A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS: ESTUDO COMPARADO EM UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS
Resumo: O presente estudo objetiva compreender o processo de inserção da educação em direitos humanos na formação de pedagogos nas instituições de educação superior brasileiras. A abordagem qualitativa, o método comparado e a análise documental dos projetos pedagógicos, dos currículos e das ementas das disciplinas dos cursos de Pedagogia subsidiaram o estudo proposto. A pesquisa contemplou cinco universidades, uma por região brasileira, utilizando-se como critério a antiguidade do curso de Pedagogia: UFRJ, UFPR, UFBA, UFPA e UnB. A análise comparada permitiu a identificação de dois tipos de orientação para a inserção da educação em direitos humanos no processo de formação de pedagogos: a perspectiva da diversidade e da diferença humana, organizadas na forma disciplinar e transdisciplinar.
Palavras chaves: Educação em Direitos Humanos; Formação de Professores; Pedagogia.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
Nos últimos anos, o Brasil tem se destacado internacionalmente pela implementação de políticas públicas no campo dos direitos humanos, especialmente da educação em direitos humanos. A mobilização dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada, a atuação de profissionais das universidades envolvidos com a causa dos direitos humanos e a constituição do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH, 2003) foram fundamentais para o avanço das normativas brasileiras nesta área, culminando com a publicação da primeira versão do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos em 2003 (PNEDH, 2007, 3ª.ed), que estrutura-se a partir da apresentação de concepções, princípios, objetivos, diretrizes e linhas de ação que contemplam cinco grandes eixos: educação básica, educação superior, educação não formal, educação dos profissionais dos sistemas de justiça e segurança pública e educação e mídia.
Coerente com o PNEDH (2007), o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH - III (2010, p. 20) afirma a educação e cultura em direitos humanos como eixo estratégico “[...] que se traduz em uma experiência individual e coletiva que atua na formação de uma consciência centrada no respeito ao outro, na tolerância, na solidariedade e no compromisso contra todas as formas de opressão”. Em atendimento à diretriz 19 do PNDH III (2010) e aos seus objetivos estratégicos que preveem a inclusão da temática da educação em direitos humanos nas instituições formadoras de educação básica e superior, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publica a Resolução Nº 1∕2012 que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH). Esta normativa, fundamentada nos marcos legais nacionais e internacionais que garantem o direito de todos/as à educação, à igualdade e à defesa da dignidade humana, reitera o papel das universidades na promoção de atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão para a promoção dos direitos humanos e para o diálogo com os movimentos sociais e segmentos em situação de exclusão.
Em conformidade com a referida orientação do Conselho Nacional de Educação, a educação em direitos humanos deverá ser inserida como componente curricular na educação superior, nas seguintes modalidades: transversal, como conteúdo específico, ou de maneira mista - combinando transversalidade e disciplinaridade. A partir de 2015, as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos incorporam o conjunto dos requisitos legais e normativos obrigatórios no processo de avaliação dos cursos de graduação no âmbito do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), desenvolvido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
Portanto, cabe às instituições de educação superior repensar seu papel e direcionar a ação formativa para o estabelecimento de uma cultura que reforce os direitos humanos na sociedade, em busca da transformação social e da redução de todas as formas de desigualdade.
Nesse sentido, emerge a articulação necessária entre os processos de formação inicial dos pedagogos e a educação em direitos humanos, a fim de contribuir para a construção de uma prática docente qualificada e para uma formação profissional atenta às especificidades dos sujeitos de direito. A complexidade do cenário educacional atual, no que se refere às aprendizagens escolares e à qualidade da educação oferecida na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, evidencia a necessidade de ampliar estudos em profundidade sobre as estruturas institucionais que abrigam a formação inicial de professores, compreendendo seus processos de gestão, currículos e conteúdos formativos (GATTI, 2010; GATTI, BARRETTO e ANDRÉ, 2011).
Diante desse contexto, emerge investigar de que forma as instituições de educação superior estão contemplando a educação em direitos humanos como princípio formativo nos cursos de Pedagogia. A partir da publicação da Resolução CNE/CP Nº1/2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, a formação do pedagogo volta-se para a docência e atuação na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, nos cursos de ensino médio, na modalidade normal, e em cursos de educação profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. A atuação profissional do pedagogo consiste, portanto, em ação educativa intencional, construída na relação social permeada pela diversidade e pela diferença humana.
Considerando-se o contexto social atual, as questões éticas, a violência, a exclusão social, dentre outros fatores que influenciam diretamente na desigualdade social, a inserção da educação em direitos humanos na formação de pedagogos pode possibilitar a adoção de novas posturas profissionais, de novas formas de mediar o conhecimento e de tornar o processo de ensino e de aprendizagem cada vez mais conectado com a busca constante pela emancipação do ser humano.
SOBRE A PESQUISA
A abordagem qualitativa subsidiou o estudo proposto e o método dos estudos comparados (cf. KAZAMIAS, 2012; NOVOA, 2009) foi utilizado na perspectiva do conhecimento e da análise dos cursos de formação inicial em Pedagogia nas universidades brasileiras, no que se refere à educação em direitos humanos. Nessa perspectiva, a análise documental dos projetos pedagógicos, dos currículos e das ementas das disciplinas ministradas nos cursos de Pedagogia permitiram identificar de que forma a educação em direitos humanos está sendo contemplada nos processos formativos dos profissionais que atuarão na escolarização básica e inicial dos estudantes.
Para o estudo empírico foram selecionadas cinco universidades públicas, uma por região brasileira, que ofertam cursos de Pedagogia. Utilizou-se como critério para a escolha das instituições a serem pesquisadas a antiguidade dos cursos, considerando como referência a data de início de funcionamento dos cursos (cf. dados disponíveis no site http://emec.mec.gov.br/). O corpus da pesquisa é composto pelas seguintes instituições e seus respectivos cursos de Pedagogia: Região Sudeste - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – início de funcionamento do curso em 11/04/1931; Região Sul - Universidade Federal do Paraná (UFPR) - início de funcionamento do curso em 01/01/1938; Região Nordeste - Universidade Federal da Bahia (UFBA) - início de funcionamento do curso em 05/03/1941; Região Norte - Universidade Federal do Pará (UFPA) - início de funcionamento do curso em 01/03/1950; Região Centro-Oeste - Universidade de Brasília (UnB) - início de funcionamento do curso em 01/03/1962. Importante destacar que na Região Centro-Oeste o primeiro curso de Pedagogia teve início em 22/05/1952, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC GO). A referida instituição não compõe a amostra deste estudo, pois não foram localizados o projeto pedagógico do curso e as ementas das disciplinas no site institucional. Justifica-se, portanto, a realização do estudo contemplando cinco instituições de educação superior públicas que apresentam tradição de mais de cinquenta anos na oferta de cursos de Pedagogia no Brasil e certamente impactam na formação de recursos humanos nos sistemas de ensino.
CONTEXTUALIZAÇÃO DOS CURSOS DE PEDAGOGIA PESQUISADOS
O curso de Pedagogia da UFPR é oriundo do processo de criação do Setor de Educação da referida universidade no ano de 1938. O objetivo do curso é oferecer uma sólida formação teórica para que os futuros profissionais possam pesquisar e compreender o fenômeno educacional e seus determinantes históricos, culturais, sociais e políticos, criando condições para a sua inserção na formulação de ações educativas (PPC Pedagogia da UFPR, 2007). A Pedagogia da UFPR prevê a formação para o exercício integrado e indissociável da docência, da gestão dos processos educativos escolares e não escolares, da produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional. A estrutura curricular do curso de Pedagogia está organizada em 3 contextos: Contexto histórico e sociocultural, Contexto da educação básica e Contexto do exercício profissional: saber acadêmico, pesquisa e prática educativa. O curso contempla uma carga horária total de 3.200 horas, sendo 2.370 de disciplinas obrigatórias, além das 420 horas de Estágio, 300 horas de disciplinas optativas (67 disciplinas) e 110 horas de Atividades Formativas.
Instituído em 28 de outubro de 1954, o curso de Pedagogia da UFPA tem como objetivo geral formar o licenciado para atuar, com compromisso ético e competência técnica e política, na docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e como pesquisador e gestor dos processos pedagógicos em espaços escolares ou não escolares (PPC de Pedagogia UFPA, 2011). O curso se organiza a partir de um núcleo básico, um núcleo de conteúdos específicos e um núcleo eletivo, constituídos de disciplinas, seminários, estágios, monitoria, participação em eventos da área educacional, projetos de ensino, pesquisa e extensão, além de outras atividades admitidas e validadas pelo Colegiado do Curso. A organização curricular ocorre em 03 eixos: o Núcleo de Estudos Básicos (2.400 horas), o Núcleo de Aprofundamento e Diversidade de Estudos (660 horas) e o Núcleo de Estudos Integradores (200 horas), totalizando uma carga horária de 3.260 horas.
O curso de Pedagogia da UFBA foi criado em 1941, e de acordo com seu Projeto Pedagógico (PCC da Pedagogia da UFBA, 2012), busca ofertar em nível de graduação uma sólida fundamentação teórica no campo educacional, o desenvolvimento de habilidades relacionadas com a investigação científica, a profissionalização competente e atualizada, e a formação de um profissional capaz de desempenhar funções de docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, bem como nas ações de planejamento, gestão, coordenação pedagógica, assessoramento, pesquisa, inspeção, avaliação em redes escolares, unidades escolares públicas e privadas, empresas, programas, projetos e quaisquer outras instituições ou situações onde se realizem atividades de ensino-aprendizagem. A integralização do curso diurno é de no mínimo 08 semestres letivos, e do noturno o mínimo de 10 semestres. A carga horária total do curso é de 3.313 horas, assim distribuídas: 33 disciplinas obrigatórias, 08 disciplinas optativas, Atividades Complementares, Estágio Supervisionado composto por quatro componentes curriculares desenvolvidos em instituições escolares e não escolares e Trabalho de Conclusão de Curso, previsto para o último semestre.
O curso de Pedagogia da UnB inicia sua trajetória no ano de 1962, vinculado à Faculdade de Educação. O projeto pedagógico do curso destaca quatro objetivos do que norteiam sua existência e atividades, são eles: formar profissionais capazes de articular o fazer e o pensar pedagógicos para intervir nos mais diversos contextos socioculturais e organizacionais que requeiram sua competência; formar profissionais conscientes de sua historicidade e comprometidos com os anseios de outros sujeitos, individuais e coletivos, socialmente referenciados para formular, acompanhar e orientar seus projetos educativos; preparar educadores capazes de planejar e realizar ações e investigações que os levem a compreender a evolução dos processos cognitivos, emocionais e sociais considerando as diferenças individuais e grupais; e por fim, formar profissionais comprometidos com seu processo de autoeducação e de formação continuada. O período mínimo para a integralização do curso é de oito semestres, totalizando a carga horária de 3.210 horas distribuídas entre disciplinas obrigatórias, disciplinas optativas, atividades extracurriculares e estágio supervisionado.
O curso de Pedagogia da UFRJ inicia suas atividades em 1939 e tem como objetivo a formação de pedagogo/docente para exercer funções de magistério e de gestão na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio - modalidade Normal, na Educação de Jovens e Adultos e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos, formando profissionais capazes de conhecer, analisar e discutir o campo teórico-investigativo da educação, dos processos de ensino-aprendizagem e do trabalho pedagógico que se realiza em diferentes âmbitos da sociedade (PPC de Pedagogia da UFRJ, 2014). As atividades curriculares são desenvolvidas a partir de três núcleos estruturantes: Núcleo de estudos básicos, Núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos e Núcleo de estudos integradores. O curso tem a duração de 3.435 horas de efetivo trabalho acadêmico, distribuídas da seguinte forma: 2.280 horas distribuídas em 39 disciplinas obrigatórias; 135 horas oferecidas por, no mínimo, três disciplinas complementares de escolha condicionada; 90 horas oferecidas por, no mínimo, duas disciplinas complementares de livre escolha; 800 horas de Prática de Ensino e Estágio Supervisionado; 100 horas de Atividades Complementares e 30 horas de Orientação de Monografia.
A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NA FORMAÇÃO DE PEDAGOGOS
O panorama da inserção da educação em direitos humanos na formação de pedagogos nas universidades brasileiras pesquisadas foi elaborado a partir da análise das ementas das disciplinas disponíveis nos sites institucionais e dos projetos políticos pedagógicos dos cursos de Pedagogia. Para a seleção das disciplinas utilizou-se como referência a definição de educação em direitos humanos que consta no PNEDH (2007, p.17):
A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões: a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; c) formação de uma consciência cidadã capaz de fazer presente em níveis cognitivo, social, étnico e político; d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações.
Ressalta-se que as disciplinas foram selecionadas levando-se em consideração o conteúdo apresentado nas ementas. As pesquisadoras reconhecem que outras disciplinas ofertadas nos cursos de Pedagogia possam contemplar a educação em direitos humanos de forma transversal mesmo sem a indicação desta perspectiva nas ementas.
Na análise do currículo do curso de Pedagogia da UFPR foram identificadas 11 disciplinas que contemplam a educação em direitos humanos. Três disciplinas são obrigatórias: Fundamentos da Educação Especial (60h), O Trabalho Pedagógico em Espaços Não Escolares (90h) e Comunicação em Língua Brasileira de Sinais – Libras (60h). Nas disciplinas obrigatórias predomina o trabalho na área da educação especial e inclusiva e seus aspectos históricos, normativos e as formas de atendimento. Por sua vez a disciplina O Trabalho Pedagógico em Espaços Não Escolares contém em sua ementa os fundamentos epistemológicos da Pedagogia e os processos educativos não escolares voltados aos movimentos sociais, setor produtivo, organizações populares e entidades da sociedade civil. No que se referem às disciplinas optativas que tratam de temas de EDH, destacam-se: Educação, Gênero e Sexualidade (60h), Educação e Relações Raciais (60h), Métodos e técnicas educacionais de prevenção de Drogas (45h), O preconceito e as práticas escolares (60h), Infância e Educação Infantil (60h), Direitos da Criança e do Adolescente (60h), Educação e Movimentos Sociais (30h) e Educação Popular (30h). Pode-se verificar que a UFPR trabalha com a educação em direitos humanos na perspectiva disciplinar (com disciplinas específicas sobre temas de EDH) e transdisciplinar. A análise das disciplinas selecionadas evidencia a educação popular como uma característica marcante no curso de Pedagogia da UFPR. Destacam-se como inovadoras as disciplinas Métodos e técnicas educacionais de prevenção de Drogas e O preconceito e as práticas escolares, temas intrinsecamente relacionados à realidade escolar e que representam desafios aos docentes no cotidiano de sua atuação profissional.
No contexto do curso de Pedagogia da UFPA, foram identificadas sete disciplinas que contemplam a EDH, sendo seis obrigatórias - História da África e dos afrodescendentes do Brasil (60h), Teoria do currículo (60h), Libras (60h), Fundamentos da educação especial e educação inclusiva (60h), Educação do campo (60h), Pesquisa e prática pedagógica II (Instituições Públicas e Organizações Sociais) (60h); e uma disciplina optativa, intitulada Gênero e Educação (60h). Importante evidenciar que, no contexto da formação do pedagogo na UFPA, as disciplinas que trabalham com temas de educação em direitos humanos integram o currículo obrigatório. Três aspectos chamaram atenção nas disciplinas analisadas: 1) o destaque à formação na área da educação especial e inclusiva; 2) o processo formativo demarcado pelas questões do multiculturalismo, identidade cultural e principalmente pela história da África e dos afrodescendentes no Brasil; 3) a abordagem da disciplina Teoria do Currículo, estruturada na perspectiva das relações étnico-raciais.
O curso de Pedagogia da UFBA apresenta doze disciplinas voltadas à EDH, sendo duas obrigatórias e dez optativas. As disciplinas Educação de pessoas com necessidades educativas especiais (68h) e Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (68h) são obrigatórias para a formação no pedagogo. Dentre as disciplinas optativas foram destacadas: Sexualidade e Educação (68h), Educação e Identidade Cultural (60h), Educação do Deficiente Mental (68h), Educação de Surdos (s/ch), Ética e Educação (s/ch), Cultura Brasileira (s/ch), História da África (68h), Antropologia do Negro no Brasil (s/ch), Introdução aos Estudos de Gênero (s/ch) e Sexualidade, Subjetividade e Cultura (s/ch). Verifica-se que a obrigatoriedade nos estudos de EDH na UFBA está centrada nas disciplinas voltadas à educação especial, que também possui destaque nas disciplinas optativas. As temáticas de sexualidade, relações étnico-raciais e gênero também são expressivas no conjunto das disciplinas optativas.
A análise do curso de Pedagogia da UnB evidenciou onze disciplinas que tratam da educação em direitos humanos. Antropologia e educação (60h), Aprendizagem e Desenvolvimento do PNEE (60h), Educando com Necessidades Educacionais Especiais (60h) e Escolarização de Surdos são disciplinas obrigatórias. Ensino de História, Identidade e Cidadania (60h), Educação Multicultural na Contemporaneidade (60h), Avaliação Educacional do Portador de Necessidades Educacionais Especiais (60h), Direito educacional (60h), Educação das Relações Étnico-Raciais (60h), Introdução a educação especial (60h) e Mulher, cultura e sociedade (60h) são disciplinas optativas. Novamente os temas relacionados ao processo de ensino e aprendizagem de estudantes da educação especial são contemplados como estudos obrigatórios. Destaca-se a disciplina de Antropologia e educação que em sua ementa contempla aspectos teóricos do discurso antropológico sobre o “outro”, discutindo as perspectivas da complexidade e da transdisciplinaridade. Dentre as disciplinas optativas se evidenciam temas relacionados à educação especial, cultura, identidade, cidadania, relações étnico-raciais e Mulher, cultura e educação que discute a experiência social feminina.
Por fim, o curso de Pedagogia da UFRJ apresenta o total de dezesseis disciplinas que trabalham com temas de educação em direitos humanos. Deste quantitativo, três disciplinas são obrigatórias: Fundamentos da Educação Especial (60h), Educação Popular e Movimentos Sociais (60h) e Educação e comunicação – Libras (60h). Currículo e Cultura (30h), Inclusão em Educação (45h), Educação e Gênero (45h), Educação e Etnia (45h), Colonialismo, Educação e a Pedagogia da Revolução (45), Intelectuais Negras (45h), Multiculturalismo e Educação (45h), Questões Éticas em Educação (45h), Teoria dos Direitos Fundamentais (60h), Fundamentos dos Direitos Humanos (60h), Fundamentos das Políticas Públicas de Direitos Humanos (60h), Tópicos Especiais de Políticas Públicas de Direitos Humanos I (60h) e Tópicos Especiais de Políticas Públicas de Direitos Humanos II (60h) foram identificadas como disciplinas optativas do curso de Pedagogia da UFRJ que trabalham com EDH em seus conteúdos. Merece destaque a diversidade de temas de EDH contemplados no currículo da Pedagogia da UFRJ: educação especial e inclusiva, educação popular, movimentos sociais, multiculturalismo, gênero e relações étnico-raciais. O estudo de temas relacionados ao colonialismo e suas repercussões na educação e o conhecimento da histórica, práticas e nuances do feminismo negro no Brasil e na América Latina são temas inovadores tratados no âmbito da formação do pedagogo. Outro aspecto que deve ser mencionado é a oferta de cinco disciplinas específicas sobre teorias, fundamentos e políticas públicas de direitos humanos.
No horizonte da formação de pedagogos, Dias (2010) propõe que a formação de professores deve considerar tanto os conteúdos curriculares disciplinares, quanto os conteúdos necessários à construção do ser, do saber e do fazer dos docentes, tendo em vista a promoção de processos emancipatórios comprometidos com a ruptura dos modelos de sociedade e de educação excludentes. A educação em direitos humanos pode ser entendida como uma dimensão educativa capaz de atribuir significados práticos a uma vivência baseada na pluralidade de modos de vida e no respeito à diversidade (DIAS e PORTO, 2010). Portanto, a inserção da educação em direitos na formação de pedagogos não pode ser reduzida a um conjunto de técnicas voltadas ao ensino de como os pedagogos poderão lidar com as questões de diversidade e com as diferenças de seus alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: ANÁLISE COMPARADA DOS CURSOS DE PEDAGOGIA
A análise dos currículos das cinco universidades pesquisadas demonstrou que a educação em direitos humanos está sendo contemplada na formação de pedagogos por meio da oferta de disciplinas obrigatórias e optativas. No que se refere aos componentes curriculares obrigatórios, predomina a oferta de disciplinas relacionadas à educação especial, tratadas na perspectiva do estudo de seus fundamentos e aspectos políticos, e da Língua Brasileira de Sinas (LIBRAS). Este aspecto pode ser justificado pelo avanço dos marcos legais brasileiros Entre outros marcos legais publicados, destaca-se a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (MEC, 2008), o Decreto nº 6.949/2009 que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo, e a Resolução CNE/CEB nº 4/2009 que institui as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. que orientam a organização de sistemas educacionais inclusivos e que consideram a formação de professores como ação estratégica para a promoção da inclusão escolar de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Importante ressaltar que a oferta da disciplina de Libras é obrigatória nas instituições de educação superior brasileiras (cf. Decreto nº 5.626/2005), bem como a promoção de condições de acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida (cf. NBR 9050/2004, Lei nº 10.098/2000, Decreto nº 5.296/2004 e Decreto nº 6.949/2004). Tais aspectos incluem os requisitos legais e normativos obrigatórios no processo de avaliação dos cursos de graduação presencial e a distância, segundo instrumento elaborado pelo INEP, conforme referenciado anteriormente.
O contexto das disciplinas optativas dos cursos estudados foi demarcado, predominantemente, pelas temáticas de cultura e multiculturalismo, relações étnico-raciais, movimentos sociais e educação popular, gênero e sexualidade. As ementas destas disciplinas apresentam aspectos regionais inerentes aos contextos de formação social e política ao qual se inserem as universidades estudadas. Pode-se inferir que a crescente mobilização dos movimentos sociais na luta por direitos, especialmente de mulheres, negros e negras, e indígenas, repercutem na formulação dos currículos para formação de pedagogos. Ademais, destaca-se a publicação da Lei nº 10.639/2003, que determina a inclusão nos currículos da temática História e Cultura Afro-brasileira.
Tratando-se da organização curricular dos cursos de Pedagogia estudados, pode-se afirmar que as disciplinas obrigatórias focalizam a área da educação especial/inclusiva, enquanto que os demais temas de diversidade são tratados na forma de disciplinas optativas. O curso de Pedagogia que difere neste aspecto é o da UFPA, cujas disciplinas relacionadas à EDH são obrigatórias. Observa-se, ainda, que a positivação de direitos traduzidos na publicação de marcos legais, induziram a inserção de determinadas temáticas nos currículos de formação de pedagogos e nas políticas de avaliação da educação superior.
O estudo realizado permitiu verificar também a predominância da inserção da educação em direitos humanos nos currículos de Pedagogia na perspectiva transdisciplinar e disciplinar. Apesar de prevalecer a oferta de disciplinas voltadas às temáticas específicas de EDH, vale mencionar a iniciativa das instituições que ofertam disciplinas que trabalham a perspectiva da integralidade e da indissociabilidade dos direitos humanos, a exemplo da UFRJ que oferta as disciplinas Teoria dos Direitos Fundamentais, Fundamentos dos Direitos Humanos, Fundamentos das Políticas Públicas de Direitos Humanos, Tópicos Especiais em Políticas Públicas de Direitos Humanos I e Tópicos Especiais em Políticas Públicas de Direitos Humanos II.
A análise comparada entre os cursos de Pedagogia permitiu a identificação de dois tipos de orientação para a inserção da educação em direitos humanos no processo de formação de pedagogos: a perspectiva da diversidade e a perspectiva da diferença humana. O modelo de orientação na perspectiva da diversidade pode ser caracterizado pela afirmação de características especificas que constituem elementos comuns identitários de um determinado grupo (mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência, dentre outros). Por vez o modelo de orientação relativo à diferença humana considera a identidade em sua dimensão complexa, resultante dos confrontos e convívios com as diferenças, produzida no contexto das relações culturais e sociais. Para Silva (2000, p. 73):
É particularmente problemática, nessas perspectivas, a ideia de diversidade. Parece difícil que uma perspectiva que se limita a proclamar a existência da diversidade possa servir de base para uma pedagogia que coloque no seu centro a crítica política da identidade e da diferença. Na perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade tendem a ser naturalizadas, cristalizadas, essencializadas.
A pesquisa realizada confirma a inserção da educação em direitos humanos como princípio formativo nos cursos de Pedagogia, entretanto alerta para a necessidade de contemplar os estudos sobre diferenças e identidades em perspectiva crítica, a fim de que os professores possam reconhecer as especificidades de todos os sujeitos de direito da educação e contribuir para a sua formação cidadã-emancipatória. A educação em direitos humanos, para além de constituir-se como um dos eixos fundamentais do direito à educação, apresenta-se como ação necessária para a formação humana, fundamental para o exercício da cidadania e para a proteção e promoção dos demais direitos humanos.
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