A CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PARA UMA EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: ANÁLISE DE DOCUMENTOS NACIONAIS
Resumo: O presente texto integra a pesquisa de iniciação científica “Educação para as relações étnico-raciais na educação infantil: o que revelam os Projetos Político-Pedagógicos as instituições educacionais”, vinculada ao projeto “Políticas públicas e educação da infância em Goiás: história, concepções, projetos e práticas” realizado no Núcleo de Estudos e Pesquisas da Infância e sua Educação em Diferentes Contextos. Analisa as concepções de educação étnico-racial em documentos nacionais, buscando perceber, os fundamentos acerca da Educação Infantil. A discussão sobre a educação étnico-racial nessa etapa da educação torna-se essencial na promoção de uma educação igualitária, respeitando a diversidade racial e cultural dos sujeitos envolvidos desde os primeiros anos de vida.
Palavras-chaves: Educação Étnico-Racial; Educação Infantil; Políticas públicas.
A Educação Infantil, historicamente, se constitui em lutas e movimentos sociais em prol do direito da criança de zero a seis anos de idade a uma educação de qualidade. Conforme afirma Barbosa (2008, p. 382), ao analisar a historicidade das instituições de Educação Infantil no estado de Goiás, “ as políticas social-assistencial e educacional não foram prioridades nos planejamentos governamentais”. Nesse sentido, o atendimento da criança se realizou em ações emergenciais, sem continuidade, no assistencialismo e também por uma visão higienista e moralista da educação da criança e das classes trabalhadoras.
A promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição cidadã”, assegurou os direitos das crianças pequenas à educação, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, que assume uma perspectiva emancipadora e é considerada a “carta dos direitos da criança”. Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996, incluiu a Educação Infantil na Educação Básica, considerando-a como a primeira etapa que tem “como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.” (BRASIL, 1996, artigo 29).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, de 2009, apresentam um avanço nas discussões acerca da criança e sua educação, considerando-a como sujeito de direito, que traz consigo uma bagagem histórica e cultural e que se desenvolve através das interações e nas práticas cotidianas. Nesse sentido, prevê a garantia de um ambiente institucional para as crianças, que propicie interações diversificadas com as linguagens, as brincadeiras, o conhecimento científico, as produções artístico-culturais, as tecnologias. Projeta-se uma educação infantil fundamentada em princípios éticos, políticos e estéticos, que seja includente, e colabore na formação integral das crianças, sem quaisquer discriminação e preconceitos.
A defesa da educação emancipatória, proposta no marco legal e normativo, bem como nas pesquisas e nas ações dos movimentos sociais, entretanto, ainda exige medidas para sua efetivação no cotidiano social e das instituições educativas. Rosemberg (2012, p. 33) evidencia “que as manifestações contemporâneas de combate ao racismo na educação [...] silenciaram sobre a educação infantil.” A autora explica que “ao silêncio dos movimentos sociais sobre a educação da criança pequena, se associa um intenso desconhecimento de nós pesquisadores/as sobre as relações raciais que se constroem no âmbito da creche e da pré-escola e da pequena infância.” (ROSEMBERG, 2012, p. 36).
A história do atendimento à infância no Brasil é marcada por desigualdades e diferenciação da qualidade e do acesso, conforme a classe social a que se destina, inferiorizando as classes populares, com a oferta de atendimento precário, improvisado, de baixa qualidade. Ademais, as desigualdades no acesso às políticas sociais se constituíram também quanto ao pertencimento étnico-racial e ao gênero das crianças.
O cenário de ocultamento do preconceito e do racismo é prática corrente no Brasil, sob o mito da democracia racial, segundo o qual haveria uma convivência pacífica e harmoniosa entre os distintos componentes da sociedade brasileira. Segundo Cavalleiro (2006):
O subdimensionamento dos efeitos das desigualdades étnico-raciais embota o fomento de ações de combate ao racismo na sociedade brasileira, vito que difunde a explicação da existência de igualdade de condições sociais para todas as pessoas. [...] Um olhar atento para a escola capta situações que configuram de modo expressivo atitudes racistas. Nesse espectro, de forma objetiva ou subjetiva, a educação apresenta preocupações que vão do material didático-pedagógico à formação de professores. (CAVALLEIRO, 2006, p. 23).
É importante ressalvar que compreendemos a Educação para as Relações Étnico-Raciais como uma busca de emancipação, de superação do racismo e do preconceito. Supondo que, conforme Gomes (2006, p. 127),
Hoje, a utilização dos termos preto e negro diz respeito a uma distinção entre cor (preto - fenótipo, aparência) e pertencimento racial (negro - que tem a ver com a ascendência, origem familiar e ancestral), numa associação com as características culturais socialmente atribuídas ao grupo com o qual o indivíduo é identificado.
Para analisar as políticas educacionais e sua produção, Alves (2007) afirma que é necessário considerar a relação entre o Estado, a sociedade e a educação em seu momento histórico. Sabendo, portanto, da importância de entender as legislações e normativas em seu processo histórico e dialético e as lutas que se fizeram necessárias para a construção, o presente artigo tem por objetivo compreender as concepções de Educação para as Relações Étnico-Raciais em documentos nacionais do campo educacional, para identificar as articulações da Educação Infantil com tais discussões. Destaca-se que este estudo integra a pesquisa de iniciação científica “Educação para as relações étnico-raciais na educação infantil: o que revelam os Projetos Político-Pedagógicos das instituições educacionais” Projeto com bolsa de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), aprovado pelo edital 10/2014. , vinculada ao projeto “Políticas públicas e educação da infância em Goiás: história, concepções, projetos e práticas” realizado no Núcleo de Estudos e Pesquisas da Infância e sua Educação em Diferentes Contextos (Nepiec), da Faculdade de Educação (FE) da Universidade Federal de Goiás (UFG).
A construção de noções de cultura e diversidade cultural, bem como de identidades e relações étnico-raciais pode ter suas origens reconhecidas nas mais antigas lutas contra a escravidão, o racismo e o preconceito que a população afrodescendente e indígena travaram em distintos tempos e espaços da história brasileira. Segundo Abreu e Mattos (2008), no final da década de 1990 tais noções começaram a fazer parte de documentos norteadores estabelecidos pelo Ministério da Educação (MEC). Mas é preciso ressaltar que isso não aconteceu por acaso, foi na verdade “um dos sinais mais significativos de um novo lugar político e social conquistado pelos chamados movimentos negros e anti-racistas no processo político brasileiro, e no campo educacional em especial.” (ABREU; MATTOS, 2008, p. 6).
Os movimentos sociais, principalmente o movimento negro têm feito reivindicações importantes que se refletem nas políticas e nas prescrições legais e normativas nacionais que buscam como princípio educar para as relações étnico-raciais na construção de sociedade mais justa, na qual todas as pessoas sejam igualmente consideradas em meio a suas diversidades, assegurando-lhes igualdade de condições de vida.
Desta forma, Santos (2005, p. 23), ao analisar os movimentos sociais e militantes negros, aponta que ao perceberem a reprodução da discriminação racial nos sistemas de ensino brasileiros, tais movimentos
passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao Estado Brasileiro, no que tange à educação, o estudo da história do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira.
Para Rosemberg (2012) uma das principais exigências destes movimentos na educação, quanto à mudança curricular, foi atendida pelas Leis n. 10.639/03 e n. 11.645/08, que, alterando a LDB (Lei 9.394/96), tornaram obrigatório o ensino da temática história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e Médio das redes pública e privada do país.
Podemos destacar dezesseis (17) documentos nacionais entre leis, resoluções e pareceres que regulamentam sobre a Educação para as Relações Étnico-Raciais. Dentre essas, quatorze (15) normativas possuem alguma indicação, direta ou indireta, para a Educação para as Relações Étnico-Raciais na Educação Infantil, sendo:
- LEI Nº 8.069 de 1990 - Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências;
- PARECER CNE/CP 003/2004 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana;
- RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1/2004 – Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
- PARECER CNE/CEB Nº 2/2007 – Parecer quanto à abrangência das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana;
- Parecer CNE/CEB nº 20/2009 – Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil;
- RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 5/2009 – Fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil;
- Parecer CNE/CEB Nº 7/2010 – Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica;
- Resolução CNE/CEB Nº 4/2010 – Define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica;
- PARECER CNE/CEB Nº 14/2011 – Dispõe sobre as Diretrizes para o atendimento de educação escolar de crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância;
- RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 3/2012 – Define as diretrizes para o atendimento de educação escolar para populações em situação de itinerância;
- PARECER CNE/CEB Nº 13/2012 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena;
- RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 5/2012 – Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica.
- PARECER CNE/CEB Nº 16/2012 – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola;
- RESOLUÇÃO CNE/ CEB Nº 8/2012 – Define Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.
- LEI N° 13.005 de 2014 – Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE.
Ao analisar cronologicamente a lista supracitada, é possível considerar que há uma crescente efetivação e garantia das discussões em torno da diversidade étnico-racial no campo da educação, com incidência sobre a Educação para as Relações Étnico-Raciais na Educação Infantil.
Ano |
Quantidade de legislações |
Tipo do documento |
1990 |
01 |
Lei |
2004 |
02 |
Parecer e Resolução |
2007 |
01 |
Parecer |
2009 |
02 |
Parecer e Resolução |
2010 |
02 |
Parecer e Resolução |
2011 |
01 |
Parecer |
2012 |
05 |
Parecer (2) e Resolução (3) |
2014 |
01 |
Lei |
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990), as crianças gozam de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana sem discriminação de idade, sexo, raça, etnia ou cor. Nesse sentido, o ECA/90 é um documento muito importante no que se refere aos direitos garantidos para as crianças pequenas.
Cronologicamente, a Lei de n° 10.639 de 2003, que altera a Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei N° 9.394/1996), é a primeira normativa nacional que incluiu nos currículos escolares a discussão de história e cultura afro-brasileira e africana. Sobre tal lei há três reflexões que precisam ser feitas: a superficialidade do conteúdo da Lei; não considerar a primeira etapa da Educação Básica, a Educação Infantil; não tratar da participação dos povos indígenas. Segundo Santos (2005, p. 33), a legislação federal “é genérica e não se preocupa com a implementação adequada do ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”, visto que não há metas para implementação dessa lei. De acordo com o autor, a lei responsabiliza os professores, pela organização curricular sem ao menos dar a garantia à qualificação desses profissionais que irão ministrar tais disciplinas. Quanto à Educação Infantil, constata-se a mesma ausência também no campo acadêmico-científico, como indicam Silva e Souza (2013, p. 37) “estudos sobre relações raciais e educação raramente se voltam à Educação Infantil e, por outro lado, os estudos sobre Educação Infantil também poucas vezes focalizam as relações étnico-raciais.”. No que se refere à contribuição indígena, apenas cinco anos depois é que a lacuna foi suprida com a Lei n. 11.645/2008 incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira e Indígena”. No entanto, permaneceu, ainda, a exclusão da educação infantil.
O Parecer CNE/CP n. 003/2004, que visa estabelecer as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é, um documento importante para a discussão da Educação para as Relações Étnico-Raciais na Educação Infantil. O documento aborda uma série de elementos e princípios para que se efetive a Educação para as Relações Étnico-Raciais, dentre os quais podemos destacar a importância que se dá aos professores para elaboração de planos, projetos, seleção de conteúdos e métodos de ensino, além de estabelecer a necessidade da formação inicial e continuada dos profissionais da educação para atuar na perspectiva
de análises das relações sociais e raciais no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como racismo, discriminações, intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social, diversidade, diferença, multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações étnico-raciais e do ensino e aprendizagem da História e cultura dos Afro-brasileiros e dos Africanos. (BRASIL, 2004a, p. 14).
O Parecer explicita, ainda, a importância da valorização e do diálogo entre professores e crianças/educandos para “pensarem, decidirem, agirem, assumindo responsabilidade por relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias, conflitos, contestações, valorizando os contrastes das diferenças”. (BRASIL, 2004, p. 10-11).
A Resolução CNE/CP n. 01/2004, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, aborda de forma indireta a Educação Infantil, visto que em seu Art. 1° são designadas às instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação Brasileira. O documento estabelece a inclusão das discussões acerca das Relações Étnico-Raciais nos currículos das disciplinas das Instituições de Ensino Superior (IES), com o intuito de propiciar “o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas.” (BRASIL, 2004b, Art. 2° - § 2º).
Desta forma, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem orientações, princípios e fundamentos a fim de promover uma educação multicultural e pluriétnica, buscando relações “étnico-sociais” positivas. (BRASIL, 2004b).
O Parecer CNE/CEB n. 02 de 2007 é uma normativa que teve como interessado o Movimento de Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – MIEIB, na discussão da abrangência das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Infantil. O documento, portanto, discute sobre o acerto da inclusão da Educação Infantil no âmbito das normas estabelecidas pelas Diretrizes referidas. Faz-se necessário destacar, que tal legislação leva em conta tanto a relevância e pertinência da Educação para as Relações Étnico-Raciais quanto considera as especificidades da Educação Infantil,
Cabe observar que, embora os conteúdos da Educação Infantil não sejam organizados em componentes curriculares, os temas referentes à História e Cultura Afro-Brasileira e Africana devem estar presentes no conjunto de todas as atividades desenvolvidas com as crianças. (BRASIL, 2007, p. 4).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 2009, em seu parecer e resolução, discorrem sobre o reconhecimento, valorização e respeito à diversidade. Além de enfatizar a concepção de criança como sujeito de direito, versam também sobre as vivências estéticas e éticas com as crianças de diferentes grupos culturais, sejam elasquilombolas, indígenas, ribeirinhas, do campo e afrodescendentes. (MORUZZI; ABRAMOWICZ, 2015).
É possível afirmar que se constitui em um documento para a Educação Infantil que a normatiza considerando as questões de raça e etnia, tanto como questões curriculares, quanto como uma compreensão de valorização dos sujeitos influenciados por essas determinações legais. Assim, o Parecer CNE/CEB n. 20/2009 e a Resolução CNE/CEB n. 5/2009 superam as lacunas deixadas na LDB/96 pelas leis que a modificaram.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica no Parecer CNE/CEB n. 07 de 2010, e na sua Resolução CNE/CEB n. 04 de 2010 a Educação Infantil e a Educação Étnico-Racial são aludidas explicitamente. Ao se referir à etapa da Educação Infantil, o Parecer considera o desenvolvimento da criança nos seus aspectos físico, afetivo, psicológico, intelectual, social. Pensando essa criança, “de diferentes condições físicas, sensoriais, mentais, linguísticas, étnico-raciais, socioeconômicas, de origem, religiosas, entre outras, no espaço escolar, as relações sociais e intersubjetivas requerem a atenção intensiva dos profissionais da educação”. (BRASIL, 2010b, Artigo 22).
É válido destacar que os anos de 2011 e 2012 foram os que apresentaram uma maior quantidade de resoluções e pareceres que abarcaram temas subjacentes a Educação e Relação Étnico-Racial. Nesses dois anos que se instituíram as Diretrizes para o atendimento de educação escolar de crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.
Todos esses dispositivos normativos legais resultam no intenso esforço da ampliação da discussão do pertencimento e valorização étnica e racial voltada para a educação. Nas Diretrizes para o atendimento de educação escolar de crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância (Parecer CNE/CEB n. 14/2011 e Resolução CNE/CEB n. 03/2012), indicam que as crianças em situação de itinerância deverão ter garantido seus direitos socioeducacionais com a garantia da liberdade de consciência e de crença, na qual os sistemas de ensino deverão adequar-se às suas particularidades.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola conduzem o olhar do sistema de educação para essas duas modalidades de ensino nas suas especificidades. Tanto as resoluções e os pareceres das duas diretrizes supracitadas consideram a Educação Infantil em suas redações.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena preveem que “A Educação Infantil, etapa educativa e de cuidados, é um direito dos povos indígenas que deve ser garantido e realizado com o compromisso de qualidade sociocultural e de respeito aos preceitos da educação diferenciada e específica.” (BRASIL, 2012d, Artigo 8°). Nesse sentido, a visão de mundo e de sujeito que as Diretrizes defendem é dos princípios da igualdade social, da diferença, da especificidade, do bilinguismo e da interculturalidade, assim como citado no seu primeiro artigo.
Para as Diretrizes a Educação Escolar Indígena precisa se constituir quanto um espaço de construção de relações interétnicas, sendo “orientadas para a manutenção da pluralidade cultural, pelo reconhecimento de diferentes concepções pedagógicas e pela afirmação dos povos indígenas como sujeitos de direitos.” (BRASIL, 2012d, Artigo 8°)
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola definem que as instituições educacionais precisam se fundamentar da memória coletiva; das línguas reminiscentes; dos marcos civilizatórios; das práticas culturais; das tecnologias e formas de produção do trabalho; dos acervos e repertórios orais; dos festejos, usos, tradições e demais elementos que conformam o patrimônio cultural das comunidades quilombolas de todo o país; da territorialidade. Em seu artigo 15, a Resolução CNE/ CEB Nº 8 de 2012, aborda a Educação Infantil compreendendo-a nas suas especificidades.
Art. 15 A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, na qual se privilegiam práticas de cuidar e educar, é um direito das crianças dos povos quilombolas e obrigação de oferta pelo poder público para as crianças de 4 (quatro) e 5 (cinco) anos, que deve ser garantida e realizada mediante o respeito às formas específicas de viver a infância, a identidade étnico-racial e as vivências socioculturais.
§ 1º Na Educação Infantil, a frequência das crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos é uma opção de cada família das comunidades quilombolas, que tem prerrogativa de, ao avaliar suas funções e objetivos a partir de suas referências culturais e de suas necessidades, decidir pela matrícula ou não de suas crianças em:
I - creches ou instituições de Educação Infantil;
II - programa integrado de atenção à infância;
III - programas de Educação Infantil ofertados pelo poder público ou com este conveniados. (BRASIL, 2012e).
As Diretrizes para a Educação Escolar Quilombola, portanto, assumem uma concepção de oferta da Educação Infantil na Educação Escolar Quilombola, deverá ser garantido à criança o direito a permanecer com o seu grupo familiar e comunitário, visto que a compreensão de educação é dada por meio da participação das famílias e dos anciãos, especialistas nos conhecimentos tradicionais de cada comunidade, em todas as fases de implantação e desenvolvimento da Educação Infantil.
Em 2014 foi aprovado o Plano Nacional de Educação (2014-2024), mediante a Lei 13.005/2014, que é um documento com uma proposta de caráter decenal, que se resultou de longa trajetória e de grandes debates que mobilizou múltiplos atores sociais da sociedade civil e política. (BARBOSA et al, 2014).
Como aponta Barbosa et al (2014) o PNE possui em suas 20 metas e 254 estratégias apenas uma meta específica para a Educação Infantil (Meta 1), contendo 17 estratégias, mesmo havendo proposições pertinentes à educação infantil em outras metas e estratégias. Uma das estratégias que se faz necessário ressaltar é a estratégia 10 da meta 1:
1.10) fomentar o atendimento das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas na educação infantil nas respectivas comunidades, por meio do redimensionamento da distribuição territorial da oferta, limitando a nucleação de escolas e o deslocamento de crianças, de forma a atender às especificidades dessas comunidades, garantido consulta prévia e informada; (BRASIL, 2014).
A estratégia 10 da meta 1, aborda em suma a relação entre a Educação Infantil e as demais organizações étnicas como as populações do campo, as comunidades indígenas e quilombolas.
Diante do que foi considerado até o presente momento neste texto, é possível afirmar que as produções sobre Relações Étnico-Raciais na Educação Infantil ainda são pouco expressivas em quantidade, sugerindo que o tema precisa ser mais visibilizado na pesquisa acadêmico-científica, bem como as redações legais e normativas que só vem ganhando força nessas discussões em âmbito nacional a pouco mais de uma década.
Nota-se um crescente reconhecimento, nas políticas públicas sociais e educacionais, dos direitos e das reivindicações de grupos sociais historicamente excluídos. Este reconhecimento, resultante de intensa mobilização de movimentos sociais em defesa da igualdade de condições para todas as pessoas brasileiras, obtido formalmente, porém, não é suficiente para efetivar a materialização dos direitos, o que demanda a continuidade da articulação da atuação incisiva para combater possíveis retrocessos muitas vezes inseridos nas próprias políticas públicas, quando prevalecem interesses conservadores na luta de forças que define a atuação do Estado.
REFERÊNCIAS
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________. Congresso Nacional. Lei n. 13.005 de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências, Brasília, 2014.
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________. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, 2008.
BRASIL/CNE. Parecer CNE/CEB n. 16/2012. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, 2012c.
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________.Parecer CNE/CEB n. 14/2011. Diretrizes para o atendimento de educação escolar de crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância, 2011.
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