A RELAÇÃO ENTRE ESCOLA E CRAS NO ACOMPANHAMENTO DO CUMPRIMENTO DA CONDICIONALIDADE DA EDUCAÇÃO NO ÂMBITO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre Escola e CRAS no acompanhamento do cumprimento da condicionalidade da Educação, no âmbito do Programa Bolsa Família (PBF), da rede pública estadual de ensino de Curitiba, no ano de 2014. O artigo trata sobre o PBF e suas condicionalidades dentro das políticas públicas da educação, saúde e assistência social, além de discutir o Sistema de Informação do Acompanhamento da Frequência Escolar do PBF - Sistema Presença e os principais motivos para a baixa frequência escolar. Conclui-se que o PBF interfere positivamente na frequência escolar dos alunos beneficiários, no entanto a relação entre escola e CRAS ainda se encontra fragilizada.
Palavras-chave: Programa Bolsa Família; Condicionalidade educação; Sistema Presença.
INTRODUÇÃO
O Programa de transferência de renda Bolsa Família (PBF) é destinado às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza e apresenta algumas condicionalidades que envolvem as políticas públicas da saúde, educação e assistência social. Este trabalho tratará das condicionalidades que permeiam a política pública da educação. Os alunos cujas famílias são beneficiárias do PBF precisam ter uma frequência mínima exigida pelo Programa. Para as crianças e adolescentes com idade entre 06 e 15 anos, a frequência exigida é de 85%, enquanto que, os adolescentes de 16 e 17 anos precisam atingir a frequência mínima de 75%. Este acompanhamento é realizado bimestralmente, pelos profissionais da educação, sob responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), com o apoio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
Para que o PBF seja transferido mensalmente às famílias, estas condicionalidades precisam ser cumpridas, funcionando como uma espécie de contrato: de um lado, o poder público – seja na esfera municipal, estadual ou federal – tem o dever de ofertar os serviços, com qualidade. Por outro lado, as famílias devem cumprir os “acordos” acessando estes serviços.
No Estado do Paraná, a responsabilidade pela oferta do Ensino Fundamental (EF) é compartilhada entre os municípios (com os anos iniciais – 1º ao 5º ano) e o Estado (anos finais – 6º ao 9º ano). No município de Curitiba, não há matrículas dos anos iniciais do EF na rede estadual, a responsabilidade pela oferta desta etapa cabe, exclusivamente, ao município. Referente aos anos finais, o Estado é responsável por 91% das matrículas e o município assumiu 8,3%.
De acordo com estatísticas Dados obtidos no site: www.qedu.org.br ; que trata das taxas de rendimento do ano de 2013. Os dados apresentam altos índices de reprovação e evasão escolar, que se acentuam no 6º ano do EF e no 1º ano do Ensino Médio. e com a experiência profissional da primeira autora deste trabalho como pedagoga no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) atuando com famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, acompanhando o trabalho na gestão do benefício PBF, a problemática da baixa frequência escolar é mais acentuada nos anos finais do EF do que nos anos iniciais. Desta forma, esta pesquisa enfatizará os anos finais do EF. Tendo como objetivo, analisar a relação entre escola e CRAS no acompanhamento do cumprimento da condicionalidade da Educação, no âmbito do Programa Bolsa Família (PBF), da rede pública estadual de ensino de Curitiba, no ano de 2014.
Neste sentido, as questões norteadoras que orientaram a pesquisa foram: Quais são os reflexos do PBF na frequência escolar dos alunos cujas famílias são contempladas pelo Programa? Como ocorre a relação entre escola e CRAS para o efetivo cumprimento do direito à educação?
Esta pesquisa analisou os dados da frequência escolar dos alunos cujas famílias são beneficiárias do PBF, por meio de listagem extraída do Sistema de Informação do Acompanhamento da Frequência Escolar do PBF - Sistema Presença A pesquisa integrou o Programa "Educação, Pobreza e Desigualdade Social" na UFPR, financiado pela Secadi, sendo disponibilizados para este trabalho os dados do Sistema Presença pela equipe de pesquisadores da UFPR., de todas as escolas da rede estadual do município de Curitiba, com alunos matriculados nos anos finais – do 6º ao 9º ano – do EF. Além de realizar entrevistas com profissionais de duas escolas e do CRAS.
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E AS CONDICIONALIDADES EM EDUCAÇÃO
O PBF é criado a partir da Lei nº. 10.836, de 09 de janeiro de 2004, e regulamentado pelo Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004. Esta normatização prevê as ações de transferência de renda com condicionalidades e unifica os demais Programas anteriores, como o Bolsa Escola, Cartão Alimentação, Bolsa Alimentação e o Programa Auxílio Gás. O principal objetivo do PBF é reduzir o índice de extrema pobreza no Brasil, por meio do repasse direto do recurso financeiro às famílias nesta situação. O PBF é destinado às famílias em situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 77,00 e famílias em situação de pobreza, com renda per capita de até R$ 154,00.
Quanto aos objetivos do Programa, Pires ressalta que:
O PBF foi implantado pelo governo federal em 2003 com o propósito de enfrentar a pobreza articulando ações em dois períodos temporais. Em curto prazo, a transferência de dinheiro a famílias pobres teria o intuito de aliviar os efeitos imediatos da pobreza, a elas propiciando as condições para aquisição de bens e serviços básicos para a sua subsistência. Em longo prazo, as condicionalidades previstas, notadamente aquelas vinculadas à educação, teriam como propósito enfrentar os mecanismos de reprodução da pobreza (PIRES, 2013, p. 513).
Neste caso, o Programa traria dois impactos às famílias beneficiárias: sanar os efeitos imediatos da pobreza e de sua condição socioeconômica e a médio e longo prazo, fazer com que os membros dessas famílias saiam do que Pires (2013, p. 514) chama de “ciclo intergeracional da pobreza”. Ou seja, garantindo o acesso e a permanência à escola, das crianças e adolescentes de famílias em situação de pobreza e extrema pobreza aumentariam suas chances de uma melhor colocação no mercado de trabalho, futuramente.
Conforme a página eletrônica do MDS, “as condicionalidades são os compromissos assumidos tanto pelas famílias beneficiárias do Bolsa Família quanto pelo poder público para ampliar o acesso dessas famílias a seus direitos sociais básicos”. Funciona como uma espécie de acordo entre as famílias e o Estado: os beneficiários do Programa devem cumprir as condicionalidades para a manutenção do PBF e em contrapartida, o poder público – seja na esfera municipal, estadual ou federal – tem o dever de ofertar os serviços, com qualidade, nas áreas da saúde, educação e assistência social.
A Portaria Interministerial MEC/MDS Nº 3.789, de 17 de novembro de 2004, estabelece atribuições e normas para o cumprimento da condicionalidade da frequência escolar no PBF. O documento determina que a frequência escolar mínima de crianças e adolescentes com idade entre 6 e 15 anos seja de 85 %, conforme artigo a seguir:
Art. 2º[...] § 3º A obtenção, pelos alunos, de índices mensais de frequência escolar inferiores a 85% (oitenta e cinco por cento) deverá ser avaliada pelo dirigente do estabelecimento de ensino, com vistas à comunicação aos pais ou responsáveis no sentido de restabelecer a frequência mínima e, conforme o caso, informar ao Conselho Tutelar para as medidas cabíveis. (BRASIL, 2004, p. 01).
No caso de frequência escolar inferior ao estabelecido ou de faltas recorrentes sem justificativa médica ou plausível, é importante que os dirigentes das instituições de ensino verifiquem o real motivo da ausência na escola. Muitas vezes, o aluno pode apresentar faltas escolares por estar envolvido em situações de vulnerabilidade e de violação de direitos, tais como: negligência ou abandono, violência intra ou extrafamiliar, abuso ou exploração sexual ou ainda situação de trabalho infantil.
Já a frequência mínima exigida para os jovens com idade entre 16 e 17 anos é de 75 % da carga horária escolar mensal, conforme estabelecido no Decreto nº 6.917, de 2009.
O acompanhamento da frequência escolar dos alunos ocorre bimestralmente, nas instituições de ensino, que são responsáveis pelo preenchimento. Para tanto, contam com um Sistema de Informação do Acompanhamento da Frequência Escolar do PBF – Sistema Presença.
SISTEMA PRESENÇA E O ACOMPANHAMENTO DA FREQUÊNCIA ESCOLAR DOS ALUNOS BENEFICIÁRIOS DO PBF
Para que se efetive o acompanhamento da frequência escolar de crianças e adolescentes cuja s famílias sejam beneficiárias do PBF, o MEC desenvolveu e consolidou o Sistema Presença.
Referente à coleta dos dados, quanto à condicionalidade da educação, o documento elaborado pelo MEC (2014) ressalta que pode ocorrer de três formas:

Fonte: MEC, 2014, p. 11.
A responsabilidade pelo repasse das informações referente à frequência escolar dos alunos cujas famílias sejam contempladas pelo PBF é da instituição escolar. Quando a criança ou o adolescente não atinge a frequência escolar mínima exigida pelo Programa, a instituição de ensino também deve informar o motivo do descumprimento, a partir de uma lista codificada disponibilizada pelo MEC no Sistema Presença.
Em casos de baixa frequência escolar, é necessário verificar se tanto a criança e o adolescente, quanto sua família não estão passando por situações de risco ou vulnerabilidade social. O que não se restringe, somente, à situação socioeconômica, mas também, a situações de violação de direitos, como um todo.
Os motivos da não frequência escolar são apontados pelas instituições de ensino, via Sistema Presença. Cada motivo possui um código específico. De acordo com o documento do MDS (2010, p.43), os motivos com código menor que 50 não geram efeitos sobre o benefício. “Para o PBF, esses motivos não estão sob a governabilidade da família, são caracterizados como situações imprevistas, inusitadas ou externas”. As justificativas apresentadas cujos códigos são inferiores a 50, não caracterizam situação de violação de direitos ou negligência por parte da família, tratam-se de fatores que estão além de seu controle, como: questões de saúde, óbito, inexistência ou insuficiência de oferta de serviços educacionais, entre outros. Os demais motivos, com código superior a 50, geram efeitos no benefício da família, conforme estabelecido na Portaria GM/MDS nº 321/08, que regulamenta a gestão de condicionalidades do PBF.
Tais justificativas indicam alguma situação de risco ou vulnerabilidade social envolvendo a criança ou o adolescente e apontam a responsabilidade para o âmbito familiar.
Dentre os motivos de baixa frequência mais indicados, no último período de registro do ano de 2013, estão:
Código da ocorrência |
Descrição da ocorrência /motivo de baixa frequência |
Quantidade |
58 |
Escola não informou o motivo da baixa frequência |
228.160 |
01 |
Tratamento de doença/atenção à saúde do aluno |
112.904 |
53 |
Negligência dos pais ou responsáveis |
69.036 |
64 |
Desmotivação/desinteresse pelos estudos |
67.906 |
54 |
Trabalho Infantil |
323 |
Dentre as justificativas mais apontadas de baixa frequência escolar, é importante destacar o alto índice de ausência de informação por parte das instituições de ensino. Entre o primeiro e o segundo motivo indicados na tabela, a diferença é de 115.256 alunos beneficiários. Ou seja, as escolas não estão tendo acesso aos reais motivos que levam seus alunos ao descumprimento da condicionalidade em educação.
Cabe reforçar a importância do acompanhamento da frequência escolar dos alunos beneficiários do PBF no Sistema Presença, pois:
a. possibilita a efetivação de políticas públicas para o enfrentamento das condições de pobreza; b. indica a mobilização de ações ao relatar os casos de crianças e adolescentes que não cumprem os percentuais mínimos de frequência escolar; c. enfatiza a importância da permanência da criança e do adolescente na escola; d. funciona como alerta para as possíveis violações dos direitos das crianças e dos (as) adolescentes; e. reforça a importância da educação como um direito essencial básico, ressaltando o dever que o Estado e as famílias têm de garanti-lo (MEC, 2014, p. 14).
Neste processo, há o envolvimento das políticas públicas da educação, saúde e assistência social, cada qual, com suas atribuições no acompanhamento das condicionalidades do PBF. Em casos em que há confirmação ou suspeita de violação de direitos ou alguma situação de risco ou qualquer tipo de violência envolvendo a criança/adolescente, as instituições devem acionar a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência.
A RELAÇÃO ENTRE AS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL NOS CASOS DE DESCUMPRIMENTO DE CONDICIONALIDADES
O MEC, MDS e o Ministério da Saúde (MS) têm papel no acompanhamento e no devido preenchimento das informações referentes ao cumprimento ou não das condicionalidades, dentro das especificidades que competem a cada uma, pois “o adequado monitoramento das condicionalidades permite a identificação de vulnerabilidades que afetam ou impedem o acesso das famílias beneficiárias aos serviços a que têm direito demandando ações do Poder Público voltadas a seu acompanhamento” (BRASIL, 2012, p.01).
Quando é constatada uma situação de descumprimento, o poder público deve organizar ações para verificar os motivos do não cumprimento das condicionalidades, lembrando que os serviços como acompanhamento da saúde e frequência escolar são direitos assegurados por lei.
Os casos de não comparecimento às consultas médicas, vacinação e demais acompanhamentos da política da saúde, bem como a matrícula em instituição de ensino e frequência escolar, configuram violação de direitos, cabendo o acompanhamento e a análise da situação para verificar quais vulnerabilidades podem estar ocasionando tais descumprimentos. O objetivo é assegurar que essas famílias consigam enfrentar essas situações complexas, garantindo seus direitos básicos.
No Paraná um dos instrumentos utilizados pela política da educação para informar a ausência dos alunos em sala de aula, suas faltas recorrentes sem justificativa, aos órgãos de garantia de direitos, é o Programa FICA – Ficha de Comunicação do Aluno Ausente “O Programa FICA é uma parceria entre a Secretaria de Estado da Educação, representantes municipais, conselhos tutelares, Ministério Público, pais, alunos e comunidade para combater a evasão escolar nas escolas estaduais do Paraná. Um dos instrumentos do programa é a Ficha de Comunicação do Aluno Ausente (Fica), utilizada para controlar a frequência dos alunos menores de dezoito anos do EF e médio. O principal agente do programa é o professor, que começa a agir quando constatar a ausência do aluno por cinco dias consecutivos ou sete dias alternados, no período de um mês”. Disponível em www.educacao.pr.gov.br.
Quando existem situações que vão além da baixa frequência escolar, como outras formas de violação de direitos (suspeita ou confirmada), as instituições de ensino, bem como os equipamentos da saúde e da assistência social, os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) utilizam outro instrumento para encaminhar aos órgãos competentes. Trata-se da Ficha de Notificação de suspeita ou confirmação de violência doméstica, sexual e/ou outras violências.
Os equipamentos da educação, saúde e assistência social realizam a notificação obrigatória da criança ou adolescente, vítima de qualquer tipo de violência ou negligência, encaminham ao Conselho Tutelar para providências e encaminhamentos cabíveis. Uma vez notificada, a criança e/ou o adolescente serão inseridos na Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência.
A Rede Local será a responsável pelo acompanhamento da família notificada. As Redes Locais são compostas por representantes dos serviços notificadores: Fundação de Ação Social, Secretarias Municipais da Educação e da Saúde. A atuação da Rede ocorre de forma territorializada.
A RELAÇÃO DA ESCOLA E DO CRAS NO ACOMPANHAMENTO DA CONDICIONALIDADE DA EDUCAÇÃO
O Sistema Presença apontou 151 instituições de ensino com alunos cujas famílias são contempladas pelo PBF em Curitiba. O índice de alunos beneficiários varia de 1,24% a 58,14%, conforme o número de matrículas efetivas nos anos finais do EF, não contabilizando o Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos. Um dado relevante é que todas as escolas da rede pública de Curitiba que ofertam os anos finais do EF possuem alunos beneficiários do PBF matriculados em suas instituições.
Foram selecionadas duas escolas de um mesmo Setor, dentro de determinada área. A Escola 1, cujo percentual de beneficiários é de 51,75% e a Escola 2, cujo percentual é de 34,88%, dentre o total de alunos matriculados nos anos finais do EF. Os territórios de abrangência fazem parte de dois CRAS distintos, devido à divisão territorial.
Foram realizadas visitas às duas instituições de ensino, para entrevista com os funcionários responsáveis pelo preenchimento do Sistema Presença e Rede de Proteção e aplicação do questionário. Participaram desse processo, as funcionárias das secretarias e a vice-diretora de uma das instituições. Depois disso, realizou-se entrevista com a Assistente Social e Educador Social de um dos CRAS que atende a uma das escolas.
Ambas as escolas ficam situadas em área urbana. Em 2015, apresentaram o seguinte número de alunos matriculados:
ESCOLA 1 |
|
Etapa de Ensino |
Alunos matriculados |
Anos finais E.F. |
310 |
EJA Ens. Médio |
29 |
EJA Fase II 5ª/8ª |
41 |
Atividade Complementar |
14 |
ESCOLA 2 |
|
Etapa de Ensino |
Alunos matriculados |
Anos finais E.F. |
133 |
Ens. Médio |
150 |
Sala recursos multifuncionais |
8 |
Atividade complementar |
68 |
Instituição de ensino |
Perc. Benef. |
Fev |
Mar |
Abr |
Mai |
Jun |
Jul |
Ago |
Set |
Out |
Nov |
Escola 1 |
51,75 |
95,02 |
94,25 |
96,95 |
93,89 |
95,19 |
94,31 |
94,3 |
92,18 |
90,81 |
91,38 |
Escola 2 |
34,88 |
93,69 |
93,13 |
88,91 |
87,32 |
87,25 |
87,54 |
86,02 |
85,57 |
87,12 |
85,14 |
Observa-se que, apesar do número elevado de beneficiários na Escola 1, pouco mais da metade dos alunos matriculados do 6º ao 9º ano do EF faz parte do PBF, o índice de frequência da instituição é positivo. No referido período, a Escola 2, com um percentual inferior de alunos beneficiários, chama a atenção pela progressiva queda da presença dos alunos durante o ano, atingindo a média de frequência de 85,14% no mês de novembro. O limite de frequência, conforme os critérios do PFB, é de 85% para crianças e adolescentes até 15 anos e 75% para adolescentes de 16 e 17 anos de idade, portanto em ambas há cumprimento da condicionalidade.
Ao atentar-se para os meses de abril, junho e agosto observa-se uma diferença de cerca de 8 pontos percentuais. Ambas as escolas apresentaram redução da frequência no decorrer do ano letivo. Na Escola 1 essa redução aparece apenas no último trimestre.
Durante a pesquisa junto às instituições de ensino, foram levantadas várias questões relevantes e a análise desses dados estão divididos em quatro eixos, descritos da seguinte forma: O primeiro analisa o conhecimento que os profissionais possuem sobre o PBF e suas condicionalidades. O segundo eixo trata sobre o preenchimento do Sistema Presença e as principais justificativas de baixa frequência apresentados pelos alunos. O terceiro aborda o acompanhamento dos alunos beneficiários do PBF e os procedimentos em casos de descumprimento de condicionalidades e o quarto eixo trata da integração entre escola e CRAS no acompanhamento das famílias beneficiárias do PBF.
EIXO 1: CONHECIMENTO SOBRE O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E SUAS CONDICIONALIDADES
Quando questionadas sobre o PBF, a funcionária da Escola 1 afirmou que tinha conhecimento e teria participado de um curso, mas os avaliou como “fracos”. Quanto aos critérios para a liberação do benefício, nunca teve conhecimento, não tendo informações sobre o funcionamento do Programa. A funcionária da Escola 2 conhecia o Programa, mas nunca participou de qualquer capacitação. Não soube informar os critérios ou outras informações sobre o funcionamento do PBF.
Em relação aos efeitos do PBF nos alunos cujas famílias sejam beneficiárias, as duas escolas apresentam uma avaliação positiva. A funcionária da Escola 1 pontuou que, de certa forma, mantinha os alunos na escola de forma mais assídua, pois a evasão poderia ser maior, principalmente, por conta da região vulnerável e da situação de risco em que se encontram muitos alunos. A funcionária da Escola 2 reconhecia que muitas famílias necessitavam do benefício devido à situação socioeconômica em que se encontram, mas aponta que outras não se enquadram no perfil de atendimento.
Apesar de ambas as funcionárias trabalharem diretamente com o Sistema Presença, de serem as responsáveis pelo lançamento da frequência escolar dos alunos beneficiários do PFB, constatou-se que faltam informações e capacitações específicas sobre o Programa. Não é necessário um domínio sobre o assunto, mas algumas informações pertinentes são fundamentais para melhor orientar o trabalho e encaminhar as famílias, quando necessário.
O fato de existir a condicionalidade da educação que “exige” uma frequência mínima de 85 ou 75% contribui para garantir a maior permanência dos alunos cujas famílias são beneficiárias do PBF. Durante a entrevista com as equipes, percebeu-se o cuidado e o compromisso no lançamento da frequência adequada, sabendo-se dos impactos para o benefício da família.
Eixo 2: Preenchimento do Sistema Presença e as principais justificativas apresentadas pelos alunos
Por se tratar de escolas com um número reduzido de alunos, a Escola 1 com um total de 310 e a Escola 2 com 133 estudantes matriculados nos anos finais do EF, as funcionárias relatam facilidade no preenchimento do Sistema Presença por conhecer a todos os alunos que são beneficiários do Programa. Ambas também ressaltam a integração com a equipe pedagógica das instituições de ensino, para saber mais informações sobre os motivos da baixa frequência.
Em relação ao preenchimento do Sistema Presença, a funcionária da Escola 1 ressaltou que são impressos os formulários e preenchidos manualmente, havendo uma boa integração entre a equipe – secretária e pedagoga. A profissional ainda pontuou que a equipe procura ser o mais flexível possível na avaliação das justificativas e no posterior lançamento da presença, justamente porque pode vir a comprometer o benefício destas famílias.
Já a Escola 2 realiza a impressão dos formulários, preenche manualmente e registra no Sistema. A funcionária possui uma pasta, na qual arquiva os formulários dos meses anteriores, a fim de manter a organização do registro. Quando há ausência do aluno é a equipe pedagógica que entre em contato com a família.
A equipe do CRAS que faz parte da área de abrangência da Escola 2, avaliou de forma positiva os resultados do PBF nas crianças e adolescentes cujas famílias são beneficiárias, favorecendo a permanência destes alunos na escola.
Os motivos ou justificativas apresentadas pelos responsáveis familiares para a baixa frequência escolar, em casos de descumprimento, de acordo com a análise da equipe do CRAS, estão relacionados às questões de saúde: doença do aluno ou familiar (Código 1 ou 2); não responder a chamada; brigas e atritos com colegas e professores (Código 60: violência no ambiente escolar) e trabalho informal (Código 62). Realizando um comparativo entre as justificativas apontadas pelas escolas analisadas e os motivos que levam os alunos beneficiários do PBF a se ausentar, de acordo com o levantamento realizado pelo MEC, no ano de 2013, desmotivação/desinteresse pelos estudos (Código 64); e Trabalho Infantil (Código 54); estão entre as cinco situações mais apontadas – a nível nacional.
Eixo 3: O acompanhamento dos alunos beneficiários do PBF e os procedimentos em casos de descumprimento de condicionalidades
Sobre o acompanhamento dos alunos beneficiários do PBF, a Escola 1 relatou certa dificuldade, principalmente no que remete à responsabilização das famílias. Quando há um número elevado de faltas, é preenchido a Ficha de Comunicação do Aluno Ausente, muito conhecido no Paraná como “FICA”.
De início, o setor pedagógico já entra em contato com a família. Mas, em muitos casos os próprios alunos acabam informando a situação de seus colegas. A funcionária relatou a existência de dificuldade de contato via telefone, pois – mudança constante de número, o que ocasiona muitas vezes que os pais não saibam das faltas de seus filhos.
A funcionária da Escola 2 pontou a mesma dificuldade: o acesso e contato com os pais dos alunos - o endereço está errado ou desatualizado, impossibilidade de contato telefônico. Com isso, é preenchido o FICA e encaminhado ao Conselho Tutelar.
Durante a entrevista, ambas as funcionárias, tanto da Escola 1 como da Escola 2 tentam esgotar as possibilidades de contato com a família. Especialmente se a mesma apresenta algum histórico de negligência.
O CRAS prioriza o acompanhamento de famílias em situação de descumprimento de condicionalidades que se encontram na fase de suspensão do benefício. É realizada uma sensibilização com as famílias sobre a importância de permanecer na escola e quanto à necessidade de manter a assiduidade das crianças e adolescentes. É acordado com as famílias, se as mesmas aceitam permanecer em acompanhamento no Sistema de Condicionalidades (SICON). Este acompanhamento demanda atendimentos à família, orientação, visitas domiciliares, realização do Plano de Acompanhamento e a verificação da situação familiar que levou ao descumprimento.
Eixo 4: Integração entre escola e CRAS no acompanhamento das famílias beneficiárias do PBF
As duas profissionais entrevistadas, tanto da Escola 1 quanto da Escola 2, apontaram as reuniões da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência como um instrumento forte na integração das políticas públicas da educação, assistência social e saúde – que acabam sendo os principais serviços que atendem as famílias em situação de risco na rede local.
Durante entrevista na Escola 1, percebeu-se certa afinidade dos profissionais com os equipamentos públicos do território, principalmente com o CRAS e com a Unidade Básica de Saúde. O que, de certa forma, facilita o trabalho de acompanhamento das famílias em descumprimento, tornando efetivo o trabalho intersetorial e da Rede de Proteção. A referida escola possui uma proximidade entre os serviços e as políticas, tanto física (estrutura) quanto na relação profissional.
A vice-diretora, da Escola 2, pontuou que, no ano de 2015, a equipe não participou de qualquer reunião da Rede de Proteção, por não perceber efetividade no trabalho. Equipe não soube apontar o nome do CRAS de referência, além de não saber, ao certo, que trabalho desenvolve. Questionando, se o trabalho do CRAS era “parecido” com o do Conselho Tutelar.
A equipe do CRAS de referência da Escola 2 ressaltou, durante a entrevista, que uma das dificuldades de manter a integração com as demais políticas é a estrutura e característica do território, pois este é “pulverizado”, não contando com serviços das políticas públicas próximas como nos demais territórios vulneráveis, sendo os mesmos afastados uns dos outros.
Ainda em relação à integração CRAS e escola, as duas funcionárias do CRAS entrevistadas pontuam que sentem algumas dificuldades com a rede estadual de ensino. Apontam a falta de entendimento de alguns profissionais em compreender o PBF, a importância e a gravidade do descumprimento das condicionalidades, bem como suas causas e, relatam dificuldades, inclusive, no recebimento da declaração de frequência que é emitido pela secretaria das escolas. Este documento deve ser enviado, junto ao Formulário de Recurso, para evitar que o benefício das famílias seja bloqueado ou suspenso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Programa de transferência de renda Bolsa Família interfere positivamente na frequência escolar dos alunos beneficiários, conforme relatado pelas funcionárias das escolas. Por mais que a importância de permanecer na escola, do acesso à educação formal, seja desvirtuada por uma condicionalidade imposta por um Programa que atende a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, os objetivos do PBF são válidos: garantir a renda mínima às famílias com per capita inferior à R$ 154,00 e uma gama de serviços e políticas públicas que passam a ser prioritárias e obrigatórias aos beneficiários do Programa – a fim de romper, desse modo, com o ciclo da pobreza.
No levantamento realizado através do Sistema Presença, todas as 151 instituições de EF, da rede estadual possuem alunos cujas famílias são contempladas pelo PBF, em Curitiba, no ano de 2014. O fato é que, com mais ou menos alunos beneficiários do PBF – seja 1,24% ou 58% do total de alunos matriculados no E.F – o corpo docente, a direção e os demais profissionais das instituições de ensino devem estar capacitados e devidamente qualificados para receber estes alunos. Haja vista que, existe um programa específico de preenchimento de frequência escolar, que interfere diretamente na transferência monetária às famílias. Os códigos ou justificativas informadas pelas escolas são de suma importância, uma vez que esclarecem se a criança ou o adolescente estão passando por alguma situação de violação de direitos. Conforme o caso deverá encaminhado aos órgãos competentes e assistido pela Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência.
Apesar de ser falho o preparo e a qualificação dos profissionais que atuam no preenchimento da frequência escolar dos alunos cujas famílias são beneficiárias do PBF, existe a preocupação e o compromisso com o correto lançamento dos dados, a fim de evitar consequências ou alguma sanção no valor monetário transferido mensalmente às famílias.
Quando se trata da integração entre escola e CRAS, no acompanhamento das famílias em descumprimento de condicionalidades, ou no atendimento integral às crianças e adolescentes com algum direito violado, constatou-se que esta relação ainda se encontra fragilizada. Depende, sobretudo, da disposição dos profissionais que atuam na área para sua efetividade. As características do território e a proximidade dos equipamentos públicos e da localização das unidades também interferem nesta integração, especialmente entre as três políticas públicas envolvidas nas condicionalidades do Programa Bolsa Família: educação, saúde e assistência social.
A participação nas reuniões da Rede de Proteção foi apontada por todos os profissionais entrevistados, enquanto meio fundamental para manter as políticas públicas e os órgãos que atuam na garantia de direitos, integrados e fortalecidos. Durante a pesquisa, ficou evidenciado que, a Escola 1, que participa ativamente das reuniões da Rede de Proteção, que mantém contato com a rede local, como o CRAS de referência e a Unidade Básica de Saúde de seu território, possui um índice de descumprimento de condicionalidades inferior à Escola.
Conforme destaca Yannoulas (2013) um dos desafios
[...] é refletir sobre a relação contraditória entre a política educacional e a política de assistência social no contexto mais amplo da proteção social. Com a universalização da educação, a parcela mais pobre da sociedade entrou massivamente na escola e novos conflitos e contradições surgiram. (YANNOULAS, 2013, p.18).
Com a universalização do EF alguns grupos sociais, especialmente a parcela mais pobre da população, foram incluídos no processo de escolarização. Com isso, os problemas sociais relacionados à sua condição de vida, à situação socioeconômica, pobreza, violência e outras situações de risco a que estão expostos estes grupos, faz com que novas demandas sejam atendidas no interior dos estabelecimentos escolares.
Cabe ressaltar que esta pesquisa analisou apenas duas escolas da rede estadual de Curitiba, de um mesmo Setor, dentro de determinada área. Um estudo mais aprofundado, sobre a integração entre as escolas e os CRAS de referência, analisando a relação entre as políticas públicas da educação e assistência social, bem como os impactos no PBF na frequência e na evasão escolar de alunos beneficiários, se faz necessária, especialmente, devido ao contexto social e educacional exposto durante este trabalho.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Portaria Interministerial MEC/MDS nº 3.789, de 17 de Novembro de 2004. Estabelece atribuições e normas para o cumprimento da Condicionalidade da Frequência Escolar no Programa Bolsa Família. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
BRASIL. Portaria nº 251, de 12 de Dezembro de 2012. Regulamenta a Gestão das condicionalidades do Programa Bolsa Família, revoga a portaria GM/MDS nº 321, de 29 de setembro de 2008, e dá outras providências.
MDS. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Guia para Acompanhamento das Condicionalidades do Programa Bolsa Família. Volume II. Sistemas e procedimentos para o acompanhamento das condicionalidades. 2010.
MEC. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania. Coordenação Geral de Acompanhamento da Inclusão Escolar. Acompanhamento da Condicionalidade da Educação do Programa Bolsa Família: avanços, desafios e perspectivas – Gestão 2011 a 2014. Brasília-DF, dezembro de 2014.
PIRES, André. Afinal, para que servem as condicionalidades em educação do Programa Bolsa Família? Ensaio: aval. pol. Públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 21. Jul. – Set. 2013.
YANNOULAS, Silvia Cristina (Coord.). Política Educacional e Pobreza: múltiplas abordagens para uma relação multideterminada – Brasília: Líber Livro, 2013.