EDUCAÇÃO POPULAR, TRABALHO E DIREITOS HUMANOS: EXPERIÊNCIAS DE ARTE E CULTURA NO SERTÃO BRASILEIRO
Resumo: A partir da implementação do Programa Novos Talentos (DEB/CAPES) no campus do Centro de Ensino Superior do Seridó da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” alavancou uma série de experiências artísticas e culturais na região. Tais experiências estiveram alicerçadas nos três eixos de atividades propostos, sejam ciclos de filmes, cursos de formação e produção de materiais didáticos. O público-alvo do projeto englobou alunos do Ensino Médio e professores das Redes Públicas de Ensino, além de estudantes universitários e professores do Magistério Superior. As ações realizadas entre os anos de 2014 a 2016 propiciaram a construção de novos espaços públicos de debate, e a produção do conhecimento acerca dos temas abordados.
Palavras-chave: arte; direitos humanos; educação popular.
Introdução
As atuais possibilidades de fortalecimento da autonomia das comunidades tradicionais, populações e povos de nosso planeta em relação ao sistema capitalista retomam imediatamente a luta pelos direitos humanos como questão imprescindível para suas formas de auto-reprodução social. Isso porque a amplitude e a variedade de tais formas de auto-reprodução social, invocando a diversidade infinita de criações históricas nas aventuras e desventuras da existência humana coletiva, encontram-se extremamente fragilizadas.
A imposição do avanço desenfreado do atual modelo de desenvolvimento econômico, baseado nas relações de exploração do ser humano e pelo esgotamento dos recursos naturais do planeta, e ainda amparado pela cultura do pensamento único, indicam processos políticos responsáveis pela extinção da diversidade das referidas criações históricas. Dentre estas, destaco as mais fragilizadas perante as dinâmicas de transnacionalização da economia, sejam as criações históricas esculpidas durante séculos e séculos – em especial os modos de vida coletivos que, entrelaçados com a natureza, traduzem fielmente a indissociabilidade entre o ser humano e a natureza. Qualquer criação histórica que alcance reais condições de existência humana coletiva requer respeito inalienável das suas dinâmicas de vida social e, logo, de um conjunto de direitos humanos sancionados pela sociedade como um todo para garanti-las integralmente – como nos casos de populações sertanejas, ribeirinhas, quilombolas, extrativistas, indígenas e outras.
O caso do sertão brasileiro é exemplar. Através do Programa “Novos Talentos”, um dos programas de valorização do magistério da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (DEB) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação do Brasil, o projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” foi implementado a partir do ano de 2014 na região do sertão do Seridó do Rio Grande do Norte – e ressalta a importância de aprofundarmos os conhecimentos científicos voltados para o fortalecimento dos direitos humanos a partir da ótica da autonomia social das populações sertanejas do semiárido brasileiro.
A região do Seridó caracteriza-se por um panorama educacional com graves lacunas estruturantes, apresentando os mais baixos índices do IDEB e acentuadas dinâmicas de burocratização, precarização e intensificação do trabalho docente Tais dinâmicas foram alvo da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Rio Grande do Norte” coordenada pelo GESTRADO/UFMG, em especial analisadas no artigo “Miséria do Trabalho Docente, Autogestão e a Educação Básica no Rio Grande do Norte” (MARIANA, 2013).. Nesse sentido, o papel do Centro de Ensino Superior do Seridó (CERES) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) exerce importante papel nas políticas educacionais da região, possibilitando compreensões locais acerca dos discursos globais voltados para a construção do conhecimento emancipatório. O projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” procurou enfrentar esse desafio, propiciando o fortalecimento de espaços públicos inovadores de debates, em especial laboratórios, museus, Casas de Cultura, praças públicas, e outros locais propícios ao desenvolvimento das ações.
DESCAMINHOS DO CAPITAL NA DESUMANIZAÇÃO DA SOCIEDADE
Inicialmente, assinalo que a compreensão acerca das temáticas derivadas dos direitos humanos, e ao mesmo tempo das metodologias dialógicas e coletivas de educação popular (FREIRE, 1983) presentes no projeto estiveram, sobretudo, centradas na crítica da divisão do trabalho e na hierarquia social – ambas características intrínsecas ao sistema capitalista que permite, no atual contexto político, algumas retrações aos movimentos emancipatórios de nossa sociedade. O Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos de 2015 referenda tal aspecto de nossa pesquisa:
Defensores dos direitos humanos, movimentos sociais e organizações populares enfrentam a mais complexa conjuntura desde o final da ditadura militar no Brasil. A crise capitalista confirma os piores prognósticos quanto à profundidade e longa duração. Desemprego e miséria se alastram causando destruição e perda de direitos para a maioria da humanidade. (...) Um processo que intensifica a voracidade do capitalismo pelo controle das fontes energéticas e dos recursos naturais, acelera a transferência de riqueza para as corporações e aumenta a exploração da classe trabalhadora. (STEFANO e MENDONÇA, 2015, p. 9)
Nesse sentido, pontuamos e clarificamos nosso ponto-de-vista das gêneses das violações dos direitos humanos, sejam as consequências desastrosas de um sistema econômico desumanizador que incide sobre a vida social cotidiana, e que obviamente exacerba as pulsões psíquicas de Tanatos dentre a população e abre caminho espinhoso para convívios desarmoniosos e violentos entre iguais. As contradições de uma sociedade ancorada na violência é exatamente prescindir cada vez mais de legislações e programas institucionais voltados para a garantia dos direitos humanos. Ao elaborar a crítica aos direitos humanos, Raoul Vaneigem atentou para tal premissa:
Os direitos humanos, sendo supostos precaver-nos contra tudo o que tente violá-los, sancionam de facto o caráter opressivo de uma comunidade cujos interesses lesam ou contrariam os dos seus membros. É tempo de promover uma sociedade que prescinda de garantias tutelares por ter eliminado as condições que, precisamente, geram a violência, a violação e a opressão, e alienam a sua contestação. (VANEIGEM, 2003, p. 21)
Além da crítica filosófica relacionada aos direitos humanos, observamos outro agravante no quadro desta temática: os direitos humanos sancionados pelas organizações internacionais englobam um conjunto de direitos insuficientes para garantir o pleno desenvolvimento político, econômico e cultural dos seres humanos. E mesmo assim, dentro do raso conjunto destes direitos já sancionados, notamos recentemente diversas situações de conflito que explicitam a ineficácia completa de mecanismos da política global para garanti-los: desde as comunidades de esquimós ameaçadas pelo degelo de seus continentes, passando pelas comunidades tradicionais latino-americanas vítimas das grandes obras do chamado desenvolvimento (indígenas, quilombolas, sertanejas, caiçaras, ribeirinhas, extrativistas, camponeses, e muitas outras), até os povos palestinos, caucasianos, tibetanos, e outros que vivem aterrorizados pelos grandes impérios.
Acredito que a questão econômica representa o ponto central desta discussão, e particularmente seus desdobramentos socioculturais relacionados às novas consubstancializações de preconceitos. Analisando o crescimento das renovadas formas de preconceito, conjugadas com seus respectivos movimentos econômicos, destaco o processo de urbanização desenfreado a partir da industrialização de territórios que, tradicionalmente, se desenvolveram e se reproduziram socialmente com maior equilíbrio em relação ao seu ecossistema. A industrialização e a urbanização, vistos como fenômenos conjugados, inauguram um dos maiores genocídios culturais e a mais intensa devastação ambiental jamais preconizados anteriormente por qualquer civilização.
Essa destruição é facilitada pelo endeusamento do estilo de vida urbano – um “urbanocentrismo” desvairado que considera o “outro” da civilização urbana e tecnológica, como incompetente, atrasado, incapaz. Criam-se, então, os preconceitos que facilitam o impacto sobre a cultura do “outro”. (WHITAKER, 2006, p.74)
O modo de vida urbano pode tornar-se arrogante e preconceituoso ao pressupor superioridade evolutiva em relação ao “outro”. Dessa maneira, busca legitimidade em seu papel civilizatório do “outro” e, ao mesmo tempo, legitimidade em desenvolver práticas de educação para o “outro”.
Assim é que, nessa visão, o “outro” não sabe, desconhece qualquer dado científico, o que o torna incapaz de superar sua pobreza. Nesse sentido, ele nunca é visto como vítima do sistema econômico vigente. Ah! Se conseguíssemos educá-lo! – Mas ele não tem perspectiva – proclamam os iluminados, que muitas vezes são sociólogos, agrônomos, ambientalistas. (WHITAKER, 2006, p.76)
A pretensa educação do “outro” nada mais é do que a adaptação forçada de comunidades tradicionais e populações nativas ao modo de vida urbanizado – uma das vertentes ideológicas preponderantes da “educação para a cidadania”. Não obstante a isso, essa “educação para a cidadania” procura consolidar grupos coletivos enquanto dependentes das estruturas do Estado-Nação, criando a condição humana do “cidadão” como a única condição humana legítima para a vida no século XXI. Não mais dependentes da natureza e dos recursos naturais de seus respectivos territórios, as comunidades tradicionais passam a depender do Estado-Nação e seus correspondentes empresariais. O caiçara-cidadão, o sertanejo-cidadão, o ribeirinho-cidadão, dentre outros, agora poderão (e deverão) votar, pagarão pelos recursos naturais que outrora obtinham acesso com todo o direito e legitimidade no momento em que controlavam seus territórios, e poderão participar de programas sociais do governo.
Concomitantemente às tentativas de padronização do ser humano, observamos que a diversidade humana não consegue se adaptar plenamente aos modelos capitalistas, derivando assim novas formas de exclusão e preconceito.
“É como se o sujeito não conseguisse responder às prescrições de seu tempo. Na medida em que vai crescendo a exigência de uma uniformização cada vez maior dos estilos de vida, vai se intensificando também a segregação” (KOLTAI, 2004, p. 97).
Importante assinalar tais perspectivas críticas do urbanocentrismo e das novas formas de preconceito antes de adentrarmos os aspectos mais pragmáticos do projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” para que não incorramos no equívoco de concepções heterônomas nas dinâmicas de execução das ações. As ações do projeto procuraram ser desenvolvidas, sob essa ótica, a partir das especificidades locais da região do Seridó, porém ser distanciar-se dos debates globais dos direitos humanos na atualidade.
Ao lado da crítica urbanocêntrica, e propiciando assim o consequente aflorar dos aspectos cognitivos próprios da realidade sertaneja a qual o projeto se inseriu, pontuamos outra importante referência teórica para nosso projeto, seja o pensamento complexo.
Nesse sentido, Edgar Morin faz o vínculo entre educação e complexidade, procurando introduzir a dimensão poiética, ou seja, a manifestação da criatividade, novidade e temporalidade (MORIN, 2003). Ao mesmo tempo, Morin procura desconstruir o vínculo entre determinismo e complexidade:
Ao complexificar-se, a idéia de ordem se relativiza. A ordem não é absoluta, substancial, incondicional e eterna, mas relacional e relativa; depende das suas condições de surgimento, existência, e se reproduzirá incessantemente: toda ordem, cósmica, biológica etc., tem data de nascimento e, cedo ou tarde, terá data de falecimento. (...) O que é verdadeiramente perturbador para o reino determinista e para os cultuadores incondicionais da fossilização da linguagem, é que a complexidade de um objeto qualquer remete a uma região do devir não redutível a nenhuma lógica, qualquer que seja ela. (MORIN, 2003, p.48)
A atualidade do pensamento complexo e da introdução de sua dimensão poiética para o campo da educação reside na possibilidade de aplicação prática e inovadora de experimentações sociais distintas de práticas unidimensionais, simplificadoras, reducionistas e deterministas. Ainda segundo Morin:
Embora a complexidade emerja inicialmente no campo das ciências naturais, não é menos verdadeiro afirmar que, se existe um âmbito ao qual corresponde por antonomásia o qualificativo de complexo, esse é o mundo social e humano, que, certamente, é primordial para a experiência educativa. A razão é óbvia, pois uma das preocupações fundamentais de toda a educação que se preze é a preocupação pelo melhor modo de convivência política na polis. (MORIN, 2003, p. 51)
Utilizo o pensamento complexo desenvolvido por Morin também no contexto da contribuição dos princípios da educação integral que vislumbrem o horizonte da autonomia social, uma vez que as práxis pedagógicas investigadas, neste projeto, foram efetivadas em prol do horizonte utópico do papel ativo da comunidade em reassumir o controle da educação de suas futuras gerações, representando situações educativas articuladoras dos princípios de uma nova maneira de compreensão da educação. Dentre tais princípios, destaco a seguir:
- a crítica da divisão social do trabalho;
- o resgate de conhecimentos tradicionais populares voltados para o fortalecimento das habilidades locais de autogoverno e do uso sustentável dos recursos naturais, assim como a substituição de preceitos econômicos de exploração por práticas econômicas de cooperação;
- a organização e implementação do processo educativo de forma coletiva e democrática, envolvendo educadores e educandos em práticas autogestionárias;
- a defesa dos direitos humanos;
O princípio de defesa dos direitos humanos contemplado em diversas experiências contemporâneas de educação formal nos indica que, apesar da tendência da educação instrumentalizada invadir os tempos e espaços das práticas educativas, a educação escolar ainda representa um campo vasto de atuação para os profissionais da área.
As escolas nas cidades, por um lado, procuram resguardar crianças e jovens das situações humanas degradantes da vida urbanizada, além de ensinar algum conteúdo elementar de conhecimentos para os alunos. A sociabilidade na escola também está ameaçada, mas muito menos agressivamente que fora dela, onde as ruas estão transformadas em caminhos viários, ou o anonimato populacional e a miséria impelem permanente medo do estranho (o “outro”) nas calçadas. Tais escolas também conseguem restituir certo sentido de comunidade nos bairros em que estimula dinâmicas de integração comunitária entre pais e mães dos alunos, funcionários, educadores ou outros profissionais de educação. Esse aspecto constitui um dos mais elevados desafios de um projeto pedagógico consistente.
As práticas pedagógicas voltadas para a consolidação da consciência de direitos humanos no ensino fundamental alcançam, nesse sentido, grandioso objetivo.
Uma educação voltada para a cultura de respeito aos direitos fundamentais do ser humano deve ser uma educação comprometida com a transformação da realidade brasileira atual, ainda marcada por desigualdades, violência e autoritarismo. Nesse contexto o desafio primeiro da educação infantil, no campo axiológico, é estimular na criança a percepção da diversidade, a consciência da igualdade e o sentimento de solidariedade. A escola fundamental propicia uma dupla vivência de importância singular para a criança: a esfera privada no mundo familiar construído em torno do eixo da identidade contrasta com a esfera pública em que predomina a diversidade. Nessa se constrói o valor da liberdade e o respeito à dignidade de cada pessoa pela percepção de que somos diferentes na aparência, nos costumes e no pensamento. Todavia, a liberdade para não se tornar uma simples expressão do indivíduo e, mais, do individualismo precisa estar vinculada ao valor da igualdade, ou seja, a defesa de uma sociedade livre de estruturas que geram opressões e desigualdades sociais. (CARDOSO, 2008)
Ao conceber a educação de maneira ampla e sistêmica é que nos debruçamos, finalmente, na exposição dos caminhos trilhados pela equipe do projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” nos diálogos e construções de conhecimento na região do sertão do Seridó.
VEREDAS SERTANEJAS EM DIREITOS HUMANOS
O projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” foi executado em consonância ao Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2007), em especial na
afirmação dos direitos humanos como universais, indivisíveis e interdependentes e, para sua efetivação, todas as políticas públicas devem considera-los na perspectiva de construção de uma sociedade baseada na promoção da igualdade de oportunidades e da equidade, no respeito à diversidade e na consolidação de uma cultura democrática e cidadã. (BRASIL. COMITÊ NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, 2007, p. 11.)
Ao mesmo tempo, em acordo com a Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica da CAPES, compreendemos que o processo de formação de professores é imprescindível para que as escolas públicas de Educação Básica sejam instituições aptas a mediar os debates contemporâneos sobre direitos humanos, incorporando a comunidade escolar através de práticas de educação popular e assumindo a co-responsabilidade na complexificação da luta pelos direitos humanos. É nesse contexto que se efetivou o projeto no sentido da contribuição para a formação de professores em Direitos Humanos, não apenas “ao preconizar uma formação dos direitos positivados, mas especialmente por possibilitar a compreensão do papel histórico da classe trabalhadora nos movimentos e nas lutas pelos direitos humanos” (CAPUCHO, 2012, p. 90). O trabalhador docente passa a representar, assim, uma das categorias fundamentais para a criação histórica anticapitalista e emancipatória socialmente.
As atividades do projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” estiveram divididas em três etapas: 1.Curso de formação em Direitos Humanos; 2. Oficina de Produção de Material Didático em Direitos Humanos; 3.Ciclo de filmes, documentários e debates "Cinema e Direitos Humanos".
Na primeira etapa de atividades (Curso de formação em Direitos Humanos), os cursos foram ministrados em observância aos dez eixos estratégicos escolhidos, sejam: infância, mulher, adolescência, população idosa, população privada de liberdade, mulher gestante, orientação sexual, maus tratos a animais, opção religiosa, cultura. Para cada eixo foi indicado um texto para leitura prévia que alimentou o debate de cada sessão, enriquecida em certos momentos pela presença de convidados especialistas para cada tema.
Na segunda etapa de atividades (Oficina de Produção de Material Didático em Direitos Humanos), os participantes priorizaram a diversidade da natureza dos materiais didáticos que se vinculam às temáticas supracitadas, além de outras decorrentes das rodas de conversa. Os materiais didáticos abarcaram músicas, representações pictóricas diversas, jogos teatrais, brinquedos, poesias, narrativas, testemunhos etc.
Na terceira etapa de atividades (Ciclo de filmes, documentários e debates "Cinema e Direitos Humanos"), foram selecionados 5 filmes e 5 documentários de grande relevância ao tema “Direitos Humanos”, sejam os seguintes:
- “A Morte Inventada”, de Alan Minas;
- “O Renascimento do Parto”, de Eduardo Chauvet;
- “Vida Maria”, de Márcio Ramos;
- “A caça”, de Thomas Vinterberg;
- “Morte e Vida Severina”, de Afonso Serpa;
- “Persépolis”, de Marjana Satrapi e Vincent Paronnaud;
- “O dia em que Dorival encarou a guarda”, de Jorge Furtado;
- “O veneno está na mesa”, de Silvio Tendler;
- “Criança – a alma do negócio”, de Estela Renner;
- “XXY”, de Lucia Puenzo.
As sessões de exibição ocorreram em espaços diversos, tais como Casas de Cultura, museus, laboratórios, praças públicas, e outros. Após a exibição das películas, os debates aconteceram com a participação de um convidado que dinamizaram o evento. Os participantes sistematizaram suas impressões através de textos, desenhos, poesias e formas narrativas/artísticas diversas.
Dez encontros para cada uma das três etapas de atividades foram realizados nos espaços acima descritos, além de instituições científicas da região (carga horária de quatro horas cada encontro). A metodologia esteve fundamentada, conforme dito anteriormente, no pensamento crítico de Paulo Freire, em que a dialogicidade no espaço público de discussão é o foco da educação popular. Ainda nas concepções de educação popular de Paulo Freire, todas as ações do projeto estiveram em concordância com a realidade das populações sertanejas participantes das intervenções.
O registro fotográfico e audiovisual das atividades foi realizado de forma rotativa por toda equipe, a fim de propiciar maior pluralidade de olhares e subjetividades acerca das temáticas pesquisadas.
Ressaltamos, ainda, que todas as atividades estiveram orientadas pelas metodologias de trabalho de campo sugeridas por Dulce Whitaker (2002), tais como a pesquisa-ação e os diários de campo artísticos confeccionados pela equipe, e outros elementos da área de conhecimento da sociologia rural. Finalmente, destacamos o aspecto autogestionário da atividade, ou seja, a gestão coletiva dos módulos realizada através do rodízio dos membros da equipe, possibilitando a capacitação de toda a equipe no conjunto do Projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos”.
As contínuas avaliações do projeto foram realizadas através de reuniões quinzenais de avaliação e (re)planejamento, abertas ao público, enfatizando o compromisso mútuo entre membros da equipe e dos participantes da atividade na construção coletiva do projeto. Além das avaliações, realizamos entre os dias 02 a 11 de setembro de 2014, o Seminário “Terrorismo de Estado, Direitos Humanos e Movimentos Sociais” (sessões alternadas na Universidade de São Paulo e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte), cujo enlace de temáticas derivadas das reflexões acerca dos 50 anos do início da Ditadura Militas no Brasil em 1964 subsidiou e qualificou toda a equipe e todos os participantes do projeto.
Nas específicas de ações de ressignificação artística ancorada na realidade sertaneja, procedemos na releitura de renomadas representações pictóricas, desde pinturas consagradas de artistas como Pablo Picasso (obras “Mulher chorando” e “Guernica”), passando por cartazes artísticos sobre direitos humanos encontrados na visita à exposição “Poster for Tomorrow” (curadoria de Ruth Klotzel), até mesmo na livre criação de pôsteres, adesivos e outras expressões plásticas. Os resultados específicos destas ações propiciaram a produção de materiais didáticos artísticos relacionados à defesa dos direitos humanos, dentre os quais destacamos doze produtos divididos em três eixos:
- “Defesa da Vida e da Liberdade é a Luta Antimilitarista” e “Nenhuma lágrima será derramada no rosto das mulheres pela violência dos homens” – sobre a obras “Guernica” e “Mulher Chorando”, respectivamente;
- “Não à pena de morte”, “Pelo direito ao livre pensamento”, “Revolução é igualdade de gênero”, “Denunciação caluniosa é crime”, “Direito à moradia também é um direito humano”, “Nada justifica o trabalho infantil”, “Liberdade de expressão é democracia direta” e “Educação pode mudar o mundo” – sobre cartazes de direitos humanos da exposição “Poster for Tomorrow”;
- “Guarda compartilhada é amor em dobro: cura o coração e defende os direitos de crianças e adolescentes” e “Igualdade parental e guarda compartilhada: as crianças e jovens têm direito à liberdade dos afetos” – livre criação coletiva.
Além dos produtos acima mencionados, encontra-se em fase de finalização a película “Direitos Humanos no sertão brasileiro”, uma compilação de diversos registros audiovisuais obtidos durante os anos de execução do projeto, e que congrega não apenas as temáticas de direitos humanos debatidas nos três eixos do projeto, mas também cenas diversas do cotidiano da população da região do Seridó – uma população imersa na realidade da seca do semiárido há mais de quatro anos, e cujos saberes populares tradicionais permitem maneiras diferenciadas de reprodução social e de convívio comunitário.
DESABROCHAR DE ALGUMAS CONCLUSÕES
Coragem – é o que o coração bate; se não bate falso.
Travessia, do sertão, toda travessia.
(Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa)
Não obstante ao sistema capitalista contemporâneo, a vida social ultrapassa seus desígnios, e possibilita renovadas formas de resistência. O conjunto das articulações envoltas às economias populares solidárias, os movimentos sociais autônomos voltados à transformação e à construção de uma sociedade igualitária em sua diversidade, além de diversas mobilizações emancipatórias anticapitalistas é que nutriram as forças criadoras para que nosso projeto pudesse identificar e resgatar suas heterotopias na educação (GALLO, 2009) e bem-aventurar o conhecimento nesse sentido.
Dentre os principais objetivos alcançados pelo projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos”, destacam-se:
- Construção de espaços públicos de debates acerca dos direitos humanos na atualidade a partir de práticas pedagógicas focadas na educação popular e orientadas pelas perspectivas analíticas derivadas do tema “Trabalho e Direitos Humanos”;
- Articulação interinstitucional voltada para o fortalecimento dos direitos humanos entre Escolas do Ensino Básico de municípios e povoados do sertão do Seridó, Casas de Cultura, Museus, Laboratórios e o Centro de Ensino Superior do Seridó da UFRN;
- Fomento da pesquisa científica e tecnológica advindas das demandas econômicas específicas da região do sertão do Seridó, respeitando as características socioambientais do semiárido nordestino;
- Participação da comunidade escolar nos aspectos elementares do cotidiano da escola, fortalecendo Conselhos Escolares enquanto mediadores do projeto.
Nesse sentido, o resgate desses saberes populares tradicionais representa importante interface com a educação popular, uma vez que o envolvimento das comunidades da região com o projeto possibilitou o intercâmbio de conhecimentos. Se por um lado o conhecimento acadêmico levantou mecanismos dialógicos em espaços públicos locais sobre os temas globais relacionados aos direitos humanos, os saberes tradicionais populares propiciaram a devida contextualização dos debates na realidade sertaneja seridoense.
Finalmente, sublinho que o projeto “Educação Popular, Trabalho e Direitos Humanos” procurou valorizar, ao lado da reflexão crítica autônoma, a amorosidade, a compreensão aberta sobre as temáticas trabalhadas e a dura resistência contra as violações dos direitos humanos, cultivando esperança e coragem.
REFERÊNCIAS
BRASIL. COMITÊ NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007.
CAPUCHO, V. Educação de Jovens e Adultos: prática pedagógica e fortalecimento da cidadania. Coleção Educação em Direitos Humanos, v.3. São Paulo: Cortez, 2012.
CARDOSO, C. M. Educação Fundamental em direitos humanos. ANAIS do I Congresso Latino-americano de educação para os direitos humanos, 2008.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
GALLO, S. “Heterotopias no espaço educacional: repensando o poder nas relações pedagógicas”, in: MARTINS, A; BONATO, N (Orgs.) Trajetórias históricas da educação. Rio de Janeiro: Rovelle, 2009.
KOLTAI, C. “O Estrangeiro, o Racismo e a Educação”, in: GALLO, S.; SOUZA, R.M. de (Orgs.) Educação do preconceito: ensaios sobre poder e resistência. Campinas: Editora Alínea, 2004.
MARIANA, F. B. “Miséria do Trabalho Docente, Autogestão e a Educação Básica no Rio Grande do Norte”, in: CABRAL NETO, A.; OLIVEIRA, D.A.; VIEIRA, L. F. (Orgs.) Trabalho Docente: desafios no cotidiano da educação básica. Campinas: Mercado das Letras; Natal: UFRN, 2013.
MORIN, E. Educar na era planetária : o pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. São Paulo, SP : Cortez. Brasília, DF : Unesco, 2003.
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STEFANO, D. e MENDONÇA, M. L. (orgs.). Direitos Humanos no Brasil 2015: relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos. São Paulo: Outras expressões, 2015.
VANEIGEM, Raoul. Declaração Universal dos Direitos do Ser Humano. Lisboa: Antígona, 2003.
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