PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA SOBRE A REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL E SUA ARTICULAÇÃO COM O SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Resumo: O objetivo deste artigo é analisar de que forma professores que atuam na educação básica percebem as ações da Rede de Proteção Social e sua articulação com o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGD). Pretende-se explanar sobre o direito à educação, caracterizando a especificidade do trabalho docente na educação básica à luz de documentos legais e referenciais teóricos. Além disso, a temática delimitada desvela o papel da Rede de Proteção Social no âmbito da Doutrina da Proteção Integral, preconizada pela Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente. Apresenta a dinâmica de atuação da rede de proteção em três macrorregiões do município de São José dos Pinhais, Estado do Paraná.

Palavras-chave: Rede de Proteção Social; Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente; Direito à Educação.


INTRODUÇÃO

A organização do trabalho em redes de proteção social tem ganhado espaço na configuração das políticas na esfera nacional, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Reconhecida como Constituição Cidadã e inspirada na Declaração Universal do Direitos Humanos (1948), apresenta os fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania e a dignidade da pessoa humana.

Na sequência, a Lei nº 8.069/1990, a qual dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), reafirma os princípios constitucionais e preconiza que a doutrina da proteção integral seja efetivada por meio de ações conjuntas, envolvendo o poder público e a sociedade civil organizada.

A temática delimitada neste estudo considera os avanços de ordem jurídica e normativa do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, todavia problematiza a relação com a prática no âmbito da educação básica, sob o olhar de professores que atuam com o público juvenil.

Este artigo apresenta a dinâmica de atuação da Rede de Proteção Social em três macrorregiões do município de São José dos Pinhais, Estado do Paraná. Também realiza análise das percepções dos professores em interface com os registros de atuação das redes de proteção dos territórios mapeados, indicando singularidades.

1 DIREITO À EDUCAÇÃO E ESPECIFICIDADE DO TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO BÁSICA

O direito à educação integra o conjunto dos direitos sociais, conforme preconiza o artigo 6º da Constituição Federal de 1988. Segundo o procurador de justiça Konzen (1995), a Lei Magna da nação brasileira foi inovadora, pois promoveu a educação de um caráter simplesmente declaratório à condição de direito público, subjetivo e indisponível. Aprofundando este conceito, Duarte coloca que “[...] o direito público subjetivo configura-se como um instrumento jurídico de controle da atuação do poder estatal, pois permite ao seu titular constranger judicialmente o Estado a executar o que deve.” (2004, p. 113). O texto constitucional autoriza o poder judiciário a exigir a garantia do direito em caso de ausência ou oferta irregular das políticas públicas de educação. 

No que pertine ao ensino obrigatório que é direito constitucional, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação em seu artigo 22, avança ao declarar que a educação básica visa desenvolver o educando e também assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania.

De acordo com a Resolução nº 04/2010 do CNE/CEB, que estabelece as Diretrizes Curriculares Gerais da Educação Básica, a concepção de educação assumida pela política nacional é do “direito universal e alicerce indispensável para o exercício da cidadania em plenitude” (CNE, Resolução nº 04/2010). Tem como objetivo assegurar a formação básica comum nacional com foco no sujeito em sua totalidade.

As diretrizes reforçam os princípios constitucionais e legais da cidadania, dignidade da pessoa, igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, justiça social e solidariedade como base de sustentação ao projeto nacional de educação. Destacam ainda “a relevância de um projeto político-pedagógico concebido e assumido colegiadamente pela comunidade educacional, respeitadas as múltiplas diversidades e a pluralidade cultural” (CNE, Resolução nº 04/2010, art. 10 § 1º inciso II).

Esse documento expressa importantes mudanças do contexto educacional brasileiro pós década de 1990, as quais se refletem na organização do trabalho pedagógico escolar. Assim sendo, a especificidade do trabalho docente na educação básica avança para uma concepção humano-social do sujeito que aprende e se desenvolve.

Nessa perspectiva, o percurso formativo, conforme recomendado nas Diretrizes, requer ações intersetoriais e de parceria que ultrapassa os muros da escola, o que deixa evidente a importância do trabalho articulado em rede. Portanto é primordial a “realização de parceria com órgãos, tais como os de assistência social e desenvolvimento humano, cidadania, ciência e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, saúde e meio ambiente” (CNE, Resolução nº 04/2010, art. 9º, inciso IV; grifo meu).

Mais tarde em 2012, as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos no Art. 2º coloca que:

A Educação em Direitos Humanos, um dos eixos fundamentais do direito à educação, refere-se ao uso de concepções e práticas educativas fundadas nos Direitos Humanos e em seus processos de promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana e cidadã de sujeitos de direitos e de responsabilidades individuais e coletivas. (grifo meu).

Em face das prerrogativas legais que avançam ao declarar a educação como direito humano e social, Candau (2012, p.117) problematiza ao expor que: 

(...) cresce a convicção de que não basta construir um arcabouço jurídico cada vez mais amplo em relação aos direitos humanos. Se eles não forem internalizados no imaginário social, nas mentalidades individuais e coletivas, de modo sistemático e consistente, não construiremos uma cultura dos direitos humanos na nossa sociedade. E, neste horizonte, os processos educacionais são fundamentais.

Os professores são continuamente desafiados a ultrapassar os limites cartesianos da tradicional formação disciplinar. Trata-se de uma árdua tarefa de ruptura com a lógica da desarticulação institucional, da frágil participação da família, do Estado e da sociedade na elaboração do projeto político-pedagógico. Nesse ponto, justifica-se a importância do trabalho articulado, intersetorial em rede para a garantia do direito à educação.

2 O PAPEL DA REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL COMO ARTICULADORA DO SISTEMA DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

A doutrina de proteção integral apresentada no Estatuto da Criança e do Adolescente requer a construção de uma política legitimada pela interface e articulação de muitos atores sociais. Segundo um dos redatores do ECA, o consultor Edson Sêda (1995, p. 44):

O novo Direito da Criança e do Adolescente se baseia na Doutrina da Proteção Integral, convencionada pelos povos nas Nações Unidas. Ela trata do exercício da autoridade e da liberdade, de direitos e deveres de todos (integral): de pais, filhos, cidadãos em geral e servidores públicos (sejam estes legisladores, executivos, conselheiros ou juízes) (grifo meu).

Ao conceber a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, a Constituição Federal (1988), a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) convocam a família, a comunidade, a sociedade e o Poder Público a garantir os direitos fundamentais com absoluta prioridade. “A defesa dos direitos fundamentais assegurados a criança e adolescente não é tarefa de apenas um órgão, ou entidade, mas deve ocorrer a partir de uma ação conjunta e articulada entre família, sociedade, comunidade e poder público” (DIGIÁCOMO, 2011, p. 18; grifo meu). Essa ação articulada entre políticas intersetoriais se reflete nos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito, que vislumbra na democracia um convite à participação mais efetiva da sociedade.

É nesse contexto social e democrático de busca pela ruptura com modelos hierárquicos, centralizadores e compartimentalizados que convém apresentar o conceito de rede. “Por definição, uma rede não tem centro, e, ainda que alguns nós possam ser mais importantes que outros todos, dependem dos demais na medida em que estão na rede” (CASTELLS, 1998, apud GONÇALVES; GUARÁ, 2010).

Ao transitar para o conceito de rede na perspectiva de trabalho integrado e intersetorial, a Política Nacional de Assistência Social (2004) estabelece como um dos princípios a “integração às políticas sociais e econômicas” (BRASIL/PNAS, 2004), por meio de ações intersetoriais e integração territorial para garantia de direitos da população, visando reduzir vulnerabilidades e riscos.

O texto intitulado Fontes sobre a Infância (2012, p. 46) assevera que com a implementação do estatuto houveram mudanças no sistema destinado ao atendimento da criança e do adolescente. Se reorganizou a arquitetura da política de atendimento de acordo com os princípios constitucionais.

É importante explicitar que o artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) não utiliza o termo rede, mas refere-se ao trabalho articulado das políticas de atendimento, ou seja, “a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (BRASIL, Lei nº 8.069/ 1990, art. 86; grifo meu).

Aprofundando o dispositivo legal, Digiácomo (2011, p. 4) explica que a Rede de Proteção:

é um conjunto articulado de ações, serviços, e programas de atendimento executadas pelos órgãos e entidades que integram o “sistema de garantias dos direitos da criança e do adolescente” destinados à proteção integral infanto-juvenil. (...) pressupõe a atuação dos diversos componentes do “sistema de garantias” de forma articulada, ordenada e integrada, (...) evitando assim a omissão ou a superposição de ações.

Esse conceito estabelece uma importante relação entre Rede de Proteção Social e Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGD). A Resolução nº. 113 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), no artigo 1º, esclarece que:

O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e não governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal. (grifo meu).

Nessa perspectiva, a rede de proteção social tem o importante papel de articular a organização do referido sistema, ou seja, é um mecanismo de ação intersetorial.

3 DINÂMICA DA REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL EM DIFERENTES TERRITÓRIOS DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS PINHAIS

No escopo desta pesquisa, é relevante apresentar a dinâmica do trabalho realizada pelas redes de proteção em três diferentes territórios, abrangendo cerca de 181 bairros ou vila Conforme referenciamento dos territórios do município, atualizado em 2011, em adequação à Portaria nº 02 de 25 de novembro de 2008 da Secretaria Municipal de Assistência Social.do município de São José dos Pinhais.

Os dados foram coletados por meio de estudo dos registros de ata e fichas de frequência das reuniões. Tais documentos marcam a história de cada uma das redes pesquisadas, por isso foram analisados com muito critério a partir de algumas categorias específicas de análise, ou seja: período da pesquisa (2011 a 2013), número de reuniões realizadas, nível de participação, dinâmica e conteúdo tratado.

Optou-se pela não identificação de locais, nomes de participantes ou instituições. As redes serão tratadas como: Rede A, Rede B e Rede C conforme alguns dados apresentados na tabela a seguir:

TABELA 1 - DINÂMICA DAS REDES DE PROTEÇÃO SOCIAL: SÃO JOSÉ DOS PINHAIS – 2011/ 2013

Identificação da rede

Período da pesquisa

Nº de reuniões

Instâncias com maior vínculo de participação

% de participação

REDE A

2 anos e 9 meses de:

10/03/2011
a
12/12/2013

33 reuniões

Três Centros Municipais de Educação Infantil
Onze Escolas Municipais
Quatro Escolas Estaduais
Seis Unidades de Saúde
Três Centros de Referência de Assistência Social
Um Conselho Tutelar

39%
48%
27%
51%
100%

16%

REDE B

2 anos e 6 meses de:

11/05/2011
a
25/11/2013

23 reuniões

Sete Centros Municipais de Educação Infantil
Nove Escolas Municipais
Quatro Escolas Estaduais
Uma Unidade de Saúde
Dois Centros de Referência de Assistência Social
Um Conselho Tutelar
Poder Executivo: Secretaria Municipal de Assistência Social, Educação, Indústria e Comércio, Turismo e Subprefeitura do bairro.

35%
59%
36%
42 %
100%

71%
27%

REDE C

1 anos e 6 meses de:

27/06/2012
a
10/12/2013

15 reuniões

Seis Centros Municipais de Educação Infantil
Oito Escolas Municipais
Três Escolas Estaduais
Cinco Unidades de Saúde
Um Centro de Referência de Assistência Social
Dois Conselhos Tutelares

50%
49%
33%
47 %
100%

41%

A “Rede A”, atua no território desde 10/03/2011, abrange área urbana e rural com cerca de 64 bairros e vilas situados na região sul, sudeste e sudoeste da cidade. Em termos de extensão territorial é a rede mais extensa. De acordo com a tabela verifica-se a predominância de instituições da área da Educação, Saúde e Assistência Social. Nota-se que ocorreram assiduamente reuniões mensais no período pesquisado.

A “Rede B” atua desde 11/05/2011. O território de referência dessa rede abrange de forma predominante área urbana com cerca de 68 bairros e vilas situados entre a região norte e nordeste da cidade. Não é um território tão extenso quanto a Rede A, contudo possui um número maior de habitantes.

A “Rede C” foi criada em 27/06/2012, seu território é predominante área urbana com cerca de 49 bairros e vilas situados em parte da região leste da cidade. Em comparação com as demais redes pesquisadas, é uma das regiões mais populosas, embora não seja tão extensa. Nos registros de ata dessa rede, por demandas do território (elevados índices de violência urbana), percebeu-se a participação de: associações, grupos comunitários, moradores da comunidade, entidades sociais e representantes do poder legislativo.
Estas redes foram criadas em decorrência dos princípios da intersetorialidade e territorialidade instituídos pela Política Nacional de Assistência Social (2004) e pelas normativas nacionais do Sistema Único de Assistência Social (2005). Na sequência, a Resolução nº 109/2009 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) alavancou ações dessa política, visando à garantia de oferta dos serviços por meio de redes de proteção social ou rede socioassistencial.

Considerando o nível de participação e capilaridade das redes pesquisadas, a predominância é de entidades públicas, com especial atuação da tríade: assistência social, saúde e educação. Todavia, percebe-se algumas variáveis como, por exemplo: a presença de vereadores (Rede B e Rede C) ou ainda de organizações não governamentais e moradores do bairro na Rede C. Embora não indicado na tabela, constata-se nas redes a presença de outras instâncias e serviços: Conselho Municipal de Assistência Social, Centro Especializado de Assistência Social (CREAS), Centro de Atendimento Psicossocial (CAPS), Centro de Referência do Adolescente, Casa de Alice (que atende mulheres vítimas de violência doméstica) e Abrigo Municipal de Passagem.

Outro ponto importante a ser destacado refere-se à frágil participação das escolas estaduais, que varia de 27% a 36% de representatividade. Por outro lado, as escolas municipais apresentam uma maior adesão às reuniões, com percentuais que variam entre 48% e 59% e ainda com um número maior de instituições referenciadas à rede. Esse dado será relevante para a análise das percepções dos professores da educação básica que atuam nas escolas estaduais referenciadas a essas redes de proteção.

Quanto à dinâmica de atuação, foi possível identificar que todas as redes pesquisadas discutem assuntos de interesse comum, pertinentes às políticas municipais e serviços locais, socializam informações e fluxos, também buscam o fortalecimento dos serviços do território, apontando limites, demandas e ações realizadas. Na maior parte, os conteúdos abrangem as políticas de saúde, educação e assistência social, a exemplo: descumprimento de condicionalidades do Programa Bolsa Família, fluxos da Ficha de Notificação Obrigatória de Violência Doméstica e Sexual, demandas por vagas nos centros de educação infantil, evasão escolar, violência no bairro, famílias com pessoas em situação de drogadição e alcoolismo, campanhas municipais, entre outros assuntos.

Convém ressaltar uma importante distinção quanto à Rede A, nota-se, em sua trajetória, que construiu uma dinâmica de atuação com o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança do Adolescente (SGD). Seus participantes discutem casos envolvendo famílias, idosos, crianças e adolescentes, acompanham e encaminham aos demais serviços municipais. Esta rede possui fichas de registros individualizados, o que facilita o acompanhamento.

A Rede B, apresenta uma dinâmica em processo de construção referente à possibilidade de discussão de casos, colocando como pauta para o ano seguinte o objetivo de reorganizar a condução das reuniões. Nas atas de registro, constatou-se que quatro casos foram discutidos pelos participantes da rede, com tratativa para receber encaminhamentos somente quando esgotadas as possibilidades dos serviços responsáveis.

A Rede C, diversifica o nível de participação com representantes de serviços governamentais, não governamentais e comunidade, fez a opção por uma dinâmica de atuação voltada para o fortalecimento do território que, na concepção de Guará (2010), visa superar a fragmentação da política socioassistencial, pois sugere a constituição de um trabalho articulado e profícuo que valorize a diversidade, a complexidade e os diferentes serviços ofertados no território.

A exposição do trabalho das redes pesquisadas poderia alavancar uma série de reflexões condizentes com a temática desta pesquisa, entretanto importa também analisar as percepções dos professores acerca da rede de proteção. E cabe questionar: Será que reconhecem o papel da Rede de Proteção Social como articuladora do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente? Pretende-se que esse questionamento seja respondido no item a seguir.

ANÁLISE DAS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES ACERCA DO PAPEL DA REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL

A questão problematizadora deste trabalho indaga de que forma os professores percebem as ações da Rede de Proteção Social e sua articulação com o Sistema de Garantia dos Direitos Criança e do Adolescente. Nesse sentido, pretende-se desvelar a análise das respostas de 58 docentes atuantes na educação básica em 6 escolas da rede pública e estadual de ensino do município de São José dos Pinhais, Paraná.

As instituições de ensino pesquisadas fazem parte dos territórios das redes de proteção já mencionadas e atendem cerca de 6.532 alunos do Ensino Fundamental (6º a 9º ano) e Ensino Médio. Contam com um quadro composto por 346 professores.

Na abordagem teórico-metodológica a entrevista pautou-se em questionário semiestruturado e buscou-se uma aproximação entre o entrevistador e o entrevistado, visando captar as percepções docentes por meio do registro imediato de suas respostas. Como resultado, obteve-se:

Questão 1. Você sabe o que é Rede de Proteção?

Ao sistematizar os dados, constatou-se que 29% responderam que sim, 57% já ouviram falar, ou leram algo relacionado ao assunto, e somente 14% declararam não saber o que é rede de proteção.

Como desdobramento da questão objetiva, os docentes foram novamente indagados: “O que você pode dizer sobre Rede de Proteção?” Neste ponto, foi possível categorizar em análise qualitativa cinco diferentes aspectos observados no conteúdo das respostas As respostas foram transcritas conforme citadas pelos professores (informação verbal), somente com identificação da letra A, B ou C correspondente à rede a que pertence. conforme segue:

A) Respostas que se aproximam do conceito do art. 86 do ECA:

Alguns professores estabeleceram uma relação mais direta com o texto preconizado no ECA, conforme os registros a seguir (informação verbal):

Entendo que a rede seria vários órgãos que visam proteger a criança que sofre abuso. Exemplo: Conselho Tutelar, CRAS, CREAS, Ministério Público, Judiciário. (A).

É, por exemplo, uma relação de instituições onde atua o Conselho Tutelar visando garantir o cumprimento do ECA. Precisa estar relacionado com o CRAS, CREAS, Delegacia com encaminhamentos para casos mais graves de violação. E que atuem de forma interdisciplinar. (C)

É uma tentativa de interligar as informações que garantam o cumprimento dos direitos e deveres das crianças e adolescentes por parte do governo e da sociedade em geral. (B)

Das respostas, destaca-se o posicionamento de uma docente que já atuou na função de Comissária de Menores A função de Comissário de Menores remete ao antigo Código de Menores, chamado de Mello Mattos (1927) e reformulado em 1979 com base na doutrina da Proteção Irregular de concepção assistencialista, institucionalizadora e repressora (Machado, A; Machado, M, 2009, p. 78). (informação verbal):

Em julho de 1990, foi criado o ECA. É uma lei à frente da sociedade. Lei de 1º mundo num país atrasado, então cai no descrédito, pois o poder público não oferta serviços socioeducativos para atender o sistema de proteção. É visível o abuso e a violação de direitos. A mídia mostra isso! (B)

B) Respostas que vinculam o conceito de rede ao de proteção contra risco, violação e maus tratos:

Nesse conjunto de respostas os professores associam o conceito de rede a ações que visam proteger as crianças e os adolescentes de violência, risco, maus tratos e negligência.

Ainda que   as respostas sejam sucintas, observa-se singularidades (informação verbal):

O que é colocado aos professores é que a rede procura ajudar as famílias que estão em situação de risco. (A)

São os órgãos que cuidam das crianças em situação de risco. (A)

É, cuida de casos que envolvem risco ao aluno. Ex: violência. (C)

É algo que tem a ver com crianças e adolescentes para proteger contra abuso e maus tratos. (C)

Seria uma organização ou instituição que atende as necessidades de casos de violências em relação aos alunos: crianças e adolescentes. (C)

C) Respostas que tratam do conceito de rede atrelado a direitos e deveres:

Nessa categoria, evidencia-se certo distanciamento do real conceito apresentado pelo ECA. Ficou bem visível, em várias respostas, a relação entre rede e os direitos e deveres da criança e do adolescente. Alguns professores colocam que a rede de proteção:

São os direitos das crianças. Algo relacionado. Entra a parte do ECA e que são os direitos amparados na lei. (A)

Precisa ser discutido sobre alguns direitos, pois a instituição escolar está em crise. A rede é um conjunto de direitos e deveres para os alunos. (C) 

D) Respostas que estabelecem relação entre Rede de Proteção e Conselho Tutelar:

Essa quarta categoria coloca a centralidade no Conselho Tutelar, porém frágil relação com o Sistema de Garantia dos Direitos. Algumas respostas apresentam incertezas e não explicitam o conceito de rede. Os professores declaram:

É ligado ao Conselho Tutelar e vai desde frequência do aluno até relações familiares, mas não tenho certeza. (A)

Geralmente utiliza-se o Conselho Tutelar com alunos com algum tipo de problema. (B)

Tem a ver com o Conselho Tutelar, que tenta resolver. (C)

E) Respostas frágeis e dispersas:

Essa última categoria apresenta uma certa dispersão conceitual. Algumas respostas estabelecem relação com família, cuidado e proteção, conforme anuncia esta professora: “As pedagogas comentam que a Rede é para proteger crianças e menores e para dar suporte e apoio à família” (A). Outras afirmam que a rede de proteção é uma norma legal, ou seja: “seria um órgão que visa estabelecer regras, normas e leis que, ao serem cumpridas, protegem os menores em situação de risco” (B).

Nessa mesma direção, outro professor responde: “É uma cadeia de leis para o funcionamento dos organismos que operam em favor da criança e adolescente” (B).
Percebem-se ainda respostas muito inconsistentes, que não estabelecem relação com o tema da pesquisa ou abordam opiniões sem contextualização, a exemplo: “A rede é algo que tem teoria, mas poucas práticas” (A).

Outro professor diz: “É questão de estrutura dos colégios estaduais. Falta de segurança externa” (C).

Como desdobramento das respostas qualitativas, os professores também foram interrogados se conhecem a rede de proteção da localidade. A maioria, dizem desconhecer a rede de proteção, bem como onde acontecem as reuniões, periodicidade ou mesmo quem participa.

Questão 2. Já aconteceu alguma situação com criança e/ou adolescente na qual precisou de uma ação mais efetiva de outras instâncias além da escola, como, por exemplo, do Sistema de Garantia dos Direitos: Conselho Tutelar, Ministério Público, Delegacia, Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, CAPS, CRAS, CREAS, Unidade de Saúde, outros?

Essa segunda abordagem, de certa forma, conceitua a relação entre Rede de Proteção Social e Sistema de Garantia dos Direitos (SGD). Na análise, trinta professores disseram já terem precisado recorrer a outras instâncias, os demais, respondem que nunca recorreram ao SGD, ainda que desempenhem há anos função docente. Mediante a negativa, sinalizam que nunca necessitaram de outros serviços porque os casos ou situações foram resolvidos com medida pedagógica ou disciplinar na própria escola.

Quanto aos professores que declaram ter buscado outras instâncias do SGD, desdobra-se um dado relevante para esta pesquisa, pois a maioria diz que a equipe pedagógica da escola conseguiu encaminhar o caso para o SGD, porém não obtiveram retorno dos encaminhamentos.

Esse posicionamento revela a frágil articulação da Rede de Proteção com o SGD, pois os casos (na maioria) não retornam ao conhecimento do professor e isso gera insatisfação e descrédito.

Por outro lado, 28 professores garantem nunca terem encaminhado casos ou situações a instâncias externas à escola. Essa é uma contradição que faz refletir sobre o direito à educação e à formação do educando como sujeito em condição peculiar de desenvolvimento (doutrina da proteção integral), o qual foi um dos pontos apresentados na primeira parte desta pesquisa. Será um sujeito invisível, cujas peculiaridades não são percebidas ou então são resolvidas exclusivamente no espaço da escola? Não cabe responder a essas indagações, mas suscitar dúvidas e inquietudes.

E, para finalizar a análise, na interface das percepções docentes com as redes de proteção dos territórios, a maioria desconhece a forma de atuação dessas redes. Verifica-se um baixo percentual de participação das escolas estaduais nas reuniões de rede. Somente em uma das instituições pesquisadas alguns professores mencionaram conhecer o trabalho da rede de proteção e souberam precisar o local onde acontecem as suas reuniões, periodicidade e representantes da escola que participam dos encontros. “A escola atende diversas localidades, por esse motivo não consegue participar de todas as redes, porém participa da [Rede A] pela miscigenação de alunos advindos de diversos bairros” (A).

Outro professor coloca que “existe um trabalho voltado aos alunos que têm problemas familiares e também na escola. A pedagoga comenta sobre a rede. Veio um grupo da rede na escola fazer uma fala no ano passado e neste ano” (A).

Para o promotor de justiça Machado (2009), a escola que protege tem o dever jurídico em relação às crianças e adolescentes. Ele insiste em dizer que profissionais da educação, saúde e assistência social precisam compreender o universo infanto-juvenil. “A tarefa do educador é ingente e por força de lei desborda em muito o mero fim de repassar uma programação curricular” (in ano, p. 88, grifo do autor).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se, na pesquisa, a compreensão do princípio constitucional do direito à educação o qual permeia as normativas nacionais no âmbito da proteção integral da criança e do adolescente. Fez-se necessário entender a dimensão conceitual do que significa Rede de Proteção Social e Sistema de Garantia dos Direitos, visando à interface com as redes que atuam nos territórios do município.

Na dinâmica dos territórios, a análise dos registros das redes de proteção aponta para a relevância do trabalho interdisciplinar entre as diversas áreas do conhecimento, os diferentes profissionais e serviços ofertados. Também infere que a dinâmica do trabalho pedagógico escolar ainda está limitada aos muros que separam a instituição do seu entorno. Os resultados do estudo desvelam limites que necessitam ser superados. Digiácomo (2014) argumenta que é preciso que o SGD aprenda a trabalhar em rede por meio do compartilhamento de ideias, de trocas e definição de “fluxos e protocolos”. Na “área da educação, é fundamental que professores e educadores em geral tenham consciência de que, de uma forma ou outra, são integrantes do mencionado ‘sistema de garantias/e rede de proteção’.” (DIGIÁCOMO, 2014, p. 5).

Os resultados desse estudo desvelam que a maioria dos professores pesquisados desconhece o papel da Rede de Proteção Social como articuladora do Sistema de Garantia dos Direitos. Com base nessa constatação, sugere-se a necessidade de articulação e fortalecimento das redes por meio de um trabalho sistemático do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgão com a competência de deliberar acerca das políticas municipais de atendimento à infância e adolescência, bem como a fiscalização e controle da execução dessas políticas.

Propõe-se que a Secretaria de Estado da Educação do Paraná, como órgão gestor, invista na capacitação continuada dos professores, tendo como centralidade o direito à educação e à doutrina da proteção integral, abrangendo também: educação em direitos humanos e os princípios da dignidade humana, igualdade de direitos e democracia na educação.

Optar por esse caminho requisitou esforço metódico e sistemático de estudos pela pesquisadora, desde a seleção dos documentos, análise criteriosa dos registros das redes de proteção, escuta atenta dos profissionais da educação, até a escolha de autores e doutrinadores da área do direito que também fizessem interface com o objeto da pesquisa.

Explorar essas dimensões conceituais foi um exercício intelectual de busca pela apropriação do conhecimento fundado nas percepções advindas da prática. Ainda que inconcluso, pois numa perspectiva dialética o saber se configura por movimentos contraditórios de transformação e mudança. Espera-se que os dados apresentados na pesquisa contribuam para mobilizar ações em prol do fortalecimento da Rede de Proteção Social e do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa de 1988. Diário oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, nº 191ª de 05 de outubro de 1988.

______.Emenda Constitucional nº 59 de 11 de novembro de 2009, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc59.htm, acessado em janeiro de 2014

______. Lei nº 8.069/1990 de 13 de julho de 1990 dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Edição.atualizada até a Lei nº 12.010 de 03 de agosto de 2009.

______. Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Nº 248 de 23 de dezembro de 1996.

______. Lei nº. 12.796/2013. De 04/04/2013, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras providências.

______. Ministério da Educação/ Conselho Nacional de Educação. Resolução nº 1, de 30 de maio de 2012. Estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos.

______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social (PNAS):Resolução n°15, de 15 de outubro de 2004, Conselho Nacional de Assistência Social, Brasília: MDS, 2005.

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