UM COLÉGIO DENTRO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: QUE LUGAR É ESSE?
Resumo: A presente pesquisa tem o objetivo de apresentar e analisar, a partir de uma visão política e inclusiva, a criação do primeiro e único Colégio da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Foram analisadas algumas das condições que possibilitaram a prática de um modelo de educação crítico-reflexivo no Colégio da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, contrariando uma estrutura de poder hierarquizada, marcada por uma história de profunda relação com a ditadura militar fluminense. O estudo também objetivou analisar os reflexos das políticas públicas educacionais no âmbito da administração da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que em seus duzentos e sete anos de existência pela primeira vez ofereceu educação básica a jovens dependentes e não dependentes de policais.
Palavras-chave: Educação; Inclusão; Polícia Militar
O interesse pelo presente estudo nasceu, a partir da experiência como Diretora Pedagógica do Colégio da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, a partir do ano de 2010 até o momento. O CPMERJ, única escola de nível fundamental e médio criada pela Polícia Militar, foi inaugurada em 06 de março do ano de 2006, através do decreto nº 38.731 de 09/01/06, com o intuito de oferecer educação básica aos dependentes dos policiais militares ativos e inativos e às crianças e jovens, não dependentes, que residissem na comunidade local. No início do seu funcionamento, o colégio foi procurado, majoritariamente, por dependentes de policiais militares, dentre eles crianças e jovens órfãos, filhos de policiais mortos em serviço. O espaço educacional criado para oferecer ensino gratuito, tornou-se também umespaço de reencontro dos jovens órfãos com uma parte da história de seus pais. Lá, muitos alunos reencontravam os ritos e tradições, da Corporação Militar, que faziam parte da rotina dos seus falecidos pais. Segundo dados estatísticos do ano de 2015, do Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, dezessete policiais militares foram mortos em serviço até o mês de setembro daquele ano.
O quadro de constante insegurança em que estão inseridos policiais militares e seus familiares tem sido uma realidade frequente, em contraposição ao belo cenário fluminense. Nos noticiários dos veículos de comunicação não é raro ouvir informações sobre policiais mortos ou feridos em confrontos, ou vitimados ao serem simplesmente identificados como policiais por criminosos. No decorrer da existência do CPMERJ, em consequência dessa realidade, inúmeros foram os dependentes de policiais militares que realizaram o concurso para ingressarem ao colégio, em busca de segurança, uma vez que ser identificado como dependente de um policial militar representavam preocupações e riscos também.
Diante, de tais realidades de insegurança e violência o Governo do estado do Rio de Janeiro em 2009 cria o Colégio da Polícia Militar. No primeiro ano de funcionamento o colégio ofereceu vagas, a partir do 1º ano do ensino fundamental até o 5º ano. No entanto, as atividade dos anos iniciais do ensino fundamental foram encerradas no ano de 2014, permanecendo apenas os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio.
O ingresso para o Colégio da Polícia Militar do RJ se dá através de concurso, em que 60% das vagas são oferecidas aos dependentes de policiais militares, 30% aos órfãos de policiais militares mortos em serviço e 10% das vagas oferecidas aos jovens que residem nos arredores da comunidade local. Durante o processo seletivo os alunos aprovados e seus familiares são entrevistados, a fim de que a administração mapeie as motivações que os levaram a escolher o colégio. No percurso da presente pesquisa (2014 e 2015) foram entrevistados 54 (cinquenta e quatro) famílias. O resultado revelou que 64% dos dependentes de policiais militares entrevistados desejavam ingressar no CPMERJ porque sofriam ameaças e/ou bullying, nas escolas que estudavam anteriormente, por serem filhos, sobrinhos ou enteados de policais militares. Outro resultado analisado na pesquisa revelou que 57% dos órfãos de policiais militares entrevistados desejavam ingressar no CPMERJ porque queriam seguir a carreira de seus pais, como forma de continuar suas histórias interrompidas. Diante das informações e expectativas apresentadas pelos entrevistados e vivências observadas ao longo da pesquisa, pode-se perceber que o Colégio da Polícia Militar representava uma continuidade das experiências e tradições herdadas pelos órfãos dos policiais falecidos, bem como um lugar onde filhos de policiais ativos não precisavam esconder sua condição de dependente de um profissional de segurança pública.
No entanto, existiam outros desafios. Por ser o primeiro e único colégio destinado a oferecer educação básica, como encaixá-lo na estrutura administrativa da PMERJ? O CPMERJ desde a sua gênese nunca esteve vinculado ao sistema público de ensino, tendo todos seus gastos custeados pela Polícia Militar. Portanto, a Diretoria Geral de Ensino e Instrução da PMERJ, responsável por todas as Unidades de Ensino da instituição, ficou responsável pela supervisão e planejamento das atividades do colégio. No entanto, até o ano da criação do colégio, ao longo dos dois séculos de existência da PMERJ, a Diretoria só havia planejado e administrado Unidades de Ensino voltadas para a formação profissional da mão de obra da Corporação, nas escolas de formação de oficiais e de praças. Assim, o desafio de trabalhar em um colégio que representaria a quebra de paradigmas educacionais se tornariam maiores, a medida que era necessário o fomento de uma cultura institucional, não mais voltada apenas para o adestramento militar, mas para uma formação humanística e libertária dos jovens educandos do CPMERJ.
Uma outra questão que mereceu apreciação investigativa foi o fato de corpo docente, gestores e monitores de disciplina ser compostos de policiais militares que possuem habilitações para as respectivas atividades. Ou seja, todo corpo dos profissionais de educação do colégio era de militares. No entanto, esses policiais não pertenciam a um quadro de professores, ou um quadro de educadores da PMERJ. Esse fato se deve pelo fato da Polícia Militar do RJ não ter em sua estrutura um quadro de profissionais do magistério. Sendo assim, os policiais militares que trabalham no CPMERJ como docentes, também atuavam em eventos como carnaval, Reveillon e manifestações populares de grande vulto na condição de policiais combatentes por formação. Dessa forma, a função de professor era constantemente atravessada pela função policial combatente permeada por ações coercitivas. Assim, a possibilidade dessa dicotomia estar presente nas práticas pedagógicas eram grandes e reais.
Verificou-se com tal circunstância funcional que a falta de um quadro oficial composto por militares que atuem exclusivamente como professores, apontava para uma possível secundarização da importância das atividades educacionais no Colégio da Polícia Militar no seio da instituição. No entanto, percebeu-se que a existência de um colégio, cujos profissionais são prioritariamente formados para serem militares antes de serem educadores, acabou tornando-se um grande atrativo para os pais desejosos de uma cultura escolar militarizada para os seus filhos. Talvez, esse desejo decorresse da esperança de encontrar em uma escola militarizada, regida por normas e condutas hierarquizadas, uma educação pautada em princípios disciplinares bem marcados.
Os casos de indisciplina escolar vêem se tornando eventos cada vez mais frequentes no interior das escolas de diversas localidades e culturas. O atual cenário escolar permeado de alunos indisciplinados, de fato, não é um assunto inédito, tampouco exceção. Está presente em todos os âmbitos educacionais (REGO, 1994). De acordo, com Boarini (2013), a indisciplina escolar é um fenômeno sem nacionalidade, endereço e classe social. O tema encontra quase sempre espaço nas pautas de reuniões escolares, aparecendo como um dos principais elementos complicadores da prática pedagógica da sala de aula e como um grande obstáculo na relação professor - aluno. (AQUINO, 2003)
O desafio da sala de aula, com sua pluralidade de personalidades, torna-se ainda maior quando as práticas pedagógicas encontram como concorrentes, ações que promovem o desarranjo das normas estabelecidas, ou que simplesmente, denotem o desconhecimento delas (TAILLE, 1994). No entanto, cabe aqui ressaltar que as ações consideradas infringentes às regras de condutas escolares são variáveis, de acordo com as normatizações estabelecidas por cada professor. Sendo assim, por exemplo, o ato de não abrir o caderno na hora exigida ou de responder de forma inadequada ao professor faz da indisciplina uma discussão complexa, em virtude das suas inflexões e singularidades a que está sujeita em cada microcontexto (AQUINO, 1994).
No colégio da PMERJ os alunos entram em forma todos os dias pela manhã, antes das aulas, e entoam o hino nacional acompanhados pela banda de música formada também por alunos. O uniforme utilizado pelo corpo discente assemelha-se aos dos militares. As condutas dos alunos são corrigidas a todo tempo. Abraços, andar de mãos dadas, andar pelo colégio sem usar a boina na cabeça são exemplos de comportamentos corrigidos com rigor.
O currículo escolar dos alunos contem aulas que ensinam a marchar, prestar continências dentre outras rotinas militares. Assim, o colégio se cerca de instrumentos e engrenagens disciplinares que pretendem dar conta de uma educação essencialmente disciplinarizante, assemelhada à educação dedicada aos oficiais e praças durante seus respectivos cursos de formação. Todavia, como tentativa de equilibrar, ou talvez contrapor essa educação disciplinarizante foram inseridas no currículo oficinas de música, artes plásticas, aulas sobre agricultura que renderam a construção de uma horta orgânica.
Durante a pesquisa foi observado que os alunos encontravam nesses espaços a oportunidade de expressarem livremente suas habilidades, sem o compromisso de cumprirem regramentos pré-estabelecidos, mas com a liberdade e alegria pertinente aos jovens.
As experiências adquiridas no decorrer desse trajeto, exercendo a função de diretora pedagógica, observando a dinâmica do colégio, as relações institucionais e a prática das ações educacionais no CPMERJ, proporcionaram-me a realização de um grande questionamento acerca da existência de um espaço educacional num ambiente conservador e marcado por uma história de repressão e ditadura militar fluminense, como é a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Surge, a partir desse questionamento a imperativa necessidade de pesquisar a relação do espaço escolar, dentro de uma instituição rígida em suas normas de conduta. O desafio de trabalhar em benefício de uma prática educativa capaz de fazer o educando “assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos”(Freire, 2011, p. 42), esbarrava-se na cultura e práticas sobremaneira militares. Nasce nesse contexto a necessidade de investigar os mecanismos que poderiam proporcionar uma educação reflexiva dentro de um espaço militarizado. Como que um colégio de ensino fundamental e médio pode funcionar num ambiente militarizado e atravessado por práticas que parecem não oferecer espaço para a expressão da liberdade? Que determinadas forças de conservação e hierarquização de funções e lugares convivem com algumas forças de transformação e desvios do que é previsto?
De acordo com Deleuze (1998):
Indivíduos ou grupos, somos feitos de linhas, e tais linhas são de natureza bem diversa. A primeira espécie de linha que nos compõe é segmentária, de segmentaridade dura (ou, antes, já há muitas linhas dessa espécie); a família-a profissão; o trabalho-as férias; a família-e depois a escola-e depois o exército-e depois a fábrica-e depois a aposentadoria. E a cada vez, de um segmento a outro, nos dizem: agora você já não é um bebê; e na escola, aqui você não é mais como em família; e no exército, lá já não é como na escola... Em suma, todas as espécies de segmentos bem determinados, em todas as espécies de direções, que nos recortam em todos os sentidos, pacotes de linhas segmentarizadas. (p.101)
Deleuze é um autor que rompe com uma noção universalista do sujeito e das sociedades. Propõe-se a estabelecer uma análise não-apriorística das coisas. Sendo assim, ele não trabalha com conceitos fechados e determinísticos, onde objetos, coisas, pessoas, grupos não possuem conceitos definitivos. Por isso, ele traz uma discussão mais dinâmica acerca das várias instituições, a partir das chamadas linhas de segmentação. Existe um tipo de linhas que são estas de “segmentação dura.” O que seria isso? São linhas estruturais, com características mais conservadoras como vemos na Polícia e no militarismo, principalmente. Estas linhas se apresentam com muita evidencia e funcionam como forças de conservação no espaço Polícia, através de fatores de formatação e construção de identidades, lugares, institucionalmente, pré-estabelecidos.
Existem outros dois tipos de linhas dos quais Deleuze (1998) trata, que seriam mais flexíveis e outras que são chamadas de linhas de fuga. Mas, nossa proposta não é tratar da natureza destas linhas, apenas utilizamos estas contribuições para ilustrar nossa intenção de pesquisa e contextualizar nosso objeto.
Nossa busca seria identificar algumas forças desviantes desta estrutura militarizada, cuja educação num sentido dado por Freire (2011) nos auxiliaria e romper, minimamente, com movimentos de enquadramento e formatação de pessoas.
De certa forma, poderíamos aproximar esta fala também do que nos diz Freire (2011) acerca da ideia que ele propõe sobre educação bancária.
Na visão “bancária” de educação, o “saber” é uma doação dos que julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.
O educador, que aliena a ignorância, se mantêm em posições fixas, invariáveis, Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca. (p 81)
A alienação a partir da ignorância, “cuja única margem de ação que se oferece aos educandos é de receberem os depósitos”(Freire, 2011, p. 80), assemelha-se à prática de ensino adestrador militar. Dentro dessa perspectiva, a criação de uma escola voltada para o público infanto-juvenil, com o compromisso de oferecer uma educação que promova a capacidade crítica e reflexiva, e que proporcione, segundo o artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,“o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, Lei nº 9.394 de 20 de novembro de 1996) torna-se uma ação desafiante e inovadora para essa estrutura hierarquizada e pouco flexível. Destarte, torna-se premente a discussão de alguns dos efeitos desse espaço escolar no seio de uma instituição marcada por um histórico de repressão e cerceamento da liberdade.
Reflexões trazidas por Freire (2011), acerca do processo educacional, suscitam a observação de que existe um conceito de educação relacionado a uma prática educativa que possibilite“que no momento em que a percepção crítica se instaura, na ação mesma, se desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a se empenharem na superação das “situações limite”(p.126). A pesquisa sobre a temática apresentada mostra sua pertinência, a partir da reflexão que considera a escola um ambiente de produção de liberdades, que contrapõe uma instituição atravessada por práticas militares relacionadas às ações de polícia. Dentro de um pensamento crítico surge a possibilidade de pesquisa acerca da existência de uma escola criada em um espaço construído para o adestramento do indivíduo e de uniformização das ações, que, no entanto, deve possuir o compromisso com práticas que possibilitem que “o educando mantenha vivo em si o gosto da rebeldia”(Freire, 2011, p. 13). A prática educacional como instrumento de liberdade e de luta contra mecanismos de formataçãoque privilegiam“uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos”(FOUCALT, 2009, p. 133), apresenta-se como um importante elemento na tentativa de compreender as convergências e divergências, que permeiam as relações entre a Educação e instituições que possuem gênese cultural repressiva.
Na análise sobre a história da Polícia, ressalta-se a relação inicialmente mantida com a Corte Portuguesa e a criação de um arcabouço garantidor de uma nova ordem social constituída, cuja classe dominante pudesse ser protegida. Assim, a Guarda Real de Polícia, encontrou-se entrelaçada na extensa trajetória de crises sociais no palco do Rio de Janeiro, desde a sua criação.
Segundo Coimbra, “desde o nosso período colonial, por exemplo, garantir a ordem pública tem significado a utilização das forças policiais no sentido de manter sob rígido controle e vigilância todos aqueles considerados perigosos para os poderosos” (2003, p.01)
A constatação dessa realidade confirmou-se através da prática de utilização da Polícia pelo poder público, como instrumento de segregação e manutenção da ordem estabelecida pela conjuntura sócio-política de cada época, e que ainda pode ser observada nos dias atuais.
De acordo com Neder (1997):
As “batidas nos morros” (algumas vezes chamadas de“invasões”), feitas por policiais aos locais de moradia dos trabalhadores urbanos pobres não tinham qualquer objetivo investigativo de busca de indícios criminais ou mesmo de policiamento ostensivo, levando segurança aos seus moradores. Tinham (a ainda têm) papel inibidor-repressivo para efeito de controle e disciplina, vale dizer, para efeito de uma vigilância permanente das ruas e dos espaços públicos. (p.09)
A sensação de insegurança que cerca grandes centros urbanos, alimentada pelo apelo das “subjetividades que constituem o dispositivo da periculosidade”. (Coimbra,1998, p.02), acabam por acarrear em políticas de segurança pública “pautadas por efetivos e constantes apelos à ordem, à lei e, em muitos momentos, à repressão”.(2003, p.01).O campo educacional dentro dessa perspectiva repressiva, assombrada pela essa herança, apresenta-se como um campo desafiador e de grandes descobertas. A busca pela compreensão da educação para além da “produtividade e competitividade” (FRIGOTTO, 2012 p 45), pode se tornar uma grande contribuição para a sociedade e representar um redimensionamento dos processos de ensino-aprendizagem existentes dentro de instituições que não possuem como prerrogativa a produção e o fomento do conhecimento, como prática de liberdade.
A compreensão da história da Polícia como órgão público, que pretendia garantir a segurança da Corte Portuguesa, associada ao autoritarismo e à prática de repressão, apresenta-se como marco inicial no resgate histórico da relação que a Instituição estabeleceu ao longo do tempo, com a sociedade. (NEDER, 1981). Corrobora para essa compreensão a análise acerca da estreita relação da pobreza e dos mecanismos sócio-políticos para personificar a criminalização (COIMBRA, 2006), moldando as atividades da polícia na contenção da população das periferias urbanas. Dessa forma, as ações de segurança pública parecem ser voltadas para garantir o mecanismo repressivo sobre parcela da população (NEDER, 1997).
A apreciação dessa perspectiva social, as estruturas rígidas e de caráter uniformizador (DELEUZE, 1998) são confrontadas, a partir das reflexões acerca de uma educação promotora da liberdade (FREIRE, 2011) que pode se apresentar como uma força latente capaz de provocar profundas modificações, permeando a rigidez do militarismo. Na busca de elementos e conceitos que contribuíssem no processo de entendimento dessas forças, a educação para além da produtividade e competitividade, mostra-se como um veículo de promoção e de possibilidade para “à formação técnico-profissional, o direito à saúde, à cultura e ao lazer (FRIGOTTO, 2012, p. 22).
A possível ruptura com um modelo educacional voltado para o adestramento e “manipulação de ações”, (FOUCAULT, 2009), através da disciplina, a partir de uma filosofia educacional voltada para a promoção de um pensamento crítico-reflexivo, e consequentemente, para uma prática escolar fundamentada na liberdade são a essência da proposta inserida nessa pesquisa.
O presente estudo propõe a pesquisa sobre algumas das condições que podem possibilitar o desenvolvimento de um modelo de educação, de uma escola de nível fundamental e médio, que sugerem o rompimento de barreiras rígidas, de origem sócio-político e cultural, de uma instituição policial militar, marcada historicamente pela sua atuação durante a ditadura militar.
Na busca pelo entendimento das práticas propulsoras de uma educação reflexiva que nos auxiliem a analisar, um pouco mais de perto, as principais questões propostas pelo presente estudo dentro de um espaço policial militarizado, faz-se necessária a compreensão sobre a cultura institucional desse espaço. A experiência na direção pedagógica do CPMERJ proporcionou-me a possibilidade de observar e participar da rotina da escola, assim como dos seus ritos militares. A pesquisa etnográfica, através de instrumentos de coleta de dados de grupos de amostras, contribuíram na consideração dos aspectos sociais, históricos e políticos que envolvem os significados contidos na cultura dessa Corporação. A compreensão das relações que envolvem as práticas militares dentro de um ambiente militar tornaram-se essenciais para o delineamento dos caminhos a serem seguidos.
Dessa forma, percebe-se que ao longo dos seus anos de existência o Colégio da Polícia Militar passou por inúmeras transformações no sentido de tentar romper com práticas adestradoras que uniformizam não apenas comportamentos, mas também esquadrinham e docilizam o homem (FOUCAULT, 2009). A prática de uma educação, ao largo do engessamento militar, tem sido ainda um desafio vivido pelo corpo docente e equipe técnico-pedagógica formados exclusivamente por policiais militares habilitados, que experimentam diariamente o exercício da dicotomia da conduta adestrada de um militar e do vôo livre de uma educação crítica - reflexiva nos interiores das salas de aulas.
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