OS “MANUAIS” NAS POLITICAS DE PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR E A “CULTURA DA PAZ”
Resumo: A violência escolar , enquanto foco de discussão de diferentes instituições e do meio acadêmico, tem procurado entender os processos de produção e reprodução da mesma . O presente trabalho é uma análise de alguns “Manuais” propostos por politicas de prevenção da violência escolar, enquanto instrumento no âmbito do que se chama de “educação para a paz”. Trata-se de uma pesquisa documental em que serão analisados os manuais desenvolvidos pelos estados de São Paulo, Minas Gerais Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
A analise dos manuais propostos nas políticas de prevenção da violência escolar se deu a partir de uma análise critica, buscando nos textos orais e escritos, como afirma Van Dijk (2010) cada contexto social e político.
Palavras-chave: violência escolar; politicas publicas; cultura da paz.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é uma análise de alguns “Manuais” propostos por politicas de prevenção da violência escolar, enquanto instrumento no âmbito do que se chama de “educação para a paz”. Trata-se de uma pesquisa documental em que serão analisados os manuais desenvolvidos pelos estados de São Paulo, Minas Gerais Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esse artigo é parte de um relatório de pesquisa financiada pela Fapesp e CNPq e que estudou as politicas de prevenção da violência escolar nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Ceará.
A analise dos manuais propostos nas políticas de prevenção da violência escolar se deu a partir de uma análise critica, buscando nos textos orais e escritos, como afirma Van Dijk (2010) cada contexto social e político. Como afirma Fairclough (2001) o uso da linguagem é sempre simultaneamente constitutivo de identidades sociais, relações sociais e sistemas de reconhecimento e crença. Complementando as ideias de Fairclough a respeito da análise critica do discurso, Van Dijk ((2010) destaca o aspecto ideológico e de construção social por meio dos discursos, sejam eles escritos ou falados. Destaca ainda que a análise critica do discurso enfoca os modos como as estruturas do discurso produzem, confirmam, legitimam, reproduzem ou desafiam as relações de poder e de dominação na sociedade. ( p. 115).
A violência escolar , enquanto foco de discussão de diferentes instituições e do meio acadêmico, tem procurado entender os processos de produção e reprodução da mesma. Debarbieux (2001) traz para reflexão a discussão da violência escolar enquanto desordem na instituição escolar, desordem esta que pode ser encarada de diferentes formas, ou como processo civilizador, enquanto resistência à opressão ou como desordem intrínseca que leva à ordem. Discute ainda, trazendo diferentes autores como Ballion (1982, 1991), Dubet (1991, 1994, 1996), Payet (1992), Peralva (1997), a distinção entre a democratizacão do acesso à escola e a democratização das relações na escola e na sociedade, questão fundamental ligada às discussões sobre a violência escolar e as propostas de prevenção que vêm sendo feitas tanto por órgãos governamentais como não governamentais.
Tendo em vista que a questão da violência escolar é uma questão complexa e com interpretações que dependem de diferentes fatores quais sejam políticos, social psicológico, histórico, cultural, etc., faz-se necessário refletir sobre que enfoque as políticas públicas de prevenção da violência escolar são pensadas e implementadas, por considerar-se que estas têm uma forte influência das políticas para a juventude no pais e no mundo.
A partir de tais considerações é que a pesquisa procurou discutir as politicas de prevenção da violência escolar sendo os “Manuais” uma das ferramentas propostas para orientar as ações nas escolas cuja análise será aqui apresentada.
AS POLÍTICAS PÚBLICAS E OS PROGRAMAS DE PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR
Antes da análise dos manuais, uma consideração importante é a da reflexão das politicas e programas de prevenção da violência escolar enquanto politica publica.
Além da definição do que é politica pública, Maillard e Kübler (2015, p. 28) trazem a discussão sobre como diferentes temas sociais aparecem e se tornam foco de politicas públicas, isto é entram na agenda politica e governamental, questão importante a se refletir. Esses autores definem cinco modelos de estabelecimento das agendas das politicas publicas, a partir de diferentes movimentos:
- O modelo de mobilização de grupos organizados portadores de interesses sócio-profissionais e ou de uma reivindicação ideológica.
- O modelo da midiatização em que a mídia joga um papel autônomo impondo certos campos de ação ao governo.
- O modelo de antecipação pelo centro, onde os atores politico-administrativos jogam um papel central na supervalorização de determinadas questões.
- O modelo da ação corporativa silenciosa, que repousa sobre a ação de grupos organizados sobre os governos sem controvérsias e conflitos públicos.
De acordo com Ham e Hill (1993) e Maillard e Kübler (2015) o movimento de políticas públicas surge primeiramente pela busca de soluções por parte do governo frente aos desafios das sociedades industrializadas e em segundo lugar, com o incremento da contribuição do meio acadêmico quanto à aplicação dos conhecimentos na busca de soluções dos problemas governamentais. Souza (2006), Ham e Hill (1993) trazem algumas definições de política pública baseada na contribuição de diferentes autores. De acordo com Mead, política pública é um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas. Lynn, define-a como um conjunto de ações do governo que produzirão efeitos específicos. Peters, por sua vez, considera as políticas públicas por meio das atividades dos governos como uma ferramenta que influencia a vida dos cidadãos.(Souza, 2006)
Já Lasswell explica que decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz, procurando concentrar em ajudar a dignidade humana tanto na teoria como na prática, descrevendo, portanto, um modo de melhorar a informação para quem faz as políticas Souza( 2006); Ham&Hill, (1993). Wildavsky rejeita a ideia de que seja possível chegar a uma única definição de análise de política Ao invés disso, ele destaca as principais características da análise de política, prestando particular atenção a ela enquanto atividade centrada em problemas. Isto é, a análise toma como objeto de estudo problemas encarados por fazedores de políticas e visa a melhorar estes problemas mediante um processo baseado na criatividade, imaginação e profissionalismo (Ham & Hill, 1993, p.09).
Corzo (2012) também apresenta sua própria concepção de política pública afirmando que se trata de ações do governo voltadas para o interesse e benefício do público, geralmente surgem de um processo de investigação por meio de um método que garanta que a decisão tomada é de fato a melhor alternativa para resolver um problema público.
Já Barreto, Burgos e Frenkel (2003) conceituam políticas públicas como ações do Estado orientadas pelo interesse geral da sociedade. Para Cunha e Cunha (2002, p.12), políticas públicas “são uma resposta do Estado às demandas que emergem da sociedade e do seu próprio interior, sendo expressão do compromisso público de atuação numa determinada área a longo prazo”.
Temos ainda a definição de D’Agnino (2009, p.130),como segue: “As políticas públicas se constituem em objeto específico e qualificado de disputa entre os diferentes agrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questões que têm no aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão”.
Essa definição é a que melhor contribuirá para nossa análise na medida em que buscamos analisar as políticas governamentais sobre a prevenção da violência escolar sob perspectiva crítica buscando analisar a partir de que princípios e de qual hegemonia de grupos elas são elaboradas e afinal a quem servem.
Refletindo sobre a presença do tema da violência escolar nas politicas publicas no Brasil, vemos que há uma mistura desses diferentes modelos de definição de sua prioridade, enquanto pauta. Observamos que o Ministério Publico foi um dos primeiros a tomar a questão enquanto pauta a ser levada em conta nas politicas publicas; a imprensa veio trazer um reforço na criação dessa agenda ao focar e destacar as situações de violência e conflito nas escolar; os profissionais da escola, principalmente diretores e professores vêm dar destaque a essa pauta apontando como principal temática a ser enfrentada o bullying e o sentimento de ameaça que ronda a escola. Assim, principalmente a partir dos anos 2000, essa temática ganha espaço significativo entre as politicas, reforçada pela discussão da Unesco (Delors, 1998; Noleto, 2004) que introduz a temática da educação para a paz.
Nesse sentido é que as politicas de prevenção da violência escolar têm se dedicado a desenvolver manuais que orientam as escolas em termos de como agir frente a esse problema.
AS ABORDAGENS DOS “MANUAIS” NAS PROPOSTAS DE PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA ESCOLAR E A EDUCAÇÃO PARA A PAZ
No estado de São Paulo destaca-se o programa Sistema de Proteção Escolar, sendo este o programa mais recente das Políticas Públicas de prevenção e/ou minimização da violência na escola, criado pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública e a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE). A partir de tal programa, a Secretaria de Estado da Educação, disponibilizou, no ano de 2009, o “Manual de Proteção Escolar e Promoção da Cidadania” e as “Normas Gerais de Conduta Escolar”, para todas as escolas da Rede estadual de educação.
Muitas são as orientações do manual da SEE de SP sobre encaminhamentos à Polícia Militar ou ao Ministério Público, em casos de episódios de violência na escola. Um exemplo é que ao tratar sobre alunos com problemas com álcool e drogas, orienta que independentemente da idade do aluno, a Polícia Militar (190) deverá ser acionada, para que sejam tomadas as providências cabíveis (SEE, 2009, p.33) e sugere que o aluno seja encaminhado ao Conselho Tutelar, que por sua vez, o direcionará à rede sócio assistencial adequada.
Ainda que o material sugira superficialmente tratamento pedagógico em algumas questões escolares, esse caráter jurídico/policial dos textos desconsidera a condição peculiar de desenvolvimento de crianças e adolescentes e a natureza educativa da escola. Quando se refere à necessidade de registro de Boletim de Ocorrência na constatação de ilícitos na escola, o faz com a intenção explícita de coibir a violência por meio do exemplo punitivo, conforme segue:
Atos infracionais, contravenções e crimes devem ser apurados pelas autoridades competentes para que haja a responsabilização dos culpados. [...]. As apurações e sanções decorrentes dos registros diminuem a sensação de impunidade e contribuem para inibir novos casos de violência no âmbito da escola (SÃO PAULO, 2009, p. 48).
No caso do Rio de Janeiro, foi utilizado como referência o manual do Governo do Distrito Federal, o “Manual aos Gestores das Instituições Educacionais da Secretaria da Educação do Governo do Distrito Federal”, para elaboração do “Manual de Cidadania e Proteção Escolar”, com versão atualizada em 2014 e considerado, de acordo com a SEEDUC, “um instrumento para consulta, leitura, discussão e apoio para as Unidades Escolares, a fim de facilitar o entendimento de conceitos importantes para a implantação de uma Cultura de Paz” (RIO DE JANEIRO, on-line, 2015).
Apesar da intenção colocada, da implantação de uma cultura de paz, o manual do RJ propõe as mesmas medidas jurídico/policias para questões relacionadas que a priori deveriam ser tratadas no âmbito do pedagógico para depois serem encaminhadas para órgãos ligados ao aparato judicial e policial . Predomina a proposição preventiva na lógica da transferência de responsabilidades. Sem dúvida que dependendo da gravidade da situação, as ações em parceria são as mais eficazes, mas procedimentos ou projetos pedagógicos para se lidar com a questão da drogadição na escola, ou outras situações que se relacionem ao envolvimento de alunos com contravenções, não são apresentados ou sugeridos nos materiais. Adota o mesmo enfoque da punição como reguladora de novos episódios de violência no ambiente escolar, destacando que:
As apurações e sanções decorrentes dos registros [policias] diminuem a sensação de impunidade e contribuem para inibir novos casos de violência no âmbito da escola. No caso de violência contra a criança ou o adolescente, o registro de Boletim de Ocorrência pode contribuir para interromper esse tipo de ação contra as vítimas (RIO DE JANEIRO, 2014, p.44)
A ideia de “cultura da paz” trazida pelo Manuel, refere-se mais a uma forma de eliminação do conflito com vistas a uma escola onde predomina uma suposta a cultura da paz. Assim, o manual afirma que
Sempre é bom lembrar que na instituição de uma cultura de paz por meio da comunicação não violenta é sempre recomendável buscar-se a adequada mediação de conflitos de qualquer natureza no âmbito escolar, a fim de serem apaziguadas as partes e evitadas as judicializações de conflitos, entendendo-se que a boa comunicação e a atenção dada a quaisquer desentendimentos podem evitar a indesejada radicalização (RIO DE JANEIRO, 2014, p. 26).
Apaziguar significa pacificar ou pôr em paz, mas também acalmar, aquietar. O sentido da palavra apaziguar no contexto do manual parece relacionar-se mais com o conceito de manter a paz do que fazer ou construir a paz, se adotarmos a classificação de Galtung (1996). Para o autor, manter-a-paz (peacekeeping) está relacionada a uma forma de Paz negativa, onde tem-se o objetivo de remoção do perigo de violência imediata, ou seja, separação das partes conflitantes, eliminação de fatores que podem desencadear conflitos etc. É uma ação reativa. Já as ações de fazer-a-paz (peacemaking) e construir-a-paz (peacebuilding), estão relacionadas com a Paz positiva, a primeira implicando em ajudar as partes a lidarem com conflitos que já ocorreram e a encorajar as condições para que o diálogo aconteça (sendo ainda reativa) e a segunda, ocorrendo após o fazer-a-paz, requer o desenvolvimento de uma cultura de paz, para que a ocorrência da violência seja menos provável, ou seja, ações que visem a prevenção de conflitos no ambiente escolar (proativa).Segundo Galtung, manter-a-paz/apaziguar, como sugere o Manual do RJ, pode se tornar uma forma de violência.
Dessa forma, os posicionamentos, do material das SEE de SP e do RJ expressam claramente a opção pela adoção de mecanismos que fogem da perspectiva da construção de uma cultura de paz nas escolas na perspectiva do que conceitua Galtung (1996) .
Além disso, observa-se o pouco que contribui para uma cultura da paz a entrada da polícia nas escolas. De acordo com Gonçalves e Spósito (2002) as práticas de medidas de segurança, incluindo a intervenção policial nas escolas, em resposta a demanda de segurança reclamada pela sociedade nos anos de 1980, se tornaram uma herança negativa em que:
[...] grande parte dos episódios ligados à indisciplina fora da sala de aula, ameaças de agressão, brigas entre alunos ou jovens moradores dos bairros resulta em demandas de interferência dos organismos da polícia na vida escolar. Sobretudo nos últimos anos, disseminou-se a prática de registrar as ocorrências em delegacias, na ronda escolar ou, em muitos casos, de chamar a polícia para intervir nas escolas (Gonçalves &Spósito, 2002, p. 113).
Nesse sentido, entende-se que essa prática de intervenção da polícia em questões especificamente escolares tem produzido, além de mais violências, a dificuldade de compreensão do que sejam realmente atos violentos no ambiente escolar. Para Wacquant (2007)
A prática de tratar a menor contenda nos corredores das escolas, a manifestação de indisciplina em sala de aula ou a briga entre estudantes na hora do recreio, não como transgressão disciplinar concernente à autoridade pedagógica do estabelecimento, mas como infrações à lei, que devem ser sistematicamente informadas ao delegado de polícia do bairro [...] produz uma epidemia de “violências escolares” (p. 71).
Ainda, de acordo com Melo et al (2008), a entrada da polícia na escola prejudica as relações pedagógicas, pois “uma atuação violenta da polícia no atendimento inicial [...], afeta todo o processo de atendimento e inclusão, porque dificulta sobremaneira o estabelecimento de vínculos” (Melo et al, 2008, p.18).
Continuando, o autor afirma que os jovens e agentes de segurança se veem como ameaças recíprocas e, quando isto acontece, inviabiliza-se o estreitamento, a aproximação e a humanização das relações, necessárias para a construção da cultura de paz, tão preconizada pelos manuais dos Programas.
Assim, se a polícia é a representação da violência, buscá-la para solucionar conflitos parece ser um caminho pouco adequado, e aí reside uma das grandes contradições dos manuais publicados pelas SEEs, especialmente a do governo do estado de São Paulo, que sugere encaminhamentos à Polícia Militar dezenas de vezes no texto.
O Manual elaborado pela SEE/MG compreende o fenômeno da violência escolar sob duas perspectivas: da Educação em Direitos Humanos e da Saúde Pública.
O texto cita a Resolução WHA49.25 de 1996, da Assembleia Mundial da Saúde, na qual declara a violência como importante problema de saúde pública e justifica que “o fenômeno da violência escolar vem sendo definido como um problema de saúde pública, uma vez que muitos dos envolvidos necessitam de atendimento médico, psicológico, assistencial, além de medicamentos e/ou internações”. (p. 16). O documento se refere, ainda, aos impactos da violência sobre os indivíduos como os potenciais anos de vida perdidos, a incapacitação, a dor, os custos de tratamento e a relação da violência com a utilização de substâncias químicas e seus desdobramentos em comportamentos depressivos e/ou delinquentes.
Manual orienta sobre a necessidade de se compreender o fenômeno da violência na perspectiva da violação de Direitos seja nos casos de violência interpessoal, que subdivide em familiar e comunitária, seja nos episódios de violência coletiva, categorizada no texto como violência social, política e econômica. Sugere o trabalho com os temas do cotidiano escolar que impactam de forma negativa o cotidiano da escola, considerando esta como ambiente educativo que “precisa acolher e oferecer espaços de liberdade, de formação e criação de possibilidades para o crescimento dos sujeitos”. (p.9).
Desta forma o texto reforça o conceito de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Este é um destaque importante do material se considerarmos que este conceito (de sujeitos de direitos), ainda e infelizmente, não foi incorporado por todos os educadores e sociedade em geral, apesar dos 25 anos de promulgação da Lei.
O Manual reforça, também, a necessidade de implementação de mais políticas preventivas e protetivas e menos políticas compensatórias, não se restringindo a mecanismos para compensar danos já instalados, mas evitando-se que o problema aconteça com a prevenção. Orienta o trabalho dos docentes em Direitos Humanos, sugerindo que os mesmos trabalhem transversalmente com “a temática da convivência, da diversidade, dos direitos humanos e ECA, do viver em sociedade, entre outros afins” (p.32), além de outros projetos mais específicos em que se desenvolvam “ações que contemplem toda a comunidade escolar, por meio de assembleias de estudantes, exibição e discussão de filmes, trabalho literário, confecção de cartazes e vídeos, debates, palestras, entre outras possibilidades” (p. 32).
O que se observou é que o manual elaborado pela SEE de Minas Gerais coloca maior ênfase no trabalho pedagógico que na questão judicial que permeia o manual elaborado pela SEE de São Paulo.
Passando-se à análise do Rio Grande do Sul, observou-se um grande envolvimento do setor judiciário na discussão das questões de violência escolar. A proposição da justiça restaurativa como método de negociação de conflitos e violência no setor judiciário acabou por inspirar o tratamento da violência escolar sob essa perspectiva, fato que Schuller (2015) destaca em sua tese de doutorado. Nessa linha,, a lei 14.030 de 26 de junho de 2012 estabeleceu a criação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes e Violência Escolar- CIPAVE, no âmbito da rede de ensino público estadual do Rio Grande do Sul. Embora seja legislação do estado, alguns municípios também decidiram por criar as CIPAVES em âmbito municipal.
Em Caxias do Sul observou-se o empenho da Secretaria de Educação em constituir a comissão envolvendo a participação dos diferentes grupos que compõem a escola, em uma perspectiva participativa . Além desse fato, observa-se também que é o setor da educação que tem o controle do processo e não outros setores, como bombeiros, policia ligar setor judiciário, que figuram como colaboradores do processo. Mesmo assim, a perspectiva judicial e policial ronda a proposta, na medida em que outros programas com forte caráter judicial são propostos em parceira ou como fonte de referencia para a escola.
Um exemplo desse fato, foi a elaboração de uma cartilha para as escolas que, embora tenha uma imagem mais lúdica, apresenta, como principio, as mesmas características da de São Paulo e Rio de Janeiro. A referida cartilha, tem como objetivo combater a violência escolar em Caxias do Sul Cartilha por meio da orientação da comunidade escolar: tem como objetivo orientar a comunidade escolar quanto aos procedimentos que devem ser adotados em casos de crimes, contravenções penais e atos infracionais ocorridos na escola ou no perímetro escolar. O guia traz desde informações sobre infrações mais comuns até crimes cometidos pela internet. Argumentam que o aumento da violência nas escolas motivou a criação de um material informativo inédito. O Ministério Público, em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil, a Prefeitura e outros órgãos, elaborou o Guia de Orientação à Segurança Escolar. Em jornal da cidade a argumentação com respeito à importância da cartilha é:
A cartilha lançada nesta segunda-feira, 30, O livro começou a ser confeccionado em novembro de 2010, mas, a ideia dessa produção surgiu em 2009 após um levantamento feito pela Secretaria Municipal de Educação nas 85 escolas da rede municipal. Com o contínuo aumento de ocorrências de brigas, apreensão de armas e ameaças nas escolas, o Ministério Público percebendo a grande quantidade de infrações sentiu a necessidade de atuar na prevenção e propôs a criação do guia. O projeto já havia sido desenvolvido em Vacaria e teve grande repercussão.“O livreto de 47 páginas vem para auxiliar e orientar as escolas e principalmente os professores a combater os comportamentos antissociais. Se o professor saber agir nas diversas situações, o ambiente ficará mais tranquilo”, afirma a promotora de Justiça Adriana Diesel Chesani. (site Jus Brasil)
Dessa forma, observa-se que a ênfase e a pressão é para que as propostas de prevenção à violência na escola foque na questão judicial e os conflitos e relações cotidianas, que deveriam ser a questão central dá lugar para discussões e estabelecimento de uma perspectiva judicial e não pedagógica e social.
Em algumas cidades a educação para a paz tem forte presença dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC), como é o caso da cidade de Pelotas. Na visita feita à cidade de Pelotas observou-se que nesta o programa tem forte presença do setor judiciário e está iniciando um trabalho com as escolas, por meio de discussões com professores e supervisores da educação do município. No ano de 2014 iniciou-se a partir de uma escola municipal, a Campanha de Educação para a Paz Itinerante. Esta campanha consistiu em uma em mostra de imagens e proposta de reflexão sobre diálogo, tolerância, respeito ao próximo e cultura da paz, composta por banners e a proposta era circular por todas as escolas da comarca de Pelotas.
Novamente observa-se a liderança do setor judiciário, puxando as escolas para a discussão da temática da paz e da prevenção da violência. A grande adesão do setor judiciário à justiça restaurativa acabou por levar a proposta para o setor educacional a partir do estabelecimento de tal proposta para a discussão da violência que afeta a infância e juventude.
CONCLUSÃO
O sentimento que passam as diferentes propostas é que a escola precisa se proteger dos perigos que alunos, família e comunidade representam e a forma de fazer isto é deixar claro quais são as regras, o que pode e o que não pode e o que é passível ser punido judicialmente. O medo da punição é a forma de manter a paz e não o vinculo e a co-responsabilização dos diferentes grupos em interação na escola.
A construção de uma educação para a paz requer a construção de relações realmente democráticas e participativas, a partir dos diferentes pontos de vista, levando-se em conta as condições de vida e de possibilidades de participação de cada grupo em interação na escola. As regras a serem estabelecidas precisam ser o tempo todo negociadas e os adultos da escola têm papel fundamental nesse processo, com atitudes coordenadas e coletivas, não devendo estar o processo de construção das relações democráticas ou de negociação de conflitos estar restrito a um mediador, mas sim ao coletivo da escola.
Os manuais e cartilhas, visto nas politicas implementadas nos quatro estados, com algumas diferenças no estado de Minas Gerais que acena com possibilidade de as propostas virem das escolas, são originadas a partir do centro de poder, isto é nas secretarias de educação, com caráter mais judicial que educacional, não contribuindo significativamente para que cada escola possa se autoanalisar em termos do tipo de interação intra e extra muros da escola para que a construção de uma educação para a paz seja efetivada no sentido da “construção da paz” e não na manutenção da paz. Os manuais e cartilhas podem contribuir como ferramentas a serem construídas pelos participantes das escolas, por meio de discussão e negociação cotidiana do coletivo da escola. As parcerias com outros órgãos que possam vir a contribuir com a resolução dos conflitos na escola deve ser bem vinda, desde que prevaleça as discussões a partir das realidades locais.
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