AVALIAÇÃO EDUCACIONAL E GESTÃO ESCOLAR NO SERTÃO PERNAMBUCANO: ANALISANDO PRÁTICAS DE REGULAÇÃOFonte de Financiamento: CNPq.

Resumo:A pesquisa  investigou o modo como os gestores escolares vem atuando no âmbito de uma política de educação estadual que articula avaliação educacional e regulação do desempenho dos alunos. Os dados foram coletados através de análise de documentos e da aplicação de entrevistas e tomou como campo empírico a Região do Sertão Pernambucano. O debate focou nas mudanças geradas nas práticas de gestão escolar, resultantes de práticas relativas à adequação das escolas e da sua gestão a esse modo de conduzir a política educacional. Constatou-se que as práticas locais seguem padrões já anunciados por outras pesquisas: envolvem o estreitamento curricular, envolvem fraudes e se vinculam à intensificação do trabalho docente e da gestão.

Palavras-chave: Avaliação Educacional; Gestão Escolar; Regulação.


INTRODUÇÃO

Os resultados ora apresentados são parte de uma pesquisa maior. O recorte aqui apresenta resultados da investigação que analisou o modo como os gestores escolares vem atuando no âmbito de uma política de educação estadual que articula avaliação educacional e regulação do desempenho dos alunos. Buscamos produzir um conhecimento sobre as novas formas de regulação da educação via política de avaliação educacional e sobre as mudanças geradas nas práticas de gestão escolar, resultantes de ações relativas à adequação das escolas e da sua gestão a esse modo de conduzir a política educacional.

Partimos do pressuposto que a política educacional nacional vem sofrendo os efeitos discursivosAssumimos aqui o termo ‘discurso’ na perspectiva tridimensional adotada por Norman Fairclough: como texto, como prática discursiva e como prática social. “O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 9). É pautado nas concepções desse autor que utilizamos nesse trabalho expressões como “efeitos discursivos”, “práticas discursivas” etc. das novas formas de regulação social adotados em nível global. Tais formas, embasadas numa perspectiva ligada ao acúmulo do capital, colocam em questão a eficácia e eficiência dos serviços públicos e a relação desigual entre os seus custos e os reais benefícios trazidos para a população pelas políticas públicas. Assim, no âmbito das políticas sociais, o conceito de ‘regulação estatal’ vem sendo empregado “em estreita articulação com as novas configurações assumidas pelo Estado no controle da vida social e econômica materializado pelas políticas públicas” (AZEVEDO; GOMES, 2009, p. 96).

Esses autores alertam que, em certa medida o conceito de regulação vem sendo utilizado no lugar do conceito de ‘intervenção estatal’. Mesmo que os dois conceitos apresentem semelhanças e possam ser tomados como sinônimos, há nuances discursivas que os distinguem. O termo intervenção está fortemente ligado aos modos intervencionistas (interposição ou ingerência) do estado na sociedade e na economia, enquanto que a regulação vem sendo entendida como uma das formas de intervenção do estado (AZEVEDO; GOMES, 2009).

Não se pode deixar de mencionar aqui, como em vários outros casos, uma das formas apuradas do modus operandi do discurso neoliberal, que é a apropriação de enunciados e conceitos de linhagens críticas do pensamento social e seu consequente uso instrumental e dogmático, geralmente com conotação mercadológica. Neste caso, o mais comum tem sido o uso da noção de “regulação” ou “desregulação”, a depender do fenômeno ou do padrão da política em análise. (p. 96)

Assim, o conceito de regulação vem sendo utilizado pelos discursos e pelas práticas governamentais, e também pelas análises que se fazem dessas práticas governamentais (especificamente as políticas sociais, dentre elas as políticas de  educação).

Nesse campo discursivo, novas formas de nomear/adjetivar o ‘estado’ vão se configurar no contexto atual em que se assume a necessidade da regulação estatal no interior das práticas sociais. Por exemplo, a expressão “Estado Avaliador” significa, em sentido amplo, que o Estado vem adaptando um ethos competitivo, neodarwinista, passando a admitir a lógica do mercado, através da importação para o domínio público de modelos de gestão privada, com ênfase nos resultados ou produtos dos sistemas educativos (AFONSO, 2001).

O estado brasileiro não foge a esse contexto e vem adotando, no interior do seu sistema político, estratégias de regulação cada vez mais estruturados, como é possível destacar no âmbito da política educacional. Assim, a avaliação do sistema educacional brasileiro, como estratégia de regulação das práticas que ocorrem no interior desse  sistema, vem tomando maior centralidade no contexto atual das políticas educativas. Castro (2009) vai chamar de macro sistema de avaliação da qualidade da educação brasileiraGrifos nossos., dado que a mesma envolve diferentes programas que cobrem os diferentes níveis e modalidades da educação nacional. Podemos citar como exemplo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica/SAEB, o Exame Nacional do Ensino Médio/ENEM, o Exame Nacional de Certificação de Jovens e Adultos/ENCCEJA, o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior/SINAES, a Provinha Brasil, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica/IDEB, além da Avaliação da Pós-Graduação.

No rastro dessa política nacional, estados e municípios brasileiros também têm organizado seus processos avaliativos estandardizados. Isso porque os resultados das avaliações servem para revelar possíveis resultados insatisfatórios e levar ao estabelecimento de metas de desempenho dos estudantes. Além disso, o discurso de adoção de avaliação dos sistemas de ensino vem sendo articulado a uma determinada concepção de qualidade da educação. Ou seja, defende-se a perspectiva de que é necessário definir metas de desempenho dos estudantes e das escolas e, posteriormente, aplicar exames aos estudantes para analisar os hiatos de qualidade entre o que se propôs enquanto meta e o que foi possível alcançar enquanto desempenho estudantilPara isso formulam-se indicadores sintéticos de qualidade educacional, como o IDEB por exemplo..

O estado de Pernambuco é um dos exemplos da implantação desse tipo de política regulatória, já que sua reforma educativa, primou por ações de avaliação do seu sistema educativo atrelado ao oferecimento do bônus por desempenho, conforme explicitaremos mais à frente.

Nessa pesquisa, consideramos que o sucesso de determinada política depende da adesão dos sujeitos que tem o objetivo de colocar a mesma em prática. No caso das políticas públicas para educação entendemos que suas práticas se materializam no interior de cada unidade escolar e que, também, a gestão escolar exerce um papel fundamental na institucionalização e legitimação das mesmas. Isso se deve ao fato de que, no nível micro do ambiente escolar, os gestores atuam como sujeitos institucionalmente legitimados para regular as ações no interior das escolas.

A partir dos pressupostos anteriormente referidos, lançamos mão dos procedimentos metodológicos. Coletamos dados através de análise de documentos e da aplicação de entrevistas. As entrevistas foram realizadas nas diferentes regiões político-administrativas de Pernambuco. Nesse momento, apresentamos dados referentes à pesquisa realizada no Sertão pernambucano. É importante destacar que esse estado possui uma divisão político-administrativa que o organiza a partir de meso-regiões, sendo elas: Região Metropolitana do Recife, Região da Zona da Mata, Região do Agreste e Região do Sertão. Nessa última região estão as escolas pesquisadas: escolas localizadas nas cidades de Petrolina, Lagoa Grande, Afrânio, Araripina, Salgueiro e Floresta.

No total foram entrevistadas 10 gestoras. Para fins didáticos e para garantir o anonimato das entrevistadas, eles serão nomeados da seguinte forma: Entrevista 1; Entrevista 2; e assim por diante. A análise dos documentos e das entrevistas se baseou na análise crítica do discurso (FAIRCLOUGH, 2001), e colocou ênfase na intertextualidade e na interdiscursividade.

Constamos que as práticas locais seguem padrões já anunciados por outras pesquisas (FREITAS, 2012, RAVITCH, 2011): envolvem o estreitamento curricular, envolvem fraudes e se vinculam à intensificação do trabalho docente e da gestão escolar, conforme apresentaremos mais à frente.

AVALIAÇÃO E REGULAÇÃO: O QUE DIZEM OS DISCURSOS DA POLÍTICA EDUCACIONAL BRASILEIRA

A avaliação vem instrumentalizando as reformas educacionais e produzindo mudanças nas configurações gerais do sistema educativo (DIAS SOBRINHO, 2004). Esse autor chama a nossa atenção para o fato do processo de avaliação guardar em si não apenas o componente técnico-instrumental necessário à sua implementação, mas carrega, em seu interior, as dimensões ética e política próprias das ações humanas. Ou seja, é necessário explicitar que a avaliação não carrega em si o componente da neutralidade, mas atua com componente ético e político e carrega em si uma intencionalidade.

Esse autor, ao estudar especificamente a interrelação entre a educação superior e a avaliação, afirma que “há uma interatuaçao nas transformações que ocorrem nas avaliações e na educação superior, uma não se transformando sem a transformação da outra” (idem, p. 705). Continuando sua reflexão, ele vai ressaltar que tais transformações acontecem tanto no plano técnico quanto no plano dos objetivos que a avaliação e a educação superior carregam, havendo mudanças contextuais ao longo dos tempos nos dois planos. Ao focar especificamente a avaliação, ele nos diz:

A avaliação em nossos dias é cada vez mais assunto que interessa a toda a sociedade, especialmente àquelas comunidades mais concernidas por seus resultados e efeitos. Mas, atualmente, são os Estados os principais interessados e aplicadores da avaliação, especialmente na perspectiva das reformas, do controle e da regulação. Tão importante é o papel da avaliação do ponto de vista político e tão eficiente é ela para modelar sistemas e garantir determinadas práticas e ideologias que nenhum Estado moderno deixa de praticá-la de modo amplo, consistente e organizado. Isto é, como política pública. (DIAS SOBRINHO, 2004, p. 706).

Por outra parte, mas ainda tomando as reflexões de Dias Sobrinho (2004) como ponto de partida da reflexão, podemos entender que o próprio campo da avaliação, considerando sua complexidade, advoga para si diferentes funções. Tais funções vão ser consideradas com maior ou menor destaque a depender do tipo de política educacional ou dos referenciais normativos que embasam determinado modelo governamental em que tal política vai ser implantado. Entre as funções mais destacadas na literatura podemos citar a “competição” e o “controle” (BROADFOOT, 2000) e a função de regulação (AFONSO, 2005). Além dessas, destacam-se também as seguintes funções: “melhoria da aprendizagem”; “seleção”; “certificação”; “responsabilização” (accountability) (AFONSO, 2005). Importante destacar que tais funções estão diretamente ligadas aos objetivos das políticas de avaliação dos sistemas educativos.

No entanto, outras funções, bem menos lembradas, mas sempre presentes no campo da avaliação são as chamadas “funções simbólicas”: controle social e legitimação política.  Nesse caminho, diferentes autores (como, por exemplo, DIAS SOBRINHO, 2000) vão ressaltar que a avaliação não pode ser compreendida fora do contexto das mudanças educacionais, econômicas e políticas mais amplas, por esta razão, a literatura acadêmica vê a avaliação como uma atividade política. A própria escolha das modalidades e técnicas de avaliação dos sistemas educativos supõe e implica em uma determinada orientação política e visa, muitas vezes, legitimar determinada forma de organizar e estruturar o sistema educativo.

É nesse contexto que se insere a política de avaliação educacional no Brasil.

Ainda no interior dessa discussão, é preciso também ressaltar que, atrelado ao sistema de avaliação, o Estado, por vezes, também vai implantar outras ações articuladas à regulação do sistema educativo, como, por exemplo, a adoção de estratégias de recompensa do professor pelo seu desempenho por meio de fornecimento de bônus (estratégia do bônus). Há também as estratégias de se estabelecer no sistema um trabalho baseado em metas e resultados a partir de indicadores educacionais, como é o caso particular da política aqui em análise.

A estratégia do bônus é utilizada para que a produtividade aumente, e “consiste em procurar fazer com que os empregados trabalhem mais e melhor usando como incentivo à concessão de vantagens monetárias adicionais ao salário, e condicionadas ao aumento da produtividade”. É uma estratégia antiga, incorporada com destaque no taylorismo que passou a ser utilizada muito mais amplamente na fase neoliberal do capitalismo, não apenas nas empresas privadas, mas também no serviço público. (OLIVEIRA, 2010, p. 420).

Tal estratégia, inserida num processo de avaliação por desempenho, está ligada aos princípios da competitividade e da meritocracia, que são inerentes a uma perspectiva de organização político-administrativa que Ball (2004) chama de Estado Competidor, que agrega, em suas características e ações, a avaliação.

Retomamos aqui a idéia de que as políticas públicas para educação se materializam no interior das escolas e que, por isso, a gestão escolar exerce um papel fundamental na institucionalização e legitimação das mesmas. Isso se deve ao fato de que, no nível micro do ambiente escolar, os gestores atuam como sujeitos institucionalmente legitimados para regular as ações no interior das escolas. Assim, é necessário investigar que tipos de ações tem sido empreendidas pelos(as) gestores(as) escolares afim de dar conta dos objetivos pretendidos pela implantação da política de avaliação. Além disso, é preciso considerar que as práticas de gestão escolar devem estar ancoradas nos princípios da gestão democrática, conforme nossa legislação assim prever.

GESTÃO ESCOLAR E O SISTEMA DE AVALIAÇÃO EM PERNAMBUCO

A gestão das escolas tem sido foco frequente de estudos e pesquisas desenvolvidas aqui no Brasil. Isso se deve aos contornos que marcam a política educacional brasileira atual. É do nosso conhecimento que as últimas décadas do século passado e início desse século estão marcadas por mudanças estruturais na organização social, política e econômica no mundo e no nosso país. O processo de redemocratização, iniciado aqui no Brasil em meados da década de 80, em que ganham representatividade os movimentos sociais, baseados numa perspectiva de direitos sociais coletivos e da cidadania coletiva (GOHN, 2004, p. 226), é, ao mesmo tempo, um reflexo e um exemplo dessas mudanças.

Há de se destacar que a saída de um regime autoritário para um regime democrático veio a impor, para a organização geral do país, a adoção de princípios democráticos em seu caráter mais universal, o que atingiu os processos de gestão das políticas públicas de uma forma geral. Isso exigiu uma nova legislação que permitiu uma adequação do país ao novo contexto e imprimiu uma nova direção às políticas públicas, adequando-as às exigências democratizantes. No campo educacional, isso se consolidou por meio da própria Constituição Federal (1988), no capítulo que trata da Educação, e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em dezembro de 1996. É no corpo dessas leis que se encontram, dentre tantas outras questões, determinações e indicações acerca da gestão democrática na escola.

Ou seja, se tomarmos a escola e os princípios da democratização legalmente propostos em nosso sistema educacional, conforme destaca a LDB, é possível antevermos uma “tensão entre a participação, a autonomia da escola conferida pela gestão democrática e o controle externo, a regulação exercida pela avaliação de resultados do desempenho dos alunos, como se fossem produtos quantificáveis” (MALMANN; EYNG, 2008, p. 10249).

Como sabemos, um processo de gestão democrática consiste em elaboração, execução, acompanhamento e avaliação do projeto educativo que deve estar expresso no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola, que por sua vez deve ser monitorado e avaliado pelo conselho escolar, e ser conhecido por toda comunidade escolar. Além disso, a gestão democrática, o direito à educação e a qualidade social da educação são consideradas, do ponto de vista das políticas educacionais atuais, os principais referentes para a atuação da gestão escolar. É importante destacarmos essa questão, já que a gestão democrática é uma prática social da escola pública brasileira cujo discurso se contrapõe à formação autoritária e autocrática que marcou a história da gestão escolar brasileira (SANTOS; GOMES; MELO, 2009).

Por outro lado, o controle do Estado sobre a escola vem sendo ampliado ano a ano, conforme podemos inferir a partir a complexidade da nossa política de avaliação dos sistemas educativos referidos acima. Esse movimento gera conflitos e inibe a valorização da diversidade cultural e social das escolas, já que os processos de avaliação estandardizados primam pela homogeneização, pois enfatizam o desempenho dos estudantes sem considerar as peculiaridades das escolas e dos sujeitos que nelas estão inseridos. (MALMANN; EYNG, 2008).

A partir desse debate, foi possível tomar o objeto de nosso estudo buscando elementos que apontam de que maneira a ação do Estado e seus processos de regulação, afetam os grupos, indivíduos e organizações envolvidas num espaço determinado, especificamente nos espaços onde se desenvolve a política que analisamos, tomando a gestão escolar como um elemento relevante na condução da escola e que sofre diretamente os condicionantes das políticas impostas à escola.

No rastro dessa política nacional, estados e municípios também têm organizado seus processos avaliativos estandardizados. Isso porque, os resultados das avaliações servem para revelar possíveis resultados insatisfatórios e levar ao estabelecimento de metas de desempenho dos estudantes. A bonificação por desempenho dos professores e gestores escolares, também conhecida por “remuneração por desempenho” ou “bonificação por resultados” pode ser definida como aquela que consiste “em fazer com que os empregados trabalhem mais e melhor utilizando como incentivo a concessão de vantagens monetárias adicionais ao salário” (OLIVEIRA, 2010, p. 420).

O sistema de avaliação de Pernambuco

O estado de Pernambuco é um dos exemplos da implantação desse tipo de política regulatória, já que na sua reforma educativa, primou por ações de avaliação do sistema educativo atrelado ao oferecimento do bônus por desempenho. O Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco (SAEPE) e a remuneração por desempenho foram idealizados desde os anos 2000 (na gestão do governador Jarbas Vasconcelos), mas foi aprofundado e reelaborado pelo governo de Eduardo Campos que assumiu em 2007. Assim, foi aperfeiçoado o SAEPE e definido o Bônus de Desempenho Educacional (BDE), que consiste numa “premiação por resultados que beneficia os servidores lotados e em exercício nas unidades da rede pública estadual de ensino, baseado em metas objetivas a serem alcançadas pela escola” (PERNAMBUCO, 2008, p. 7).

O Governo Campos (2008) implantou o Programa de Modernização da Gestão Pública: Metas para a Educação (PMGP-ME), que consiste num conjunto de iniciativas que se proclama com o objetivo de melhorar os indicadores educacionais, como diminuir as taxas de repetência, evasão escolar e analfabetismo. Ações que prometem promover a aprendizagem dos alunos; a garantia de professores em todas as salas de aulas e a recuperação das estruturas física da escola a fim de viabilizar o processo de ensino e aprendizagem.

O Programa está focado na melhoria dos indicadores educacionais do estado, em que o governo definiu metas a serem cumpridas ano a ano, pelos gestores escolares e pelas Gerências Regionais de Ensino (GREs). Tendo como objetivo do estado para 2021, as escolas atingirem a média 6,0 (seis) no IDEB, semelhantes as apresentada, atualmente, pelos países desenvolvidos.

Ou seja, há uma definição de metas anuais a serem atingidas para cada unidade escolar, a partir da realidade vivida, e as escolas terão que superá-la em relação a elas mesmas. Tais metas servem de indicativo para o monitoramento da gestão estadual que se utiliza de um conjunto de atividades gerenciais focadas nos processos que, no discurso governamental, interferem na melhoria de aprendizagem do aluno (infraestrutura, biblioteca, merenda, laboratórios de informática, material didáticos etc.).

A verificação do desempenho dos alunos é realizada no final de cada ano letivo, em todas as Escolas Estaduais, na 4ª série, 8ª série e 3º ano do ensino médio. É realizada pelo SAEPE que aplica exames das áreas de Português e Matemática. Outro dado é recolhido do senso escolar: o fluxo escolar. A combinação dos dois dados resulta o IDEPE (Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco). O discurso governamental afirma que esses dados darão subsídios para a tomada de decisão com vista à melhoria da qualidade da educação (PERNAMBUCO, 2008). Quando a escola atinge a meta estipulada, a partir de 50% até 100%, os profissionais recebem premiação, BDE, que é conceituado pelo discurso governamental, como um incentivo financeiro que promove a qualidade do ensino e valoriza os profissionais da educação. (PERNAMBUCO, 2008).

AS PRÁTICAS DE GESTÃO ESCOLAR E O SISTEMA DE AVALIAÇÃO: O CASO DO SERTÃO PERNAMBUCANO

Constamos que as práticas locais seguem padrões já anunciados por outras pesquisas (FREITAS, 2012, RAVITCH, 2011): envolvem o estreitamento curricular, envolvem fraudes e se vinculam à intensificação do trabalho do gestor escolar e do docente. Nesse sentido, passaremos a apresentar as análises que fizemos dos nossos dados.

A questão do Estreitamento Curricular é algo extremamente presente em todas as entrevistas que realizamos. Os gestores escolares estão sempre preocupados com os resultados que os estudantes devem apresentar ao final de cada unidade letiva, especificamente no que se refere aos conteúdos das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, já que essas são as áreas cobradas nos exames do SAEPE e do SAEB.

Interessante que em 2014 nós fomos melhores em Matemática do que em Português, então ano passado 2015, a gente fez uma dinâmica diferente e o resultado de Português foi melhor do que o de Matemática. Quando corrigimos o resultado do SAEPE, que foi pela primeira vez corrigido na escola então nós tivemos a média que foi 70% em Português, Matemática foi 55.2. Então foi assim complicado, o esforço nosso nós tiramos os professores de Português e eles deram um apoio na questão de redação, de literatura, aí quando chega Matemática ela não avançou, não caiu, mas também não avançou. Aí esse ano a gente fez a dinâmica geral, não foi só Português já que Português já permaneceu e aí buscamos alguns reforços em Matemática para vê o que acontece. (ENTREVISTA 3).

Como se pode ver, a preocupação com os resultados das duas disciplinas fazem com que a rotina da escola seja sempre alterada. Em um momento o foco é Português, no outro o foco é Matemática, e assim por diante. O interessante é que não basta ficar na mesma média que o ano anterior, é necessário sempre ultrapassar. Daí que é possível inferir que esse é um ciclo que tem fim, porque é necessário perguntar qual o limite do avanço, ou até que ponto esse avanço contínuo representa de fato que os alunos estão avançando qualitativamente nas suas aprendizagens.

Essa questão do estreitamento é tão presente nas realidades das escolas pesquisadas que, mesmo quando a proposta é para atividades diversificadas, no limite o foco é o rendimento nessas duas disciplinas. Conforme é possível perceber nos extratos de fala abaixo:

Então a gente tem projeto de melhoria da aprendizagem também onde a gente oferece  a questão da leitura. Além das aulas que o aluno tem o terceiro ano agente trabalha com a questão de literatura. Ele ter um momento diferenciado da aula onde ele sai pra outra sala mais aconchegante, onde ele pode se sentir melhor, onde ele deita,  ficando mais confortável e aí ele vai ter contato com essa literatura que ele precisa também. Mas ai agente tem a questão da aula de xadrez, para melhorar o raciocínio, oferecido durante a hora do almoço, onde agente tem um tempo disponível (ENTREVISTA 3).

Hoje está bem melhor, mas antes havia uma cobrança da escola inteira do professor de Português e Matemática, como se o resultado da escola fosse fruto do só do professor de Português e Matemática. E hoje não, todo mundo trabalhou estudou muito a respeito disso o professor de Português e Matemática são os que diretamente serão avaliados, mas todas as disciplina precisam contribuir para que o alunos possam dar o resultado em Português e Matemática” (ENTREVISTA 1).

Outro ponto de bastante relevância e evidencia no nosso estudo, é que os entrevistados também reconhecem uma certa impossibilidade de creditar a veracidade do processo, evidenciando estratégias de fraudes. Ou seja, para atingir as metas e, consequentemente, receber o BDE, algumas estratégias chamadas de ‘maquiagem’ também são utilizadas.

Eu ainda acredito que ainda não seja o ideal por que você avalia, hoje, por exemplo, há uma maquiagem, agente passa o ano todo fazendo simulado para quando o menino pegar aquela prova ele saiba. (...) Mas, de uma certa forma, não serve para medir, não diz a realidade, na minha cabeça não diz a realidade... Qualquer escola pode deixar de mão as outras disciplinas que não vão ser avaliadas e ficar treinando o menino para a prova de Português e Matemática como agente sabe que acontece... (ENTREVISTA 1)

Tomando como referente a discussão sobre as políticas de avaliação educacional, é possível retomar aqui uma das funções do campo da avaliação: a competição (AFONSO, 2005). As políticas que tomam como foco metas quantitativas (como reveladoras de qualidade educacional) são pautadas em processos competitivos e, além disso, elas próprias (as políticas) são geradoras desses processos competitivos. A competitividade atinge diretamente professores e escolas que estão na corrida por melhores resultados ano a ano. Assim, o falseamento dos resultados aparece como uma saída para aumentar os índices e, assim, garantir o recebimentos dos incentivos simbólicos e financeiros.  Simbólicos porque professores e gestores tendem a querer ficar no topo do ranking, porque ficar no final ou cair no ranking é sinal de fracasso.

A avaliação também carrega essa especificidade: ela atua sobre a autoestima, sobre as representações que as pessoas (no nosso caso, as escolas) fazem dela mesmo e vai se solidificando ao longo do tempo, fazendo com que esta ou aquela escola seja considerada ‘fraca/de baixa qualidade’ ou ‘forte’, de acordo com o que o ranking diz sobre ela.

No caso de Pernambuco, a política de avaliação/bonificação classifica as escolas, através do ranking divulgado amplamente na mídia, expondo dados que revelam as escolas as que conseguiram atingir as metas e as que fracassaram, o que as levam a serem classificadas como melhores e piores. E aí as piores são as que não  irão receber a remuneração por desempenho (BDE). Tais estratégias vão revelando uma política que responsabiliza a escola e seus professores pelos resultados dos estudantes, e, além disso, reforça uma postura social meritocrática, cujo discurso liberal, repousa sobre as individualidades sem considerar os contextos sociais em que as escolas estão inseridas.

Um segundo componente que fortemente se destaca nos dados coletados diz respeito à Intensificação e Regulação do Trabalho Docente (e da Gestão). Tanto os gestores escolares, quanto os professores são atingidos por essa política, mesmo que de forma diferente, com a intensificação do seu trabalho.

As gestoras entrevistadas relatam aumento e intensificação do trabalho da gestão por conta do monitoramento constante dos resultados do aluno e do trabalho do professor. Ainda temos relatos de aumento do trabalho por falta de pessoal para ajudar na administração da escola. Quando perguntamos sobre como elas fazem para dar conta das metas e das tarefas da gestão, depoimentos aparecem apresentando dados da intensificação e, ao mesmo tempo, revelando um discurso de apoio/concordância com a política.

E é se virando mesmo, “se virando nos trinta”! Não tem secretária, não tem uma bibliotecária... Em 2013 eu não tinha nem o pessoal de limpeza... eu fazia a limpeza também e pagava por fora...” (ENTREVISTA 2).

O trabalho na gestão também vai assumindo novas práticas que vão sendo, aos poucos incorporadas nas práticas sociais desenvolvidas no interior da escola, elas vão tomando status de ‘naturalização’. De forma que, o monitoramente que é feito pela Secretaria de Educação sobre a escola, é praticamente copiado pela gestão escolar e inserido no cotidiano da escola.

O nosso projeto para melhorar foi um sistema de monitoramento interno, baseando muito no monitoramento da secretaria de educação, fizemos um sistema nosso, próprio, uma sistema e monitoramento da escola. (...) Trabalhar X com os meninos e depois corrigia tudo via o que era que os meninos tinha mas dificuldades, retomando naquilo que tinha mais dificuldade e reavaliava novamente um eterno “ir e vir” foi isso que levou agente a alcançar. Foi uma coisa interna que agente fez (ENTREVISTA 5)

E aí você trabalha no âmbito escolar como um todo, né? Porque aí as reuniões de pais são em cima disso também: é para mostrar o resultado. O próprio aluno, né? A gente tem um caderno de acompanhamento, que quando termina a unidade agente recebe o resultado por turma, o aluno que ficou abaixo da média. E aí é mais fácil, já em cima desse resultado você chama o aluno conversa, é realmente uma proposta, né? (ENTREVISTA 4)

Esta semana mesmo, no dia 3 ( três) na terça-feira, teve uma equipe aqui, duas técnicas, foram justamente para acompanhar, por que normalmente eles acompanham, agente só é reconduzido [na gestão da escola] se a gente  tiver dando “conta do recado”, ou seja, prestando conta de tudo que tem que ser de acordo com o plano de intervenção... (...) A gente vive fazendo intervenções toda unidade vai com a analise do perfil, por que no programa integral nós temos uma tabela que a gente preenche todo final de unidade, com a quantidade de aluno abaixo da média. É compromisso, né? (ENTREVISTA 2).

Além disso, é possível identificar formações discursivas próprias do campo empresarial aparecendo nos discursos das gestoras. Como por exemplo, as expressões acima destacadas: plano de intervenção, prestação de contas, metas... (AFONSO, 2005). E a afirmação final: isso é compromisso! Assim como acontece no setor privado, o gestor precisa dar conta do seu recado, que pode ser traduzido em: atingir as metas definidas para aquela escola. Não importando os caminhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento da investigação nos permitiu analisar as concretas ações que a gestão das escolas do estado de Pernambuco vai assumindo e colocando em prática para dar conta das exigências que uma política pautada em metas impõe. É possível visualizar práticas alinhadas ao discurso da política, na medida em que as práticas de gestão escolar vão sendo moldadas para atender à finalidade última da política em ação: o aumento dos índices. Se há aprendizagem efetiva, não se sabe. O que importa é alcançar as metas, permanecer no topo do ranking.

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