DIREITO À EDUCAÇÃO: UM DIREITO HUMANO – A ATUAÇÃO DOS OPERADORES DO DIREITO NA SUA EXIGIBILIDADE
Resumo: O Direito à Educação, garantido constitucionalmente e em documentos internacionais, tem sido cada vez mais requerido na sociedade contemporânea. Sua positivação é fruto de um longo processo de lutas e reivindicações de vários setores sociais. A exigibilidade do Direito à Educação perpassa pela Justiça e pelos operadores do direito que buscam atender às solicitações feitas pelo cidadão e assegurar-lhes a efetivação de seus direitos. Esse artigo apresenta um recorte teórico do estado da arte referente ao tema da pesquisa de doutorado, ainda em andamento. A partir desse levantamento é possível constatar os possíveis canais de acesso à Justiça e aos operadores do direito assim como os empecilhos e conquistas identificados nesse processo.
Palavras-chave: direito à educação; direito humano, operadores do direito
Introdução
A positivação de direitos num Estado Social e democrático tem por finalidade estabilizar expectativas sociais. É por meio do estabelecimento de normas que orientam condutas e ações e da existência de instituições destinadas à vigência dessas normas que todo um sistema de Justiça se consolida e se torna necessário. Como um mecanismo socialmente concebido, o direito perde sua autoridade quando suas normas não são respeitadas e quando suas instituições abdicam de suas funçõe
Conceber novas formas de pensar o direito por meio de novos procedimentos, conceitos e instituições para que a população secularmente menos favorecida tenha ampliada sua autonomia e bem-estar constitui o grande desafio para a sociedade democrática e de direito. É necessário, então, que o judiciário crie mecanismos adequados de monitoramento das políticas públicas destinadas à Educação e da própria legislação vigente como um todo.
Quando as políticas públicas são formuladas de forma inadequada em relação à Constituição ou às leis, desconsiderando procedimentos ou a participação de atores indispensáveis, atentando assim, contra os Direitos Fundamentais, é preciso que o Judiciário e demais instâncias de aplicação da lei se posicionem e interfiram. Tais ações convergem com sua função de estabilizar expectativas no estabelecimento de normas e seu cumprimento.
No que tange à questão educacional, apesar da deferência com que devem agir os juízes e demais operadores do direito perante as decisões políticas, podem averiguar o processo de formulação da política pública para constatar se sua elaboração ocorreu em conformidade com a legislação, inclusive para conferir se a aplicação dos recursos educacionais segue as normas ou se há algum tipo de distorções ou discriminação de regiões.
Tanto o Judiciário, quanto os operadores do direito, sejam eles o Ministério Público e Defensorias, Conselhos deliberativos e Conselhos tutelares estão habilitados a envolverem-se em discussões mais aprofundadas, quando o corpo político e mesmo gestores falham em sua atuação. Essa intervenção tem ocorrido por meio de pedidos e aplicação de ‘remédios constitucionais’, feitos individualmente, mas que se configuram como problemas complexos de demandas coletivas. Falta, nesse sentido, que tais operadores sejam mais ousados em suas ações e determinações para o atendimento de um maior número de beneficiados, garantindo o cumprimento pleno das aspirações constitucionais, concernentes ao Direito à Educação.
a) Educação: um Direito Humano, Fundamental e Social
O Direito à Educação, constitucionalmente garantido, é resultado de um intenso esforço e mobilização de diversos setores da sociedade ao longo da história brasileira. Internacionalmente, esse direito foi impulsionado por diferentes tratados internacionais, tendo como principal referência seu reconhecimento como um Direito Humano. Conforme Cury (2013, p.106), “as formas de proteção desse direito são variáveis de País a País, dentro de seu ordenamento jurídico interno e por meio de compromissos declarados e assumidos também no âmbito internacional”.
No Brasil, o Direito à Educação encontra-se garantido desde a Constituição de 1824. Ainda que a Educação formal tenha iniciado no Brasil desde 1549, com a chegada dos Padres Jesuítas, sua garantia como um direito só veio acontecer muito tardiamente, em 1824. O Direito à Educação, naquele momento, encontra-se registrado como o Direito à Instrução. Era um direito restrito a poucos e de forma muito peculiar (POMPEU, 2005; CUNHA, 2013).
A partir de então, o Direito à Educação passou por diversas alterações e transformações quanto à sua cobertura, previsão e financiamento. Em 1891 o Direito à Educação é reformulado; em seguida, em 1934 é ampliado e normatizado; já em 1937 esse e outros direitos retrocedem em termos de vinculação orçamentária e suspensão. Em 1946, são retomados os princípios de vinculação orçamentária e obrigatoriedade do Estado quanto ao Direito à Educação, presentes nas Constituições de 1891 e 1934. Já em 1967, retrocede novamente, do ponto de vista orçamentário e de liberdade acadêmica (GUIMARÃES-IOSIF, 2009, CUNHA, 2013).
No contexto internacional, esse direito foi reconhecido como um Direito Humano na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. Em seu art.26, declara a obrigatoriedade e gratuidade do Direito à Instrução elementar, no sentido de garantir o desenvolvimento pleno da personalidade humana.
A partir de então, vários documentos e acordos foram escritos no sentido de oferecer cobertura a um maior número de estudantes em idade escolar (crianças, mulheres e meninas, pessoas com deficiência) e garantir o cumprimento desse direito que, por ser abrangente, torna-se “essencial para o exercício de todos os outros direitos humanos” (SINGH, 2013, p.23).
Em 1966, esse direito é referendado no art. 13 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Conforme esse documento, o pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade é o que deve visar a Educação como um direito, de forma a reforçar o respeito pelos direitos do homem e das liberdades fundamentais. Nesse sentido, o objetivo primordial da Educação é habilitar o sujeito a exercer uma função numa sociedade livre.
Essa concepção de Educação e suas finalidades é reforçada mais à frente, em 1988, no Protocolo de São Salvador. No art.13 desse documento, o objetivo da Educação é definido como promover o “pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade, fortalecendo o respeito pelos Direitos Humanos e pelo pluralismo ideológico, pelas liberdades fundamentais, pela justiça e pela paz”. Num contexto geral, a Educação, conforme os documentos internacionais, deve ser garantida como um direito destinando-se a capacitar as pessoas a atuarem ativamente numa sociedade democrática e pluralista e encontrar, por meio dela, meios de subsistência dignos.
Como um direito internacionalmente reconhecido, a educação precisa constar como item prioritário na agenda política para o desenvolvimento nacional. No entanto, a marginalização, a discriminação e a exclusão, frutos de intensa pobreza, ainda são fortes impedidores para sua efetivação.
O Direito à Educação consiste na obrigação do Estado, juntamente com a família, de garantir a Educação pública, laica e gratuita a todos os estudantes em idade escolar. Bobbio (1992), ao discorrer sobre o Estado de Direito, afirma ser este o Estado dos cidadãos pois, além dos direitos privados, também lhes estão garantidos os direitos públicos como dever do poder público, representado pelo Estado.
A Educação está garantida na Constituição Federal como um Direito Fundamental e Social e será ofertada a partir dos seguintes princípios
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade; VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal (BRASIL, 2016a).
Tais princípios delimitam as ações do Estado e suas políticas no sentido de prestar os serviços educacionais de forma equitativa e qualitativa. Conforme Castilho (2016), a Educação é um direito que apresenta múltiplos aspectos sendo, ao mesmo tempo um direito social, econômico e cultural.
Direito social porque, no contexto da comunidade, promove o pleno desenvolvimento da personalidade humana. Direito econômico, pois favorece a autossuficiência econômica por meio do emprego ou do trabalho autônomo. E direito cultural, já que a comunidade internacional orientou a educação no sentido de construir uma cultura universal de direitos humanos (CASTILHO, 2016, p.2).
No entendimento jurídico, a Educação é, “um Direito Fundamental Social, é direito individual e também direito difuso e coletivo, de concepção regida pelo conceito de dignidade humana. É igualmente dever fundamental” (RANIERI, 2013, p.55). Aos seus titulares e sujeitos passivos cabem obrigações de fazer e não fazer de formas diversas e inexauríveis exigindo, por isso, atendimentos diferentes. Para a referida autora, esse direito apresenta um regime jurídico complexo, pois, “envolve diferentes poderes e capacidades de exercício, com a inerente sujeição ao regime jurídico específico dos direitos fundamentais, mesmo dependendo de prestações materiais e de recursos financeiros” (RANIERI, 2013, p.55).
Do ponto de vista político, econômico e social, a efetivação do Direito à Educação permite a emancipação e integração dos sujeitos aos diferentes contextos sociais, beneficiando, concomitantemente, o sujeito em seus contextos e sua coletividade.
Atualmente, questiona-se a capacidade do direito de contribuir para a promoção de valores e direitos como a educação e sua efetivação. Assegurar na Constituição brasileira o direito à educação pode ter duas conotações diferentes: o atendimento às necessidades da infância, como previsto em lei, ou a invenção de uma ilusão de algo desejado mas distante de ser concretizado por falta de ação do poder públicos e dos setores responsáveis. “Ou seja, a enunciação do direito é apenas um ponto de partida” (VIEIRA; ALMEIDA, 2013, p.12).
No que diz respeito à realização do direito à Educação, o maior problema apontado é a escassez de recursos. É o principal entrave atribuído pelo poder público (BOBBIO, 2004). Encontra-se aí um descompasso entre o previsto em lei e o aplicado, ‘entre a norma e a realidade’. Some-se a isto a falta de disposição dos setores responsáveis em fazê-lo e a desigualdade de tratamento, tanto humano quanto material das escolas, ampliando as diferenças de oportunidades e, por conseguinte, o desequilíbrio social (VIEIRA; ALMEIDA, 2013, p.13).
b) A Justiça, os operadores do direito e suas atribuições
A relevância da atuação da Justiça frente às demandas sociais e políticas ganhou visibilidade e ascensão em muitos países e em diferentes campos do saber na década de 80. Essa visibilidade resultou de uma crescente importância atribuída à Justiça ocorrida a partir da década de 70 do século passado (ESTÊVÃO, 2001).
Diante dessa importância, muitos autores têm se esforçado por identificar a ‘boa teoria’ de justiça e de confrontá-la com diferentes abordagens mobilizando conhecimentos de caráter filosófico, político, jurídico, ético, sociológico e organizacional. Tais abordagens perpassam pelos conceitos de bem comum, de equidade, de comunidade, de direitos humanos, de multiculturalismo e de democracia. Apesar da grande importância exercida pela Justiça, no contexto socioeconômico atual, “a concepção de Justiça tende a ser minimalista, isto é, confinada quase só à garantia do acesso a um determinado bem social” (ESTÊVÃO, 2001, p.7-8).
No sentido jurídico as concepções de justiça se diversificam possibilitando interpretações variadas sobre o discurso da justiça. Perpassam por diferentes sentidos como o de tolerância, de utilidade, de respeito pela pessoa e por sua liberdade.
No contexto educacional, conforme propõe o autor,
a Justiça será enquadrada nas questões da gestão e distribuição de interesses e de poder, na problemática dos direitos que excede o quadro normativo de um país, no contexto da democracia e da igualdade; isto é, ela será estudada sobretudo nas suas dimensões sociológicas e políticas, tendo presente a sua aplicação ao campo da educação e mais especificamente ao contexto da escola enquanto organização complexa (ESTÊVÃO, 2001, p.8).
No que concerne a uma possível intervenção pública nas esferas de domínio social, todos os cidadãos devem receber igual tratamento, mesmo que suas posições na estrutura social se diferenciem. Essa é uma concepção vigente nas atuais sociedades democráticas. Nesse sentido, a Justiça compreendida “como uma distribuição justa de bens sociais, é essencial a qualquer sociedade para que esta sobreviva como uma comunidade política adulta e democrática” (ESTÊVÃO, 2001, p.11).
A legitimação de um Estado perpassa pela Justiça e sua afirmação. Nesse quesito, a Justiça, como um de seus aspectos, não se constitui somente como uma questão funcional para sua manutenção. Sua dimensão normativa é essencial para os Estados, pois, ao estabelecer limites no âmbito de ofertas no atendimento aos direitos e nas perdas geradas por esse não atendimento que se constitui um padrão de justiça.
No Estado social a tarefa se encontra fundada na dialética da igualdade jurídica e da igualdade real. A justiça e a igualdade, verdadeiramente, adquirem um sentido mais incisivo e substantivo do ponto de vista social, pois se intenta ir além do formalismo do Estado liberal e visar à igualdade real com expressão designadamente em matérias de direito interno (ESTÊVÃO, 2001, p.14).
A ideia basilar do Estado Social é a da justa oferta dos benefícios sociais. Este, ao defender um padrão de justiça comum, se legitima. O Estado Social visa, pois, “compensar as desigualdades e as injustiças e assegurar sobretudo os direitos sociais”, os quais significam “a criação de burocracias necessárias ao Estado providência, do ponto de vista funcional, e a criação de direitos compensatórios para uma justa participação na riqueza social, do ponto de vista normativo” (HABERMAS, 1997, p.93).
Após concisa conceituação da Justiça e sua relação com o Estado Social, se faz necessário esclarecer e discorrer sobre os Operadores do Direito. O operador do direito pode ser compreendido como qualquer pessoa, dentro do âmbito jurídico, que atue diretamente na defesa dos direitos garantidos constitucionalmente. Pode ser um juiz, um advogado, um delegado ou membro do Ministério Público e Defensoria Pública (MOREIRA, 2016).
Em se tratando de resguardar os direitos da infância e da juventude, um Sistema de Garantia desses direitos se faz necessário. Para desempenha-lo um conjunto de operadores institucionais entra em ação. O Sistema de Garantias, considerando o conteúdo da prestação ao destinatário final do atendimento pode se diferenciar, conforme as políticas básicas: de proteção especial e socioeducativas, sistema administrativo de atendimentos e as áreas relacionadas às políticas setoriais.
Quanto à proteção especial e socioeducativa, os organismos operadores são representados pelo “Sistema de Justiça, conforme estejam os órgãos relacionados à atividade jurisdicional – Poder Judiciário, Ministério Público, Política Civil, Política Militar”. O sistema administrativo de atendimento, “quando relacionados os órgãos, serviços e programas governamentais ou não governamentais que executem as medidas de proteção especial e socioeducativas”, além de recorrer aos operadores acima citados, também inclui como organismos operadores os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares, situados na esfera do Poder Executivo (BRANCHER, 2000).
As áreas relacionadas às políticas setoriais, quais sejam: sistema de saúde, sistema de ensino e sistema de aprendizagem, e outros, segundo Brancher (2000), embora se situem no sistema administrativo, sua atuação não se ajusta a catalogação específica.
Nesse sentido, um complexo de instrumentos compõe o sistema de proteção dos direitos fundamentais. Esses instrumentos, propensos a proteger e garantir a plena realização dos direitos fundamentais distingue-se, por sua natureza, em normativos, processuais ou institucionais.
A proteção processual, com relação à jurisdição constitucional das liberdades, se apoia num “complexo de ações, civis ou penais, sob procedimentos especiais, providas de índole constitucional, com vistas à tutela da efetividade dos direitos fundamentais”. São os chamados remédios constitucionais (MORAES, 2000, p.53).
Os instrumentos processuais de proteção dos direitos fundamentais se valem do manejo dos remédios constitucionais, quais sejam: o habeas corpus, o mandado de segurança, o mandado de injunção, o habeas data, a ação popular, a ação civil pública e a arguição direta de descumprimento de preceito fundamental. Tais remédios, conforme Moraes (2000, p.46) “franqueiam o exercício da jurisdição constitucional das liberdades”.
Dessa forma, dois sentidos vetoriais distintos se apresentam quanto às relações entre processo e Constituição
no sentido Constituição-processo, ter-se-á a tutela constitucional do processo, condicionada por determinados princípios inscritos no ordenamento constitucional, como o do devido processo legal e o da inafastabilidade do controle judicial; no sentido processo-Constituição, dar-se-á a jurisdição constitucional, na medida em que tutela a validade das leis e dos atos normativos e a efetividade dos direitos fundamentais (MORAES, 2000, p.46).
Conforme previsto na Constituição Federal, cabe ao Ministério Público “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Dentre outras funções atribuídas, cabe ao Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados, promovendo as medidas necessárias a sua garantia” (BRASIL, 2016). Nesse sentido, os operadores do direito, atuantes em defesa do Direito à Educação podem aqui serem configurados pelo Ministério Público e Defensoria Pública, representados por um promotor de justiça ou advogado público. No sentido de garantir a efetivação dos direitos da Criança e do Adolescente, conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2016b), tem-se ainda o operador do direito na figura do Conselho Tutelar e os Conselheiros que os representa.
Num levantamento do Estado da Arte sobre a atuação desses operadores na exigibilidade do Direito à Educação, foi possível identificar as ações desempenhadas, os ganhos sociais e empecilhos encontrados para sua eficiente atuação.
c) Da exigibilidade à efetivação do Direito à Educação: trâmites, empecilhos e conquistas
A exigibilidade consiste, conforme o Dicionário Michaelis (2014), na qualidade de exigível. É uma característica ou peculiaridade do que é exigível; aquilo que se consegue cobrar ou exigir. Portanto, exige-se o que está garantido.
Atualmente, esse direito encontra-se garantido e normatizado em diversos textos legais, desde a Constituição Federal de 1988, num capítulo inteiro a que lhe foi destinado; no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990; e, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
Somente em 1988, o Direito à Educação é considerado um Direito Fundamental e Social inscrito no Título II, da Constituição Federal que trata ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’ e cap.II do art.6º ao 11, que trata ‘Dos Direitos Sociais’. Mais à frente, no cap. III que trata ‘Da Educação, da Cultura e do Desporto’, a Educação encontra-se inscrita no Título VIII ‘Da Ordem Social’, onde apresenta nos art. 205 a 214 sua concepção, princípios, previsão, cobertura e responsáveis (BRASIL, 2016a).
No Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, o cap.IV que trata ‘Do Direito à Educação, da Cultura, ao Esporte e ao Lazer’ inscrito no Título II que trata ‘Dos Direitos Fundamentais’, reafirma os preceitos constitucionais acerca do Direito à Educação nos art.53 a 59. Esse capítulo traz o conceito e objetivo da Educação conforme constam nos documentos internacionais. A Educação é destinada ao pleno desenvolvimento da pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Traz como diferencial, o direito dos estudantes de questionarem seus educadores quanto ao tratamento que lhes é dado, aos critérios avaliativos empregados, à participação em grupos representativos da escola e na tomada de decisões e, na escolha de uma escola próxima à sua residência (BRASIL, 2016b).
Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ratifica a Educação como um Direito, normatizando sua oferta, organização e previsões. No Título I que trata ‘Da Educação’ é definido o conceito de Educação, a partir dos processos formativos que permeiam a vida das pessoas em seus diversos contextos e fases da vida, estabelecendo a educação escolar como o meio formativo a ser desenvolvido em instituições culturais. No Título II, que trata ‘Dos Princípios e Fins da Educação Nacional’ encontra-se definida a responsabilidade da Educação como sendo um dever, primordialmente, da família e do Estado. Estabelece os princípios da Educação, em convergência com os princípios previstos nos documentos já citados e com os dos Direitos Humanos. E, o Título III, que trata ‘Do Direito à Educação e Do Dever de Educar’ onde encontram-se firmadas as garantias de oferta e níveis previstos, atendimento ao educando e níveis ‘mínimos’ de qualidade. Também, a Educação e seu acesso ao Ensino Fundamental é definida como um direito subjetivo, passível de exigibilidade por qualquer cidadão comum, entidade representativa ou pelo Ministério Público (BRASIL, 2016c).
Nesse contexto, a exigibilidade do Direito à Educação torna-se um interessante tema a ser estudado e analisado. Assim, o levantamento do Estado da Arte sobre esse tema com o intuito de desenhar o problema de pesquisa desenvolvido pelos autores é aqui apresentado de forma breve e resumida.
Considerando o Direito à Educação sob o Princípio da Dignidade da pessoa humana, Assis (2012) analisou a atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas educacionais na efetivação desse direito. Assim, constatou que, ao defender o Direito à Educação, o Ministério Público o faz de forma limitada e “com soluções temporárias devido à falta de diálogo entre os Poderes” (p.155). A autora entende que “a Judicialização é uma atitude importante e válida para a consolidação e discussão do Estado Democrático de Direito” (p.161), que o “diálogo entre poderes e o Ministério Público é multilateral” (p.163) e que acreditar que um único Poder detém todo conhecimento necessário para decidir sobre e para a sociedade é incorrer em erro que pode ser danoso ao exercício pleno de um direito, colocando em risco o Estado Democrático de Direito.
Diante do considerável número de ações judiciais existentes nos diversos âmbitos sociais, em específico no educacional, Assis (2012) propõe que o Ministério Público e o Conselho Tutelar podem valer-se do diálogo com o Poder Executivo e estabelecer um Termo de Consentimento de Ajustamento de Conduta (TAC) considerando os planos e leis orçamentárias, assim com os projetos e programas já existentes, de forma a agir conjuntamente com esse Poder, conforme um cronograma de ações específico, criado para tal.
Basilio (2009, p.6) analisou “qual a concepção de educação mais adequada ao exercício da cidadania no Estado Democrático de Direito”, tendo como objeto de estudo o Ensino Fundamental. Partindo do preceito de que o Direito à Educação é um Direito Social e fundamentada na teoria dos Direitos Humanos e nos princípios da Constituição Federal de 1988, a autora buscou identificar sua proteção. Também, analisou a justiciabilidade desse direito dada sua classificação como direito público subjetivo.
A autora esclarece que “a judiciabilidade dos direitos sociais, conforme posicionamento já consolidado nos tribunais, reconhece a necessidade da administração pública atuar em estrita conformidade com os ditames constitucionais, reafirmando a vinculação de sua atividade aos limites constitucionalmente estabelecidos (BASILIO, 2009, p.129).
No entanto, a efetivação do Direito à Educação não ocorre em conformidade com sua positivação. Esse direito apresenta um déficit qualitativo nos vários âmbitos de sua efetivação, sejam eles administrativos, financeiros e pedagógicos. A má gestão educacional, juntamente pela não atuação da sociedade civil organizada, é marcada por programas e projetos de alto custo e de curta durabilidade. Característicos de programas e projetos de governo e não de Estado.
O desafio que se apresenta é efetivar uma Educação de qualidade, garantida constitucionalmente. É imprescindível que a sociedade civil atue, juntamente com entidades legitimadas, na defesa e exigibilidade do Direito à Educação. “O Ministério Público e a Defensoria Pública que, legitimados à propositura da ação civil pública, têm o dever institucional de buscar a plena realização desse direito” (BASILIO, 2009, p.132).
Silveira (2006) investigou a atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público na efetivação do Direito à Educação Básica em duas cidades do interior de São Paulo no período de 1997 a 2004. Nesse trabalho, verificou como o Direito à Educação encontrava-se positivado na legislação pública brasileira, assim como na literatura pesquisada. Também, como o Ministério Público pode contribuir na efetivação desse direito, conforme suas atribuições legais.
Dessa forma, foi possível apontar algumas possibilidades de ações do Ministério Público, como no caso de exigir junto ao poder público o acesso da população à educação infantil, bem como de destacar a importância do diálogo nesse processo e do trabalho conjunto com a sociedade civil organizada.
No entanto, conforme conclusões da autora, o caráter qualitativo da educação pública na exigibilidade do Direito à Educação ainda está distante do prescrito constitucionalmente. A exigibilidade desse direito demanda do Promotor de Justiça um perfil de atuação mais ativo, junto às demandas educacionais, assim como dos membros do Ministério Público e de suas reais condições de trabalho.
A autora analisou a atuação dos Promotores de Justiça “considerando a frequência, a origem, a natureza e as solicitações feitas ao MP e/ou por eles demandadas ao poder público além de procurar caracterizar as consequências de ação do MP para garantir o Direito à Educação” (2006, p.211-212). Em sua pesquisa, identificou como ações da Promotoria. Em sua pesquisa, identificou ações judiciais da Promotoria de Justiça, como mandatos de segurança para garantir as vagas solicitadas e, extrajudiciais, garantindo vagas solicitadas em outras escolas que não as pretendidas pelos solicitantes; também, por meio de diálogo entre partes interessadas para solucionar problemas identificados como a construção/ampliação de equipamentos escolares.
No entanto, a compreensão da Promotoria de Justiça no que concerne ao Direito à Educação se restringe ao texto constitucional, àquilo que está explícito na Carta de 1988 em relação à Educação Fundamental.
Considerações Finais
Concernente ao Direito à Educação, diante do exposto e considerando as omissões do poder público na efetivação de direitos garantidos constitucionalmente, o sistema jurídico e os operadores do direito poderiam atuar de forma mais direta na busca por soluções.
A sociedade civil organizada desempenha um importante papel nesse sentido. É preciso, pois, garantir a vitalidade de grupos mobilizados como associações de pais para a efetivação da lei e dos direitos dos estudantes de estudar e de aprender. Também, de instituições políticas e jurídicas abertas a novos mecanismos de participação direta, pelo uso de novas tecnologias da informação e comunicação garantindo transparência nos processos, nos debates e consultas públicas.
Um dos problemas apontados sobre a legitimidade do envolvimento do Judiciário na efetivação das políticas públicas de educação é o fato de ser arriscado, na perspectiva democrática, que um juiz, que não responde por suas escolhas, tenha a responsabilidade de avaliar e eventualmente corrigir uma política pública (CAMPILONGO, 2002; FARIA, 2002). No entanto, sua interpretação das normas jurídicas, sustentada pela formação profissional e percepções que tenha sobre o Direito à Educação, norteará sua compreensão e suas decisões.
Ao atender às demandas apresentadas pela sociedade, no que diz respeito ao Direito à Educação, o Judiciário brasileiro tem desempenhado um papel de caráter reativo, em casos individuais, não demonstrando capacidade de indicar soluções frente a violações massivas de direitos. Esse tipo de intervenção do Judiciário, de maior amplitude, garantiria a efetivação desse direito a um maior número de beneficiados, de forma global e qualificada.
Referências
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