para a antiga e, ainda não superada, qualidade da educação. O termo qualidade da educação é polissêmico, abriga diferentes significados e atende diversas demandas. De acordo com os estudos de Enguita (2002) é necessário compreender as verdadeiras intencionalidades desse discurso, visto que o problema da qualidade sempre esteve presente, mas só agora ganha mais visibilidade. Observa-se uma substituição do discurso da igualdade e da igualdade de oportunidades, pelo discurso da qualidade da educação. No campo educacional, quando se quer aproximar qualidade ao significado de igualdade, refere-se à busca dos processos qualitativos.
Segundo Enguita (2002) a educação passou primeiramente, pela busca da universalização da educação básica, fato muitas vezes restrito a um grupo minoritário. Nesse período, a ênfase era o acesso suficiente, a quantidade, a questão da qualidade ainda não era central. O processo se constituiu em colocar todos no espaço escolar, sem haver nenhum questionamento da qualidade dos processos educativos até então desenvolvidos nessa escola que atendia a um grupo exclusivo. Presumia-se que o que era bom para alguns, seria para todos.
No Brasil, historicamente, se discute a temática, no entanto, ao longo do tempo, o parâmetro indicador da qualidade educacional também tem se alterado. Segundo Oliveira e Araújo (2005), a discussão basicamente estruturou-se em três formas distintas e em três momentos históricos também diversos. Inicialmente atrelou-se qualidade em função da quantidade, visto que a oferta de vagas se mostrava insuficiente para a demanda de alunos. Posteriormente, a reivindicação pela qualidade estava associada ao fluxo escolar, ou seja, a relação de educandos aprovados dentro do sistema escolar. E desde o final do século passado a qualidade é aferida pelos resultados das avaliações em larga escala.
O debate acerca das avaliações em larga escala como integrante da política educacional, no Brasil, se acentuou no final dos anos 1980. Com a criação do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), início da década de 1990, fortaleceu-se o processo de implantação de avaliação externa, buscando diagnosticar e monitorar a qualidade da educação básica.
Observa-se que a melhoria da educação também fora e continua sendo tema perseguido pelos Estados Unidos (EUA), sobretudo, a partir dos anos 1980, frente à perda de competitividade do país e aos ajustes econômicos estabelecidos. Nesse contexto, o relatório “Uma Nação em Risco” trouxe sérias preocupações relacionadas à queda da qualidade de ensino nas escolas americanas. Bem como alavancou as reformas baseadas na política de avaliação associada aos princípios de “accountability“Expressão utilizada para tratar da obrigação e capacidade de uma pessoa ou instituição de prestar contas a outra pessoa ou instituição. (...) É importante ressaltar que o aludido termo não diz respeito apenas às explicações ou justificativas apresentadas para sustentar as escolhas políticas. O termo accountability implica que as ações dos representantes sejam passíveis de recompensa ou punição por parte dos representados. Essa premissa é uma das principais diferenças entre a accountabilitye a simples prestação de contas” (MARQUES, 2013)” (Brooke, 2012, p.143). Observa-se que a responsabilização fora instaurada em um contexto de fortes ajustes econômicos e em consonância com os princípios de prestação de contas públicas. De acordo com Supowitz (2009, p.175) a política baseada na responsabilização alicerçada em testes é uma forma de demonstrar publicamente a utilização dos recursos públicos.
Contudo, mesmo havendo um intenso uso de políticas educacionais padronizadas, envolvendo maior monitoramento do currículo escolar, estabelecimento de testes externos, o sistema educacional dos EUA ainda não conseguiu alcançar os objetivos esperados, conforme demonstra pesquisa realizada Instituto Hunt (2009).
Observa-se que o uso dos resultados das avaliações em larga escala tem interferido em toda organização do trabalho docente e tem sido uma prática assimilada por diferentes sistemas educacionais. A Reforma Educativa de Nova York, por exemplo, expressa a materialização da interferência das políticas de resultados no trabalho docente. Ravitch (2011), uma das implementadoras da supracitada Reforma, relata o processo de implementação e as consequências da política educacional que legitimou a responsabilização da escola e dos professores estadunidenses. A intelectual constatou que a política de responsabilização tornou-se senso comum na sociedade americana, porém, mostrou-se algo mecânico e contrário ao desenvolvimento de uma educação de qualidade. Ravitch afirma:
A testagem, eu percebi com desgosto, havia se tornado uma preocupação central nas escolas e não era apenas uma mensuração, mas um fim em si mesma. Eu comecei a acreditar que a responsabilização, conforme estava escrito na lei federal, não estava elevando os padrões, mas imbecilizando as escolas conforme os Estados e distritos lutavam para atingir metas irrealistas. (RAVITCH, 2011, p. 27).
No sistema educacional norte-americano o mecanismo utilizado para medir a qualidade da educação tende a enfatizar a elevação dos escores em testes padronizados, secundarizando as questões curriculares. Ravitch(2011) alega que essa não deveria ser a única forma de aferir a qualidade do ensino, vez que diante das possibilidades de punições pela queda de notas, as instituições escolares, muitas vezes, utilizam de estratégias que não contribuem com uma formação efetiva.
Os resultados das avaliações em larga escala nos EUA geram graves consequências tanto para escola, como para os educadores, instituições escolares que possuem baixos desempenhos avaliativos sofrem intervenções, podem ser fechadas, ter funcionários demitidos, se inserem no contexto das chamadas avaliações de terceira geração ou highstakes são de responsabilização forte.
Essa perspectiva está em consonância com formas inovadoras de gestão pública, uma maneira de o Estado demonstrar a sociedade suas ações, prestar conta dos seus serviços, almejando uma administração transparente e eficiente, um paradigma de gestão substituto do modelo burocrático. Ou seja, se insere no contexto de redefinição estatal, em que o Estado passa de provedor a gestor público.
Conforme mencionado anteriormente, as avaliações em larga escala no Brasil foram instituídas amplamente, a partir da criação do SAEB. A implantação desse sistema se articula com as propostas de reformas políticas, Brooke (2015, p.18) ressalta que “o acolhimento da avaliação educacional pelo governo brasileiro como decorrência de um projeto de modernização da administração estatal cujo objetivo seria vencer a falta de equidade, qualidade e eficácia da educação brasileira”. Justificam-se pela necessidade de adotar métodos de avaliação sistêmica, além de seguir experiências de outros países.
Em alguns estados brasileiros, como São Paulo e Pernambuco, os resultados das avaliações externas vinculam-se a questões salariais, podendo haver remuneração diferenciada de profissionais da mesma rede de ensino, em função do desempenho obtido pela escola. As instituições escolares necessitam alcançar as metas de qualidades estabelecidas a priori, posteriormente a remuneração dos profissionais será atrelada ao desempenho. Assim os estados supracitados criaram indicadores de qualidade estaduaisIndicador Estado de São Paulo: Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP); Indicador Estado Pernambuco: Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco (SAEPE)., similar ao IDEB, almejando monitorar a qualidade do ensino ofertado em suas escolas.
Reservadas algumas diferenças de regrasPara maiores detalhes acerca das especificidades do sistema de avaliação baseado em desempenho dos casos de São Paulo e Pernambuco vide Ferraz (2009)., tanto São Paulo quanto Pernambuco estabeleceram uma política avaliativa baseada em responsabilização, introduzindo “um sistema de remuneração que relaciona um bônus monetário ao alcance dessas metas” (Ferraz, 2009, p.186). Essas experiências são embasadas em políticas de responsabilização implementadas em países desenvolvidos, sob a crença de que os bônus salariais, bem como as possíveis punições podem atuar como estratégias que incidam positivamente no processo educacional. Entretanto, Brooke (2015) adverte quanto as diferenças entre as políticas de accountability desenvolvidas em países centrais, como Estados Unidos e as políticas de responsabilização implantadas na América Latina. De acordo com o autor:
Semelhantes ao sistema SNED do Chile, as políticas de responsabilização brasileiras associam consequências aos resultados dos alunos em termos de um adicional ao salário dos professores pertencentes às escolas classificadas ou premiadas. Por este motivo, estas políticas se diferenciam das políticas de accountability high-stakes dos Estados Unidos onde as consequências atingem primeiramente os alunos. (BROOKE, 2015, p. 538).
Nessa perspectiva, Nigel Brooke (2015) ressalta que o impacto proveniente das políticas de premiação tem efeitos secundários aos alunos, visto que não há cruzamento de dados que possam incidir futuramente na vida profissional de cada estudante. Ainda assim, Bonamino & Sousa (2012, p.520) mostra resultados de pesquisa acerca dos efeitos do SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) no contexto escolar, revelando que a prática pedagógica absorve orientações pragmáticas, com intervenções na realização de provas, preenchimento de gabaritos, utilização de questões semelhantes oriundas de bancos de questões de provas anteriores, “não se associa à ideia de uma avaliação que traga subsídios para a orientação e o replanejamento do trabalho escolar”.
Por esse ângulo, também ponderamos sobre a interferência das avaliações externas na condução do fazer pedagógico, implicando em um estreitamento curricular, com um ensino baseado nas matrizes de referências exigidas em provas em larga escala, com uma hierarquização de disciplinas, onde são enfatizados objetivos voltados para português e matemática. Esses fatores demonstram, entre outros aspectos, a necessidade de melhor compreensão e utilização dos resultados expressos pelas provas padronizadas, além da clareza sobre a finalidade educativa.
A predominância das avaliações em larga escala enquanto matriz de referência curricular tem sido bastante criticada, pois muitas vezes os sistemas se baseiam nos descritores avaliativos das provas externas para estabelecer a escolha dos conteúdos escolares. Todavia, na ausência de um currículo nacional único que direcione e embase o processo educativo, as avaliações externas têm assumido essa função.
Analogamente ao contexto brasileiro, as instituições educacionais americanas também enfrentam essa desarticulação curricular. Pesquisa realizada pelo Instituto Hunt (2009, p.178) revela que:
Conforme mostrado pelo estudo da NRC encomendado pelo Instituto Hunt, na ausência de padrões claros e concisos e sem um currículo a eles alinhado, os professores se apóiam nos testes estaduais para obterem diretrizes acerca do que devem ensinar.
Na tentativa de resolver esses entraves, atualmente no Brasil, encontra-se em processo de formulação da Base Nacional Comum Curricular (BNC), que possibilitará a unificação do currículo básico nacional, respeitando as singularidades regionais e estabelecendo os conteúdos os quais os estudantes têm direito de ter acesso e de apropriá-los. Com a implantação da BNC, “espera-se que a Base seja um dispositivo para (re) orientar as políticas de Avaliação da Educação Básica” (MEC 2016), além de ser uma forma de assegurar os conteúdos escolares para todos os alunos, em uma perspectiva de escola democrática.
Para Ravitch (2011) a melhoria educacional, entre outros aspectos, está associada ao estabelecimento de um currículo com qualidade:
A maneira mais durável de melhorar as escolas é melhorar o currículo e a instrução e melhorar as condições nas quais os professores trabalham e as crianças aprendem, ao invés de discutir infinitamente sobre como os sistemas escolares deveriam ser organizados, administrados e controlados. (RAVITCH, 2011, p. 251).
Por outro lado, observa-se também que as avaliações podem incidir no processo educacional ao propor determinadas ações que geram movimentos no âmbito escolar e no seu fazer pedagógico, abrindo possibilidades de se discutir e repensar coletivamente acerca da avaliação/qualidade e mais especificamente a função da escola no atual cenário contemporâneo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, observamos que as reflexões em torno dos desdobramentos das avaliações em larga escala para o trabalho docente e para o desenvolvimento de um processo de aprendizagem qualitativo se apresentam de extrema relevância para o atual cenário educacional.
Os debates acerca dos impactos das avaliações stantardizadas são intensos, necessários, há divergências de perspectivas. Conforme dialogamos ao longo do artigo, trata-se de um tema que gera dissenso no meio acadêmico, por isso mesmo, necessita de grandes discussões e análise que o limite desse texto não permite. De acordo com Fullan (2009, p.494) “as reformas de larga escala atingem a maioridade, mas ainda não a maturidade”, o autor elenca os limites e possibilidades das experiências dessas reformas em alguns países, sinalizando que apesar de casos exitosos de políticas de avaliação em larga escala, ainda necessitam ser mais disseminadas e melhor conduzidas em suas diferentes fases. Nesse sentido, estamos em processo, ainda temos muitos desafios a serem enfrentado.
Dyer (1999) ressalta a importância de um efetivo processo de implementação das políticas. A eficácia de uma política se relaciona com um planejamento estruturado da fase de sua implementação que é complexo. Resgatando os estudos de Condé (2012), todas as fases do processo das políticas: agenda, formulação, implementação, monitoramento e avaliação necessitam ser consideradas para se alcançar os objetivos almejados.
Além disso, consideramos que as políticas educacionais, particularmente, aquelas relacionadas às avaliações externas, precisam definir explicitamente as funções para a educação contemporânea, quais parâmetros serão balizadores de um ensino de qualidade. Pois, embora, considerando a importância do atual parâmetro sinalizador da qualidade educacional, ainda ponderamos acerca das lacunas que precisam ser vencidas.
Sob o viés qualitativo expresso pelo IDEB, pode-se observar que, de modo geral, estatisticamente a educação brasileira obteve avanços. Todavia, observando o perfil da grande maioria dos alunos da escola básica, nota-se que muitos saem da escola sem dominar os rudimentos básicos de leitura, escrita e linguagem matemática. Ou seja, os alunos passam pela escola, possuem uma certificação, mas saem com uma formação que é bastante questionada, em vários âmbitos sociais. Assim, estamos diante de uma dualidade: de um lado o IDEB revela que sutilmente a educação brasileira tem elevado sua qualidade e de outro, os alunos que frequentam a escola básica possuem grandes defasagens de aprendizagem.
Paro (2007) denuncia que há uma grande distância entre o que é proclamado para se obter um ensino de qualidade com o que de fato se efetiva. O autor ressalta que os resultados educacionais não estão em consonância com os objetivos pretendidos para a educação. O que ocorre se trata da falta de uma explicitação mais rigorosa do conceito de qualidade, que pode levar a resultados não planejados no processo sendo contrapostos aos fins educacionais, tornando esse fato preocupante, principalmente quando se entende a relevância social da educação.
Segundo Hopkins (2005) é importante pensar que
A melhoria escolar é um enfoque de mudança educacional distinto que, além de aumentar a aprendizagem dos alunos, fortalece a capacidade da escola de gerir a mudança. A melhoria escolar lida com o aumento da aprendizagem mediante o foco no processo de ensino-aprendizagem e nas condições que o apoiam. (HOPKINS, 2005, p. 492).
Sob essa perspectiva de análise, compreendemos que o processo de melhoria também perpassa por reformas intraescolares com processos de formação continuada em contexto, possibilitando uma participação ativa da escola e de seus educadores. Onde os profissionais possam refletir sobre os resultados das avaliações externas realizadas em sua instituição, observando os problemas sinalizados e tentando resolvê-los de modo a incidir na melhoria da formação intelectual dos seus alunos. Algo dissonante com a simples verificação do desempenho escolar e a construção de estratégias para alcançar as metas preconizadas por parâmetros quantitativos.
No que tange ao impacto das políticas avaliativas atreladas a bonificação, Brooke assinala que:
O estudo da implantação e dos primeiros passos da nova geração de políticas de incentivos salariais não foi capaz de mostrar sinais claros de benefícios em termos dos resultados dos alunos. Pelo contrário, os resultados do sistema de bonificação de São Paulo de 2010 em que o número de professores beneficiados e o volume pago de bônus foram menores que em 2009 sugere que o sistema de bonificação não é suficiente para promover a melhoria dos resultados dos alunos. (BROOKE, 2015, p.540).
Riscos, potencialidades, divergências teóricas, perpassam pelo processo de implementação das políticas de avaliação em larga escala, sobretudo, aquelas que têm um viés de responsabilização. Afonso (2015, p. 548) sugere uma alternativa ao conceito de accountability em educação, “com prestação de contas e responsabilização ancorado em valores, promotora de confiança nos professores e nas escolas”. Com diferentes instrumentos avaliativos, não apenas centrado nas avaliações em larga escala, com propostas que contemplem princípios de “cidadania crítica, a participação, o empowerment,o direito à informação, a transparência e a justiça, entre outros”. (Idem, p.549)
Dessa forma, é consenso que ainda existem fragilidades recorrentes nas avaliações standarts que necessitam ser repensadas. Contudo não pretendemos refutar essas avaliações, haja vista serem instrumentos importantes para sinalizar pontos frágeis da educação escolar, identificando as dificuldades presentes no processo de ensino aprendizagem, refletindo sobre as possibilidades de intervenções e orientando a prática docente, além de potencialmente poderem embasar as formulações de políticas educacionais. Porém, não devem ser o foco da função educativa, nem o único parâmetro de mensurar qualidade, bem como deveria ser consequência de todo um processo educacional qualitativo.
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