AS PERCEPÇÕES DAS ESCOLAS SOBRE O SIMADE COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO: O CASO DAS ESCOLAS DE ANOS INICIAIS DE JUIZ DE FORA (MG)
Resumo: Este artigo visa investigar em que medida gestores das escolas estaduais de anos iniciais da cidade de Juiz de Fora – MG percebem o Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) como um instrumento de gestão da escola. Este sistema é uma das formas de regulamentação implantadas em Minas Gerais com intuito de normatizar e padronizar os aspectos pedagógicos e administrativos das escolas públicas. Realizou-se, por meio da Avaliação por Triangulação de Métodos, a análise dos documentos existentes sobre o SIMADE, cotejando com as entrevistas informais e os questionários aplicados aos gestores, secretários e assistentes escolares. Concluiu-se que, para a escola, o SIMADE é um instrumento de gestão apenas administrativo.
Palavras-chave: regulação; simade; gestão.
1 INTRODUÇÃO
Na primeira metade do século XX, predominava nas escolas brasileiras um modelo de administração clássico, centralizador e hierarquizado, fundamentado no autoritarismo, que envolvia, de forma racional e mecanicista, a equipe escolar e os recursos educacionais (MACHADO, 2000). Entretanto, após a década de 1980, o Estado, buscando a modernização da administração pública e das práticas de controle burocrático, instituiu medidas políticas e administrativas que alteraram os meios de regulação dos poderes públicos.
Segundo Barroso (2005), essas medidas foram justificadas a partir de quatro pontos de vista:
(i) técnico, em função de critérios de modernização, desburocratização e combate à ‘ineficiência’ do Estado (‘new public management’); (ii) político, projetos neoliberais e neoconservadores, com o fim de ‘libertar a sociedade civil’ do controlo do Estado (privatização); (iii) filosófico e cultural, para promover a participação comunitária, adaptada ao local e (iv) de natureza pedagógica, centrada no ensino dos alunos e suas características específicas (BARROSO, 2005, p.726).
Dessa forma, foram instituídas medidas práticas, amparadas por instrumentos legais, que afetaram a administração pública em âmbito federal, estadual e municipal. Essas ações foram reafirmadas pela Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 9.394/96. Outros modos de regulação vêm sendo empregados, desde então, para aprimorar o controle do Estado, além de promover maior responsabilização dos atores escolares na busca pela eficiência e eficácia das unidades de ensino (AUGUSTO, 2013).
A regulação, conforme observado por Barroso (2005, p.727), é “mais flexível na definição dos processos e rígida na avaliação da eficiência e eficácia dos resultados”. Sendo assim, é utilizada em diferentes instâncias governamentais, com diversas finalidades, processos e atores, segundo lógicas, interesses e estratégias distintas (SOUZA, PIMENTA & MACHADO, 2015).
Nesse sentido, o estado de Minas Gerais tem instituído propostas normativas em consonância com as do Governo Federal, bem como adotado ferramentas próprias, como o Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE), para a gestão das escolas. A Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (CAEd/UFJF), implementou o SIMADE, desde 2008, em aproximadamente quatro mil escolas da rede pública estadual. O software permite trabalhar com os dados “sobre o sistema educacional mineiro e facilita a elaboração de projetos e políticas públicas para elevar a qualidade da educação em Minas Gerais” (CAED, 2015).
O SIMADE é utilizado como um mecanismo de regulamentação que padroniza os procedimentos pedagógicos e administrativos de todas as escolas de Minas Gerais. Para isso, são establecidas novas características burocráticas aos órgãos intermediários, como as Superintendências Regionais de Ensino, e para as escolas. Porém, ainda há certo grau de disjunção entre o que é previsto para o SIMADE – modelo burocrático – e o que acontece na prática de cada unidade de ensino, o que pode ser entendido como a prevalência de uma perspectiva de anarquia organizada, ou seja, predominam as estruturas informais, os conflitos, a definição problemática de objetivos, entre outros (LIMA, 2011).
Lima (2011), ao apresentar a escola como organização educativa, aponta que entre o Estado e o ator da unidade de ensino, entre o sistema educativo e a sala de aula, é preciso observar ações e contextos organizacionais que interagem e se cruzam; que podem ser distintos em termos de análise. Passa-se, então, a observar o caráter complexo, a heterogeneidade e a diversidade que marcam o sistema educacional, mesmo quando as orientações normativas e certas perspectivas teóricas se encarregam de as invisibilizar ou diluir. Nesse sentido, na escola como organização, o modelo burocrático se faz pela rigidez das leis e dos regulamentos, na hierarquia, na organização formal e em outros elementos que são comuns às grandes organizações consideradas burocráticas. Por outro lado, em um “universo não oficial”, emergem os conflitos organizacionais, a definição problemática dos objetivos, as estruturas informais, de modo a situar, assim, o modelo anárquico de organização (LIMA, 2011).
Dessa forma, nos sistemas de educação, tanto o modelo burocrático como o anárquico assumem diferentes contornos, de acordo com a rede de ensino, o perfil do diretor e outras peculiaridades da unidade escolar. Neste artigo, que se enquadra no eixo temático Regulação, avaliação e qualidade da educação: agendas globais e realidades locais, pretende-se investigar se os gestores das escolas estaduais de anos iniciais de Juiz de Fora – MG percebem o SIMADE como instrumento de gestão escolar, como propõe a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais.
Este artigo está organizado em cinco seções. Na primeira, discute-se as formas de regulação e regulamentação da educação; na seção seguinte, expõe o SIMADE como mecanismo de regulamentação em Minas Gerais. Em seguida, mostra-se mos os contornos metodológicos da pesquisa e, na quarta seção, os resultados encontrados durante as visitas às escolas, entrevistas informais e nos questionários aplicados aos gestores, secretários escolares e assistentes técnicos de educação (ATB). Nas considerações finais, são apontadas as principais observações a respeito do SIMADE enquanto instrumento de gestão.
2 REGULAÇÃO E REGULAMENTAÇÃO NA EDUCAÇÃO
A reforma e a reestruturação do Estado, após a Constituição Federal de 1988, modificaram as práticas tradicionais de controle burocrático para uma nova administração pública. Esse contexto consolidou medidas políticas e administrativas que reduziram a intervenção do Governo Federal na provisão e no gerenciamento do serviço público e estabeleceram uma gestão remota do Estado com foco nos resultados, voltados para a eficiência e eficácia do sistema. Além disso, alterou os meios de regulação, ou seja, o modo como se ajustam as ações a determinados fins, traduzidos sob a forma de regras previamente definidas pelos poderes públicos (BARROSO, 2005; MENDONÇA, 2001).
As novas formas de regulamentação, dessa forma, podem ser classificadas em conservadora ou transformadora. Na conservadora, a regulamentação garante “a coerência, o equilíbrio e a reprodução idêntica do sistema”, seja ele físico ou social (BARROSO, 2005, p.728). Já a transformadora possui uma tripla função: “compreender como um sistema dá lugar a novas formas de organização; de que modo um processo de regulação dá origem ao seu sucessor; que interdependência se estabelece entre diferentes modos de regulação” (BARROSO, 2005, p.728). As duas formas, assim, complementam-se e instituem, na educação, diferentes tipos de regulamentação, aqui compreendida como um caso particular em que as regras estão centradas na forma de regulamentos (BARROSO, 2005). Ademais, a regulamentação é “centrada na definição e controle a priori dos procedimentos e relativamente indiferente às questões da qualidade e eficácia dos resultados” (BARROSO, 2005, p.727).
Nessa perspectiva, adota-se mais austeridade nas formas de regulamentação, na hierarquia e na organização formal, de modo a transferir para os sistemas de ensino novas características burocráticas. Entretanto, segundo Lima (2011), deixa-se de considerar o conflito, a definição problemática das metas e as estruturas informais, uma vez que o modelo burocrático não os contempla. Por mais poderosos que os controles político-administrativos possam ser, “mesmo no contexto de uma administração burocrática centralizada, os atores educativos gozam sempre de uma certa margem de autonomia” (LIMA, 2011, p.39).
Contudo, essa autonomia pode se constituir de forma decretada – associada à regulação, aos instrumentos de regulamentação e à imposição de regras sobre a ação dos regulados; ou relativa – em que se estabelece um processo de produção no contexto de “regras do jogo”. No segundo caso, englobam-se não só as normas, injunções e constrangimentos, que orientam o funcionamento do sistema educacional, como também o seu (re)ajustamento, provocado pela diversidade de estratégias e ações dos vários participantes (BARROSO, 2005). É nesse ínterim que a anarquia organizada admite a inconsistência e a contradição entre os objetivos e procedimentos, decisões e realizações (LIMA, 2011).
Portanto, na educação, ainda há fortes indícios das ambições particulares dos atores em contraponto com as ordenações do Estado, que são estabelecidas na forma de regulações e regulamentações. Mesmo um sistema de ensino voltado para a implantação de mecanismos participativos, fundado em princípios democráticos, teria dificuldade em funcionar, devido ao modelo que está instaurado na vida social, isto é, uma mistura de modelo burocrático e patrimonialista, que gera uma infidelidade normativa (MENDONÇA, 2001), que, em oposição à conformidade normativo-burocrática, faz com que a escola não assuma um modelo de organização especificado. Isso implica na utilização, simultaneamente, do modelo burocrático e do anárquico, apresentando um modo de funcionamento díptico (LIMA, 2011).
3 A REGULAMENTAÇÃO EM MINAS GERAIS: O SIMADE
No período de 2003 a 2014, o governo de Minas Gerais propôs um programa de ações denominado Estado para ResultadosAté 2008, o programa era intitulado Choque de Gestão., que buscava a alteração “de uma forma de controle sobre procedimentos para uma forma de controle sobre resultados, tendo por base o comprometimento e alinhamento dos gestores” (AUGUSTO, 2013, p.1273).
Para isso, foi promulgada a Lei nº. 17.600, de 1º de julho de 2008, que disciplina o Acordo de Resultados e o institui em duas etapas: (i) o compromisso das secretarias de estado com o governador; e (ii) o compromisso das secretarias de estado com os seus órgãos componentes. No caso da Secretaria Estadual de Educação, tanto as Superintendências Regionais de Ensino – órgãos intermediários dos sistemas de educação - quanto as escolas, foram obrigadas a acatar o documento e assumir o compromisso de obter os índices de desempenho estipulados pelo órgão central (AUGUSTO, 2013). O Acordo está associado às políticas de descentralização, que atribuem poder de decisão e responsabilidades às instâncias intermediárias e locais, além de maior participação dos atores educacionais. Contudo, o que parece realmente ocorrer é uma desconcentração da direção, paralela a uma centralização das estratégias e das regulamentações (SOUZA, 2001).
Nesse aspecto, um dos projetos que surgiram a partir do Acordo de Resultados foi o Escolas em Rede, que objetivava a integração das unidades de ensino da rede pública estadual com as Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs). Uma das principais metas do projeto era implantar um sistema informatizado de administração escolar (SEE/MG, 2010). Dessa forma, o Sistema Mineiro de Administração Escolar (SIMADE) foi criado, em 2008, por meio de uma parceria entre a Secretaria de Estado de Minas Gerais e o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd/UFJF). O objetivo do SIMADE é
disponibilizar aos educadores de Minas Gerais um conjunto precioso e preciso de dados sobre o sistema educacional, possibilitando a elaboração de práticas e projetos que elevem a qualidade da educação oferecida às nossas crianças e jovens. É um sistema de informações estruturado em rede com dados e elementos sobre aspectos determinados do processo educativo e da gestão escolar (REVISTA SIMADE, 2008).
O SIMADE foi implementado em aproximadamente quatro mil escolas estaduais de Minas Gerais. Inicialmente distribuído como um software para computadores das escolas e Superintendências Regionais de Ensino, passou a ser acessado via web a partir de 2009.
Atualmente, o Sistema possui trezes menus, dos quais onze podem ser agrupados como pedagógicos ou como administrativos, conforme as funcionalidades que os compõem: (i) pedagógicos – Aluno, Avaliação, Encerramento (ocorre ao final do ano letivo, quando se encerramas matrículas de alunos regulares e em progressão parcial), Histórico, Programas Pedagógicos, Projetos/AEE (para atender alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação); (ii) administrativos – Certificado (emissão de certificação de conclusão do Ensino Médio), Escola, Servidor (especificamente para cadastro e associação de professores a uma disciplina), Utilitários (onde se encontramos relatórios, gerência de usuários, alteração de senha etc.), Censo (verificar, resolver e atualizar pendências, migração etc.). Existem, ainda, os menus Ajuda e Sair.
Destarte, o SIMADE busca fornecer informações mais precisas sobre o que ocorre na rede de ensino, de forma a retratar a realidade em que se encontra a educação. Entretanto, os princípios normativos que compõem o Sistema, a partir das regras de utilização conforme as orientações legais da SEE/MG, podem fazer com que as regras formais tendam a engendrar novos regulamentos (LIMA, 2011) dentro da escola, observando as interações, conflitos, percepções e necessidades dos atores escolares em relação ao objetivo e uso do Sistema.
4 UMA PESQUISA EXPLORATÓRIA
A perspectiva metodológica adotada foi a Avaliação por Triangulação de Métodos, que, segundo Minayo, Assis e Souza (2005), engloba questões objetivas e subjetivas, as quais indicam articulação de pontos de vistas diferentes e admite a interação, a crítica e a comparação. De acordo com as autoras, o método pode ser desdobrado didaticamente em oito passos, os quais foram adotados no desenvolvimento deste estudo.
4.1 1º PASSO: A FORMULAÇÃO DO OBJETO OU DA PERGUNTA REFERENCIAL
O primeiro passo se concretizou por meio do levantamento de materiais disponibilizados nos formatos impresso e digital a respeito da gestão escolar em Minas Gerais e da sua regulação e regulamentação, dentre outros. Esses dados permitiram uma compreensão inicial sobre os contextos de implementação do SIMADE nas escolas estaduais do estado.
4.2 2º PASSO: ELABORAÇÃO DOS INDICADORES
Os indicadores são produzidos para medir ou revelar contornos da realidade, de modo a ressaltar a importância das ações executadas para a vida de cada um, bem como a intensidade e o sentido das modificações alcançadas (MINAYO, ASSIS & SOUZA, 2005). Todavia, não houve elaboração dos indicadores, nesta pesquisa, por não terem sido observados o quantitativo de acesso, as funcionalidades mais utilizadas e a quantidade de pessoas por unidade de ensino em relação ao número de indivíduos na gestão da escola. Ou seja, informações imprescindíveis ao segundo passo da proposta metodológica em relação ao uso do Sistema.
4.3 3º PASSO: A ESCOLHA DA BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA E DAS FONTES DE INFORMAÇÃO
A bibliografia de referência foi composta, principalmente, por Licínio Lima (2011), Erasto Mendonça (2001), João Barroso (2005), Maria Helena Augusto (2013) e Ângelo Souza (2001). A definição dos critérios de seleção das escolas ocorreu em três etapas: (i) levantamento de quais das 49 unidades de ensino estaduais de Juiz de Fora – MG ofereciam os anos iniciais e finais do Ensino Fundamental na modalidade regular. O resultado revelou catorze escolas, sendo que cinco oferecem a primeira etapa e nove a segunda etapa do Ensino Fundamental; (ii) descarte das unidades que ofertam essencialmente os anos finais do Ensino Fundamental, haja vista que atendiam, também, aos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e do ensino profissionalizante, o que poderia ocasionar uma utilização diferenciada do SIMADE em relação às escolas que possuíam somente o ensino regular; e (iii) averiguação do nível de complexidade da gestão das cinco unidades dos anos iniciais, conforme os critérios estabelecidos pelo INEP – no entanto, como o grau é dois em todos os casos, uma vez que possuem dois turnos, com oferta de até duas etapas e apresentam os anos iniciais com a fase mais elevada (INEP, 2015), todas as quatroEm uma das cinco escolas de anos iniciais de Juiz de Fora a gestora estava de férias. Em virtude disso, não foi possível incluí-la na pesquisa. escolas que atendiam somente do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental foram selecionadas para a pesquisa.
Assim, os sujeitos deste estudo são: quatro diretoras, seis assistentes técnicos educacionais e uma secretária.
4.4 4º PASSO: CONSTRUÇÃO DOS INSTRUMENTOS PARA A COLETA PRIMÁRIA E SECUNDÁRIA DAS INFORMAÇÕES
Três estratégias metodológicas foram estabelecidas para a obtenção sistemática dos dados: (i) questionário aplicado às diretoras, à secretária e assistentes técnicos de educação básica; (ii) entrevistas informais com cada um deles; e (iii) análise documental do material adquirido ao longo da pesquisa exploratória.
4.5 5º AO 8º PASSO: DO TRABALHO DE CAMPO AO RELATO DA INVESTIGAÇÃO
No quinto passo do método – Organização e realização do trabalho de campo, as informações coletadas foram organizadas, além da realização de análises estatísticas dos dados da Prova BrasilA Prova Brasil é a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), de caráter censitário, dos alunos do 5º e 9º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas das redes municipal, estadual e federal. de 2013, especificamente sobre o questionário contextualizado dos diretores, por meio do software SPSS versão 17. Na sexta etapa, intitulada Análise das informações coletadas, foi realizada a análise destes dados; e os dois últimos passos – Relato dos resultados e Socialização dos resultados – são justamente um dos propósitos deste artigo.
5 RESULTADOS
Antes de publicizar os dados referentes à questão central desta pesquisa, serão apresentadas algumas informações a respeito das escolas estaduais que oferecem os primeiros anos do Ensino Fundamental em todo o estado de Minas Gerais. Em seguida, expomos a forma com que as escolas da rede estadual de Juiz de Fora utilizam e percebem o Sistema.
5.1 PERFIL DOS GESTORES ESCOLARES DAS ESCOLAS ESTADUAIS DE ANOS INICIAIS EM MINAS GERAIS
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, aproximadamente 93% dos gestores trabalham 40 horas semanais, ou mais, e mais de 70% são do sexo feminino, o que representa um processo de emancipação feminina no campo da educação, conforme observado por Souza (2006). Esse grupo é formado por profissionais mais experientes, uma vez que 81,3% têm mais de 40 anos:
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Frequência |
Percentual Válido (%) |
De 25 a 29 anos |
21 |
1,3 |
De 30 a 39 anos |
281 |
17,4 |
De 40 a 49 anos |
702 |
43,4 |
De 50 a 54 anos |
413 |
25,5 |
55 anos ou mais |
200 |
12,4 |
Total |
1617 |
100 |
Os resultados sugerem que a experiência e a trajetória profissional anterior à direção têm algum peso na escolha dos diretores, já que apenas 0,7% nunca atuou como professor antes de exercer a função de gestão (LESSA, 2013). No entanto, é possível perceber a ocorrência de uma prática de renovação dos ocupantes do cargo de direção em Minas Gerais, pois apenas 6% têm menos de um ano na função, enquanto 49% dos diretores têm até cinco anos. Os que têm entre 6 e 10 anos representam 25,3% e, os com mais de 11 anos, correspondem a uma parcela significativamente menor, na casa do 19,6%. Esse fato pode estar associado à forma de provimento ao cargo que, no estado, agrega prova de certificação e eleição pela comunidade escolar. Segundo Mendonça (2001), essa forma de ingresso tende a selecionar os melhores candidatos, com participação da comunidade da unidade de ensino e sem interferências políticas.
Os dados acerca do grau de escolaridade apontam que 1,8% dos diretores ainda têm somente o Ensino MédioAlgumas escolas do estado possuem apenas um coordenador responsável, devido ao baixo quantitativo de alunos. Eles não participam de pleitos eletivos e, assim, não necessitam atender ao perfil exigido nos editais para diretor, como possuir ensino superior completo.:
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Frequência |
Percentual Válido (%) |
Ensino Médio |
10 |
0,7 |
Pedagogia |
501 |
31,4 |
Normal Superior |
166 |
10,4 |
Licenciaturas |
858 |
53,8 |
Outras áreas |
61 |
3,8 |
Total |
1596 |
100 |
Dentre os que possuem curso superior, 72,9% estudaram na rede privada e 26,5% na pública. É notável o fato de que cada vez mais profissionais da educação possuem essa qualificação, de modo a seguir uma orientação da LDB 9.394/96. Quanto à formação continuada, os dados da Prova Brasil 2013 mostram que 16,5% não fizeram ou não completaram curso de pós-graduação lato sensu, enquanto: 3,6% participaram de cursos de atualização ou aperfeiçoamento; 78,3% dos diretores possuem curso de especialização; 1,5% são mestres e 0,1% é doutor. Esses números podem ter relação com iniciativas do Ministério da Educação e do governo de Minas em oferecer diferentes cursos de pós-graduação para os profissionais da educação, como o Programa Nacional Escola de Gestores da Educação Básica Pública.
Esse panorama também acontece em relação aos diretores das escolas estaduais de anos iniciais de Juiz de Fora – MG personagens desta pesquisa, que, em sua maioria, são mulheres, têm mais de 40 anos, experiência em docência e ensino superior completo. Dentre elas, somente uma gestora não possui pós-graduação.
5.2 ANÁLISES DOS QUESTIONÁRIOS DAS ESCOLAS DE ANOS INICIAIS DE JUIZ DE FORA - MG
Para a análise dos questionários, as escolas foram codificadas em letras – A, E, F e P. As unidades de ensino apresentam semelhanças nos recursos disponíveis para o funcionamento da secretaria da escola, como internet banda larga, impressora e máquina fotocopiadora, embora o número de funcionários e de computadores para uso do pessoal administrativo e de alunos seja bastante diversificado entre as unidades, conforme a tabela a seguir:
Escola | Alunos |
|||||
Identificação |
Região |
IDEB |
Número de funcionários |
Computadores para o administrativo |
Número de |
INSE |
A |
Sudeste |
5,5 |
33 |
1 |
280 |
Nível 5 |
E |
Leste |
7,2 |
39 |
3 |
479 |
Nível 5 |
F |
Norte |
6,9 |
39 |
5 |
468 |
Nível 5 |
P |
Sul |
7,0 |
55 |
3 |
662 |
Nível 6 |
Com exceção da escola A, todas as demais possuem o IDEB acima da média de Juiz de Fora – MG, qual seja, 6,1 para os anos iniciais. Além disso, três delas possuem o Indicador de Nível Socioeconômico das Escolas de Educação Básica (INSE) no nível 5, que significa que seus alunos têm bens materiais do tipo carro e máquina de lavar, por exemplo, e renda familiar entre 2 e 12 salários mínimos. Neste nível, pai, mãe ou responsável podem ou não ter concluído o Ensino Médio. O INSE da escola P é o único de nível 6, com estudantes que possuem um quantitativo alto de bens, como carros e empregada doméstica, além de renda familiar acima de 12 salários mínimos e pai, mãe ou responsável que podem ou não ter concluído curso de pós-graduação (INEP, 2015).
Quanto à rotina diária dos gestores estaduais de anos iniciais de Juiz de Fora - MG, a partir do estudo de Polon (2012), que define os perfis de liderança conforme as atividades que os diretores priorizam em seu cotidiano, é possível identificar as tarefas nas quais eles se ocuparam todos os dias, algumas vezes na semana – essas duas com peso maior - algumas vezes no mês ou nunca. Ou seja, a frequência com que os gestores relataram realizar as atividades possibilitou a identificação de seu perfil de liderança, que pode ser, segundo Polon (2012),
Organizacional – ênfase na organização e execução de atividades de suporte ao trabalho do professor em suas necessidades cotidianas, como a manutenção da ordem disciplinar e atmosfera de respeito e colaboração.
Relacional – associada à presença no cotidiano escolar, atendendo alunos, pais e professores, organizando eventos voltados para a comunidade externa etc.
Pedagógica – ênfase especial no monitoramento do planejamento escolar, apoiando e desenvolvendo uma troca intensa, entre os professores, com foco pedagógico junto aos alunos (POLON, 2012, p.89).
Embora todos tenham características relacionais, os gestores das escolas E e F têm perfis mais pedagógicos, o da escola A é mais organizacional e, o da escola P, mais relacional. Somam-se a esses perfis as regras formais, estruturadas em documentos, e as não formais, produzidas na própria escola e que, de acordo com Lima (2011, p.58), “tanto podem orientar para a formulação de procedimentos operativos das regras formais, como para áreas de intervenção não formalmente regulamentadas ou legalmente consideradas”. Como consequência, pode-se (re)interpretar ou criar alternativas para as regras que se estruturam e circulam na escola, afetando até mesmo a liderança do gestor.
A respeito do funcionamento, as unidades E e F, cujas diretoras teriam um perfil mais pedagógico, fazem uso do Projeto Político Pedagógico (PPP), do Conselho Escolar/Colegiado, do Plano de ação do PDDE-Interativo e dos dados do SIMADE para planejar ações pedagógicas e administrativas, respectivamente, sempre ou quase sempre e frequentemente. Além disso, em ambos os casos, os gestores afirmaram que comumente o SIMADE é utilizado pela equipe pedagógica e como apoio às decisões administrativas.
Por outro lado, as escolas A e P, com perfis de liderança organizacional e relacional, respectivamente, utilizam frequentemente o PPP e o Conselho Escolar/Colegiado para planejar suas ações administrativas e pedagógicas. Nenhuma das duas faz uso do PDDE-Interativo e, em relação ao SIMADE, relataram o uso apenas algumas vezes, de modo a priorizá-lo como apoio administrativo em detrimento do pedagógico.
A utilização desses instrumentos nas unidades de ensino indica a adoção de uma conduta de caráter democrático, que por um lado abre espaço para o diálogo e a participação, mas, por outro, pode revelar diferentes formas de restrições impostas à escola, seja por meio de seus atores ou pela própria legislação. Nesse sentido, Mendonça (2001) ressalta que alguns foros de participação podem ser monopolizados por diretores, professores e funcionários das escolas, pois eles percebem as instituições de ensino como propriedade do governo ou das pessoas que nelas trabalham.
Até mesmo algumas legislações chegam a legitimar as restrições, visto que tais documentos são parcos no estabelecimento de mecanismos concretos, mas profusos em estabelecer limites que barram a autonomia da escola. Isso demonstra, portanto, que as regulações e regulamentações têm sido constantes no cotidiano dos atores escolares (LIMA, 2011; BARROSO, 2005; MENDONÇA, 2001), mesmo que sua utilização não surta os efeitos esperados.
Tanto diretores quanto secretários concordam que o SIMADE interfere em suas funções e que houve mudanças importantes com a implantação do Sistema. Para a gestão, elas significaram: maior eficácia do trabalho administrativo; facilidade no acesso à informação; melhor atendimento à comunidade escolar; melhor qualidade das informações coletadas e do atendimento aos alunos com Atendimento Educacional Especializado (AEE). Para a secretária e os assistentes técnicos educacionais, as principais mudanças foram: a facilitação da migração de todas as informações para o Educacenso; organização e atualização dos documentos de forma eficaz em contraste a organização realizada exclusivamente no papel; otimização do serviço da secretaria; lançamento e atualização dos dados dos alunos e docentes e facilidade na elaboração de documentos (históricos, declarações etc.).
Portanto, apesar de o SIMADE ser um instrumento de gestão composto por funcionalidades pedagógicas e administrativas, os gestores, mesmo os de liderança pedagógica, e profissionais da secretaria escolar o percebem, prioritariamente, como uma ferramenta de gestão administrativa da escola, já que todos os benefícios elencados por eles se referem à dimensão administrativa do SIMADE.
Existe, então, uma infidelidade normativa, já que, para a escola, a partir da “fidelidade dos atores aos seus objetivos, interesses e estratégias” (LIMA, 2011, p.70), o SIMADE é utilizado para organização burocrática, enquanto para a SEE/MG a organização burocrática e pedagógica está articulada para estruturar o SIMADE conforme suas determinações. Assim, o modelo de organização anárquica dá o tom da utilização de um instrumento de regulamentação como o SIMADE.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os modelos burocrático e anárquico, presentes nas escolas desta pesquisa, apontam uma dualidade entre o que a SEE/MG objetiva ao instituir o SIMADE como instrumento de regulamentação dos procedimentos administrativos e pedagógicos para o sistema de ensino e aquilo que a escola espera como instrumento de gestão.
Para a SEE/MG, o Sistema é um instrumento de gestão que incorpora as normas e regras vigentes em funcionalidades que impõem determinadas práticas e comportamentos para a escola em âmbito administrativo e pedagógico. Para as unidades de ensino, o SIMADE deveria ser um instrumento para a gestão escolar, isto é, uma ferramenta que as auxiliasse administrativamente e pedagogicamente conforme suas necessidades. No entanto, na percepção dos gestores, secretários e assistentes técnicos educacionais das escolas de anos iniciais do Ensino Fundamental, o SIMADE é um mecanismo de gestão que apoia administrativamente a escola, embora sem possibilitar o exercício da autonomia e a adequação às suas especificidades, uma vez que ele segue as regras impostas pela SEE para todo o estado.
Portanto, por mais que os mecanismos de regulação e regulamentação padronizem metas e objetivos para os sistemas de ensino, no cotidiano dos atores escolares, esses instrumentos de controle assumem novos contornos.
REFERÊNCIAS
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______. Painel IDEB. Disponível em: <http://idebescola.inep.gov.br/ideb/consulta-publica>. Acesso em: 25 nov. 2015.
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