POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL NAS POLITICAS DE GESTÃO EDUCACIONAL NO TOCANTINS
Resumo: O artigo problematiza a questão da pobreza e da desigualdade social e sua relação com a educação, a fim de compreender os sentidos dessa relação nas políticas de gestão da educação desenvolvidas no Estado do Tocantins na primeira década do século XXI (2000-2010). Inicialmente, apresenta-se as principais explicações causais da relação educação, pobreza e desigualdade social, a partir da concepção de educação como prática social, e os dados socioeconômicos do Estado do Tocantins. A seguir, discute-se os dados relativos às políticas e gestão da educação no Tocantins e sua relação com a questão da pobreza e desigualdade social.
Palavras-chave: Educação; Pobreza; Desigualdade Social
INTRODUÇÃO
Este artigo tem por objetivo problematizar a questão da pobreza e da desigualdade social e sua relação com a educação, a partir de uma perspectiva sócio-histórica, a fim de compreender os sentidos dessa relação nas políticas de gestão da educação desenvolvidas no Estado do Tocantins na primeira década do século XXI (2000-2010).
Para alcance deste objetivo foram desenvolvidas pesquisas bibliográfica e documental. Na primeira parte do texto apresentamos uma síntese bibliográfica sobre a relação educação, pobreza e desigualdade social, discutindo as principais explicações causais dessa relação a partir da concepção de educação como prática social; apresentamos, ainda, os dados socioeconômicos do Estado do Tocantins, que revelam o retrato da desigualdade nesta região.
A segunda parte, discute os dados relativos às políticas e gestão da educação no Tocantins e sua relação com a questão da pobreza e desigualdade social no estado. Para tal, recorremos a estudos realizados sobre a política de gestão no Tocantins e ao Plano Estadual de Educação (2006-2015), entendendo-o como uma política de Estado que tem o compromisso de enfrentar os desafios educacionais postos pelo processo histórico dessa região.
PROBLEMATIZANDO A RELAÇÃO EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL
Dados do Relatório Regional de Desenvolvimento Humano encomendado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado em 2010, apontaram a América Latina e o Caribe como uma das regiões de maior desigualdade social do mundo. Segundo o relatório, “a desigualdade de rendimentos, educação, saúde e outros indicadores persiste de uma geração à outra, e se apresenta num contexto de baixa mobilidade socioeconômica.” (PNUD-Brasil, 2010)
Segundo Almeida (2002), o balanço sobre as condições sociais da região latino-americana e caribenha, nas décadas de 1980 e 1990 aponta que o crescimento econômico foi inexistente ou muito modesto e cíclico, seguido por uma concentração de renda cada vez mais intensa e perversa, gerando um significativo “aumento dos níveis de desigualdade, do número de pobres e da exclusão social, com crescentes limitações ao desenvolvimento e à superação dessas condições de pobreza” (p.24). Isso demonstra a persistência e aprofundamento das desigualdades socioeconômicas na Região. Mas, não só nessa Região do mundo. Este é um fenômeno histórico mundial.
No Brasil, a distribuição de renda é, ainda, uma das mais desiguais, o que o coloca entre os 10 países latino-americanos que possui uma das mais gritantes diferenças entre ricos e pobres. De acordo o índice de Gini, em que a distribuição igual para todos é 0, e a aproximação a 1 revela o nível de desigualdade na distribuição de renda, o Brasil está entre os 15 países mais desiguais do mundo, apresentando o resultado de 0,56, conforme dados do mesmo relatório citado. (PNUD-BRASIL, 2012)
No entanto, segundo o Ipea (2012) o nível de desigualdade no Brasil encontra-se em queda desde a década de 1990:
de um morto. O único sinal de vida foi dado no movimento de concentração de renda ocorrido entre 1960 e 1970, quando o Gini chega próximo a 0,6 e se estabiliza neste patamar. (...) Após 30 anos de alta desigualdade inercial, o Gini começa a cair em 2001, passando de 0,61 a 0,539 em 2009. Ambos valores são muito próximos dos níveis observados no mundo perto daquelas datas. (IPEA, 2012, p. 3-4)
Segundo a análise do Ipea, baseada em dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD) de 2011, o Gini brasileiro em 2011 foi de 0,527, ainda muito “mais próximo do máximo do que do mínimo da desigualdade” (p.3). Essa tendência de queda na distribuição da renda nacional, contudo, ainda está longe de alcançar os resultados de países desenvolvidos economicamente e que possuem menores níveis de concentração de renda.
As explicações causais e soluções para o problema da pobreza e desigualdade social
Na reflexão acerca da desigualdade social podemos observar dois pressupostos diferentes no que se refere à explicação de sua causalidade: um que advoga a não identidade entre desigualdade e pobreza e outro que as identifica e até mesmo condiciona as diversas formas de desigualdade à pobreza material. O pensamento que defende a primeira perspectiva afirma que diferentes formas de desigualdades não-materiais e extra econômicas (cultura, educação, raça, sexo, nacionalidade, política etc.) incidem sobre a vida dos indivíduos em sociedade e aprofundam e perpetuam a desigual distribuição da riqueza (REIS, 2000).
Nessa visão, a desigualdade de educação, de saúde, moradia etc., constituem fatores decisivos de pobreza e desigualdade. É a desigualdade produzindo desigualdade. Assim, as políticas públicas não eficazes nestas áreas passam a ser responsáveis pela produção e reprodução da desigualdade.
Barros, Henriquez e Mendonça (2000) afirmam que a desigualdade de rendimentos é a causa dos elevados níveis de pobreza no Brasil. E o principal determinante dessa desigualdade de renda seriam as disparidades ou heterogeneidades educacionais (FERREIRA, 2000; RAMOS e VIEIRA, 2001).
Ferreira (2000) sugere que no Brasil a grande desigualdade educacional gera desigualdade de renda que, por sua vez, acarreta desigualdade de poder político, reforçando e reiterando a desigualdade de oportunidades e resultados educacionais. Para o autor até mesmo a luta de classes é encarada como produto da desigual distribuição de oportunidades educacionais. Segundo ele:
O debate dos anos 70 e 80, sobre a importância relativa da distribuição da educação e de seus retornos, por um lado; e de políticas salariais repressivas por outro, como causas básicas da desigualdade brasileira, parece estar esgotado. A evidência empírica sugere fortemente que a educação continua sendo a variável de maior poder explicativo para a desigualdade brasileira. (FERREIRA, 2000, p. 24)
Ramos e Vieira (2001) sinalizam uma relação direta entre a heterogeneidade educacional e os diferenciais de remuneração associados à escolaridade, que seriam “os principais responsáveis tanto para explicar a desigualdade de rendimentos quanto a sua elevação na década de 90” (p.7). Para esses autores
Parece inescapável a conclusão de que a tarefa de melhorar a distribuição de rendimentos no Brasil passa, forçosamente, pela concepção e implementação de políticas educacionais efetivas no que concerne à redução das desigualdades nesse campo, seja em termos de propiciar maior igualdade de oportunidades no acesso à escola, ou de prover mais incentivos para reter os jovens nos estabelecimentos de ensino. (RAMOS e VIEIRA, 2001, p. 12)
Pelo menos duas críticas podem ser tecidas a essa perspectiva. A primeira é que o foco na desigualdade de rendimentos fruto da divisão técnica do trabalho, que teria como causa a desigualdade educacional, não põe em questão a natureza da concentração de renda no Brasil, que tem origem na divisão social do trabalho. A segunda, relacionada às explicações causais acerca da desigualdade, fundamenta-se numa circularidade argumentativa que afirma ser a heterogeneidade educacional causa e consequência das desigualdades sociais e políticas, sem buscar explicar o princípio causal dessas desigualdades (SOUZA SOBRINHO, 2001).
Para Souza Sobrinho “uma visão alternativa seria a inversão da ordem de causalidade proposta por Ferreira: o sistema político elitista e a concentração inicial de riqueza não seriam o resultado último da disparidade educacional, mas antes fontes primárias desta.” (2001, p.130)
Nessa vertente, a premissa básica são as condições estruturais da sociedade, responsáveis pela manutenção da concentração da riqueza produzida em poucas mãos, o que mantém milhares de seres humanos na pobreza. Nessa perspectiva, a pobreza persiste e se aprofunda com a persistência e aprofundamento das desigualdades socioeconômicas, numa relação dialética de mútua determinação.
Segundo Barros et al, um dos passos para diminuição da desigualdade social é disponibilizar mais vagas de emprego e melhorar a distribuição de renda dos trabalhadores de classe baixa. “Vemos que, entre os determinantes imediatos da renda do trabalho por adulto, a distribuição da renda do trabalho é o fator mais relevante para explicar a queda na desigualdade de renda per capita ocorrida entre 2001 e 2004”. (BARROS et al., 2006, p. 27). O trabalho, apesar de ser considerado o pressuposto fundante do ser social, é também o determinante das desigualdades sociais no mundo. Não o trabalho em si, mas a forma como este se organiza na sociedade capitalista. Nessa perspectiva, um projeto societário que tenha como norte a superação do problema histórico da pobreza e desigualdade no Brasil deverá, de acordo com Frigotto,
atacar reformas estruturais inadiáveis: a reforma agrária e a taxação das grandes fortunas, com o intuito de acabar com o latifúndio e a altíssima concentração da propriedade da terra e, ao mesmo tempo, afirmar um novo projeto [de] desenvolvimento com justiça social; a reforma tributária, com o objetivo de inverter a lógica regressiva dos impostos, em que os assalariados e os mais pobres pagam mais, corrigindo assim a enorme desigualdade de renda; a reforma social, estatuindo uma esfera pública democrática que permita a garantia dos direitos sociais (Educação, saúde, trabalho, cultura, aposentadoria, etc.) e direitos subjetivos. Trata-se, no presente, de combater o ideário neoconservador ou neoliberal do ajuste, da desregulamentação, flexibilização dos direitos e privatização do patrimônio público e recuperar a capacidade do Estado de fazer política econômica e social. (FRIGOTTO, 2008, p. 3)
Contudo, o que se presenciou no contexto de globalização econômica dos anos de 1990 foi a adoção pelo Estado brasileiro do ideário neoliberal, centrado no ajuste fiscal e liberalização do mercado, que legitimou a desigualdade social, ao tornar o país um porto seguro para os investimentos do capital internacional e financeiro. Os governos de FHC (1995/1998 - 1999/2002) foram os mais propícios a isso, o que não se rompeu definitivamente com os governos de Lula da Silva (2003/2006 – 2007/2010), apesar das diferenças de projetos societários e forças sociais de sustentação entre esses dois governos (FRIGOTTO, 2008). Implementou-se políticas focalizadas de combate à pobreza e extrema pobreza, tais como o Programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada.
Segundo Perry Anderson (1995):
'Economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos dos seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria”. (p.23)
Apreender a desigualdade social, materializada nas relações entre classes sociais, regiões, interpaíses e no interior de cada país, vista como produto histórico das relações de produção é contrapor-se à perspectiva da educação como determinante da pobreza e da desigualdade social. Nesse entendimento, não é a heterogeneidade educacional ou a péssima oferta da educação que determinam a pobreza e a desigualdade, mas ao contrário, é a desigualdade social que determina uma educação diferenciada, de péssima qualidade e de difícil acesso e permanência para as classes sociais mais empobrecidas e menos organizadas politicamente. Concordamos com Belluzo, citado por Frigotto, Ciavatta e Ramos (2009), que “a maioria não é pobre porque não conseguiu boa educação, mas, na realidade, não conseguiu boa educação porque é pobre” (p.1315).
Assim, compreendemos a educação como uma prática social, determinada e determinante das relações sociais, pois ela articula interesses de diferentes grupos sociais. Se por um lado, ela apresenta alguma autonomia frente ao processo de trabalho, por outro, seu poder de conformação subordina-se aos interesses e funções atribuídos pelo capital. Concordamos com Frigotto (1995) quando afirma que
A educação não é reduzida a fator, mas é concebida como uma prática social, uma atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações sociais, sendo ela mesma forma especifica de relação social. O sujeito dos processos educativos aqui é o homem e suas múltiplas e históricas necessidades (materiais, biológicas, psíquicas, afetivas, estéticas, lúdicas). (p. 31)
Esse entendimento reafirma a concepção de que a educação é uma prática social mediadora das relações sociais, econômicas e culturais, e que, portanto, tem papel determinado e determinante nas relações de força no interior da sociedade capitalista e sua função social é disputada por essas forças sociais. Assim, “a pobreza impede que as pessoas tenham uma educação de qualidade e se desenvolvam. E sem uma educação de qualidade não podem participar efetivamente nas mudanças sociais, políticas, culturais e econômicas necessárias” (FRIGOTTO, CIAVATA E RAMOS 2009, p.1315).
No sistema educacional formal, a pobreza e as desigualdades sociais tornam-se mais visíveis, pois, de acordo com Arroyo (2010), “são os mais desiguais dos desiguais que vão chegando às escolas populares” (p. 1393). Neste contexto, cabe questionar como as políticas educacionais têm apreendido essas desigualdades? Qual o impacto do aprofundamento das desigualdades sociais para as políticas educacionais e sua gestão? Que orientações sócio-políticas fundamentam tais políticas?
Neste texto, refletiremos sobre estas questões tendo como pressuposto que o aprofundamento das desigualdades sociais tem posto desafios às políticas educacionais, que alteram o sentido e o significado da concepção de educação e sua função social no contexto de desenvolvimento da reforma neoliberal da educação, na primeira década do século XXI, especialmente no que tange à gestão e organização da escola no Estado do Tocantins.
DESIGUALDADE SOCIAL, POBREZA E EDUCAÇÃO NO ESTADO DO TOCANTINS
Segundo a síntese dos Indicadores Sócio Econômicos do Estado do Tocantins, documento elaborado a partir dos resultados do IBGE/2010, SEPLAN-TO (Secretaria de Planejamento do Estado do Tocantins) e DIPES (Diretoria de Pesquisas Sociais do TO), em 2000 o Tocantins apresentava índice de Gini muito elevado chegando a 0,66, o que representa um elevado nível de desigualdade na distribuição da renda. De 2000 para 2008 esse índice permaneceu intacto. Esses indicadores também revelam que a porcentagem de renda apropriada pelos 20% mais pobres em 2000 era de 1,2% enquanto que entre os 20% mais ricos a porcentagem era de 69,3%. Esse quadro de má distribuição da riqueza no Estado revela a grande desigualdade de condições de vida entre os trabalhadores mais pobres e as classes sociais com rendas mais elevadas. (TOCANTINS, 2012)
Contrastando com esses índices gerais, quando se observa os dados sobre a renda domiciliar per capita, que no Brasil teve elevação de 25% na década em análise, o Tocantins apresenta um crescimento de 86%, passando de R$ 307,00 em 2000 para R$ 571,00 em 2010 (OLIVEIRA; STRASSBURG, 2014). Essa melhora, contudo, não está distribuída homogeneamente pelas regiões que compõem o Estado do Tocantins. Na microrregião do Bico do Papagaio, ao extremo norte do Estado, por exemplo, a renda domiciliar per capita passou de R$ 304,00 em 2000 para apenas R$ 395,00 em 2010. Segundo OLIVEIRA e STRASSBURG (2014)
A taxa de pobreza na Microrregião do Bico do Papagaio é elevada. Em 2000, era de 81,39%, em 2010, era de 74%, isto é, mais de quase 75% da população vivia com valor de uma cesta de alimentos com o mínimo de calorias necessárias para suprir adequadamente uma pessoa, com base em recomendações da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial de Saúde (OMS). (p. 141)
Segundo os autores, nesse período, é possível registrar também redução de 63% na taxa de extrema pobreza no Tocantins (No Brasil a redução foi de 52%), ou seja, naquela faixa da população em que uma pessoa tem renda de até R$ 70,00 por mês. Esse é o valor considerado pelo Programa Bolsa Família (PBF) do governo federal, programa de transferência de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza, em vigor no Brasil desde o ano de 2004. Nos últimos 6 anos (2004-2010) de nosso recorte temporal os repasses do PBF no Tocantins tiveram aumento de 40%. (OLIVEIRA; STRASSBURG, 2014)
Em que pesem todos esses resultados positivos na agenda de redução das desigualdades econômicas no Brasil e no Tocantins, Oliveira e Strassburg (2014) reconhecem que
No Tocantins, a pobreza é extrema, o estado tem um dos piores indicadores socioeconômicos do país. Esse problema persiste de forma secular. O universo da pobreza no estado vem desde a sua estrutura socioeconômica baseada na exploração da mineração no século XVIII até os dias atuais. Os últimos resultados do censo (IBGE, 2010) mostram que o Brasil tem 16,2 milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza, o equivalente a 8,5% da população. No Tocantins, esse percentual chega a 11,8% da sua população vivendo em extrema pobreza, são cerca de 163 mil de um total de 1.383,4 mil habitantes. (p. 123)
Nesse contexto de forte pobreza econômica observa-se que os indicadores educacionais seguem a mesma tendência de desigualdade, mas com redução nos índices ao longo da década em análise. Segundo os Indicadores Sócio Econômicos, em 1991 a educação no Tocantins apresentava uma taxa de analfabetismo da população adulta com 25 anos ou mais de 38%. Já em 2000, esse número baixou para 24%. Em 2009, o índice de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade ainda chegava a 13,5% (TOCANTINS, 2012). Apesar dessa redução observada, vale afirmar que o quantitativo ainda é preocupante e requer políticas educacionais de impacto que resolvam não apenas o analfabetismo ainda existente mas melhorem significativamente os resultados educacionais e a qualidade da oferta da educação básica no Estado.
DESIGUALDADE SOCIAL E A GESTÃO DA EDUCAÇÃO NO ESTADO DO TOCANTINS NA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI
As políticas educacionais desenvolvidas no Brasil no final da década de 1990 e primeira metade da década de 2000 estão articuladas com as orientações do ideário neoliberal, fundamentado na lógica empresarial da eficiência, da eficácia, na desresponsabilização do estado pela oferta de educação pública e focadas no aspecto quantitativo. A escola, nessa perspectiva, tem como preocupação central os índices de aprovação, reprovação, evasão, planilhas, tabelas e gráficos de desempenho de alunos e professores.
Para Dalila Oliveira (2000), a reforma educacional dos anos 1990 se apresentou como um mecanismo de “ajuste e adequação da educação às demandas do capital no atual estágio de desenvolvimento”. Sua função foi além de formar para a “empregabilidade” ou para a “integração social”, também um “papel indispensável para a gestão do trabalho e da pobreza” (p. 332).
No estado do Tocantins, o histórico de grandes desigualdades sociais e educacionais deixaram um legado de 38% da população adulta (25 anos ou mais) analfabeta em 1991, chegando ainda a 24% no ano de 2000 (TOCANTINS, 2012). Os desafios educacionais impostos pelo processo histórico eram imensos e requeriam grandes investimentos e esforços por parte do governo e da sociedade. Assim, segundo França (2007), no período de 2000 a 2005, vários programas e ações foram implantados pela Secretaria Estadual de Educação do Tocantins (Seduc-To). Entre eles: o Planejamento Estratégico da Secretaria (PES), o programa Escola Comunitária de Gestão Compartilhada, a Formação Continuada de Gestores Escolares (Progestão), a Formação Continuada de Professores, o programa Evasão Escolar Nota Zero e o processo de seleção de diretores de unidade escolar.
Estes programas, sintonizados com as tendências das políticas educacionais neoliberais, foram, na visão de França (2007), os responsáveis pela melhoria dos índices educacionais no Estado no período considerado.
Para a autora, nos três indicadores de qualidade do ensino (o acesso, o fluxo escolar e o desempenho dos alunos) houve melhoria. No acesso, “Tocantins, que no ano de 2000 tinha 93% das pessoas de 7 a 14 anos na escola, subiu essa porcentagem para 97% em 2005, praticamente se igualando à taxa nacional” (p.12). Quanto ao fluxo escolar, relacionado às taxas de aprovação, reprovação e abandono em um determinado nível de ensino, em Tocantins, “no período de 1999 a 2004: a aprovação aumentou de 70% para 81% e o abandono diminuiu de 20% para 7% no ensino fundamental. A reprovação, no entanto, que era de 9,5% em 1999, diminuiu em 2001 e 2002 (ficou em torno de 8%) e aumentou em 2003 e 2004 (ficando em torno de 12%)” (p.12).
No que concerne ao desempenho dos alunos do ensino fundamental, a autora utiliza os dados da avaliação de larga escala realizada pelo Ministério da Educação (MEC), o Saeb, que acompanha o desempenho dos alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio, em língua portuguesa e matemática.
Analisando os resultados dos alunos de 4ª série apresentados pelo Saeb entre 1999 e 2005, a autora percebe uma melhora, pois “em língua portuguesa tiveram um ganho de 11,5 pontos, ficando com a 5ª melhor colocação do Brasil ao longo dos anos analisados. E, em matemática, o resultado também foi positivo, com um aumento de 2,4 pontos se considerarmos o período de 1999-2005 e de 9,8 pontos, se considerarmos o período 2001-2005” (p. 15).
O problema apontado pelos dados oficiais como o mais preocupante eram os altos índices de repetência e distorção idade-série que estrangulam o fluxo escolar. Como medida de correção desse problema implantou-se, em 2004, como política pública os programas de correção de fluxo: Programa Acelera Brasil e Se Liga, da Organização Não-Governamental Instituto Airton Senna (IAS). Segundo Queiroz (2010), essa política
responde à emergência de um novo padrão de intervenção estatal delineado a partir da década de 1990 no Brasil: a responsabilidade social empresarial. O exame dos dados empíricos mostrou ainda que as ações de entidades do Terceiro Setor – aqui representado pelo IAS – se apresentam à priori mais eficientes do que a ação estatal de cunho eminentemente público, sobretudo pela falta de investimento do Estado em políticas universalistas que atendam o todo e não apenas parte da demanda como é o caso dos programas do IAS. A pesquisa evidenciou ainda a relação de subordinação a qual os profissionais da educação são submetidos dentro da parceria que vigora a seis anos no estado, além de apontar para a necessidade de se rever
Esses programas, ligados à parceria público-privado na educação, retiram a autonomia pedagógica do professor e da escola, pois estão focados em resultados que desconsideram a dinâmica organizativa da unidade escolar e os processos de ensino-aprendizagem que se desenvolvem num determinado contexto sociocultural e político.
As orientações da política de gestão escolar que se desenvolveram em Tocantins, no período considerado em nosso estudo, foram balizadas nos princípios do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE-Escola), programa do Fundescola - MEC em parceria com o Banco Mundial, destinado às regiões mais pobres do Brasil (Norte, Nordeste e Centro-Oeste), que Segundo Fonseca (2003) tinha uma metodologia que “diminuiu a capacidade de autonomia das escolas, ao ampliar os mecanismos de regulação, controle e avaliação”. A autora, citando Ribeiro (2002), diz que em Tocantins a “missão, visão de futuro e objetivos estratégicos” presentes nos planos das escolas emanavam do manual de elaboração do PDE e que “o planejamento escolar sustentado por essa orientação valoriza, principalmente, o preenchimento de quadros, fichas, formulário do funcionamento da escola, de prestação de contas e questionário de avaliação do desempenho da escola” (FONSECA, 2003, p. 310).
A política para a gestão escolar apontada no Plano Estadual de Educação do Tocantins (2006-2015) está balizada pelo princípio da gestão democrática e pela relação Escola/Comunidade. No entanto, percebe-se uma concepção retórica de democracia que transpassa o texto do PEE, pois a instituição de conselhos ou equivalentes quando referida é apenas no sentido de atrair a comunidade para a “gestão, manutenção e melhoria das condições de funcionamento das escolas” (p16).
Observamos, portanto, que em Tocantins, na primeira década do século XXI, a política de gestão educacional adotada segue a lógica da gestão empresarial, gerencialista, que valoriza sobretudo dados quantitativos. Os programas e projetos desenvolvidos no período apresentaram melhoria em índices de reprovação e abandono, mas foram pouco efetivos na qualidade do ensino, como atestam os índices das avaliações de larga escala em Português e Matemática. Seguindo esta lógica, a fim de resolver problemas de atrasos no fluxo escolar das crianças do ensino fundamental, o governo estadual adotou programas de aceleração da aprendizagem, ligados à parceria público-privado, focados em resultados, que retiram a autonomia pedagógica do professor e da escola e desconsideram além da realidade escolar a realidade sociocultural de alunos e professores.
Segundo Frigotto (2008) a sociedade que “se produz na desigualdade e se alimenta dela” não universalizou efetivamente uma educação básica de qualidade, pois não precisa dela, por isso as políticas educacionais neoliberais iniciadas ainda na década de 1990, apresentou avanço apenas quantitativo no ensino fundamental “aprofundando a segmentação e o dualismo” com o ensino médio, por exemplo. Segundo o autor
A quase universalização do ensino fundamental se efetiva dentro de uma profunda desigualdade intra e entre regiões e na relação cidade/campo. A diferenciação e a dualidade dão-se aqui pelo não acesso efetivo e democrático ao conhecimento. A escola pública dos pobres e/ou dos filhos dos trabalhadores (...) é uma escola que “cresce para menos” (FRIGOTTO, 2008, p. 1138-1139).
Tocantins possui, como vimos acima, enormes déficits de políticas sociais e desigualdades que mantém mais da metade de sua população em situação de pobreza, excluída dos bens econômicos, sociais e culturais. Na década de sua criação o Estado apresentava um índice de mais de 30% de sua população analfabeta. Isto demonstra um histórico descaso com a educação pública e, apesar dos investimentos feitos nessa última década, muito ainda há a ser feito. No entanto, o caminho traçado, na primeira década do século XXI, para a garantia do direito à educação não avança rumo a uma adequada solução dos problemas, pois os limites impostos pelo modelo de gestão adotado têm dificultado a busca da qualidade do ensino de crianças, jovens e adultos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão da pobreza e da desigualdade social e sua relação com a educação constitui uma temática complexa e que envolve diferentes interpretações sobre sua relação de causalidade. Aqui apontamos pelo menos duas perspectivas e a partir delas resgatamos a concepção de educação como prática social mediadora das relações humanas, econômicas e culturais, que tem papel determinado e determinante na sociedade capitalista, sendo sua função social disputada pelas forças sociais que a compõem, bem como apreendemos a desigualdade social que se materializa nas relações entre classes sociais, regiões, interpaíses e no interior de cada país, como produto histórico das relações de produção e reprodução da vida nessa sociedade.
Essa perspectiva, como vimos, contrapõe-se à visão da educação como determinante da pobreza e da desigualdade social. Ela resgata o entendimento de que não é a heterogeneidade educacional ou a péssima oferta da educação que determinam a pobreza e a desigualdade, mas ao contrário, é a desigualdade social que determina uma educação diferenciada, de péssima qualidade e de difícil acesso e permanência para as classes sociais mais empobrecidas e menos organizadas politicamente.
No Tocantins, a extrema pobreza faz com que o estado tenha péssimos indicadores socioeconômicos. O universo da pobreza no estado vem desde a sua estrutura socioeconômica baseada na exploração da mineração no século XVIII até os dias atuais. A persistência dessa desigualdade relega ainda nos dias atuais mais de 11% de sua população a viver em péssimas condições materiais e supra-materiais, bem acima da média nacional (8,5%). Nesse contexto de forte pobreza econômica os indicadores educacionais para a educação básica no estado seguem a mesma tendência de desigualdade, apesar do registro de redução nos déficits de abandono e reprovações e ao aumento de matrículas no ensino fundamental ao longo da década em análise. Mesmo diante de um histórico de precarização da educação e de pobreza e desigualdade social, no final dos anos 1990 e primeira década século XXI, a política educacional adotada pelo governo estadual em Tocantins fundamentou-se no ideário neoliberal, que aprofunda essas desigualdades, pois tem como princípio a lógica de organização do mercado, privilegiando os aspectos quantitativos do rendimento escolar e o gerencialismo baseado em preenchimento de fichas, tabelas e gráficos exigidos pelos programas e projetos desenvolvidos pela Secretaria Estadual de Educação.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Célia. Equidade e reforma setorial na América Latina: um debate necessário. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(Suplemento): 23-36, 2002.
ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, Emir; GENTILLI, Pablo (orgs.). Pós-Neoliberalismo. As políticas sociais e o Estado democrático. São Paulo: Paz e Terra, 1995. pp. 09-23
ARROYO, Miguel G. Políticas educacionais e desigualdades: à procura de novos significados. Educ. Soc., Campinas, v. 31, n. 113, p. 1381-1416, out.-dez. 2010.
BARROS, Ricardo et al. Uma análise das principais causas na queda recente da desigualdade de renda no Brasil. Econômica, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 117-147, junho 2006.
BARROS, Ricardo Paes de, HENRIQUES, Ricardo, MENDONÇA, Rosane. Desigualdade e pobreza no Brasil: retrato de uma estabilidade inaceitável. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, nº 42, p. 123-142, fev. 2000.
BRASIL. Renda - desigualdade - coeficiente de Gini. Glossário do IPEA. Indicadores Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/indicadores/disoc_rdcg/ indicadorview>. Acesso em: 18 set. 2013.
FERREIRA, Francisco H.G. Os determinantes da desigualdade de renda no Brasil: luta de classes ou heterogeneidade educacional? In: HENRIQUES, Ricardo (Org). Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000. p. 131-158.
FONSECA, Marilia. O Projeto Político-Pedagógico e o Plano de Desenvolvimento da Escola: duas concepções antagônicas de gestão escolar. In. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 302-318, dezembro 2003 307. Disponível em http://www.scielo.br/pdf /ccedes/v23n61/a04v2361.pdf.
FRANÇA, Indira Alves. A gestão educacional em Tocantins. In: 30ª Reunião Anual da Anped, Caxambu, MG, 07 a 10 Out. 2007. Disponível em http://www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT05-3632--Int.pdf
FRIGOTTO, Gaudêncio, CIAVATTA, Maria e RAMOS, Marise. Vocational Education and Development. In. UNESCO. Internacionl Handbook of Education for Changing World of Work. Born, Germany, UNIVOC, 2009. p. 1307-1319.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Brasil e a política econômico-social: entre o medo e a esperança. In.: Trabalho Necessário. Ano 3, n. 3, p. 1-11, ago. 2008.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a construção democrática no Brasil: da ditadura civil-militar à ditadura do capital. In. FÁVERO, Osmar; SEMERARO, Giovanni (Orgs.). Democracia e construção do público no pensamento educacional brasileiro. 2.ed. Petropolis, RJ: vozes, 2002. p. 53-67.
FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. São Paulo: Ed. Cortez, 1995.
IPEA, Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas. A Década Inclusiva (2001-2011): Desigualdade, Pobreza e Políticas de Renda. Comunicados do Ipea, nº 155, Brasília: Ipea, 2012. Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/ comunicado/120925_comunicado155rev3_final.pdf. Acesso em 24/08/2014.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Educação básica: gestão do trabalho e da pobreza. Petrópolis, RJ : Vozes, 2000.
OLIVEIRA, Nilton Marques de; STRASSBURG, Udo. Notas sobre a desigualdade social no Bico do Papagaio – Tocantins. Desafios: Revista Interdisciplinar da Universidade Federal do Tocantins – V. 1, n. 01, p. 128-145, jul/dez. 2014.
PNUD-Brasil. Pobreza e desigualdade. Reportagens. 23/07/2010. Disponível em: http://www.pnud.org.br/Pobreza_Desigualdade/Reportagens/Index.Php?Id01=3524&Lay=Pde, consultado em 23/03/2012.
QUEIROZ, Rozilane Soares do Nascimento. O papel do terceiro setor nas políticas públicas a partir dos anos 1990 no Brasil: análise da parceria Instituto Ayrton Senna e Seduc –TO na oferta dos programas Se Liga e Acelera Brasil (2004 – 2009). Mestrado (Dissertação). Goiânia: UFG, 2010.
RAMOS, Lauro; VIEIRA, Maria Lúcia. Desigualdade de rendimentos no Brasil nas décadas de 80 e 90: evolução e principais determinantes. Rio de janeiro: Ipea, junho de 2001. Disponível em http://desafios2.ipea.gov.br/pub/td/2001/td_0803.pdf
REIS, Elisa. Percepções da elite sobre pobreza e desigualdade. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Fev., 2000.
SOUZA SOBRINHO, Nelson Ferreira. Desigualdade e Pobreza: fatos estilizados e simulações. R. paran. Desenv., Curitiba, n. 100, p. 109-133, jan./jun. 2001. Disponível em http://www.ipardes.pr.gov.br/ojs/index.php/revistaparanaense/article/view/228/189
TOCANTINS. Governo do Estado. Anexo único à lei nº 1.859, de 6 de dezembro de 2007. Plano Estadual de Educação – PEE. Palmas, TO, 2007.
TOCANTINS. Secretaria de Planejamento – Seplan. Indicadores Sócio Econômicos do Tocantins. 2012. Disponível em http://www.seplan.to.gov.br/seplan/br/ download/indicadores/003-Indicadores_Socio-Economico.pdf, acessado em 03/04/2013.