MARCHAS E CONTRAMARCHAS DA EXPERIÊNCIA DA CASA FAMILIAR RURAL (CFR) DE SANTARÉM-PARÁ: DISCURSOS E PRÁTICAS DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO À EMANCIPAÇÃO DOS SUJEITOS

Resumo: Este estudo parcial de mestrado, analisa a experiência da Casa Familiar Rural de Santarém, proposta originada da França (1935); Itália (1960) e Brasil/Espírito Santo (1969) criada pelo movimento social do campo para acesso à educação e resistência ao modelo urbanocêntrico excludente. Alterna educação e trabalho em tempos formativos de teoria e prática para a formação integral dos jovens. Destacamos as contradições entre discursos e práticas na relação entre Estado e movimento social, compreendendo as marchas e contramarchas na construção da política educacional do campo. A análise de documentos oficiais e entrevistas, permitiram concluir que na relação com o poder estatal, a CFR contribui nas lutas da constituição do poder local para a emancipação humana da coletividade do campo.

Palavras-chave: Movimento Social; Casa Familiar Rural; Política educacional do campo.


INTRODUÇÃO

A Casa Familiar Rural de Santarém – CFR-STM, é inspirada no modelo pioneiro de alternância no Brasil, desenvolvido pelo Movimento Educacional e Promocional do Espírito Santo – MEPES, a partir de 1969. Esta CFR sendo a primeira no contexto do Baixo Amazonas, Oeste Paraense, foi criada em 1999, por uma articulação do movimento social representativo de populações do campo, que demandaram o acesso à educação para jovens das comunidades rurais tendo em vista sua emancipação política e melhoria na produção familiar rural. Ampliando esta articulação para o âmbito regional, criando outras CFRs nesta região.

Objetivamos investigar as contradições dos discursos e práticas no desenvolvimento das políticas de educação do campo, através da experiência da CFR-STM na relação entre Estado e movimento social. Para tal, analisamos documentos oficiais e entrevistamos gestores secretaria municipal de educação, além de lideranças do movimento social do campo e da coordenação da CFR; tendo em vista observar como se dá a presença da política de educação do campo, nas diversas esferas, sobretudo à nível municipal na execução prática desta experiência, com vistas à sua luta para assegurar processos democratizantes de acesso à direitos, especialmente, os educacionais no campo.

Para identificar as políticas educacionais do município de maior relevância ao funcionamento da CFR em Santarém, buscamos os dados da Secretaria Municipal de Educação de Santarém – SEMED, por meio do novo Plano de Educação, além de entrevistar os coordenadores do setor de educação do campo nas regiões de rios e planalto e em sites oficiais do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO: DISCURSOS E PRÁTICAS NA EXPERIÊNCIA DA CFR-STM

A realidade educacional do município de Santarém, segundo seu Plano Municipal de Educação – PME/2015-2025, apresenta 35 (trinta e cinco escolas estaduais), das quais, apenas uma, está localizada e atende à população do campo. Na jurisdição municipal, há 397 (trezentos e noventa sete) escolas, sendo 320 (trezentos e vinte) localizadas no campo, das quais 231 (duzentos e trinta e uma) são escolas da região de rios e 90 (noventa) da região de planalto e 77 (setenta e sete) fixadas no limite urbano.

Desse modo, o ensino fundamental está muito mais disponibilizado no campo, do que o ensino médio. Ou seja, o órgão municipal de ensino está muito mais presente no campo, com 76% das suas unidades de ensino, do que o governo estadual, que disponibiliza somente 3% das suas unidades escolares. Assim, para dar continuidade aos estudos no sistema educacional público, os jovens do campo precisam sair de suas localidades para estudar nas unidades escolares estaduais urbanas, já que o município possui apenas uma única escola pública localizada na zona rural que oferta o ensino médio. De tal forma, que o Estado não tem garantido a oferta do ensino médio demandado pelo campo, além de induzir o jovem estudante ao êxodo rural.

Em Santarém a população residente na faixa etária a partir de 15 anos é de 200.001 habitantes. Deste total, 16, 78% (33.558) estão matriculadas nas escolas de todas as redes de ensino do município. E especificamente no Ensino Médio a presença de matrículas corresponde a 9, 07% (18.142) e na Educação de Jovens e Adultos – EJA, de 4, 60% (9.194). Isso significa que conforme este levantamento, 83, 22% (166.443) estão fora da escola. (PMS/PME, 2015-2025, p.79)

Neste propósito, é proposta do PME de Santarém:

3.6-Desenvolver, em regime de colaboração entre os entes federados, a oferta de Ensino Médio para as populações do campo, indígenas e quilombolas nos turnos diurno e noturno, bem como a distribuição territorial das escolas de Ensino Médio, de forma a atender a toda a demanda de acordo com as necessidades específicas dos alunos; (PME/PMS- 2015-2025).

7.16-Assegurar transporte gratuito para todos os estudantes da educação do campo de todos os níveis de ensino da Educação Básica, mediante renovação e padronização integral da frota de veículos, de acordo com especificações definidas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO, e financiamento compartilhado, com participação da União (p.47).

7.17-Desenvolver pesquisas de modelos alternativos de atendimento escolar para a população do campo que considerem as especificidades locais; (p.48).

7.22-Consolidar a educação escolar no campo de populações tradicionais, de populações itinerantes e de comunidades indígenas e quilombolas, respeitando a articulação entre os ambientes escolares e comunitários, garantindo: o desenvolvimento sustentável e preservação da identidade cultural, a participação da comunidade na definição do modelo de organização pedagógica e de gestão das instituições, considerada as práticas socioculturais e as formas particulares de organização do tempo (p.48).

As propostas elencadas indicam que o órgão gestor municipal reconhece a carência de oferta do ensino médio público aos jovens do campo, além da falta de apoio logístico, bem como de suas especificidades, nos dando pistas que possui de certo modo, a preocupação com a educação no campo. Mas nos interessava saber se havia políticas que envolvessem direta ou indiretamente, a proposta da pedagogia da alternância desenvolvida na CFR do munícipio.

Identificamos que as propostas que sugerem uma atenção às demandas de educação do campo, envolvendo a proposta pedagógica das CFRs, distribuídas ao longo da redação do Plano, curiosamente, com destaque em negrito, indicando que foram propostas inseridas posteriormente.

A esse respeito, lideranças da CFR-STM, nos esclareceram que a Prefeitura através da SEMED fez um debate do Plano Municipal de Educação, mas que as instituições do movimento social do campo não foram convidadas a participar do processo de construção integrando o Fórum Municipal de Educação - FME, ou em outro Fórum denunciando falha na mobilização O município possui Conselho Municipal de Educação (CME) desde 1997 nos termos da Lei Municipal de nº 15.957, com atribuições somente consultivas em virtude da não criação do Sistema Municipal de Ensino. Esta Lei foi alterada pela Lei municipal de nº 17.998/2006, a qual em seu art.1º reconhecendo este Conselho como “órgão normativo, consultivo, deliberativo, mobilizador, fiscalizador e propositivo” (PME-STM/2015-2025, p.23)..

Segundo os registros e falas dos entrevistados, o processo de elaboração das políticas municipais educacionais do campo, ficou muito restrito aos órgãos de gestão pública, não sendo percebida desde o período de criação da CFR-STM, até o ano de 2015 (ano de realização desta pesquisa), a existência de um processo de debate e proposição pública mais intenso coordenado pela Prefeitura no sentido de atender demandas da educação em Santarém, em especial à do campo, que tenha envolvido efetivamente as CFR’ s. O que a nosso ver, teria enriquecido ainda mais o direcionamento e a qualidade das propostas para a educação do campo; além de aproximar o ensino das escolas municipais rurais com a proposta da pedagogia da alternância dos CEFFAs.

Mas apesar da ausência de participação na elaboração do Plano Municipal de Educação atual, ainda assim, o movimento social do campo, representado pela Associação desta CFR se fez presente na audiência pública para aprovação na Câmara de Vereadores, impondo com sua presença ativa, a inclusão de propostas para atender às suas demandas. Nos levando a concluir que a CFR-STM, tem influência na política educacional no município, e é capaz de provocar o debate da educação do campo no município, visando na construção desta política.

A esse respeito, com base nas inferências de Norberto Bobbio (1988, p.51), podemos resgatar a compreensão de “Socialização do Estado” ou de “estatização da sociedade”, quando este se refere à política educacional surgida a partir da demanda e pressão social. Baseado neste autor, entendemos que a proposta dos CEFFAs, e no caso específico as CFRs, pode representar o fenômeno da “socialização do Estado”. Sendo que pelas várias formas de participação nas proposições de políticas públicas e da expansão da capacidade de articulação, as organizações populares interferem e criam demandas por uma educação do campo, a fim de atender suas peculiaridades como sujeitos históricos. Posturas que criticam “a reapropriação da sociedade por parte do Estado” e a construção de um processo contínuo e coletivo de “estatização da sociedade” como forma de controle reforça a ideia do contraponto entre sociedade civil e Estado.

Assim, identificamos no referido PME, o esforço do movimento social que resultou na inserção da proposta de educação do campo desenvolvida nas CFRs, como política municipal, representadas nas seguintes proposições aprovadas:

2.4.1 – Adequar a infraestrutura das escolas do campo, para atender os alunos, filhos de agricultores familiares, nas áreas polo, com construção de quadras e áreas de lazer, em parceria com os Governos Estadual e Federal; (p.35).

2.12.1 – Formação continuada de professores de todas as áreas de conhecimento, incluindo a área de extensão voltada a agroecologia, com pedagogia da alternância, com suas especificidades, de acordo com a Lei 12.695/2012; (p.36).

2.14-Garantir a oferta do Ensino Fundamental, para as populações do campo, indígenas e quilombolas, nas próprias comunidades, através de parcerias e termos de cooperação técnica e/ou convênios com órgãos governamentais e não governamentais às Casas Familiares Rurais – CFRs nas áreas polo, assegurando aos seus alunos o transporte escolar. (p. 37)

5.9 – Ampliar o número das Casas Familiares Rurais – CFRs, no prazo de dez (10) anos, para atender toda área rural do Município de Santarém, beneficiando os assentamentos e outras áreas, com escola padrão contendo transporte, professores e técnicos, quadra esportiva, área de extensão e alojamento, em parceria com entes federativos (p.52);

5.15 – Atender com profissionais da educação as Casas Familiares Rurais – CFRs, em parceria com entes federativos e organizações não governamentais. (p.53)

Tais indicações de ações sugerem uma aproximação oficial da Prefeitura com as Casas prevista para o próximo decênio. Pois conforme entrevistas com gestores da Secretária de Educação - SEMED e algumas lideranças, coordenadores de educação do campo desta Secretaria, confirmamos que a colaboração de órgãos públicos municipais, sobretudo o de educação com as ações da CFR-STM ou não existe atualmente, e quando havia, se dava extra oficialmente, não apoiado na formalização de convênios ou acordos de cooperação, que pudessem repercutir como política pública local na Casa.

Reconhecemos o avanço da adoção de propostas de educação do campo contemplando a CFR-STM pelo governo municipal atual, mesmo que motivado pela pressão do movimento social. Mas nos chama atenção a oferta do Ensino Médio, mesmo que pela formalização de parcerias com entes federativos e outros órgãos governamentais e não governamentais para esse intento. Pois identificamos no conjunto destas falas, certa dificuldade na integração das ações, sobretudo entre o município e o governo estadual, emperrando um avanço na implantação de políticas de apoio à CFR de Santarém.

A percepção da ausência de integração entre setores governamentais, principalmente nas esferas estadual e municipal, agrava-se devido à compreensão destacada pela coordenadora geral de educação do campo da SEMED, de que o ensino médio, por ser competência do governo estadual, “a Casa Familiar Rural, portanto é responsabilidade do estado e não do município” (ENTREVISTA, coordenadora educação do campo – SEMED).

Para o movimento social do campo, no entanto, não há implicação legal que proíba o município de investir nas CFRs. Dependendo muito mais de uma decisão política do gestor de inserir a experiência das Casas como demanda em seu Plano Municipal. Acreditam que para tanto, dependeria do poder de persuasão e convencimento da sociedade civil e movimento organizado para exigir o investimento do recurso público, segundo afirmou, o colaborador na articulação das CFRs Baixo Amazonas (ENTREVISTA, 29.06.15).

E ainda quando a CFR-STM era assistida pelos convênios com o Estado “não tirava autonomia das Casas em buscar suas articulações para a sua manutenção, mesmo porque o recurso era mínimo e não garantia o total funcionamento das alternâncias”, segundo o articulador regional do movimento social do campo.

Os depoimentos das lideranças do movimento social, indicam que a dificuldade de aproximação do poder público, sobretudo o municipal, pode vir da implicação da não obrigatoriedade legal do município; já que a CFR-STM atende somente o ensino médio. Constatamos que o apoio da Prefeitura, é eventual se não há ações que integram um plano institucional. Consistindo uma política de governo e não de Estado, no sentido da instabilidade e do não comprometimento formal-legal. Assim, se o governo municipal define como política pública, pode priorizar o apoio à Casa e projetar recurso e encargos. Caso contrário, não teria como justificar o investimento, limitando assim, o seu envolvimento. (ENTREVISTA, Liderança do movimento social do campo).

Informaram ainda as lideranças da Casa que as parcerias mais efetivas com órgãos públicos se dão com órgãos de assistência técnica, até mesmo no âmbito municipal. Sendo que “com a secretaria de educação, não temos muita afinidade (...) para um debate de aprofundamento”. Ou ainda quando participam de palestras, elogiam a experiência, mas “não se inserem nesse debate”, informa outra liderança de articulação do campo. Revelando que no município de Santarém há “dificuldades de trabalhar com o governo, mesmo que tenha uma ou outra parceria, mas não tem aquela liberdade de discutir a fundo a educação” (ENTREVISTAS).

Acreditam as lideranças que a questão central que alimenta esse distanciamento deve-se a inexistência de política pública que respalde as ações entre governo e movimento social do campo, em especial à CFR. Já que na “pedagogia da alternância, são os professores, alunos e os pais, quem dirigem”. Entendem que essa modalidade “traz dificuldade para o diálogo com o governo, sendo que não tem o controle como política de educação, mas tem no máximo uma parceria”. (Liderança de articulação regional do movimento de Educação do Campo, 30.10.15).

Avaliamos ser necessária, ao poder público no âmbito municipal, uma ampliação de concepção sobre educação do campo não, para o campo, no que se refere à CFR. Pois mesmo que na sua fala, se destaque a importância da pedagogia da alternância “porque não tira a vivência do aluno do dia a dia”, fazendo uma distinção com a “escola do campo”, sendo as escolas atendidas pelo sistema educacional formal do município localizadas na área rural; as quais, segundo o coordenador de Rios da Secretaria, “estão quase funcionando hoje como as escolas normais”, principalmente “nas grande vilas onde já tem uma urbanização”. (ENTREVISTA, Educação do campo - SEMED-STM). Desse modo, percebemos certa distorção conceitual que distancia o escrito (oficial) e o real (fala).

Por sua vez, as lideranças da CFR não admitem a interferência do governo na gestão da CFR. Isso nos leva a perceber que, mesmo chamando o poder público à responsabilidade pela educação do campo, há uma relação paradoxal de distanciamento e aproximação entre movimento social da CFR e o poder estatal, (sobretudo na esfera municipal). Tal contradição se dá nas diferentes compreensões político-ideológicas de educação do campo, que se espraia para questões de ordem econômica e organizativa. Com a retração do movimento para evitar conflitos na gestão de um lado, e o chamamento do governo para a manutenção dos serviços desta Casa, de outro; e ainda assim garantir os princípios filosóficos e metodológicos próprios dos CEFFAs.

Outras perguntas surgem: em que medida os espaços de negociação do movimento social na sua diversidade com os governos e, em certos casos envolvendo outros atores, como o empresariado, permitiram a afirmação e legitimação do projeto do movimento social, como da sociedade como um todo? Existe uma relação de forças entre os atores, que levantam o problema da organização e da relação entre a sociedade civil e o governo. Já que o setor empresarial (sojicultores, fazendeiros e madeireiros) pouco participa dos espaços sociais de negociação das demandas na região. Pois, para garantir os investimentos que favoreçam seus empreendimentos, asseguram uma negociação com os governos federal, estadual ou municipal diretamente com os ministérios e as secretarias de Estado do Pará, promovendo os seus projetos mediante as bancadas de deputados. (IPAM- CIAT, 2009).

A literatura, bem como a leitura da realidade, apontam para a existência de novas formas de gestão, de mecanismos de construção de novas relações e participação da população na formulação, implantação e controle social das políticas públicas. A participação ativa da sociedade civil como protagonista da sua realidade, constitui um poder local existente, e também no caso específico da CFR-STM, capaz de modificar o seu contexto, criando espaços democratizantes e influenciando a elaboração e execução das políticas públicas (DOWBOR, 1999; 2006).

Os grandes embates ideológicos e concretos sobre financiamento e legalização existentes com os órgãos públicos, sobre o reconhecimento legal da Pedagogia da Alternância, foi resultado das grandes discussões nacionais do movimento social da educação no campo, que levaram a acumular conquistas, a exemplo de o Estado ter que repensar sua estrutura de gestão para questões específicas, criando diretorias de coordenação de estudos diferenciados, como os estudos indígenas, quilombola e a educação do campo. Mas ao mesmo tempo, que isso demonstra um reconhecimento, revela também uma necessidade de controle pelo sistema.

Essa forma de gestão que se potencializa no espaço local, tem se consolidado a partir de um modelo de parcerias, que ora pode ser entendido numa lógica privatista do serviço público, na transferência de recursos para a sociedade civil e na consolidação da ação de organizações públicas não estatais (PEREIRA, 1997, 1999). Ora, pode ser ressignificada como instrumento da sociedade civil para garantir o acesso a direitos essenciais, ampliando a participação social, o controle da sociedade sobre o Estado e maior democratização da sociedade (MUNARIM, 2005; DAGNINO, 2002).

Deste modo, percebemos por meio da articulação e posicionamentos das lideranças, que a CFR-STM se constitui em uma estratégia do movimento social do campo que se contrapõe ao modelo hegemônico opressor. Tendo na sua história de resistência percorrida ao longo de sua existência, o reflexo que acompanha e integra a luta de resistência dos movimentos sociais do campo: superando adversidades, entre avanços e recuos, retrocessos e refluxos. Mas sempre, mantendo e reafirmando sua proposta político-ideológica, na busca do empoderamento dos sujeitos do campo e na defesa de seu projeto emancipatório.

A PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E A EDUCAÇÃO DO CAMPO: VISÃO DE FUTURO NA CFR-STM

O território aparece como o espaço adequado para integrar políticas setoriais, articular dinâmicas locais e políticas públicas com a inserção de vários ministérios, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário promovendo os territórios. No Baixo Amazonas, a CIAT (Comissão de Implementação de Ações Territoriais) foi transformada em CODETER (Colegiado de Desenvolvimento Territorial) em 2008 e paralelamente, os conselhos municipais de desenvolvimento rural foram implementados a partir do ano 1998.

A fim de compreendermos se, e de que maneira, a proposta metodológica da CFR-STM contribui ao desenvolvimento local, entrevistamos lideranças do movimento social de articulação regional de educação do campo, além de buscar em documentos oficiais, como o Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Baixo Amazonas/ Pará – IPAM/PTDRS-BAM (2011, p.08) que se trata de um documento.

Resultado do esforço coletivo na construção de um novo modelo de desenvolvimento nesta região. É um plano estratégico estruturado sob orientações gerais da Secretaria de Desenvolvimento Territorial - SDT do Ministério do Desenvolvimento Agrário/MDA, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais – PRONAT, coerente com a dinâmica, demandas sociais e as oportunidades efetivas das políticas públicas no território da cidadania do Baixo Amazonas.

Este Plano foi constituído por uma iniciativa a partir do CODETER- BAM – espaço de articulação de instituições governamentais, empresariais e do movimento social local e regional Baixo Amazonas, Oeste Paraense. Contou com a realização de 13 (treze) consultas públicas para a análise de contexto e visão de futuro e levantamento de demandas, com a finalidade de “construir as propostas de ações estratégicas visando a sustentabilidade do desenvolvimento rural sob a ótica das dimensões socioeconômica, socioambiental, sociocultural e educacional e político-institucional e de gestão do desenvolvimento territorial rural” (IPAM/PTDRS BAM, 2011, p.09).

O CODETER/BAM é atualmente percebido como o “único espaço onde a gente se encontra para fazer o debate do desenvolvimento territorial da região”, segundo liderança do movimento social. Pois este Conselho é o mais voltado às questões da agricultura familiar, “na ideia de juntar todos, independentemente da filiação institucional governamental e não governamental. E se perdermos isso aqui, nós vamos voltar a ficar sem espaço pra debater”. (CODETER, Encontro de Educação do Campo-Baixo Amazonas, 22.04.2015)

O debate do contexto regional do BAM pelo Plano, foi apontada a necessidade de rever as bases do desenvolvimento rural, por um processo de planejamento que contemple a participação social, legitimando a importância da produção familiar no desenvolvimento territorial. Mas, ao contrário, o Programa de Educação do Campo, foi pensado neste Plano, a partir da visão de uma educação tradicional e técnica, priorizando o modelo de escolas tecnológicas e do padrão MEC. Reproduzindo desse modo, uma visão institucionalizada que se distancia da proposta do movimento pela pedagogia da alternância (IPAM/PTDRS,2011).

Tal percepção esteve presente na crítica feita pela liderança de articulação regional da educação do campo, quando fala sobre as diferentes visões de educação no campo entre o movimento social e as instituições de ensino superior, que veem a Casa Familiar Rural, com os padrões e a oficialidade exigidos de uma escola técnica normal. Segundo este entrevistado, na visão do movimento social, na CFR é indispensável a documentação para assegurar a certificação e ter o reconhecimento pelo MEC, como órgão regulador. No entanto, não concordam com as regras da perfeição técnica e do padronização, que desconsidera as questões regionais, e que não encontram sintonia na discussão da grade curricular.

Entendemos que o debate deste Plano Regional de Desenvolvimento para a Educação do campo, demonstra que no processo do diálogo, as tentativas de conciliação entre as diferentes visões entre o oficial e o particular, o público e o privado nem sempre se apresentam claramente. No entanto, são fundamentais os espaços de proposição conquistados, os quais permitem o desenho de propostas de acesso a políticas sociais diferenciadas como “implementar a Casa Familiar Rural com pedagogia da alternância para indígenas e Quilombolas para ser executado pelas Prefeituras/SEMED nos municípios de Alenquer, Almeirim, Belterra, Oriximiná e Santarém” (IPAM/PTDRS, 2011).

Diante do modelo econômico atual e da relação com o Estado, nos interessamos em descobrir se as CFRs, e em particular, a CFR-STM, apresenta alternativas à população do campo para “driblar” esse modelo. Com esse objetivo, buscamos adentrar nesta temática, ouvindo a Associação da CFR-STM, a sua coordenação pedagógica, monitores e lideranças do movimento social.

Concluímos estar muito presente a conexão entre teoria e prática na proposta metodológica da CFR-STM, demonstrando que as práticas vivenciadas no contexto da alternância se mostram coerentes com as necessidades formativas dos jovens e aos seus anseios. É destacado nestes sujeitos do campo, a resistência e a capacidade criativa de superação dos obstáculos por meio da prática. Mas é igualmente sentida a carência da formação teórica para melhorar a produção, a qualidade de vida e colaborar ao desenvolvimento local, visando saírem da marginalidade social e econômica à qual se encontram.

Neste mesmo sentido, analisando os egressos da CFR-STM, Sousa e Malcher (2014), constataram que a pedagogia da alternância permite aos alunos da CFR a posição de sujeitos históricos que, no desempenho de múltiplos papéis, resistem ao sistema econômico, enfrentando as adversidades que lhes é peculiar. E ao conceber a realidade como dinâmica, em busca do aprimoramento produtivo, econômico, social, cultural e humano, desenvolvem o exercício da práxis educativa.

MARCHAS E CONTRAMARCHAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: DO NACIONAL AO LOCAL

Percebemos a importância dos espaços de articulação do movimento social, ainda que permeada por suas contradições internas e por diferentes concepções identificadas no processo de negociação. Percebemos na perspectiva da Associação da CFR-STM que, longe de perder de vista os riscos, tem clareza sobre os seus desafios de sua proposta filosófica.

Avaliam as lideranças, que a CFR necessita alcançar o reconhecimento do governo e da sociedade, como um modelo de educação para o desenvolvimento local, regional e nacional. Mas assegurar recursos públicos para a manutenção da CFR-STM, não inviabiliza a articulação com sindicatos, cooperativas, associações de produtores e organizações não governamentais (ONGs) ou entidades de apoio.

No entanto, as lideranças desta Casa, entendem e não se iludem que quando entra em cena, a sedução do capitalismo e a visão de propriedade, trazendo à tona a percepção do valor econômico como o bem maior. A preocupação de que as instituições do movimento social, possam não sair imaculadas desse processo, não tem outro suporte, que não o do próprio movimento, por vezes exposto às ilusões de seus encantos. Permitindo, por deslize, ao conduzir as questões da vida prática, que suas ações estejam desacompanhadas de sua proposta teórico-filosófica que as orientam. Portanto, receiam que a aproximação do governo dilua a proposta do movimento da educação do campo.

Deste modo, a CFR-STM busca alternativas para responder aos desafios da questão econômica, no que diz respeito à sobrevivência do trabalhador no campo, entendendo que o panorama que se apresenta é complexo, e que por dentro da dinâmica desse cenário de relações, o seu o futuro caminha tênue entre a sociedade civil e o Estado, neste movimento dialético que, ora afasta e se retrai, e ora aproxima e se articula, para novamente se transformar.

A CFR-STM, portanto, se constrói na perspectiva vislumbrada pelo jovem nas experiências com a formação na Casa, oportunizadas pela própria região onde mora, por meio dos projetos alternativos ou de manejo que desenvolve, ao destacar as potencialidades ambientais e econômicas, bem como, a valorização dos princípios agroecológicas da proposta desta CFR. Nos levando a concluir que esta Casa contribui com práticas para o desenvolvimento local e a melhoria da vida no campo a partir da sua proposta pedagógico-filosófica de sustentabilidade.

Deste modo, acreditam as lideranças da CFR-STM, que a sua experiência pode ser uma estratégia por dentro do sistema capitalista e a sua resistência ao individualismo capitalista revela-se na sua continuidade e na sustentabilidade desse modelo. Mas alertam que para se chegar a uma alternativa dentro do capitalismo “é necessário ter conhecimento, para lidar com essa economia, e enfrentar as barreiras da burocracia”. Pois existem políticas que não dialogam ou convergem para um mesmo objetivo. De tal modo que, uma política federal de fortalecimento da agricultura familiar criada para tirar da informalidade o trabalhador do campo, pode também incentivar a individualidade, em detrimento do coletivo, ou ainda dispensar o mesmo tratamento de uma grande empresa. Ou seja, o Estado, ao apresentar distorções nas suas políticas com diversidade de discursos e regras, faz predominar a supremacia do capital. (ENTREVISTA, Liderança regional do movimento social do campo).

Entendem as lideranças sociais que a luta seja não apenas pelo reconhecimento da pedagogia da alternância de fato e de direito, mas para o reconhecimento e valorização das Casas enquanto instituição de ensino, pelo poder Estado. Ainda que as CFRs, como uma concessão estatal, sejam autorizadas como Escolas Comunitárias, quando são constituídas, tornam-se instituições privadas de ensino, para não necessariamente depender apenas dos convênios públicos. (ENTREVISTA, colaborador/articulador das CFRs no BAM, em 29.06.15).

No âmbito municipal, o estabelecimento de parcerias com as prefeituras garante o acesso às políticas, mas também conduz ao risco da imposição da gestão pública interferindo no funcionamento das Casas. Nesse aspecto, o movimento da educação do campo que acompanha a CFR-STM, reluta nessa aproximação com o Estado, por negarem a apropriação desta proposta pelo poder público, entendendo que este último, ao assumir a gestão, a Associação da CFR-STM perderia a autonomia e a articulação com as famílias. (ENTREVISTA, colaborador na articulação das CFRs-BAM).

Tais arguições nos levaram a compreensão de quão complexo é o debate sobre a educação do campo, do mesmo modo que a sociedade atual (capitalista) possui múltiplas determinações. Considerando que a educação do campo, não traz um debate isolado na e pela educação, mas implica na sua articulação com os diferentes aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais.

Deste modo, para pensar a emancipação dos sujeitos do campo, é fundamental o acesso à educação construída historicamente nos saberes, mas a partir de uma visão de formação integral humana, e não o da escola para os “pobres do campo”. Destacamos neste aspecto, Freire (1978) quando ressalta que não há uma escola que ensine tudo e para toda a vida e que a educação escolar constitui em parte de um de um processo educacional que integra a formação humana. É preciso que o jovem na sua experiência formadora, possa criar possibilidades de sua construção, se assumindo como sujeito histórico e proativo do seu saber.

A partir do exposto, concluimos que na constituição dos diversos espaços de organização social, a educação do campo, e especificamente a política de implantação e/ou fortalecimento das CFRs esteve sempre inserida. E ainda que, o reconhecimento e financiamento destas iniciativas (convênios, articulações regionais, etc), tenham sido parciais, trouxeram como questão central, a relação entre sociedade civil e o Estado delineando processos de construção e apropriação das políticas públicas nas duas últimas décadas.

REFERÊNCIAS

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