EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DIVERSIDADE: POLÍTICAS PÚBLICAS EM FOCO
Resumo: Este texto discute a educação inclusiva e diversidade no âmbito das políticas públicas, da escola e da formação docente. Para tanto, apresentamos um breve histórico da educação inclusiva, uma discussão sobre os avanços e os desafios dessa perspectiva no contexto das políticas públicas, bem como o papel da escola e da formação docente. A par das reflexões apontadas, é possível considerar que embora a legislação brasileira tenha avançado nas últimas décadas, percebemos que as leis e diretrizes fixam normas, mas não garantem as condições necessárias para seu cumprimento. Por isso, pensar uma educação para e na diversidade no atual modelo brasileiro é um desafio contínuo, já que escola e docentes precisam estar preparados para lidarem com a diversidade que compõe as salas de aula.
Palavras-chave: Políticas públicas; Diversidade; Educação inclusiva.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como eixo norteador uma discussão teórica sobre as políticas públicas “para e na” diversidade que são, ainda, grande desafio para a educação brasileira. Alguns avanços aconteceram na escola pública, mas muitas questões ainda necessitam de ajustes para se chegar a uma educação inclusiva que respeite e valorize a diversidade neste contexto.
Para tanto, ao longo do texto, serão apresentadas a trajetória da educação inclusiva no Brasil, analisando os contextos históricos e políticos; uma análise dos avanços e das possibilidades das políticas públicas da educação na perspectiva da diversidade e, em seguida, dos desafios e limitações na implementação dessas políticas. A discussão também abarca o papel da escola e a formação docente no contexto da educação inclusiva e das políticas públicas para a diversidade.
Tem-se, portanto, como objetivo central do trabalho uma discussão teórica sobre a educação “para e na diversidade” (REIS, 2013), a partir da análise das políticas públicas conforme sua trajetória histórica e a legislação vigente. Adotamos como base para o referencial teórico Mantoan (2006), Alonso (2013), Reis (2013), dentre outros, além dos dispositivos legais como a Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB). A partir disso, pretende-se discutir como a educação e a diversidade vêm sendo tratadas, segundo a visão dos agentes públicos e de estudiosos no contexto das políticas apresentadas e de sua aplicação na prática.
1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA PERSPECTIVA DA DIVERSIDADE
A escola tem papel fundamental no processo de educação e socialização. Por conseguinte, representa um espaço privilegiado para discussão e reflexão sobre a diversidade, tema recorrente no contexto contemporâneo. Pensar a escola regular na perspectiva da diversidade é certificar-se de que a inclusão está sendo legitimada a partir do atendimento às necessidades de todos(as), sem discriminação, independente da condição orgânica, afetiva, socioeconômica ou cultural do aluno. Nesse sentido, a diversidade não se refere, apenas, ao aluno com deficiência, mas a todos os indivíduos, sem distinção (REIS, 2013).
Alonso (2013, p. 2) ressalta que a “educação inclusiva compreende a Educação especial dentro da escola regular e transforma a escola em um espaço para todos. Ela favorece a diversidade na medida em que considera que todos os alunos podem ter necessidades especiais em algum momento de sua vida escolar”. Ou seja, a escola precisa ser um ambiente que aceite todos os alunos independentemente de determinantes como cor, etnia, gênero, classe ou limitações individuais, a partir de uma proposta de acolhimento dos indivíduos.
A escola é um espaço que vai proporcionar aos alunos condições de se desenvolverem e de se tornarem cidadãos, com uma identidade sócio-cultural que lhes conferirá oportunidades de ser e de viver dignamente. Para Mantoan (2006, p. 16), “se o que pretendemos é que a escola seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos, que reconheça e valorize as diferenças”. Nessa perspectiva, para se entender a escola inclusiva e analisar o papel do professor nesse processo é preciso fazer um breve histórico das políticas educacionais voltadas para a diversidade e inclusão, especialmente, nas últimas décadas.
Historicamente, no Brasil, a educação dos “diferentes” se dava em escolas especializadas, normalmente não oferecidas pelo poder público, o que impossibilitava o acesso igualitário por todos aqueles que necessitavam. É possível observar, a partir da década de 1990, em especial após a Constituição Federal de 1988, uma nova postura dos agentes públicos, com novos movimentos no sentido de propiciar acesso à educação especial. A educação vivencia, a partir de então, um amplo processo de mudanças em sua estrutura e práticas, ampliando o projeto de inclusão que passa a enxergar a diversidade e não apenas as necessidades especiais fisiológicas. Segundo Reis (2013, p. 113), é a partir da promulgação da CF de 1988 que “os Estados como entes federados passam a adotar a educação especial por meio de suas próprias Secretarias de Educação, incorporando seus princípios no ensino regular público, embora ainda com os resquícios de um duplo sistema de ensino: o regular e o especial”.
Em 1994, a Conferência Mundial sobre Educação de Necessidades Especiais: Acesso e Qualidade, realizada em Salamanca (Espanha), propõe uma abordagem inclusiva na educação que valoriza o direito de todas as crianças aprenderem juntas, independente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter (UNESCO, 1994). O documento final da Conferência, a Declaração de Salamanca sobre os Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, representou um marco para novas políticas de educação inclusiva. “A participação de 92 governos no processo de discussão e elaboração desse documento evidencia a sua dimensão e notoriedade na influência sobre a formulação e implementação de políticas inclusivas, sobretudo com foco na educação especial em países do mundo inteiro e, por conseguinte, também, no Brasil” (REIS, 2013, p. 118).
A partir daí, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, instaurou novas direções e fundamentos para a educação brasileira e a educação especial passou a ter um novo olhar. A nova designação de “Necessidades Educativas ou Educacionais Especiais” acompanhou a tendência internacional estabelecida na Declaração de Salamanca.
De acordo com o artigo 58 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n. 9.394/96, “entende-se por educação especial, para os efeitos da lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais”. A Lei estabelece critérios que asseguram essa inclusão, fixando que:
§ 1° - Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2° - O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular.
§ 3° - A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. (BRASIL. Lei n. 9.394, 1996, art. 58).
O artigo 59 da Lei assegura ainda aos educandos com necessidades especiais:
I. Currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades;
II. Terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do Ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;
III. Professores com especialização adequada em nível médio ou superior para atendimento especializado, bem como professores de ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV. Educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como por aqueles que apresentem uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;
V. Acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível de ensino regular. (BRASIL. Lei n. 9.394, 1996, Art. 59).
Nesse sentido, a LDB assegura direitos para os alunos especiais e estabelece diretrizes, como serviços de apoio especializados, matriz curricular diferenciada, recursos educativos que atendam as necessidades dos educandos especiais, para se alcançar os objetivos referentes à concretização de uma educação inclusiva de forma plena, preferencialmente na escola regular.
A educação inclusiva se fortaleceu nos anos seguintes e ganhou novo reforço a partir de 2003, quando, com novas políticas, abre-se espaço para a educação especial na rede regular de ensino e, com isso, “ações a favor de uma escola mais inclusiva vão se materializando com mais clareza nas regras do jogo” (REIS, 2013, p. 132). Foi criado, em 2003, o Programa Educação Inclusiva: direito à Diversidade, a nível nacional, numa parceria entre o MEC e diversas entidades brasileiras e internacionais, com ações da Secretaria de Educação Especial (SEESP), tendo como objetivo expandir a política para a inclusão e modificar os sistemas educacionais em sistemas educacionais inclusivos. Para levar o programa a todos os cantos do país, foram estabelecidos municípios-pólo para formação de gestores e educadores inclusivos que, através de seminários regionais, se tornaram multiplicadores para outros municípios de suas áreas de abrangência.
Além disso, o Decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, que revogou o Decreto nº 6.571/2008, estabelece que o “dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado”, entre outros, mediante “garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades” (BRASIL, 2011), o que significa que o Estado tem o papel de garantir uma escola inclusiva para todos os seus cidadãos.
A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), surge no âmbito do MEC com a proposta de valorização das diferenças e a diversidade com seus conteúdos étnico-racial, geracional, de orientação sexual, de pessoas com deficiência, de gênero, regional, religioso, cultural e ambiental. A Secretaria foi criada no intuito de se discutir e promover maneiras para diminuir as injustiças sociais que ainda estão arraigadas na história da nossa educação.
Por sua vez, os documentos “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” (instituído pela Resolução nº 1, de 17 de junho de 2004) e “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva” (2008) comprovam o fortalecimento das políticas públicas para educação inclusiva e respeito à diversidade, pois ao propor e instituir medidas e ações com o objetivo de corrigir injustiças, eliminar discriminações e promover a inclusão social para todos no sistema educacional brasileiro busca, a partir de políticas públicas, promover uma educação de qualidade.
2 EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS NA PERSPECTIVA DA DIVERSIDADE
Conforme apresentado acima, a proposta dos documentos legais e dos posicionamentos dos estudiosos sobre o tema, permite-nos identificar como as políticas públicas atuam na promoção da educação para e na diversidade. Neste sentido, compreendemos que a política pública é uma:
Ação que nasce do contexto social, mas que passa pela esfera estatal como uma decisão de intervenção pública numa dada realidade social determinada, quer seja ela econômica ou social. Ainda, esclarece que as políticas públicas apresentam [...] o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações estas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil (BONETI, 2006, p. 76).
No contexto atual a implementação de políticas públicas educacionais referentes à perspectiva da diversidade reflete na escola pública brasileira, a exemplo de outros setores, influências de mudanças e de reformas vivenciadas e ao ser instituída, portanto, a escola é chamada a redefinir suas práticas pedagógicas para atender as mais diversas demandas: inclusão, diversidade, novas tecnologias, novas maneiras de ensinar. A partir das demandas instituídas nas políticas públicas inclusivas, é possível discutir sobre os avanços e as possibilidades na educação na e para a diversidade. Em contraponto, também é possível discutir sobre as limitações que envolvem o processo de implementação e prática dessas políticas no contexto educacional.
2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DA DIVERSIDADE: AVANÇOS E POSSIBILIDADES
É importante ressaltar as mudanças que ocorreram, em especial a partir da década de 1990 e, que marcaram a história brasileira por suscitarem mudanças de ordem política, econômica e social. Nessa década é formulada a Política de Educação Especial (1994) pautada nas diretrizes elencadas na Declaração de Salamanca.
Alguns documentos que materializaram os acordos internacionais como a LDB (Lei nº 9.394/96), o Plano Nacional de Educação – PNE (Lei No 10.172/2001) e as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Resolução nº 02/2001) revelam em seus conteúdos políticas que visam uma educação inclusiva na perspectiva da educação para e na diversidade. Os movimentos nesse sentido, presentes na legislação, apresentam indicativos de uma política que respeita e valoriza os alunos com necessidades especiais dentro das suas especificidades e potencialidades.
É possível reconhecer que houve avanços e mudanças no campo educacional que serviram para a reorganização do sistema de ensino. O Plano Nacional de Educação-PNE, Lei nº 13.005/2014, que vigorará por dez anos, prevê uma política educacional que afirma a escola como plural, democrática e aberta às diferenças. O documento mostra em sua meta 4 o tratamento dado à educação inclusiva e seus desdobramentos.
Meta 4: universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL. Lei n. 13.005, 2014).
A meta 4 acima mencionada do PNE tem como objetivo orientar e promover a prática de uma educação para e na diversidade. Ela prevê orientações para a mudança no sistema escolar no sentido de ampliar e melhorar o acesso a uma educação de fato inclusiva. A meta pode ser considerada um importante passo para a possibilidade de se pensar em uma educação inserida nos princípios democráticos e inclusivos.
As políticas revelam avanços no sentido de propor medidas para universalizar a educação, dando oportunidades iguais para todos de forma legalizada e legitimada. Nesse sentido, a legislação específica passa a ser um instrumento que visa garantir direitos aos alunos que necessitam de educação especial ou que sofrem com a desigualdade social, étnica, racial e cultural. E, com isso, visa assegurar a promoção de perspectivas educacionais para e na diversidade.
2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DA DIVERSIDADE: DESAFIOS E LIMITAÇÕES
Os avanços, em especial, na legislação, são inegáveis. Entretanto, a aplicação das políticas para e na diversidade ainda enfrenta desafios e limitações, tais como: escolas não preparadas, currículos inadequados, falta de formação de uma rede de apoio e professores sem a devida formação para educar para e na diversidade.
Embora a legislação brasileira tenha avançado dentro dos padrões internacionais, percebe-se que as leis e diretrizes políticas fixam normas, mas não garantem as condições necessárias para o seu cumprimento. Existem inúmeras barreiras que impedem que a educação inclusiva se torne realidade no dia a dia das escolas. Pensar a escola para e na diversidade no atual modelo escolar brasileiro é um desafio permanente, pois a escola e o docente precisam estar preparados para lidarem com toda a diversidade presente em sala de aula.
Percebe-se que os marcos regulatórios asseguram o acesso e a permanência de todos os alunos na escola, mas sabemos que não é pela força da lei que se faz inclusão. Ela tem, sem dúvida, um papel importante, na medida em que estabelece parâmetros e garante direitos. Mas, sem oferecer as condições necessárias, inclusive em relação a recursos financeiros, não produz os avanços necessários para sua efetivação com qualidade.
Por isso, consolidar a inclusão, em seu sentido mais amplo, é um processo a ser construído dia a dia, com ações continuadas, revisões/adaptações constantes e, em especial, com o fortalecimento de parcerias e redes. Governos, escolas, professores e sociedade precisam se mobilizar em torno de uma proposta viável para a educação inclusiva. Somente o esforço conjunto poderá produzir efeitos e mudanças significativas neste âmbito. Vilella, Lopes e Guerreiro (2013) indagam sobre qual é a escola desejada argumentando que “se o que se quer é uma escola democrática, na qual os direitos de todos sejam respeitados, é preciso refletir muito acerca deste assunto, já que é a partir da reflexão e da observação que se constrói a ação pedagógica” (VILELLA; LOPES e GUERREIRO, 2013, p. 3).
Barreto e Reis (2011) ressaltam que para se “trabalhar com a diversidade no contexto educacional é preciso considerar a singularidade de cada um, privilegiando suas competências”. A tarefa de incluir, de trabalhar para e na diversidade não é fácil. É preciso fomentar o debate entre todos os atores envolvidos no processo educativo, enfrentando os desafios e implementando ações que propiciem, de fato, o reconhecimento, a valorização e o respeito à diversidade. Para que haja a efetivação da inclusão na escola é preciso que as pessoas envolvidas no processo acreditem numa educação possível e aceitem e ampliem as ações necessárias para que de fato a educação inclusiva deixe de ser uma mera formalização garantida por documentos educacionais e passe a ser real nas escolas.
Para que a educação promova a inclusão na forma preconizada na legislação e garanta um ensino-aprendizagem de qualidade na rede regular é preciso, ainda, investir na adaptação das escolas, na reorganização do seu espaço físico, na readequação das matrizes curriculares, na criação de redes de apoio e, principalmente, na formação continuada dos docentes.
Por isso, frente a grande diversidade que compõe o ambiente escolar, vale ressaltar que o professor é agente fundamental no processo de inclusão. As políticas públicas voltadas para a formação do professor são essenciais e precisa incluir, na prática, ensinamentos que contemplem o respeito às diferenças que existem em sala de aula. O professor precisa receber uma formação que seja também inclusiva e centrada na diversidade. Para Reis (2013, p. 142) “essa questão ainda é um grande desafio para a implementação e concretização de práticas pedagógicas capazes de colocar em evidência a diversidade como ponto de partida para uma educação inclusiva”.
Pimenta (1999, p. 31) também ressalta a importância de mudanças nas escolas e na formação dos professores. Para a autora,
A formação de professores reflexivos compreende um projeto humano emancipatório. [...] as escolas de formação de professores necessitam ser reconcebidas como esferas contrapúblicas, de modo a propiciarem a formação de professores com consciência e sensibilidade social. Para isso, educá-los como intelectuais críticos capazes de ratificar e praticar o discurso da liberdade e da democracia (PIMENTA, 1999, p. 31).
Nesta persepctiva, é importante salientar que a formação inicial e continuada se faz necessária para a preparação do professor para estar frente aos desafios da sala de aula. Pensar o professor na esfera educacional é pensar como esse professor, em especial das séries iniciais, está sendo preparado para lidar com a diversidade e com a educação inclusiva. Alonso (2013, p. 4-5) destaca que “a transformação de paradigma na educação exige professores preparados para a nova prática, de modo que possam atender também às necessidades do ensino inclusivo”.
Tais necessidades, passam por várias dimensões políticas, sociais e humanas; deve-se romper com velhos paradigmas e promover transformações das práticas exclusidentes para práticas inovadoras. A esse respeito, Mantoan revela-nos que
A inclusão escolar envolve, basicamente, uma mudança de atitude face ao Outro: que não é mais um, um indivíduo qualquer, com o qual topamos simplesmente na nossa existência e com o qual convivemos um certo tempo, maior ou menor, de nossas vidas. O Outro é alguém que é essencial para a nossa constituição como pessoa e dessa Alteridade é que subsistimos, e é dela que emana a Justiça, a garantia da vida compartilhada (MANTOAN, 2004, p. 81).
A autora reforça a importância de ver o outro e de se colocar no lugar do outro e que a partir do outro somos constituídos e é dessa alteridade que teremos mudanças na sociedade. Incluir é, além de tudo, se desfazer de preconceitos, discriminações, aceitar as diferenças e respeitar a diversidade. É propiciar espaços, respeitar o outro, possibilitar que todos possam usufruir de direitos sociais, políticos e culturais.
Nesse cenário, o professor tem um papel importante no processo de inclusão e para exercer bem esse papel precisa ter uma formação que contemple a diversidade e estar aberto a práticas inovadoras. A formação docente é substancial para atuar frente à diversidade do aluno. Canen (2001) discute a formação inicial e continuada de docentes para a diversidade e ressalta, em seus estudos, a importância de reconhecer a diversidade dos universos culturais dos alunos. Nesse contexto, o docente deve trabalhar em prol de um projeto que promova a aprendizagem de todos, sem discriminação de raça, classe social, sexo ou padrões culturais. Cabe ao professor trabalhar um projeto pedagógico amplo, diversificado e aberto, que possa atender aos universos culturais desses alunos.
A par de tantos desafios, para que haja uma política voltada para a diversidade, verdadeiramente inclusiva, ainda há um longo caminho a percorrer, seja na avaliação/adequação das condições dos estabelecimentos de ensino, seja na forma de assegurar os recursos financeiros, no apoio pedagógico, nas mudanças curriculares, ou, em especial, na formação continuada dos professores que fazem parte desse processo.
A análise das políticas públicas no contexto da educação e diversidade permite-nos perceber que essas políticas são determinadas pelo Estado no sentido de diminuir as desigualdades produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. No entanto, a educação ainda precisa desafiar as barreiras que impedem a implementação real dessas políticas. E o Estado, por sua vez, deve promover a mediação entre as diferentes reivindicações, definindo e intervindo na educação por meio da legislação educacional (leis, decretos e pareceres). Deve-se adotar ferramentas que permitam acompanhar a implementação e o cumprimento desses dispositivos. Verifica-se, portanto, que a implantação das políticas públicas para e na diversidade precisa ser revestida de qualidade para a valorização dos diferentes sujeitos e grupos culturais no âmbito educacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade atual clama e exige o respeito à diversidade e espera por políticas que possam garantir o pleno exercício da cidadania dos “diferentes” ou “especiais” nos mais diversos espaços. Atuar sob normas específicas, como as determinadas pela Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, representa um começo e um avanço para tal, mas não garante, ainda, uma educação com práticas pedagógicas que atendam as necessidades de todos.
Percorrer esse caminho sobre a diversidade e analisar os avanços e as limitações na legislação brasileira para, num esforço conjunto, implantar a educação inclusiva no Brasil, exige um olhar mais aguçado e crítico sobre o problema e sobre a forma como ele é tratado. Cabe ao Estado, às escolas e aos professores adotarem novas posturas, se adequarem às exigências, nem sempre fáceis, da educação inclusiva. Isso com o objetivo de evidenciar no dia a dia e nas práticas pedagógicas o respeito e a valorização do ser humano na sua essência, princípios primordiais no trato da diversidade.
Neste sentido, devemos levar em conta que, enquanto ser humano, é a diferença que nos singulariza, que nos caracteriza e nos identifica. Mas para que tais diferenças sejam, de fato reconhecidas e respeitadas, é preciso que o poder público garanta às escolas as condições necessárias de receber todos os alunos, mas, acima de tudo, garantir também a permanência e a aprendizagem de todos. Ao professor, a qualificação necessária para lidar com as diferenças, oferecendo-lhe uma formação inicial e continuada, que acompanhe as necessidades de todos os alunos e da sociedade, em geral.
A par das reflexões que nortearam este texto, é possível perceber que muitas das iniciativas para inclusão nasceram de movimentos sociais e que essas políticas somente se sustentarão se contar com uma rede de apoio que envolva toda a sociedade. Este é o grande desafio para que a inclusão, de fato se materialize com a qualidade esperada por nós, professores, pais, alunos e envolvidos neste processo.
REFERÊNCIAS
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