GOVERNANÇA TRANSNACIONAL E AS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NA EDUCAÇÃO NACIONAL: RELAÇÕES E IMPACTOS

Resumo: Neste artigo defende-se que há confluência entre as orientações do Banco Mundial e as políticas de avaliação em larga escala na educação básica brasileira, como parte da agenda neoliberal globalmente definida para os países ocidentais. Destaca-se o atual modelo de gestão pública ou governança, a inserção de novos atores na formulação e efetivação de políticas públicas e a mudança no papel do Estado de ator/provedor para avaliador. Conclui-se que os mecanismos de avaliação têm se intensificado nos últimos anos, dando mostras de que os resultados educacionais se sobrepõem aos processos educativos, repercutindo nos currículos, no trabalho docente e na gestão escolar, alterando os princípios da educação pública.

Palavras-chave: Governança; Avaliação em larga escala; Políticas educacionais


INTRODUÇÃO

É perceptível que o modelo orientador das políticas educacionais no Brasil está diretamente ligado às reformulações do capitalismo e às orientações preconizadas pelo Banco Mundial. Foi através de concepções difundidas principalmente com o surgimento do neoliberalismo, e mais recentemente, com o modelo neoliberal da terceira via, que surgem e se consolidam conceitos como política de resultados, accontability, performatividade, gerencialismo e outros slogansEneida Shiroma e Olinda Evangelista em livro organizado por Evangelista (2014), usam o termo slogans para analisar os bordões utilizados de forma reiterada nos textos e discursos das políticas educacionais e na formação de professores, no sentido de buscar o consenso em torno da agenda capitalista. (EVANGELISTA, 2014), que estão ligados à tentativa de reformular e criar um novo formato de gestão do Estado, com o objetivo de abrir espaço para utilização de estratégias utilizadas pela iniciativa privada, como solução para alcançar uma maior eficácia do setor público, nesse caso específico, da educação brasileira, além de estabelecer vínculos, cada vez evidentes, chamados de “parcerias”, com o terceiro setor, em que estão presentes boa parte das instituições privadas que prestam serviços educacionais.

Presencia-se cada vez mais, um modelo de educação que direciona suas ações na busca de resultados, a partir de metas previamente definidas, nas avaliações em larga escala, incentiva a competitividade entre escolas e alunos, e utiliza os índices escolares como o “fim” e não o “meio” de um processo de aprendizagem que envolve muitas variáveis.

A justificativa apresentada para a ampliação da avaliação no sistema educacional brasileiro é a busca pela qualidade da educação pública do país. O problema está diretamente ligado ao significado de qualidade pretendido pelos defensores dessa política, pois a redução do custo/aluno, a ampliação do número de alunos por professor, o fechamento de escolas, ou a obtenção de resultados em mecanismos de avaliação, por exemplo, não são exatamente reflexos de um ensino de qualidade, pelo menos no sentido de qualidade que se pretende através do ensino.

Percebe-se que essa iniciativa busca centrar as avaliações em alguns componentes curriculares (Português e Matemática), o que tem resultado em estreitamentos e reduções significativas do que é relevante estar presente no dia a dia das salas de aula. Reduz os custos em prol da eficiência e eficácia na gestão dos recursos, estes cada vez mais condicionados a aspectos quantitativos e não qualitativos, e responsabiliza gestores e professores das instituições de ensino pelo sucesso ou fracasso nas avaliações, criando um ambiente de extrema competitividade entre as escolas, entre professores e até mesmo entre os alunos.

O objetivo deste trabalho é apresentar as principais avaliações em larga escala em desenvolvimento na educação básica no Brasil, relacionando essas políticas às recomendações preconizadas pelo Banco Mundial para a condução do sistema de ensino público brasileiro. Salienta-se que este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla que busca os nexos entre a governança transnacional (organismos internacionais), governança nacional (políticas nacionais) e local (gestão de sistemas), e as implicações das relações público-privadas para a gestão democrática dos sistemas e escolas, desenvolvida pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais – NEPPE.

O estudo primeiramente apresenta os conceitos de governança transnacional e educacional, salientando o papel do Banco Mundial na definição da agenda para a educação em escala global, com destaque para as orientações que reforçam os sistemas de controle e avaliação externos. No segundo subitem, apresenta-se alguns aspectos da política nacional de avaliação em larga escala, demonstrando o seu avanço, aperfeiçoamento e amplitude, bem como alguns de seus desdobramentos para o currículo e para o trabalho docente e, por fim, estabelecem-se as relações entre as recomendações do BM, a lógica da governança e a política nacional traduzida, neste caso, pela avaliação em larga escala.

GOVERNANÇA TRANSNACIONAL: O PAPEL DO BANCO MUNDIAL NA EDUCAÇÃO NACIONAL

O conceito de governança é útil para compreender as transformações no papel e funções do Estado, em diferentes escalas, sobretudo a relação entre o público e o privado e as implicações para as políticas educacionais, mas também do Estado com os organismos internacionais, com destaque para o Banco Mundial, principal formulador de políticas para a educação no atual contexto.

De acordo com Reis (2013), foi Ronald Coase que, num artigo intitulado «The nature of the firm», em 1937, que trata pela primeira vez ao termo governance, referindo aos dispositivos adotados pelas empresas para reduzir os custos de transação, resultantes da coordenação econômica. Mas é em 1975 que este conceito se formaliza com o trabalho do economista americano Oliver E. Williamson, Markets and Hierarchies: Analysis and Antitrust Implications. A partir de então, o conceito de governance difunde-se, mas também se diferencia, no âmbito das análises econômicas à problemática da coordenação. O significado de governança não é sinônimo de governabilidade nem tem como objeto de estudo a arquitetura institucional de um dado sistema jurídico-político. O seu significado é mais aberto e distintivo, na medida em que se refere à análise dos padrões de articulação e cooperação entre os atores e os arranjos institucionais que coordenam os sistemas sociais.

A autora destaca que é possível encontrar nove abordagens de governança em que se cruzam diferentes disciplinas, com abordagens metodológicas e analíticas distintas. No primeiro grupo destaca:

a (i) good governance, (ii) good governance – nova gestão pública e (iii) governança empresarial. Neste caso, o termo governança, quer como paradigma científico, quer como referencial político, afirma-se nos anos de 1990, surgindo como um potente motor de reformas ao nível de métodos de decisão e de ação coletiva que tem em conta a evolução do papel do Estado. Face aos processos de «globalização», à emergência de novas categorias de atores (diversas organizações mundiais) e à integração económica de várias zonas e regiões do globo, impõe-se uma redefinição do lugar e do papel do Estado, cujas configurações possíveis confrontam a sua legitimidade e o seu tradicional princípio de soberania (REIS, 2013, p.33)

Para Amos (2010)

O debate sobre governança é proveniente da ciência política e das ciências sociais e foca as mudanças ligadas às novas constelações das relações do Estado com os interesses sociais no sentido mais amplo possível. Sob essa perspectiva, governança adquiriu o status de novo termo para analisar essas mudanças tanto no contexto interno de um Estado-nação como no âmbito das relações internacionais (p.25).

O termo “governança transnacional” se refere ao fortalecimento dos mecanismos de regulamentação transnacionais e não globais, conforme afirmam as editoras Marie-Laure Djelic e Kerstin Sahlin-Andersson, na introdução à Transnational Governance (2006), citadas por Amos (2010, p. 34) e caracteriza-se pelo declínio da confiança, portanto, pelo aumento do uso de mecanismos de monitoramento e ações de auditoria, baseados em evidências, como é o caso das políticas de avaliação em larga escala e dos indicadores educacionais.

É transnacional porque ultrapassa as fronteiras nacionais, e não é global, pois não se trata de acordos entre nações, mas de arranjos, projetos e políticas, sob a coordenação de entes supranacionais (Banco Mundial, OCDE).

Para Robertson (2013), Governança educacional (DALE, 1996) é um termo mais recente, usado para descrever atividades do governo que cada vez mais não são realizadas pelo governo sozinho, mas também por atores não governamentais. A governança como conceito também se tornou uma forma de englobar as atividades de governo daquelas organizações e empresas multilaterais, transnacionais e internacionais que cada vez mais operam acima e através das fronteiras territoriais nacionais. É neste cenário que se situa o Banco Mundial, como entidade com poder de definir a agenda educacional de diferentes países.

É importante entender os modelos de governança como: (i) formas distintas de atividade educacional (financiamento, oferta, propriedade, política, regulação): (ii) tipos especiais de entidades ou agentes com interesses diferentes (Estado, mercado lucrativo/sem fins lucrativos, comunidade, residência); e (iii) diferentes plataformas ou escalas de regra (local, subnacional, nacional, supranacional) (ROBERTSON, 2013, p. 686). Entretanto, a autora salienta que as “formas atuais de privatização na e da governança educacional, e na globalização da educação como setor de serviços, estão ligadas a um projeto político comum, o do neoliberalismo” (p.681).

Desta forma, a good governance proposta pelo Banco Mundial é, seguindo esta lógica, entendida como um novo processo de governar em que os Estados nacionais atuam como reguladores e não como atores. O que significa dizer que outros atores entram em cena: mercado e sociedade civil, atuando em áreas estratégicas que antes eram exclusiva do Estado, como é o caso da Educação. O papel de regulador atribuído ao Estado, implica em, como já referido, desenvolver o espírito da desconfiança e desenvolver mecanismos cada vez mais sofisticados de controle à distância.

A leitura e análise do Resumo Executivo do Documento Estratégia 2020 do Grupo Banco Mundial pode elucidar a atual focalização das políticas nacionais. Mantendo o slogan de Educação para Todos, centrada na aprendizagem, o BM define algumas estratégias, quais sejam:

Para alcançar a aprendizagem para todos, o Grupo Banco Mundial canalizará os seus esforços para a educação em duas vias estratégicas: reformar os sistemas de educação no nível dos países e construir uma base de conhecimento de alta qualidade para reformas educacionais no nível global (BM, 2011, pp 4-5).

Quanto a reformar os sistemas de educação o documento é claro e reforça a ideia de responsabilização e resultados. Nesse sentido, o “Banco irá concentrar-se em ajudar os países parceiros a consolidar a capacidade nacional para reger e gerir sistemas educacionais, implementar padrões de qualidade e equidade, medir o sistema de desempenho com relação aos objectivos nacionais para a educação e apoiar a definição de políticas e inovação com base comprovada” (BM, 2011, p. 6). O que reitera a perspectiva de acirrar o controle sobre os resultados educacionais através de medidas (testes).

Neste caso, a responsabilização ou accountability de sistemas, gestores, professores,tem sido uma estratégia potente, vinculada à avaliação, para implantar a reforma proposta. Mesmo que não sejam utilizados sistemas de bônus, prêmios ou punições, a divulgação de resultados das avaliações, os ranqueamentos das escolas, a escolha dos melhores, funciona como tal.

AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA NO BRASIL: POLÍTICA E DESDOBRAMENTOS

A política de avaliação brasileira, que se configura com mais vigor a partir de 1995, engloba diferentes programas, tais como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB, o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, o Exame Nacional de Cursos – ENC, o inicialmente conhecido como “provão” e, posteriormente substituído pelo Exame Nacional de Desempenho do Ensino Superior – ENADE, o Exame Nacional de Certificação de Jovens e Adultos – ENCEJA, o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior – SINAES, a Prova Brasil, Provinha Brasil, ANA e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB.

Werle (2011, p.775) ressalta que a Lei Nº. 9.394 (BRASIL, 1996) reafirma o papel da avaliação externa e torna imperativo o processo de avaliação, exigindo sua universalização.

Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. [...] § 3º Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá: [...] IV integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar (BRASIL, 1996).

No final da década de 1990, início dos anos 2000, é que o Brasil se insere em projetos internacionais de avaliação em larga escala. Primeiramente participando de ações coordenadas pela Oficina da Unesco-Orelac (Oficina Regional de Educação para América Latina e o Caribe), e posteriormente, fazendo parte do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – PISA, que é fomentado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE.

Se no início da efetivação dos métodos de avaliação em larga escala o MEC incentivava a participação de boa parte dos atores envolvidos no sistema de ensino, a partir da adesão a orientações dos organismos internacionais, é que a implementação dos processos avaliativos toma um novo formato, onde o processo de formulação da avaliação é centralizado, terceirizado e reforçado pelo surgimento de outros modelos criados pelos próprios estados e municípios (WERLE, 2011).

O SAEB – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica avalia em larga escala a cada dois anos, o desempenho acadêmico e o rendimento escolar, através de amostras de escolas e alunos de 4ª a 9º ano do Ensino Fundamental e 3ª ano do Ensino Médio. Apresenta, como principal objetivo, avaliar os sistemas de ensino e oferecer subsídios para o aprimoramento das políticas educacionais.

As três avaliações externas em larga escala que compõem o Saeb estão apresentadas no organograma abaixo:

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Fonte: Inep/2016

Outro mecanismo de avaliação em larga escala que assumiu outros fins mais recentemente é o Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM, este foi implantado em caráter voluntário pelo MEC em 1998, para avaliar o desempenho individual do aluno ao término do Ensino Médio, baseado em matriz de competências especialmente definidas para o exame. Expandiu-se a partir do ano 2000, e se popularizou em 2004, quando o MEC institui o PROUNI – Programa Universidade para TodosPROUNI – Programa Universidade para Todos, criado pelo Governo Federal em 2004, para facilitar o acesso ao Ensino Superior., fortalecendo-se em 2010, quando o governo federal o transforma na forma de seleção unificada nos processos seletivos das Universidades Federais.

Em 2008 foi criada a Provinha Brasil, aplicada em sua 1ª edição no mês de abril, visando avaliar o nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo ano do ensino fundamental das escolas públicas brasileiras. Essa avaliação acontece em duas etapas, uma no início e a outra ao término do ano letivo. A aplicação em períodos distintos pretende propiciar aos professores e gestores educacionais a realização de um diagnóstico do processo de aprendizagem dos alunos, notadamente em leitura, dentro do período avaliado. Já está em vias de implantação, prevista para novembro deste ano, uma nova prova para medir a qualidade da alfabetização: a Avaliação Nacional da Alfabetização – ANA, como parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, que prevê a alfabetização até os oito anos de idade.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, lançado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, em 2007, fornece informações sobre o desempenho de cada uma das escolas de Educação Básica brasileiras. Reúne, em um só indicador, dois conceitos considerados relevantes para medir a qualidade da educação: o fluxo escolar e o desempenho dos alunos nas avaliações, baseando seus cálculos nos dados de aprovação apurados no Censo Escolar e nas médias de desempenho obtidas nas avaliações nacionais.

Os resultados, divulgados a cada dois anos, permitem que Estados, Municípios e escolas possam acompanhar os avanços ou retrocessos em relação aos seus pontos de partida e as metas definidas. Entretanto, o que se observa é que a avaliação parece ter se tornado central na política do governo.  As metas para a educação e as ações direcionadas à Educação Básica tem como suporte o IDEB, servindo de elemento de comparação entre regiões, sistemas e escolas, com o inevitável ranqueamento e, tendo como uma das suas consequências, a ampliação da competitividade e da concorrência entre sistemas, escolas e professores.

Desta forma, compreende-se que a análise de políticas públicas para a educação não pode desconsiderar a compreensão do contexto mais amplo em que se produzem as macropolíticas e do contexto local, onde a significação, interpretação e a recriação de tais políticas se materializam e resultam em novas políticas.

No caso específico da avaliação, é notável a ampliação crescente dos seus mecanismos nacionais e algumas locais, em geral preparatórios para as avaliações nacionais, e a centralidade desses resultados na formulação de políticas educacionais que visam à indução da qualidade, pela via de melhorias na gestão.

Neste panorama de supremacia dos indicadores e da falta de análise dos elementos condicionantes dos resultados, os gestores das escolas, via de regra, se viram constrangidos a perseguir melhores resultados nas provas e no fluxo escolar, repercutindo não só na definição dos currículos, em consonância com os conteúdos das provas, mas, sobretudo, reduzindo a abordagem curricular e a importância relativa dos componentes curriculares, na medida em que as provas medem os conhecimentos dos alunos em Matemática e Língua Portuguesa, com impactos evidentes na organização do trabalho pedagógico.

Segundo CASTRO (2009), um sistema nacional de avaliação em larga escala pode prover informações estratégicas para aprofundar o debate sobre a situação educacional de um país e mostrar o que os alunos estão aprendendo, ou o que deveriam ter aprendido, em relação aos conteúdos e habilidades básicas estabelecidos no currículo.

Entretanto, a autora alerta que, apesar do Brasil ter avançado na montagem e consolidação dos sistemas de avaliação, ainda não aprendemos a utilizá-lo em seus resultados para melhorar a escola, a sala de aula, a formação de professores, as aprendizagens dos alunos, em suma, a qualidade da formação básica oferecida. Houve avanço nas formas de controle e avaliação, mas questiona-se até que ponto esses mecanismos têm produzido reflexos reais na melhoria da educação.

Estratégias pontuais, contratação de assessoramento de empresas privadas, premiação às escolas “vencedoras”, penalização às escolas deficitárias, entre outras propostas são desenvolvidas por Municípios e Estados para alcançar os índices desejados, mas parece que pouco ou nada contribuem para solucionar os problemas estruturais da educação.

PAPEL DO BANCO MUNDIAL NA DEFINIÇÃO DA AGENDA DAS POLÍTICAS DE AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL

A alegação neoliberal de que o Estado é incompetente para administrar seus recursos públicos, pois não possui capacidade gerencial e técnica para isso, e que a saída para uma maior eficiência e eficácia deste setor está na adoção de modelos de gestão oriundos da iniciativa privada, são argumentos apresentados também pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e pelo Banco Mundial - BM, para que o Estado efetive a política de gestão por resultados visando uma elevação em termos de cobertura, sem o aumento relevante de recursos públicos (SHIROMA; EVANGELISTA, 2011, p.132).

Enfatizando a utilização deste formato de gestão pública preconizado pelo BM, Shiroma e Evangelista (2011) esclarecem que este modelo é

...calcado no estabelecimento de acordos de resultados entre órgãos formuladores de políticas públicas e entidades voltadas à prestação de serviços. Tais acordos têm por base o binômio “autonomia e responsabilização”, por meio do qual a entidade prestadora de serviços se compromete a obter determinados resultados em troca de algum grau de flexibilidade em sua gestão (p.133).

Essa reestruturação organizacional e de funcionamento do Estado foi aderida por várias nações, dentre os objetivos pretendidos estão a utilização de diferentes mecanismos de avaliação de resultados, promoção de incentivos à elevação de desempenho individual através da meritocracia, a busca pela performatividade e a efetivação da transparência e responsabilização pelos resultados – accountability.

Afonso (2005) abordando a concepção neoliberal de assegurar o Estado enquanto Avaliador e esclarece que

Esta expressão quer significar, em sentido amplo, que o Estado vem adoptando um ethos competitivo, neodarwinista, passando a admitir a lógica do mercado, através da importação para o domínio público de modelos de gestão privada, com ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos. (p. 49)

É através das orientações recomendadas pelos organismos internacionais, que o gerencialismo dissemina-se no campo educacional de muitos países, como, por exemplo, no Brasil. Modelo este que enfoca no replanejamento dos processos, buscando a priorização de um melhor desempenho financeiro, mesmo em se tratando de educação. De acordo com as essas concepções, a figura do gestor das instituições escolares é central, onde o papel dos diretores começa a ser orientado em direção a melhor administração dos recursos disponíveis, ficando em segundo plano a qualidade do ensino e o atendimento a variáveis que fazem parte do processo de educação em sentido lato.

Clarke e Newman (1997) descrevem o discurso gerencialista como aquele que

Preocupa-se com metas e planos mais que com intenções e julgamentos. Refere-se à ação mais que à reflexão. [...] Oferece um discurso tecnicista que priva o debate sobre suas bases políticas, de modo que o debate sobre os meios suplanta o debate sobre fins (p.148).

É relevante observar que o gerencialismo apresentou diferentes facetas ao longo dos anos, e o que se visualiza no período contemporâneo é o que os autores chamam de novo gerencialismo. Uma das importantes concepções desse novo modelo é a redução e dispersão do poder de atuação do Estado. É determinante para o seu desenvolvimento que exista a denominada liberdade para gerenciar, isto é, para que surjam novas e mais eficientes possibilidades de gestão é fundamental que se reduza o controle e a execução governamental na prestação dos serviços públicos para a sociedade.

É através da dispersão do poder, que o gerencialismo combinado ao modelo neoliberal da terceira via, fortalece a criação de uma nova sociedade civil, com participação efetiva do terceiro setor e do empresariado em áreas que são essenciais para população, como, por exemplo, no campo da educação e da saúde, onde não se tem mais como o único protagonista o Estado. A consolidação cada vez maior das parcerias público-privadas reflete claramente essa transferência de responsabilidades.

Contribuindo com a discussão sobre este modelo que sustenta a materialização das políticas no campo da educação brasileira, Peroni (2011) descreve que

A política educacional em curso em tempo em que sustenta a democracia como princípio no âmbito da concepção, contraditoriamente, na sua materialização vem priorizando resultados avaliativos, competitivos, centralizadores e recorrendo a formas corporativas/coercitivas como mecanismos de controle (p.7).

Costa (2009) evidencia o objetivo das propostas oriundas do BM  para educação ao apontar que

Medir para concorrer, para rivalizar. Este ao fim e ao cabo é o ideal preconizado pelo neoliberalismo e que passa a ser imposto por meio dos seus organismos. Disso resultará a excelência e a credibilidade da educação escolar, que formará sujeitos cada vez mais competitivos (COSTA, 2009, p.18).

Referenciando outro documento produzido pelo BM em 2006, o Education Sector Strategy Update (ESSU): achieving Education For All, broadening our perspective, maximizing our eff ectiveness - ESSU, Shiroma e Evangelista (2011, p.136) descrevem que este busca atualizar as orientações recomendadas na década de 1990, visando apresentar atuais estratégias de ampliação dos efeitos provindos do campo educacional em termos de desenvolvimento econômico, redução da pobreza e consolidação de modelos de gestão, com ênfase na avaliação dos resultados, para os países da América Latina e Caribe.

Considerando as recomendações elencadas pelo BM (2006), percebe-se de forma clara a influência dos organismos internacionais nas políticas públicas locais, nesse caso, identificam-se as razões pelo surgimento desenfreado de muitos mecanismos de avaliação no contexto educacional brasileiro. O foco na gestão por resultados recomendado pelo BM, remete a criação de indicadores de desempenho e sistemas de avaliação cada vez mais sofisticados, ou seja, “uma cultura de monitoramento e avaliação de resultados deve permear o trabalho no setor” (BANCO MUNDIAL, 2010, p. 9).

Problematizando essa política educacional que evidencia os resultados de forma isolada, sem considerar os contextos onde estes foram produzidos, tornando-se a razão e não o “meio” das iniciativas voltadas para educação nos remete a questionar qual o real valor desse tipo de avaliação em termos de qualificação do ensino e de contribuição para sociedade. Shiroma e Evangelista (2011) esclarecem tais argumentos quando afirmam

Sabemos quão falaciosa pode ser a argumentação que estabelece entre a avaliação de resultados pautada em indicadores quantitativos e a qualidade da educação uma relação de causa e efeito. Um projeto para educação de um país não pode se limitar à perseguição de índices e metas; ao contrário, precisa explicitar a que projeto de sociedade se vincula. Ações que pretendem mudar resultados ou índices sem considerar e investir na melhoria das condições materiais para que sejam produzidos podem ser inócuas para a relação ensino-aprendizagem, mas são bastante eficazes para operar profundas reorganizações no interior das instituições educacionais – competição, concorrência, segmentações são efeitos da implantação dessa avaliação que produz rankings (p.144).

Levantando a hipótese de que as políticas de avaliação estão sendo desenvolvidas com intuito de “responder a estratégias gerencialistas de modernização e racionalização voltadas para resultados”, Werle (2011, 790) aponta que o projeto de avaliação que vem sendo estruturado desde o final da década de 1980, ganhou solidez a partir de 2005 “Reforçado pela criação de novos índices e sistemas de seleção que valorizam os resultados de outras avaliações”, instituindo assim novos modelos de comparações e disseminando a cultura da concorrência e da competitividade nas redes escolares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo apresentado, pode-se evidenciar a influência das recomendações dos organismos internacionais nas políticas educacionais no Brasil. As orientações provindas do Banco Mundial contribuem para consolidação de um modelo de governança educacional, baseada nos princípios neoliberais, que transfere a responsabilidade de ampliação dos resultados educacionais para as escolas, por meio de programas de assessoramento técnico e financeiro, não raro utilizando-se de parcerias com entidades privadas, que privilegiam a gestão e o planejamento estratégico, em detrimento de questões relacionadas à educação como um bem público e na perspectiva social.

Estas estratégias, além de serem propostas sem qualquer processo de discussão, fazem com que o principal foco da educação passe a ser a obtenção de bons resultados no desempenho dos alunos, vinculados à padronizações curriculares que priorizam algumas competências e habilidades, desconsiderando, portanto, currículos e práticas que favoreçam a formação de cidadãos que possam repensar e encontrar possibilidades para os diversos conflitos que estão presentes na sociedade.

Observando o nível de apreensão que boa parte das escolas brasileiras tem com a falta de participação nos principais mecanismos de avaliação em larga escala, bem como, com o urgência no preparo dos estudantes para as provas, a fim de que alcancem bons resultados, pode-se perceber uma flagrante distorção pedagógica e do que se pretende com a educação do povo brasileiro.

Assim, ao mesmo em tempo que os programas de governo anunciam a ampliação da democracia: pelo aumento do acesso à escolarização, pelos mecanismos de participação na escola, pela autonomia financeira dos sistemas e escolas, propiciada pelos programas de transferência de recursos, entre outras; definem currículos, estabelecem modos de gestão, conformam práticas docentes e avaliam os resultados; regulando, regulamentando e controlando a educação nacional.

Entende-se que a avaliação de sistemas e redes apresenta um potencial importante em termos de informações e que poderia contribuir para a qualificação das políticas educacionais, mas para isso seria necessário uma reestruturação do atual modelo, mas, sobretudo, da lógica subjacente. 

Analisando o contexto atual das avaliações, observa-se que a criação de vários mecanismos fortalece a regulação e consolida o Estado-Avaliador, legitimando, através da divulgação ampla dos baixos índices escolares obtidos, a condução das políticas públicas através de modelos de gestão adotados no setor privado, apesar deste último ter como principais finalidades o lucro, a exploração da mão de obra e a acumulação de capital, deixando em segundo plano aspectos relevantes para o bem da coletividade.

Sendo assim, pode-se compreender que esse conjunto de medidas efetivadas no sistema educacional brasileiro, está relacionado diretamente com a organização de um novo modelo de gestão da educação pública do país (good governance), do que propriamente com aspectos educativos que visem a qualificação do sistema de ensino para uma aprendizagem emancipatória e preocupada de fato com a formação para cidadania.

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