POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU NO BRASIL SEGUNDO A ABORDAGEM DO CICLO DE POLÍTICAS DE STEPHEN BALL E RICHARD BOWE

Resumo: A “policy cycle approach” (abordagem do ciclo de políticas) formulada por Stephen Ball e Richard Bowe constitui-se em uma ferramenta teórica analítica importante para a compreensão, estudo, avaliação e análise das políticas educacionais. Tendo como base os cinco contextos do ciclo de políticas: contexto de influência, contexto da produção de texto, contexto da prática, contexto dos resultados/efeitos e contexto de estratégia política, o artigo buscou utilizar esses contextos para analisar algumas políticas mais relevantes e exemplificativas de avaliação da pós-graduação empregadas no Brasil desde a institucionalização da nossa pós-graduação na década de 1960 pela CAPES, órgão do governo que desempenha papel central nesse processo de avaliação.

Palavras-chave: ciclo de políticas, capes, políticas de avaliação da pós-graduação.


INTRODUÇÃO

A “policy cycle approach” (abordagem do ciclo de políticas) foi formulada por Stephen Ball e Richard Bowe, e constitui-se em uma ferramenta teórica analítica que vem sendo utilizada no meio acadêmico para o estudo de políticas educacionais. Com base nos cinco contextos do ciclo de políticas: contexto de influência, contexto da produção de texto, contexto da prática, contexto dos resultados/efeitos e contexto de estratégia política, o artigo buscará analisar as políticas de avaliação da pós-graduação empregadas no Brasil, em especial sob a atuação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que é órgão do governo responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação Stricto Sensu, desde 1981, o qual estabelece as diretrizes norteadoras das políticas de pós-graduação, coordenação, acompanhamento e avaliação. Essa abordagem representa um referencial analítico que permite uma análise ampla e crítica dos contextos atinentes às políticas educacionais, no caso, às políticas de avaliação da pós-graduação.

A abordagem do ciclo de políticas é importante no contexto brasileiro, visto que o campo de pesquisa em políticas educacionais carece de referenciais analíticos mais específicos, e ela permite uma análise crítica dessas políticas desde sua formulação inicial até a sua implementação no contexto da prática e seus efeitos. Além disso, pode ser enquadrada dentro da corrente teórica do pós-modernismo, tem como foco a natureza complexa e controversa da política educacional, os processos micropolíticos e a ação dos profissionais que atuam nas políticas no nível local, e defende a articulação dos processos macro e micro na análise de políticas educacionais (Mainardes, 2006).

CICLO DE POLÍTICAS: CONTEXTOS

A nova teoria reformulada por Stephen Ball e Richard Bowe baseava-se na ideia de um ciclo contínuo constituído à priori por três contextos principais: o contexto de influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Para Bowe et al. (1992, apud MAINARDES, 2006, p. 50), esses contextos estão inter-relacionados, não têm uma dimensão temporal ou sequencial e não são etapas lineares. Cada um deles apresenta arenas, lugares e grupos de interesse e envolve disputas e embates.

Os contextos podem ser pensados de outra maneira e podem ser “aninhados” uns dentro dos outros. [...] Assim, podem existir espaços dentro de espaços. Podemos refletir a respeito das políticas em termos de espaços e em termos de tempo, de trajetórias políticas, movimentos de políticas através do tempo e de uma variedade de espaços. (MAINARDES & MARCONDES, 2009, p. 306-307).

O primeiro contexto do ciclo de políticas é o contexto de influência, no qual, geralmente se iniciam as políticas públicas e se constroem os discursos políticos. Nesse contexto há a disputa entre os grupos de interesse na definição das finalidades sociais, como o que a sociedade espera por educação de qualidade. Assim, as redes sociais atuam dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo, influenciado a definição de agendas políticas. É nesse contexto que os conceitos adquirem legitimidade e formam um discurso que servirá de base para a política.

Dentro da análise do contexto de influência, é importante considerar a análise do discurso, que fundamenta as práticas políticas. A teoria do discurso de Michel Foucault representa uma boa base filosófica para se compreender esses desdobramentos. A conceituação de discurso como prática social exposta em obras do autor, como “A arqueologia”, “Vigiar e punir” e na célebre “A ordem do discurso”  corrobora a ideia de que o discurso é sempre produzido em razão de relações de poder. Nos três volumes da obra “História da sexualidade”, Foucault demonstra haver um condicionamento entre as práticas discursivas e as práticas não discursivas, e que o discurso seria constitutivo da realidade e produziria, como o poder, inúmeros saberes (FISCHER, 2001, p. 199).

Segundo as ideias de Michel Foucault, tudo está imerso em relações de poder e saber. Portanto, analisar o discurso seria considerar os condicionantes, as relações históricas e as práticas. A teoria de Foucault sobre o discurso demonstra que os pesquisadores precisam investigar não somente o que está por trás dos textos e documentos, nem o que se pretendia dizer com aquilo, mas sim descrever quais são as condições de existência de um determinado discurso, enunciado ou conjunto de enunciados (FISCHER, 2001, p. 221).

O contexto de influência está fortemente atrelado ao segundo contexto, o contexto da produção de texto. A diferença entre eles reside na questão do jogo de interesses: enquanto o contexto de influência se relaciona mais com interesses estreitos e ideologias dogmáticas, os textos políticos, seguindo o princípio da imparcialidade da administração pública, teoricamente estão voltados para o interesse público mais geral. De modo geral, os textos políticos são uma representação da política e são o resultado de disputas e acordos entre os grupos que competem para controlar as representações da política. Embora as políticas sejam intervenções textuais, delas resultam consequências reais, que Ball e Bowe enquadraram no terceiro contexto, o contexto da prática.

Para os autores, no contexto da prática a política se sujeita à interpretação e à recriação e produz efeitos e consequências que podem levar a mudanças e transformações na política original. Dessa forma, as políticas não são simplesmente implementadas dentro desse contexto da prática, mas estão sujeitas à ressignificação. Sobre a questão da interpretação das políticas, os autores afirmam que elas serão sempre diferentes, pois as histórias, experiências, valores, propósitos e interesses por trás dessas políticas são igualmente diversos. Assim, nem mesmo os autores dos textos políticos podem controlar os significados dos textos, e até mesmo o texto em si pode ser rejeitado, ter partes específicas selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, tudo conforme os interesses envolvidos. A própria interpretação é uma questão de disputa. Seguindo as ideias de Foucault, o discurso traduzido em textos e interpretado de acordo com os condicionantes históricos de tempo e espaço de cada povo, e as práticas resultantes dessas políticas, tudo está atrelado às relações de poder e interesses.

Em escritos posteriores, Ball expandiu o ciclo de políticas acrescentando outros dois contextos ao referencial original: o contexto dos resultados (efeitos) e o contexto da estratégia política. Assim, segundo Ball (1994, apud MAINARDES, 2006, p. 54) o quarto contexto do ciclo de políticas – o contexto dos resultados ou efeitos – está relacionado às questões de justiça, igualdade e liberdade individual. Nesse contexto, o autor acredita que as políticas devem ser analisadas considerando o seu impacto e as interações com desigualdades existentes. Esses efeitos podem categorizados em gerais e específicos, e essa divisão implica que a análise de uma política deve envolver o exame das várias dimensões de uma política e suas implicações e das relações da política com outras políticas setoriais e com o conjunto das políticas.

O contexto de estratégia política é o último contexto do ciclo de políticas. A ideia central desse contexto é a identificação das atividades sociais e políticas necessárias para o enfrentamento das desigualdades criadas ou reproduzidas pela política investigada.

POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO SEGUNDO A ABORDAGEM DO CICLO DE POLÍTICAS

Este artigo objetiva analisar algumas políticas de avaliação da pós-graduação que foram empregadas no país, desde a institucionalização da pós-graduação na universidade brasileira, com sua regulamentação em 1965, utilizando-se da abordagem do ciclo de políticas formulada por Stephen Ball e Richard Bowe. Assim, serão abordados alguns contextos em que as políticas foram formuladas e implementadas e os resultados/efeitos produzidos. O artigo abordará de forma exemplificativa algumas políticas que direcionaram o processo de avaliação da pós-graduação do Brasil, uma vez que uma abordagem mais taxativa ampliaria demais as pretensões de um artigo.

Sobre o contexto de influência, que diz respeito ao início das políticas públicas e à construção dos discursos políticos, e no qual há a disputa entre os grupos de interesse na definição das finalidades sociais, influenciando a definição de agendas políticas, convém entendermos o processo de consolidação e institucionalização da pós-graduação no país, que foi concentrado na atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) Stricto Sensu no Brasil é atualmente bem estruturado e possui notório reconhecimento pela comunidade acadêmica e científica, tanto nacional quanto internacionalmente. Na década de 1960, houve a criação dos primeiros 38 cursos de pós-graduação no Brasil. Hoje são 4.525 programas em funcionamento no país. Essa expansão é fruto de políticas públicas voltadas para o setor, principalmente a partir da década de 1970, quando o governo lançou sucessivas medidas para o desenvolvimento e consolidação do SNPG.

A CAPES, criada inicialmente como Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, em 11 de julho de 1951, é o órgão do governo responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação Stricto Sensu, desde o ano de 1981, o qual estabelece as diretrizes norteadoras das políticas de pós-graduação, coordenação, acompanhamento e avaliação. Assim, desde sua criação, a CAPES tem assumido o papel de coordenar a avaliação da pós-graduação, com objetivo de criar mecanismos efetivos de controle de qualidade, em busca do aperfeiçoamento da pós-graduação brasileira, considerando sua função estratégica para o desenvolvimento do país.

Nas décadas de 1960/1970, os governos militares conduziram uma política no país de consolidação do capitalismo através de um modelo desenvolvimentista. Segundo Moreira e Velho (2008, p. 632), “a ideologia desenvolvimentista atribuiu à educação o papel de criar a massa crítica capaz de atender às prioridades definidas pelo planejamento econômico”. Para isso, fazia-se necessário investimentos na formação de recursos humanos de alto nível, cuja atribuição foi delegada em grande parte à CAPES. No entanto, essa formação estava vinculada às necessidades do mercado, e consequentemente, ao setor produtivo. Sendo assim, percebe-se a influência dos fatores econômicos na definição da agenda política atinente ao desenvolvimento da pós-graduação brasileira. A consolidação da nossa pós-graduação sofreu pressões do mercado e do capital, que se traduziram em planos, programas e ações políticas por parte dos governantes, desde o início do processo.

No contexto de influência, as redes sociais atuam dentro e em torno de partidos políticos, do governo e do processo legislativo, influenciado a definição de agendas políticas. Como exemplo, segundo Mendonça (2003), o próprio processo de institucionalização da CAPES foi marcado por intensas discussões e por uma luta pela hegemonia que vão se refletir na organização e na prática da instituição. Havia dois grupos antagônicos que disputavam a liderança do processo: o grupo dos “pragmáticos”, apoiados pelos representantes das confederações empresariais, que tinham a sua atenção voltada para a falta de pessoal técnico qualificado para atender ao plano governamental de reequipamento nacional e propunham medidas de caráter mais imediatista orientadas para setores da economia considerados estratégicos; e o grupo dos “políticos”, que postulava objetivos de médio e longo prazo e tinha uma preocupação quanto à produção científica nacional, e que viam a Capes como ponto de partida para uma reforma global da universidade, ampliando suas condições de trabalho e, assim, possibilitando um avanço científico mais lento, porém, mais sólido, menos casuístico e mais duradouro.

Além das disputas locais, no contexto de influência ocorrem influências globais e internacionais no processo de formulação de políticas nacionais. A política educacional brasileira está atrelada a relações com organismos internacionais, como a CEPAL, a UNESCO, a OCDE, o Banco Mundial e o FMI, principalmente a partir da década de 90, com a expansão das políticas neoliberais pelos países do mundo, a mercantilização do ensino nacional e a proliferação de universidades privadas nos mercados educacionais. Essas agências internacionais formulam diretrizes políticas que são impostas aos países signatários. Tais diretrizes são incorporadas pelos Estados, claro que a sua maneira, e dessa regulamentação surge a questão da qualidade da educação, uma vez que as agências impõem padrões de qualidade internacionais que devem ser adotados em âmbito nacional. Assim, os Estados criam indicadores de desempenho para atestar e aferir esse padrão de qualidade educacional. O resultado desse processo que visa à melhoria é o estabelecimento de concorrência e ranqueamento entre as instituições de ensino. Sobre isso, a CAPES que realiza o processo de avaliação da pós-graduação priorizando aspectos quantitativos e estabelecendo hierarquia de notas entre os programas de pós-graduação (PPGs) é um exemplo marcante.

O contexto da produção de texto é produto das relações conflitantes do contexto de influência, sendo representação textual da política. O Brasil é um país com forte vínculo legalista, ou seja, toda política, programa ou ação governamental certamente é convertido em lei. Assim, temos diversos exemplos em nosso arcabouço legal de políticas relativas à pós-graduação que se tornaram planos, leis, portarias e etc.

A CAPES, atualmente uma Fundação vinculada ao Ministério da Educação – MEC, foi criada pelo Decreto 29.741, de 11 de julho de 1951, que instituiu uma Comissão para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, tendo como objetivos principais:

a) assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam o desenvolvimento econômico e social do país.
b) oferecer os indivíduos mais capazes, sem recursos próprios, acesso a todas as oportunidades de aperfeiçoamentos. (BRASIL, 1951, Art. 2º).

Os objetivos transcritos no decreto de criação da CAPES procurou representar textualmente o que na prática se esperava dessa agência, que era atender ao projeto nacional de desenvolvimento econômico e social do país através do investimento e desenvolvimento de capital humano técnico e especializado.

Outro exemplo marcante do contexto da produção de texto, em que políticas são transcritas em dispositivos legais, para a área da pós-graduação brasileira, são os Planos Nacionais de Pós-Graduação lançados ao longo das décadas em nosso país. No fim da década de 1960 e início na década de 1970, a estruturação do sistema nacional de pós-graduação foi regulamentada pelo Parecer Sucupira. O entendimento da época era que a pós-graduação stricto sensu deveria formar pesquisadores e docentes para atuarem prioritariamente nas universidades. Assim, o I Plano Nacional de Pós-Graduação (I PNPG), vigente no período 1975/ 1979, teve como objetivo fundamental:

[...] transformar as universidades em verdadeiros centros de atividades criativas permanentes, o que será alcançado na medida em que o sistema de pós-graduação exerça eficientemente suas funções formativas e pratique um trabalho constante de investigação e análise em todos os campos e temas do conhecimento humano e da cultura brasileira. (MARTINS & SANTANA, 2012, p. 4).

Com o início da década de 1980, a CAPES começou a debater a questão da qualidade dos cursos de pós-graduação e passou a publicizar sistematicamente os resultados do processo de avaliação. Portanto, a ênfase dada ao II Plano Nacional de Pós-Graduação (II PNPG), que teve como vigência o período de 1982/1985, foi na avaliação e acompanhamento dos cursos de pós-graduação stricto sensu, de forma a promover o crescimento qualitativo do sistema nacional de pós-graduação.

O III Plano Nacional de Pós-Graduação (III PNGP), com vigência no período 1986/1989, reconheceu os avanços realizados pelo sistema nacional de pós-graduação, como a melhoria da pesquisa, da estrutura dos cursos e da qualidade das dissertações/teses, mas indicou haver grande heterogeneidade em relação ao desempenho dos cursos. Por conseguinte, o III PNPG propôs a institucionalização da pesquisa nas universidades como atividade vinculada à pós-graduação e a integração da pós-graduação ao Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e ao setor produtivo, o que refletiu na ênfase dada à formação de cientistas em quantidade, qualidade e perfis condizentes com o modelo de desenvolvimento almejado, de forma que o país atingisse um alto grau de autonomia econômica, científica e tecnológica.

No ano de 1990, houve uma tentativa por iniciativa governamental de extinção da CAPES, o que contribuiu para a interrupção da elaboração do PNPG até o ano de 2005. Contudo, isso não impediu que, durante esse período, vários avanços tenham ocorrido no Sistema Nacional de Pós-Graduação, por iniciativa da CAPES. Portanto, em 2005, houve a retomada do PNPG, com vigência até 2009. O IV PNPG enfatizou continuar a expansão qualificada do sistema de pós-graduação, apoiar a formulação e a implementação de políticas públicas voltadas para as áreas de Educação, Ciência e Tecnologia e se atentou para a promoção da desconcentração regional dos cursos de pós-graduação. Além disso, retomou-se a crença no princípio de que a educação de qualidade seria o fator estratégico no processo de desenvolvimento do país.

Por fim, o V Plano Nacional de Pós-Graduação (V PNPG), de 2011 a 2020 tem como objetivo definir novas diretrizes, estratégias e metas para dar continuidade e avançar nas propostas para política de pós-graduação e pesquisa no Brasil. Juntamente a esse Plano, foi elaborado o novo Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024). Esse plano inovou pelo fato de contemplar em uma de suas 20 metas a pós-graduação, uma vez que o PNPG é parte integrante do PNE. A meta 14 do PNE 2014-2024 pretende “elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores” (MEC/SASE, 2014, p. 46). O PNE 2014-2024 trouxe algumas análises e informações sobre as metas nacionais com o objetivo de aproximar agentes públicos e sociedade em geral em relação aos debates e desafios relativos à melhoria da qualidade da educação brasileira, baseando-se nos processos de organização e gestão da educação, seu financiamento, avaliação e políticas de estado, e na instituição do Sistema Nacional de Educação (SNE).

No tocante ao contexto da prática, o nosso vasto arcabouço legal de políticas relativas à pós-graduação que se tornam planos, leis, portarias e afins está sujeito à interpretação e à recriação, cujos efeitos e consequências são imprevisíveis, e podem levar até a mudanças e transformações na política original. De modo geral, as políticas escritas sofrem um processo de ressignificação quando são implementadas, ou seja, quando se inserem no contexto da prática.

Na prática, o Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) Stricto Sensu no Brasil está bem estruturado e possui notório reconhecimento pela comunidade acadêmica e científica, nacional e internacionalmente. Hoje na pós-graduação brasileira há 4.525 programas recomendados e em funcionamento atuando no país. A CAPES assumiu o papel de implementar as políticas concernentes à coordenação, ao acompanhamento e à avaliação da pós-graduação.

O sistema de avaliação da pós-graduação pela CAPES compreende dois processos distintos: um de entrada e o outro de permanência do PPG no Sistema Nacional de Pós-Graduação. Os PPGs podem conter cursos de mestrado profissional (MP), e/ou mestrado acadêmico (ME), e/ou doutorado (DO).

Em relação ao processo de entrada, o ato de reconhecimento do curso é conferido, após processo de avaliação de proposta de curso novo (APCN) que tenha recebido nota igual ou superior a 3, na escala de 1 a 7. As etapas desse processo de avaliação dos APCNs são em sequência: submissão da proposta à CAPES; análise pela comissão de área; análise e aprovação pelo Conselho Técnico Científico da Educação Superior (CTC-ES); e deliberação do Conselho Nacional de Educação - CNE/Ministério da Educação.

O processo de permanência diz respeito à avaliação periódica dos cursos de pós-graduação, que acontecia a cada três anos – Avaliação Trienal, e que em 2017 passarão a ser Quadrienais. As etapas da Avaliação Quadrienal são em sequência: coleta das informações dos PPGs pelas IES, através do aplicativo Coleta de Dados; tratamento das informações pelos técnicos da CAPES; análise pela comissão de área; análise e aprovação pelo CTC-ES; e deliberação do CNE/MEC. São atribuídas notas aos PPGs, numa escala de 1 a 7. Concluído o processo, o PPG com nota igual ou superior a 3 terá renovação de reconhecimento para continuar em funcionamento no período avaliativo subsequente.

O contexto dos resultados ou efeitos se refere às questões de justiça, igualdade e liberdade individual. Esse contexto considera que as políticas devem ser analisadas segundo o seu impacto e as interações com desigualdades existentes.

O resultado de todas as políticas de desenvolvimento da pós-graduação no Brasil e de todas as ações de indução, investimento, avaliação da qualidade e etc pela CAPES podem ser apontados como: crescimento acentuado da pesquisa e da produção científica, especialmente em relação à publicação de artigos em periódicos, em que o país já ocupa a 13ª posição mundial nesse quesito; crescimento do registro de patentes, fruto de pesquisas voltadas à inovação, que geram produtos, processos ou serviços; segundo dados do GEOCAPES, em 2012, o Brasil titulou 47.138 mestres e 13.912 doutores, e tivemos um total de 203.717 matrículas em cursos de doutorado e mestrado (acadêmico e profissional), sendo 172.206 na rede pública e 31.691 na rede privada; do total de matrículas da rede pública, 115.001 são de cursos/programas federais, 56.094 estaduais e 931 municipais; e estamos enviando um contingente expressivo de estudantes de pós-graduação ao exterior, sobretudo com bolsas da CAPES, do CNPq e de outras agências de fomento.

Os efeitos dessa expansão da pós-graduação para o país são positivos, pois corrobora com seu projeto de desenvolvimento econômico e social com base no investimento e desenvolvimento em pessoal técnico e especializado. Estamos formando um capital humano mais capacitado e de alto nível intelectual e científico, e os efeitos disso são contínuos e perenes, pois melhora o nível de emprego e renda da população e desenvolve as atividades econômicas da nação, a indústria, o comércio, o setor de serviços, etc. Nessa realidade global capitalista tão competitiva de hoje, os investimentos em capacitação técnica dos trabalhadores de um país pode representar o diferencial para seu sucesso.

O último contexto do ciclo de políticas é contexto de estratégia política, cuja ideia central é a identificação das atividades sociais e políticas necessárias para se lidar com as consequências das desigualdades criadas ou reproduzidas pela política investigada. Como exemplificação desse contexto, consideraremos as implicações resultantes da política de avaliação da pós-graduação. A CAPES é a instituição governamental encarregada de coordenar a avaliação da pós-graduação no Brasil, com objetivo de criar mecanismos de controle de qualidade, em busca do aperfeiçoamento da nossa pós-graduação, considerando sua função estratégica para o desenvolvimento do país. Esse seria o efeito positivo dessa tendência mundial de promoção da qualidade pelo estabelecimento de processos avaliativos. Contudo, a forma como vem ocorrendo o processo de avaliação dos PPGs pela CAPES tem gerado discussões, devido aos efeitos negativos dessa prática.

No campo educacional, a busca da qualidade legitimou o Estado a investir em critérios de avaliação. Contudo, influenciada pela globalização neoliberal, a busca pela qualidade nos cursos de pós-graduação stricto sensu no Brasil ficou atrelada aos critérios de avaliação com enfoque quantitativista, em detrimento dos critérios qualitativos e subjetivos das Instituições de Ensino Superior (IES), do corpo docente, da área de avaliação, da região demográfica, da inserção social, relevância e impactos positivos para a sociedade, ou das demais condições particulares de cada curso.

A educação superior, em especial, a pós-graduação, sob a influência dos preceitos neoliberais, tem sofrido o fenômeno da “mercadorização”, com foco no produtivismo. A concorrência, que é o fundamento das práticas neoliberais, tem levado ao ranqueamento entre as IES, entre os seus Programas de Pós-Graduação (PPGs), entre a produção docente, etc. O enfoque quantitativista da avaliação desses programas, fruto do ideal produtivista neoliberal, tem também desvirtuado o trabalho docente, ao lhe impor grande demanda por publicações em revistas, periódicos, livros e etc, bem qualificados perante os sistemas de contabilidade de publicações utilizados nos processos de avaliação pela CAPES, e sempre com a maior frequência possível. Assim, as demais áreas relacionadas ao trabalho dos docentes, como o ensino, a aprendizagem, a inserção social, a participação em seminários, cursos de extensão, pesquisa, orientação, e quaisquer outras questões ficam negligenciadas, devido à pressão que sofrem para a publicação.

A crença é a de que as pressões geradas pela competição, suscitada pelos procedimentos avaliativos, farão com que sejam mobilizados processos e recursos que resultarão em melhoria da qualidade de ensino. Desse modo, pressupõe-se a aceitação da desigualdade como condição mesma de produção de qualidade (..) a avaliação é um processo capaz de direcionar projetos e ações e o que se evidencia com as práticas em curso é a perspectiva da reprodução e intensificação das desigualdades educacionais e sociais. (SOUZA & OLIVEIRA, 2003, p. 890).

Os programas de pós-graduação são ranqueados com base no quanto produzem. É o produtivismo neoliberal definindo a qualidade da pós-graduação brasileira pela quantidade de publicações.

Há uma certa contradição nas ações do Estado. Não obstante adote políticas rígidas de controle, que é o caso do complexo sistema de avaliação da pós-graduação, por outro lado, não oferece em grande parte nem o mínimo de condições de trabalho para o professor desempenhar suas atribuições com a excelência que se espera.

Aos professores são exigidos qualidade de aula, de pesquisa, quantidade de publicações, enquanto a realidade de trabalho para a classe em geral é de baixos salários, falta de políticas públicas sérias de valorização laboral, com planos de carreira, incentivos à prática da docência, boas condições de trabalho, instalações, infraestrutura adequada nas universidades, etc. De acordo com Braga (2012, p. 493), a qualidade da pós-graduação em educação precisa estar alicerçada à valorização profissional dos docentes e não pode ser simplesmente aferida por números expressos em produção científica.

Segundo os autores Costa Júnior e Bittar (2012, p. 275), “o modelo de avaliação da CAPES assumiu uma lógica produtivista, pragmática e utilitarista. [...] por conseguinte, o resultado da avaliação já não revela os problemas dos programas, suas potencialidades e, tampouco, sua importância para a instituição, para a academia e para a região”. Para eles, o resultado da avaliação ficava centrado no professor permanente do programa, e essa tendência transformadora da pós-graduação no Brasil “afeta e desvaloriza o trabalho docente que perde sua autonomia e passa a ser controlado, adequado e uniformizado segundo critérios de produtividade fundamentada na lógica racionalizadora do capital”.

O contexto da estratégia política visa buscar alternativas para esses problemas decorrentes dessa política de avaliação da pós-graduação no Brasil. Como alternativa à ênfase na análise pura e simples quantitativa da produção intelectual e artística dos PPGs, há que se pensar em novos critérios mais qualitativos para avaliação da CAPES, que considerem as condições subjetivas e particulares de cada área, de cada programa, nas mais diversas regiões do país, e principalmente, que deem maior destaque e peso à atuação do trabalho docente e à relevância e inserção social da pesquisa, os quais estão relegados a segundo plano atualmente.

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