JUVENTUDE E CIDADANIA: RESULTADOS DE UM PROGRAMA SOCIOEDUCATIVO
Resumo: Estudo comparativo com enfoque qualitativo que se utiliza de dados quantitativos e traz como pergunta principal: Qual a diferença provocada pelo PROJOVEM na vida dos egressos residentes em São Luís-MA? O trabalho é fundamentado a luz do pensamento de Arendt (1992; 2007), Arroyo (2007), Silva (2008), Arretche, (2001) e Minayo (2005). Pesquisa realizada no ano de 2012 com 154 sujeitos, 74 egressos e 80 não ingressantes do programa. Utilizou-se grupos focais como técnica e estratégia de pesquisa.Os resultados da pesquisa revelam que, o PROJOVEM provocou diferença na vida dos egressos ludovicenses, contribuindo para reduzir a vulnerabilidade Contudo, no referente à cidadania, o programa não contemplou plenamente os requisitos.
Palavras-chave: ProJovem; Cidadania; Jovens Egressos; Avaliação
INTRODUÇÃO
Discutir programas socioeducativos como o Programa de Inclusão de Jovens (ProJovem) requer a busca de respostas para questões que se impõe como subjacentes ao estudo, tais como: O que é o programa? Qual a sua finalidade? Que bases conceituais o sustentam? Para, então, situá-lo no contexto em que foi gestado, sublinhando a preocupação em pensar as questões historicamente construídas. Compreendemos que o conhecimento não é algo a priori, naturalmente dado, que fale por si e exista espontaneamente, pois entendemos que, para se avaliar uma política, precisamos identificar as razões que impuseram sua formulação e as determinações advindas da conjuntura em que foi gerada. Reconhecemos que o objeto adquire significação quando é inserido no todo que lhe dá coerência (GOLDMAN, 1979).
Esse artigo é parte da pesquisa que realizamos para nossa tese de doutorado em que avaliamos o ProJovem (PJ) implementado nos anos de 2005/2006,na cidade de São Luís-MA. O trabalho se caracteriza como uma pesquisa acadêmica de cunho avaliativo, e assume-se como uma abordagem qualitativa que se complementa com dados quantitativos. Aproxima-se de uma análise comparativa, à medida que utilizamos um grupo de controle como uma particular estratégia. Para tanto, contatamos com 154 sujeitos, 74 egressos e 80 não ingressantes do programa que compuseram o grupo de controle.
Na perspectiva de garantirmos mais fidedignidade no resultado do estudo, conforme aponta Draibe (2001), a pesquisa de campo foi realizada no ano de 2010, após três anos que os jovens haviam concluído o curso, tempo considerado suficiente para observarmos as interferências diretas do programa sobre os seus beneficiários.
Para imprimir rigor ao estudo e extrair resultados fiéis de maneira eficiente, optamos pela combinação de duas técnicas: grupo focalTécnica que possibilita contato mais estreito com os sujeitos e melhor flexibiliza as informações em pesquisas com amplo número de sujeitos., com a utilização de questões/temas, e aplicação de questionário. As duas técnicas foram utilizadas também no grupo de controle, este empregado com fins comparativos em relação ao grupo de jovens egressos, com o objetivo de estimar os efeitos de outras políticas que costumam superestimar os dados obtidos nos grupos avaliados. (ARRETCHE, 2001; DRAIBE, 2001).
Por considerar a avaliação como um fenômeno em movimento que interage com os sujeitos e o contexto (MINAYO, 2005; SILVA, 2008), e ainda atentos à defesa de que a associação das propostas teóricas de avaliação com a antropologia pode produzir estudos promissores, embora não excluídos de contradição, elegemos como pergunta principal de pesquisa: Qual a diferença provocada pelo PROJOVEM na vida dos egressos residentes em São Luís- MA?
Os resultados obtidos em resposta a mencionada questão são o foco do nosso estudo o qual será discutido nos próximos tópicos.
PROJOVEM, CIDADANIA E JOVENS EGRESSOS DE SÃO LUÍS
A Política Nacional para juventude brasileira implementada em meados da década de 2000 é composta por três propostas que teriam que atuar simultaneamente: a Secretaria Nacional da Juventude, o Conselho Nacional da Juventude e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária - ProJovemO objeto do estudo é o PJ Urbano implementado em 2005 nas capitais brasileira, destinado a jovens de 18 a 26 anos de idade em estado de vulnerabilidade, que sabiam ler e escrever mas não haviam concluíram o ensino fundamental. O programa tinha durabilidade de 18 meses e os jovens recebiam uma bolsa de 100 reais para frequentá-lo. Reformulado em 2008 o PJ passou a denominar-se de Integrado ( PJ Urbano, PJ Adolescente, PJ Campo, PJ Trabalhador), em 2012 sofreu novas mudanças quando se desvinculou dos demais PJs e migrou para o Ministério da Educação., programa socioeducativo, configurado como uma política específica, componente estratégico da Política brasileira de Juventude, localizado naquele contexto sob a coordenação da Secretaria Geral da Presidência da República em parceria com os Ministérios da Educação, do Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Sua proposta contempla como aportes teóricos e de ação os conceitos de inclusão social e de educação integrada, justificando a presença do primeiro conceito pela concreta tensão entre o local e o global existente na sociedade atual, considerando que, mesmo com inúmeros processos de integração globalizada, existem incontáveis ações excludentes que alimentam profundos sentimentos de desconexão com o mundo e entre os pares. O segundo conceito é explicado pela necessidade de integração indissociável entre educação básica, qualificação profissional e ação comunitária, pois, ao ser realizada essa integração, tornaria viável a concretização do primeiro conceito - a inclusão social.
Ainda em sua concepção teórica o PJ, reafirma a condição de cidadania dos jovens e ressalta que pretende tirá-los do estado de vulnerabilidade em que se encontram. Para tanto, lhes oferece a oportunidade de voltar à escolaConcluir o Ensino Fundamental e continuar os estudos., a chance de identificar as oportunidades de trabalho por meio da qualificação profissional e a possibilidade de construir experiências de ações junto à comunidade em que estão inseridos, o que para nós significa proporcionar-lhes noções de cidadania.
Entendemos que ser cidadão, em primeiro lugar, está diretamente ligado ao princípio do “direito a ter o direito” (ARENDT, 2007), assentado e inalienavelmente adquirido por meio da própria condição de ser humano. Contudo, ao relacionarmos as concepções teóricas filosóficas com a objetiva realidade das sociedades capitalistas, como esta em que vivemos, e considerando ainda a concepção de cidadania inaugurada no século XX – a qual se tornou necessária a partir dos descompassos insurgidos no seio do próprio contexto social –, observamos que a condição humana se vincula diretamente a situações dignas de sobrevivência, o que significa ter direito de acesso ao bem estar econômico e de usufruir dos bens produzidos socialmente, dos padrões de desenvolvimento e da herança social e cultural da sociedade. Portanto, é preciso que o indivíduo esteja minimamente situado acima da linha da pobreza e que tenha direito ao trabalho dignoO mesmo que trabalho decente defendido pela OIT, (2006) aquele com remuneração que garanta condições de manutenção do indivíduo e de sua família, previdência social, férias, salubridade, etc., com salários compatíveis, direito à escola de qualidade, e ao sistema de bem estar.
Desta forma, compreendemos que, em linhas gerais, à medida que o PJ promove o acesso da juventude aos mencionados bens sociais e culturais, está retirando a juventude de uma situação de vulnerabilidade e, indubitavelmente, proporciona-lhes oportunidades de inclusão social.
Entendemos que a política social e os seus programas, existem para produzir mudanças positivas na vida das pessoas, sendo que essas mudanças, no caso dos beneficiários do PJ, começariam pela confirmação da cidadania juvenil, pela via da escola, do trabalho e do engajamento social.
Nesta perspectiva, quando nos propusemos a avaliar o PJ no sentido de examinar a diferença que esse programa provocou na vida dos beneficiários residentes em São Luís, nossas intenções se direcionaram para sabermos das contribuições do programa para o exercício da cidadania dos concluintes. Para tanto, tomamos como base as finalidades do programa, os seus objetivos e as suas expectativas, os quais expressam de forma ampliada importantes fatores, tais como:
- A reinserção do jovem na escola;
- A capacitação dos jovens para que pudessem identificar oportunidades de trabalho e inserirem-se no mundo do trabalho;
- Desenvolvimento de ações que lhes possibilitassem experiência em ações comunitárias.
Os mencionados fatores se efetivariam pela operacionalização da proposta curricular, que se expressa por meio da integralização do ensino fundamental com a qualificação profissional e a ação comunitária, no sentido de oferecer à juventude beneficiária novas formas de interação, apropriação de novos conhecimentos que possibilitem a reelaboração de experiências e de visões de mundo, com o intuito de reposicionar ou posicionar esses jovens, no que tange a sua inserção social e profissional. (BRASIL, 2005).
Assim sendo, ratificamos que nos movemos em direção ao conceito de cidadania defendido por Arendt (2007), em que, na sociedade atual, a condição humana antes de tudo precisa ser compreendida a partir do “direito ao direito”, bem como pela concepção inaugurada no século XX, que aufere aos cidadãos direitos aos bens socialmente produzidos. No caso dos jovens pesquisados, são conferidos como direitos o acesso:
- À continuação dos estudos;
- Ao mercado de trabalho;
- Ao engajamento em ações comunitárias.
A diferença
Confirmamos que os sujeitos pesquisados se constituem em uma amostra da juventude da cidade de São Luís, capital do Estado do Maranhão. Portanto, temos jovens que compartilham da cultura, das formas de agir, de ser, de pensar e de sentir da juventude brasileira e latina americana, as quais se interrelacionam, mas guardam em si características particulares e específicas: regionais e locais.
Levando em conta a condução metodológica avaliativa que considera a interação do fenômeno com os sujeitos e a totalidade que o circunda (MINAYO, 2005; SILVA, 2008), percebemos que os resultados do programa na vida dos beneficiários possuem estreita relação com seu contexto de inserção. Do mesmo modo, ao averiguarmos a diferença entre o grupo de egressos e o grupo de não ingressantes no que se refere aos aspectos avaliados, e tomando como referência a questão de pesquisa, verificamos a grande importância da conjuntura contextual para a juventude pesquisada, tanto no que tange aos avanços, quanto aos retrocessos em seu processo de vida.
No entanto, ao aprofundarmos as análises comparativas e considerando que o grupo de controle é composto por jovens com características e situações de vida similares à dos concluintes do programa, notamos que existem variáveis que sinalizam avanços que se referem, prioritariamente, à existência do programa não isolado, mas tomado nesse contexto. Dentre estas, podemos citar o prosseguimento na educação formal como uma das variáveis de maior expressividade, tendo em vista a constatação de que 71,6% dos jovens egressos continuaram os estudos, contra 31,2% de jovens não ingressantes que compuseram o grupo de controle.
Outra questão que nos é apresentada – não de forma imediatamente reveladora, mas após persistentes indagações e desvelamentos das aparências que geralmente acobertam os fenômenos pesquisados (BACHELARD, 1996) – é a relação direta do jovem com o mercado de trabalho. Entre os egressos, durante o ano de 2010, não foram localizados jovens desenvolvendo atividades de “bico”Atividades realizadas esporadicamente sem vinculo formal e sem salário fixo., ao passo que, entre os não ingressantes, localizamos 41,25%. Importa dizer que nos anos de 2005 e 2006 o número de jovens egressos que ocupava postos de trabalho dessa natureza alcançava a mesma média dos existentes no grupo de controle: sessenta (60) egressos e cinquenta e sete (57) não ingressantes. Contudo, embora não tenhamos localizado jovens egressos na condição de trabalho de “bico”, o número dos que estão formalmente trabalhando ou mesmo recebendo salários mensais é, em média, o mesmo dos não ingressantes, e, portanto não existe diferenciador significativo. Os dados a seguir nos possibilitam melhor visualizar a situação:
Egressos:
- 31 jovens recebendo salários mensais, porém, sem vinculo formal de trabalho;
- 41 com vinculo formal de trabalho;
- nenhum em trabalho de “bico”.
Não ingressantes:
- 48 jovens sem vinculo formal, mas, com salários mensais;
- 32 com vínculos formais;
- 33 situados em atividades denominadas bico.
Além disso, estes jovens (egressos), em sua maioria, estão localizados no ramo da construção civil ou em postos de trabalho considerados socialmente de menor valor, recebendo salários incompatíveis com o esforço laboral desprendido. Isso revigora nossa atenção sobre uma das finalidades do programa, que versa sobre a identificação de oportunidade de trabalho e não sobre a capacitação para o mundo do trabalho (BRASIL, 2005).
Chama-nos a atenção também o alcance da consciência demonstrada por essa juventude sobre a sua situação profissional, pois aqueles que não possuem vínculo formal mostram-se insatisfeitos com esta situação. Outros demonstram insatisfação com os salários não condizentes ou mesmo porque pretendem realizar trabalhos que lhes proporcionem autorrealização e reconhecimento social. O interessante é que o requerimento de tais aspirações se manifesta dentro de um modelo de conduta que considera valores como dignidade, solidariedade e crédito em si próprio.
A terceira questão que se revela como uma variável no diferenciador do programa na vida dos egressos remete-se ao último item por nós perquirido: o engajamento desses jovens concluintes em ações comunitárias, tendo em vista ser essa uma das dimensões do programa, e que se interrelaciona com as suas finalidades e expectativas. Nesse item observamos um acentuado espírito gregário nos dois grupos pesquisados (egressos e não ingressantes), mesmo porque, nesse estudo, a expressão maior de ação comunitária se desloca para a agregação juvenil no interior das manifestações culturaisBumba-meu boi, Cacuriá, Festa do Divino Espírito Santo e outras manifestações culturais e religiosas próprias de São Luís/MA.. Tal deslocamento se justifica porque, em São Luís, como em outros contextos que valorizam as expressões culturais/religiosas, essas também funcionam como elo que congrega e fortalece vínculos entre as pessoas, bem como, entre as pessoas e o próprio lugar/ comunidade.
Desta forma, o diferenciador que se revela como efeito produzido pelo PJ nesse item se assenta, essencialmente, na existência de um número razoável de jovens egressos engajados em atividades de expressões culturais, realizando tarefas e/ou localizados em postos de comando ou na condição de brincantes. Entre esses jovens 47 foram engajados após o PJ, sendo que 20 localizam-se em postos de comando, enquanto que no grupo dos não ingressantes encontramos 31 jovens que se engajaram após os anos de 2005/2006 e somente 2 estão em postos de comando. No grupo dos egressos, todos, de forma ampliada ou restrita, atribuem ao PJ o mérito por desenvolverem as mencionadas tarefas.
Pensamos que a preferência juvenil por essa forma de engajamento (manifestações culturais), em detrimento das demais, ocorre, em primeiro lugar, motivada pelo peso que essas manifestaçõesNa atualidade, são apreciadas durante todo ano, especialmente no período dos festejos juninos, e tal preferência é uma das características que marca e distingue o povo maranhense, tendo em vista que são tradições que se revelam como culturais. carregam dentro da cultura ludovicense, pois são centenariamente cultivadas objetivamente e no imaginário social.
Em segundo lugar, porque as manifestações culturais são carregadas de alegria, entusiasmo, arte, movimento e comportam um grande aspecto de entretenimento, o que vem a combinar com as características imanentes da juventude. No entanto, notamos que o aspecto alegre e prazeroso existente nessas manifestações não impede que os jovens guardem em si valores e sentimentos de cooperação, solidariedade e comunidade, pois a participação ativa nessas atividades culturais faz com que realizem esforços para elevar e dar visibilidade à comunidade onde estão inseridos.
Sublinhamos que no decorrer deste estudo podemos identificar alguns equívocos do PJ, tais como:
- Não vinculação do Programa com o mercado de trabalho;
- Pouca contribuição dos Arcos OcupacionaisItem curricular parte da Dimensão Qualificação Profissional onde ocorriam as oficinas., componente de uma das dimensões do programa, para o aprendizado dos concluintes;
- A insuficiente carga horária da Dimensão Qualificação ProfissionalO PJ tinha uma carga horária de 1.600h, sendo 1.400h destinadas a dimensão Escolarização, 350h destinadas à Dimensão Qualificação Profissional e 50h para a Dimensão Ação Comunitária., bem como daquela destinada à Ação Comunitária;
- O formato organizacional e ideológico do programa como política, pois coaduna com os parâmetros da política neoliberal, populista, assistencialista e focalizada, que é contrária à luta por uma política educativa universalista, travada a partir da redemocratização do país na década de 80;
- A forte incongruência que se revela na materialidade do programa como um equívoco perante uma política educativa profissionalizante;
- A forma como o programa foi situado no cenário nacional: uma estrutura socioeducativa vertical, emergencial, comportando em si uma burocracia específica (NASCIMENTO; ARAÚJO, 2009).
Ainda assim, constatamos que o PJ conseguiu produzir diferenças positivas na vida dos egressos residentes em São Luís, contribuindo para a complementação do ensino fundamental que por vários motivos havia sido interrompido, e influenciando os jovens a dar continuidade aos estudos que facilita a conquista de uma cidadania cada vez mais concreta.
Todavia, precisamos destacar que, além do acesso, para que a escola seja considerada um bem que compõe a cidadania dos indivíduos, precisa oferecer garantias de qualidade social. Conforme esta lógica, se levarmos em conta as recorrentes situações de constrangimento pelas quais a maioria dos jovens que fazem ou fizeram formação escolar no PJ ou em programas similares passam no interior das instituições em que prosseguem os estudos, essa escola que os exclui não pode ser reconhecida como de qualidade.
Assim, os jovens egressos que continuaram os estudos não usufruiriam desse direito na sua plenitude, se comparados aos outros jovens que fizeram cursos regulares. Porém, excetuado esse aspecto, podemos confirmar o prosseguimento da escolarização básica como o diferencial mais significativo produzido pelo PJ na vida dos egressos residentes em São Luís, congregando neste um dos expressivos pilares que asseguram a cidadania.
Já no atinente ao engajamento dos jovens nas expressões culturais de cunho coletivo comunitário, os efeitos do PJ, no sentido diferenciador de sua contribuição para cidadania, são expressos de outro modo, pois os resultados nos levam a admitir que a Dimensão Ação Comunitária tenha proporcionado à juventude egressa ações concretas que lhes permitiram o exercício da cidadania, entretanto, em um plano mais abstrato, a exemplo, a consciência de que a sua condição humana lhe possibilita “o direito ao direito” (ARENDT,2007).
Essa juventude leva uma vita activa, na medida em que, por meio da sua participação nas expressões culturais, é condicionada pela cultura e pelas normas sociais e organizacionais existentes, as quais foram inventadas por outros homens que por lá passaram, ao mesmo tempo em que dá à juventude prosseguimento a essas invenções e são inventadas outras mais. Por meio dessas organizações coletivas são transpostos impedimentos no sentido de entender e requerer progressivamente novos direitos (ARENDT, 1992).
Entretanto, no quesito trabalho, um dos bens mais requisitados pela humanidade na contemporaneidade, em especial nas sociedades capitalistas, o diferencial produzido pelo PJ, mesmo com a inexistência de jovens na condição de trabalho de “bico” entre os egressos, não atingiu os níveis que lhes conferem a condição de cidadãos, tendo em vista que a maioria não desenvolve trabalho considerado digno ainda que mais de 1/4 esteja formalmente inserido no mercado e que mostre pequenos avanços numéricos em relação ao grupo de controle e outros mais, como no referente à visão de si mesmo no mundo do trabalho, no atinente a insatisfações que os conduzam a buscarem trabalhos com maiores remunerações e respeitabilidade social.
Por essa constatação, percebemos que, quando os avanços dependem da juventude egressa, isto é, quando estão dentro dos limites de esforços dos jovens, como no caso do prosseguimento dos estudos e do engajamento em manifestações culturais, a juventude tem mais condições de se localizar e os efeitos são mais expressivos. Entretanto, quando os avanços saem dos limites dos jovens, como a sua inserção ao trabalho, pois, neste caso, depende de outrem, ou seja, do mercado, os efeitos não são tão expressivos.
Pensamos que a mencionada dificuldade também está diretamente ligada às novas exigências do mundo do trabalho, que vem substituindo a força de trabalho pela tecnologia. As formas tradicionais de trabalho, definidas a partir do paradigma taylorista/fordistaAs relações entre capital e trabalho centravam-se no modelo de Estado de Bem-Estar Social, mediadas no âmbito dos Estados Nacionais. são pouco utilizadas na atualidade. O novo momento exige a presença da ciência e da tecnologia no conhecimento do trabalhador, no sentido de que esse domine os processos produtivos e sociais. Isso demanda, para alcançar postos de trabalho digno, com níveis salariais e condições coerentes, ir além do desenvolvimento de competências cognitivas, necessitando também de competências que possibilitem bons relacionamentos. Além disso, é exigida a capacidade de saber usar o conhecimento científico das múltiplas áreas, com fins a resolver de forma inovadora os novos e recorrentes problemas. Esse domínio vai implicar, não somente nos conteúdos, mas também nas variadas formas metodológicas de se desenvolver o trabalho intelectual que exige a multidisciplinaridade, o que demanda uma educação profissional em níveis crescentes de complexidade.
Destacamos que a Dimensão Qualificação Profissional, pelo próprio formato do PJ como programa socioeducativo em nível inicial de escolaridade, não pôde oferecer tal formação. Ao mesmo tempo em que o programa anuncia a pretensão de proporcionar a formação integral, e reafirma a qualificação com certificação de formação inicial, também trata da identificação de oportunidades de trabalho (BRASIL, 2005), deixando claro, pelo seu formato curricular – principalmente no referente à carga horária –, que na última pretensão se concentra o peso maior.
Em países e em regiões como a nossa, além das exigências enunciadas para se ter um trabalho considerado digno, os reduzidos postos de trabalho concorrem para que as feições do desemprego e do emprego precarizado se revelem de forma por demais perversas. Os direitos de cidadania em sua totalidade ainda estão longe de ser assegurados para a maioria da população, e a existência de desigualdades de todas as ordens acentua as diferenças de acesso ao trabalho, sobretudo ao considerado trabalho digno, como também aos bens e serviços socialmente produzidos (KUENZER, 2003).
De acordo com essa lógica, a empregabilidade passa a ser flexível no que se refere ao requerimento de adaptação do trabalhador às novas situações, o que concorre para que a maioria dos trabalhadores se conforme com situações de trabalho cada vez mais precárias. Contudo, nesse sentido, mais de 1/4 dos jovens egressos fizeram a diferença, pois se mostraram por demais insatisfeitos com suas condições de trabalho.
Importa dizer que, a despeito do discurso dominante que associa aumento de escolaridade com empregabilidade, o cenário educativo, em especial da educação profissional, demanda desiguais aportes e modelos de educação. Para os que estão sem emprego ou desenvolvendo trabalho precarizado, é oferecida uma formação simplificada, de curta duração, como no caso do PJ. Aos outros, pequeno grupo que ocupará os postos que se referem à concepção, manutenção e gerência, é oferecida uma formação de maior complexidade, maiores custos e longa duração. Não se pode negar, por outro lado, que a tendência mundial à elevação da escolaridade venha produzindo uma participação mais qualificada na vida produtiva das pessoas, provocando significativas mudanças no social e gerando novos padrões de consumo, em decorrência da reunificação entre ciência, trabalho e cultura. Esse fator realmente estabelece uma nova relação entre homem e conhecimento, porém, em sociedades como a nossa, isso não altera a distribuição desigual dos bens econômicos e culturais produzidos socialmente.
Devemos ainda salientar que esse contexto de desigualdade serve de base para formulação de políticas de educação que tentam eliminá-las, isto é, políticas e/ou programas que se referem à recondução ou condução das pessoas ao mercado de trabalho. Assim, iniciativas educativas com vertente profissionalizante entram no cenário social, preferencialmente nos países latinos americanos e no Caribe. O PJ se caracteriza como uma delas, todavia, ao oferecer somente a complementação da primeira etapa da educação básica e devido à reduzida carga horária dispensada à Qualificação Profissional, não consegue assegurar conhecimento e competências que possibilitem aos jovens beneficiários ultrapassarem as ocupações informais e precárias.
Assim, apesar da não existência de jovens egressos em ocupações consideradas de “bico” - o que se constitui como um diferenciador - quando comparamos a localização de jovens egressos e não egressos em trabalho com vínculos formais, mas que não se encaixam nos padrões do trabalho digno, percebemos que os efeitos provocados pelo PJ não alcançaram níveis que possam ser considerados como referências de cidadania, pois esse tipo de trabalho não corresponde ao requerimento dos direitos para tal.
Observamos que o trabalho com esse formato tem expandido muito no Brasil e em São Luís. Últimas pesquisas realizadas em dezembro do ano de 2011 anunciam índice de 5,2% de queda no desemprego do país (IBGE, 2011), sendo o mais significativo dos últimos nove anos. Contudo, Arroyo (2007) já vem alertando sobre esses índices de pesquisas, pois, em geral, tratam de trabalho precarizado, subempregos que não garantem a sobrevivência imediata e acarretam consequências danosas. Que perspectivas futuras pode ter um jovem que será identificado como sujeito que exerce indefinidamente um trabalho sem dignidade? Além da visão negativa de si mesmo, o traço mais sério é a insegurança. Ele não tem uma configuração clara de trabalhador. Ao contrário, cria a ideia de ser alguém sem horizontes, e não ter horizontes é não construir um caminho: “Não projetar-se no tempo como horizonte é estar atrás do tempo, não controlar o seu tempo humano.” (ARROYO, 2007, p. 8).
Por outro lado, os jovens egressos, mesmo ocupando postos que não condizem com suas perspectivas, estão isentos dessa característica, pois revelaram possuir muitas expectativas de futuro. Mesmo aqueles que estão insatisfeitos com o trabalho que exercem, estabelecem projetos com prospecção de vida. Além disso, possuem muitos sonhos pessoais: ter uma vida melhor, estudar, trabalhar, constituir família, ter segurança financeira e ver os seus descendentes prosperarem com dignidade.
PARA CONCLUIR
Antes de ter expectativa de participação no crescimento do país, como requerem as determinações das organizações internacionaisONU, Unesco e OIT e agencias multilateraisBM e BIRD imbutidas nas politicas para juventude, os jovens egressos participam do mesmo contexto social daqueles que, longe de um bem viver democrático, são motivo de preocupação da sociedade, ao integrarem um grupo de risco com maior propensão à violência e à marginalidade. Por estas exercerem efeitos danosos sobre a segurança pessoal e sobre a imagem que fazem de si mesmos, assim, tais sujeitos terminam se afastando das diversas formas de pertencimento, o que reforça a negatividade e acaba por levá-los a sucumbirem à situação de vulnerabilidade.
Contudo, tal situação não chega a abalar determinantemente as formas de pertencimento e agregação dos concluintes do programa, tampouco reduz a confiança que esses jovens depositam no mundo, no futuro e em si mesmos. Com o decorrer de nossas análises, nos encaminhamos a concluir que, apesar das variáveis existentes no percurso do estudo, em que algumas possuem implicações direcionadas propriamente ao PJ, o contexto conjuntural inerente à sociedade em que vivemos, com suas férteis desigualdades das mais variadas ordens, influencia e muito determinam os limites de cidadania, dispensando objetivamente a ela, feições correspondentemente aos niveis sociais a que os sujeitos pertencem. Assim, não possuir cidadania plena assegurada é uma forte característica das pessoas que compõem os estratos sociais mais baixos.
Portanto, mesmo tendo aproveitado as oportunidades oferecidas pelo PJ, as restrições impostas pela conjuntura social impedem que os egressos possam usufruir da cidadania em sua totalidade. Desta maneira, o PJ não proporcionou completa cidadania aos egressos, mas contribuiu de forma particular para amenizar o estado de vulnerabilidade dos beneficiários egressos.
REFERÊNCIAS
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___________. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1992.
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BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição de uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
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DRAIBE, Sonia M. Avaliação de implementação: esboço de uma metodologia de umtrabalho em políticas públicas. In: BARREIRA, Maria C. R. N.; CARVALHO, Maria do C. B. (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE/ PUC, 2001. p. 8-33.
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