EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA CONCEPÇÃO FREIRIANA: UMA OPÇÃO COLETIVA PARA A MUDANÇA SOCIAL

Resumo: A proposta deste artigo é relacionar algumas ideias sobre a Educação em Direitos Humanos com a proposta freireana de educação para a libertação emancipadora. Trata-se de pesquisa bibliográfica, inspirada a partir de monografia do curso de Especialização em Educação em Direitos Humanos e Diversidade, concluído na UFPA em 2015. Discutem-se aqui algumas orientações da legislação e dos fundamentos teórico-metodológicos da Educação em Direitos Humanos, bem como algumas concepções de Paulo Freire sobre o ato educativo, na tentativa de demonstrar pontos de encontro entre as concepções e despertar o interesse de educadores e gestores educacionais para o ato de educar em direitos humanos como uma opção coletiva capaz de contribuir para a mudança social.

Palavras-chave: Educação em Direitos Humanos; Educação Libertadora; Mudança Social

INTRODUÇÃO

Analisar e compreender a educação como um direito humano fundamental e a educação escolar como um dos espaços privilegiados onde a formação humana deve acontecer de forma a fazer com que as pessoas reflitam sobre a dignidade humana, tornou-se interesse de estudo e pesquisa devido à experiência de minha formação humana e profissional a partir da convivência com jovens, adolescentes e crianças que na escola praticam situações de desrespeito com o outro, seja por meio de práticas que violam simbólica ou até mesmo fisicamente o espaço do outro, não reconhecendo que o outro também é sujeito e portador de direitos. Esta premissa norteou meus estudos, reflexões e problematizações, tanto na área do direito quanto na área da educação, durante a especialização em Educação em Direitos Humanos e Diversidade promovida pelo Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará.

No campo educacional, aproximei-me da leitura de obras de Paulo Freire a partir da Pedagogia do Oprimido (1975), Pedagogia da Autonomia (1996) e Política e Educação (2014), de onde refleti as concepções sobre educação emancipadora, libertadora, cuja intenção é formar cidadãos capazes de atuar na sociedade em que vivem, lutando contra as injustiças sociais. Já na área do direito, aprofundei minhas reflexões a partir da legislação vigente através de pareceres, planos e resoluções que ordenam a Educação em Direitos Humanos no Brasil, bem como de autores como: Rosa Maria Silveira, Antonio Maués, Solon Eduardo Viola, Maria Victoria Benevides e Vera Maria Candau, que inspiraram as reflexões sobre os fundamentos teórico-metodológicos da Educação em Direitos Humanos.

O texto aborda inicialmente, a concepção de educação libertadora defendida por Paulo Freire, a partir da revisão bibliográfica das obras já citadas, de onde se evidenciou que, diferentemente da educação bancária que contribui para a manutenção da condição opressora dos indivíduos, a educação como uma ação humana, na perspectiva libertadora, pode contribuir para o desenvolvimento integral dos educandos, levando-os à emancipação de sua condição social.

Posteriormente, parte-se da concepção já legislada no Brasil sobre a Educação em Direitos Humanos, a partir da obra Fundamentos da Educação em Direitos Humanos organizada por Silveira (2007) e de documentos oficiais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH, 2003), o Parecer do Conselho Nacional de Educação (Parecer CNE nº 8/2012) que deu origem às Diretrizes para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH, Resolução nº1/2012), na tentativa de relacionar alguns desses direitos já garantidos com a concepção de educação libertadora de Paulo Freire, fazendo uma reflexão sobre a prática de violação de direitos e o reconhecimento do homem como sujeito desses direitos.

Finalizamos com a reflexão sobre a Educação em Direitos Humanos, em suas múltiplas dimensões, como alternativa para os educadores brasileiros, que acreditam na possibilidade de emancipação dos sujeitos pela educação e na oportunidade que se tem do ato educativo contribuir para a vivência e mudança de posturas nas práticas sociais, superando, ou ao menos, reduzindo a violação de direitos.

EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS A PARTIR DA CONCEPÇÃO FREIREANA: UMA OPÇÃO COLETIVA PARA A MUDANÇA SOCIAL

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação em Direitos Humanos (DCNDH), a compreensão da Educação em Diretos Humanos (EDH), seu histórico, seus princípios, suas possibilidades de organização e composição do currículo escolar, seja por meio da transversalidade, da disciplinaridade ou na modalidade mista traduz importante ferramenta cuja contribuição possui valor inestimável para a formação de toda a comunidade escolar, potencializando a formação de indivíduos capazes de refletir a própria humanidade evitando a violação de direitos ou pelo menos estando mais atento a elas, o que está, a nosso ver, totalmente de acordo com a proposta de Paulo Freire (1975), de formação para a cidadania, para a mudança social, para a consciência crítica e para a libertação.

As concepções consagradas de Paulo Freire, a exemplo de seu famoso livro, “Pedagogia do Oprimido” de 1975, no qual define a educação exercida na época como a educação da elite, bancária, que trata o alunado como meros bancos onde o conhecimento era depositado e defende uma educação para a liberdade, para o “ser mais”, para a mudança social, vão ao encontro dos princípios do ato de educar em direitos humanos, atualmente em voga no cenário educacional brasileiro. Nas palavras de Freire:

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres “vazios” a quem o mundo “encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo. (FREIRE, 1975, p.38)

Desta reflexão pode-se extrair a concepção da educação problematizadora e emancipadora defendida por Paulo Freire, que requer uma práxis educativa onde haja diálogo e reflexão, problematização na produção do conhecimento, na qual o educador seja um mediador na relação do educando com o conhecimento, com a tomada de consciência e também um aprendiz na relação educador-educando.

Posteriormente, em escritos de Freire, reunidos no livro Política e Educação (2014) encontra-se um complemento de seus pensamentos sobre a definição de educação como “prática indispensável aos seres humanos e deles específica na História como movimento, como luta” (p. 19) que traduz, mais uma vez a ideia de processo de formação humana.

“...a educação, como formação, como processo de conhecimento, de ensino, de aprendizagem, se tornou, ao longo da aventura no mundo dos seres humanos, uma conotação de sua natureza, como a vocação para a humanização... não é possível ser gente sem, desta ou daquela forma, se achar entranhado numa certa prática educativa.” (FREIRE, 2014, p. 26)

Conceber a educação no sentido freireano, na busca de formação cidadã e emancipação do ser humano, dos educadores e dos educandos, se constitui em um dos princípios para a humanização, para a concretização da Educação em Direitos Humanos, o que aproxima a proposta das reflexões aqui apresentadas.

A intenção de Educar “em” Direitos Humanos, com a proposta de fazer o educando refletir sobre o fato de os seres humanos a sua volta serem sujeitos de direitos tanto quanto ele próprio, possuidores de uma dignidade e devido a isto merecem ser olhados de forma igualitária, solidária, tendo sua diversidade reconhecida e respeitada, simplesmente por ser um humano, precisa, deve acontecer no ambiente escolar como um espaço privilegiado da garantia de proteção dos direitos, especialmente de crianças e adolescentes.

Desta forma, a prática educativa para a emancipação aliada à educação em direitos humanos, combina com a possibilidade de amenizar ou de refletir melhor sobre situações de práticas de violência simbólica, por exemplo, quanto aos apelidos discriminatórios com colegas de orientação homossexual, obesos, da cor negra ou outra diversidade, comunmente motivo de gozação e brincadeiras de mau gosto entre os jovens.

Pode-se dizer, portanto, que há uma relação direta entre a proposta de educação emancipadora e a busca da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, sem tantas violações de direitos, encontrada na proposta da EDH como uma possibilidade para a busca pela mudança social, pela formação humana e desenvolvimento pleno do cidadão. Como prediz o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH):

A educação é tanto um direito humano em si mesmo, como um meio indispensável para realizar outros direitos, constituindo-se em um processo amplo que ocorre na sociedade. A educação ganha maior importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades e a elevação da autoestima dos grupos socialmente excluídos, de modo a efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos, no desenvolvimento de valores, crenças e atitudes em favor dos direitos humanos, na defesa do meio ambiente, dos outros seres vivos e da justiça social (PNEDH, 2003)

Ao incentivar a elevação da autoestima dos grupos socialmente excluídos, o PNEDH enfatiza a educação para a formação humana para o exercício da cidadania, promovendo o ser humano como ator social, capaz de modificar sua condição de exploração. Tal qual Paulo Freire (1996) predizia em Pedagogia da Autonomia ao referir-se à “educação como forma de intervenção no mundo” (p.110), onde refletia que a escola e ao professor cabe a opção, política, de conformar a hegemonia da classe dominante ou desmascará-la, assumindo postura crítica e fazendo com que os educandos também despertem para o lugar que ocupam no mundo, bem como para as possibilidades de melhoria de suas condições, de atuação contra as transgressões de seus direitos.

Continuando este pensamento, pode-se refletir sobre o que prevê a resolução nº 1, de 30/05/2012, que estabelece Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH), em seu art 3º, quando afirma a finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social fundamentada nos seguintes princípios:

Art. 3º A Educação em Direitos Humanos, com a finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social, fundamenta-se nos seguintes princípios:
I - dignidade humana;
II - igualdade de direitos;
III - reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades;
IV - laicidade do Estado;
V - democracia na educação;
VI - transversalidade, vivência e globalidade; e
VII - sustentabilidade socioambiental. (BRASIL, 2012)

De acordo com os estudos aqui apresentados, enfatizam-se os princípios: I - dignidade humana; II - igualdade de direitos, III - reconhecimento das diferenças e das diversidades e IV – transversalidade, vivência e globalidade, como os itens essenciais para a Educação em Direitos Humanos e a possibilidade de emancipação do ser humano, como sujeito social no empoderamento para a mudança de posturas que violem os direitos da pessoa humana.

Acredita-se que a escola, especialmente a pública, poderá promover ações na visão de uma educação libertadora, voltada para a diminuição da violação de direitos e da mudança social ao agir em toda práxis educativa com estes princípios fixados e coletivamente definidos. Para isso, as DNEDH também preveem a transversalidade da Educação em Direitos Humanos, na construção de seus Projetos Político-Pedagógicos, Planos de Curso, Regimentos Internos, em esferas da Educação Básica e Superior.

Art. 6º A Educação em Direitos Humanos, de modo transversal, deverá ser considerada na construção dos Projetos Político-Pedagógicos (PPP); dos Regimentos Escolares; dos Planos de Desenvolvimento Institucionais (PDI); dos Programas Pedagógicos de Curso (PPC) das Instituições de Educação Superior; dos materiais didáticos e pedagógicos; do modelo de ensino, pesquisa e extensão; de gestão, bem como dos diferentes processos de avaliação. (BRASIL, 2012)

Ou seja, a perspectiva da Educação em Direitos Humanos deve estar inserida na regulação da organização tanto da educação básica quanto da educação superior, bem como os materiais didáticos devem ser organizados e produzidos com a concepção de respeito às diferenças, à diversidade cultural, étnico-racial, de gênero ou outra que se apresente. Devendo ainda tornar-se uma prática coletiva nos ambientes educativos, não uma opção individualista, mas uma cultura de paz e respeito mútuo que deve ser cultivada nas relações no interior da escola.

Destacam-se ainda, para este estudo, entre as dimensões que direcionam a Educação em Direitos Humanos nas DNEDH, no art 5º, inciso V que alerta para o “fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das diferentes formas de violação de direitos”, que se pode considerar um dos eixos norteadores para a dimensão que se quer com o fortalecimento da Educação em Direitos Humanos.

A premissa de educar em direitos humanos, da forma que for, seja como temas transversais, como itens de disciplinas, ou como projetos curriculares interdisciplinares, requer que a temática dos direitos humanos perpasse por toda a educação brasileira, em seus diferentes níveis e modalidades de ensino, conforme o previsto no art 7º:

Art. 7º A inserção dos conhecimentos concernentes à Educação em Direitos Humanos na organização dos currículos da Educação Básica e da Educação Superior poderá ocorrer das seguintes formas:
I - pela transversalidade, por meio de temas relacionados aos Direitos Humanos e tratados interdisciplinarmente;
II - como um conteúdo específico de uma das disciplinas já existentes no currículo escolar;
III - de maneira mista, ou seja, combinando transversalidade e disciplinaridade. (BRASIL, 2012).

No entanto, apesar da legislação garantir e prever a forma de organização da Educação em Direitos Humanos em todos os níveis de ensino, isto não garante que, de fato, se efetive nos sistemas de ensino a ampliação do olhar para o outro, do reconhecimento da diversidade e da necessidade de respeito, assim como a proposta libertadora de educação, para se tornar realidade, precisa ser assumida como um compromisso político, tanto em meio aos educadores como para a sociedade em geral.

Em uma aula inaugural do curso de Atualização em Enfrentamento da Violência e Defesa de Direitos na Escola ano de 2010, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a professora Vera Maria Ferrão Candau afirmou:

A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos e articula algumas dimensões, como a apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; a afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade; a formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente nos níveis cognitivo, social, ético e político; o desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e o fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos a favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações, finalizou. (CANDAU, 2010, disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/>, acesso em 20/04/2015).

Nota-se que a fala de CANDAU, confirma a concepção de Educação em Direitos Humanos, presente no PNEDH (2003), que a define como uma forte aliada na formação do sujeito de direitos, e considera que a escola poderá, como já refletido aqui, desnaturalizar algumas práticas de violência simbólica, tidas na atualidade como atitudes comuns entre os seres humanos, normais de serem praticadas entre as pessoas.

Mas para atingir a transformação social, não basta querer atingir somente os educandos, como dito anteriormente nas referências de Paulo Freire, no diálogo educador-educando, não existe conteúdo ensinado por um e aprendido por outro, e sim, há a relação de aprendizado e conhecimento como troca mútua, com exemplo prático do professor com a sua atuação no ensino e na vida. Sobre a educação em direitos humanos, pode-se partilhar do mesmo pensamento, conforme afirma a professora Aida Maria Monteiro Silva

Entendemos que um projeto de escola que busque a formação da cidadania, precisa ter como objetivos: tratar todos os indivíduos com dignidade, com respeito à divergência, valorizando o que cada um tem de bom; fazer com que a escola se torne mais atualizada para que os alunos gostem dela; trabalhar a problemática da violência e dos direitos humanos, a partir do processo de conscientização permanente, relacionando esses conteúdos ao currículo escolar; incentivar comportamentos de trocas, de solidariedade e de diálogos. (SILVA, 2015, disponível em: <http://www.dhnet.org.br/>, acesso em: 25/04/2015.)

Diante da realidade da sociedade brasileira atual, de tantas contradições e injustiças, além das constantes violações de direitos na área da saúde, educação, moradia, saneamento e todas as formas de violências, pode-se presumir que a necessidade de inserir nas escolas a temática da educação em direitos humanos aliada às reflexões freireanas de educação libertadora e emancipadora é urgente, pois com esta prática seria possível um mecanismo de intervenção e promoção aos alunos, educadores, responsáveis e demais membros da comunidade escolar da oportunidade de refletirem sobre os direitos fundamentais que toda pessoa tem simplesmente por ser um Humano.

Muitos estudantes talvez nem se vejam como seres que possuem tantos direitos e que precisam respeitar o direito dos outros seres para terem os seus respeitados igualmente. Além de direitos os seres humanos também possuem muitos deveres, obrigações a cumprir e papeis sociais a exercer para o bem comum e é preciso refletir sobre as práticas de desrespeito e violação de direitos que não são próprias das relações humanas. Conforme nos diz Maués:

A educação em direitos humanos requer refletir em torno das condições de possibilidades, reprodução e justificação das formas simbólicas, sociais e políticas permissivas, que tornam banal a violação da natureza e vulgarizam violações diversas e naturalizam relações humanas de submissão, exclusão, exploração, discriminação, da violência, preconceitos, perseguição, enfim. (MAUÉS, IN: SILVEIRA, 2007, p.109)

Neste sentido a educação em direitos humanos indica a oportunidade de reconhecer as práticas de relações sociais que agridem a natureza humana, que afetam o bem comum e que na modernidade são vistas como práticas naturalizadas devido à grande incidência de ocorridos.

É nesta perspectiva que se faz necessária a reflexão nas escolas sobre os Direitos Humanos, a fim de que esta instituição social que tem a responsabilidade de ensinar e formar cidadãos seja capaz de combater os atos de violações nas relações humanas e contribuir para uma sociedade em que a igualdade não seja só um princípio previsto em lei, mas praticado e vivenciado pelos cidadãos.

Historicamente, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), estas reflexões se fizeram necessárias em décadas anteriores para fazer frente na luta contra os graves atos de torturas cometidos contra seres humanos, por exemplo, na época da ditadura militar. No entanto, a intenção da Educação em Direitos Humanos avança a frente de luta agora com ênfase em necessidades tão intensas quanto da época da ditadura, como nos afirma VIOLA:

Se hoje o adversário já não são as ditaduras de tipo militar, continua sendo um sistema econômico mais preocupado com os que dele se beneficiam do que com a possibilidade, ainda não concretizada, de construir a justiça social requisito indispensável para a vigência da democracia e da paz. Para conquista-los, será necessário que o movimento social compreenda as contradições da sociedade em que atua e relembre, que para ter direito, é preciso ter a cultura política necessária para realizar as ações indispensáveis para realizar o pretendido. (VIOLA, In: SILVEIRA, 2007, p. 132)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas individualistas induzidas pela ideologia neoliberal refletem na sociedade brasileira atual, ainda em processo recente de democratização, a necessidade de transformação social na busca de igualdade entre as pessoas. É neste contexto que a Educação em Direitos Humanos desponta como uma importante estratégia naconstrução de uma sociedade que reconheça o outro em seus direitos, que eduque para a emancipação social, como defendia Paulo Freire.

Uma educação comprometida com a mudança social, com a conscientização da classe trabalhadora de sua condição de exploração e de suas opções de mudança, necessariamente precisa se tornar um compromisso assumido por todos os trabalhadores da educação, dentro e fora das instituições educativas.

Reconhecemos, porém, que não se trata, de tarefa fácil, mudar a postura educativa no sentido da mediação pedagógica, da concepção do conhecimento como algo a ser construído pelos educandos, do exercício da autonomia nessa construção, da problematização da realidade e das injustiças sociais e da convicção de que a mudança social é possível.

Cabe aos educadores a grande responsabilidade de, com segurança, competência profissional, disponibilidade para o diálogo e consciência de sua intervenção no mundo, propiciar a vivência de uma Educação em Direitos Humanos e Emancipadora, como afirma Paulo Freire (1996) “ensinar exige a convicção de que a mudança é possível”, o mundo não é injusto de forma determinada e acabada. Se hoje se vive numa condição de total injustiça e práticas desumanas, não cabem ao educador as tarefas de adaptar-se e conformar-se juntamente com seus alunos nestas situações, mas ao contrário, cabe a necessidade de, através da ação educativa, promover a reflexão em busca da transformação dessa condição.

Tal proposição freireana de educação para a libertação combina tanto ideologicamente quanto metodologicamente com a Educação em Direitos Humanos.  Em termos metodológicos MORGADO afirma “É necessário privilegiar recursos metodológicos que levem intrinsecamente a mensagem dos Direitos Humanos tais como o diálogo, a problematização, a participação, o trabalho grupal” (2002, p. 6). E acrescenta para a formação de professores em Direitos Humanos que:

Educar em Direitos Humanos pressupõe conhecê-los objetivamente. Ressaltamos, contudo, que esta é apenas uma das faces dos saberes necessários ao educador/a em Direitos Humanos. É essencial ter em mente a impossibilidade de fragmentar ou dissociar estas diferentes dimensões, que juntas constroem o saber docente em Direitos Humanos... Privilegia-se a articulação entre teoria e prática utilizando-se diferentes estratégias tais como: discussão de textos, depoimentos de diferentes profissionais envolvidos em práticas concretas, análises de experiências, vídeo-foruns, debates, etc. (MORGADO, 2002, p. 6)

Desta forma os professores poderão flexibilizar seu currículo e articulá-lo na perspectiva dos Direitos Humanos, através da transversalidade, não necessariamente com uma disciplina específica, mas com uma postura crítica e política frente à formação de seus educandos, impulsionando-os às práticas transformadoras.

Mas esta postura não deve ser somente dos educadores, e estes sozinhos talvez não consigam modificar a realidade educacional e nem por em prática o educar em direitos humanos. O desafio que se estabelece no contexto escolar é, segundo MORGADO:

... abraçar a educação em Direitos Humanos implica em assumir que a escola e o currículo não são neutros ou desprovidos de intencionalidade, assim como a educação em Direitos Humanos. Busca-se formar cidadãos que sejam, ao mesmo tempo, conscientes, políticos, críticos e com capacidade de respeitar a alteridade e de interferir no contexto em que vivem. (MORGADO, 2002, p. 9)

Portanto este é o desafio: utilizar de forma coletiva a pedagogia do conflito, que reflita sobre as diferenças, e busque soluções democráticas para solucionar ou amenizar tais conflitos. Cabe ao educador o papel de mediador, “cabe ao mediador buscar manejar o conflito de forma democrática e não violenta... o educador/a em Direitos Humanos tem um importante papel no processo de "empoderamento" de seus educandos” (MORGADO, 2002, p. 10).

Mas para mediar situações conflituosas, antes o educador em direitos humanos deverá abrir a mente, os olhos, para as suas próprias posturas na vida cotidiana, deve aprender comportar-se no sentido da defesa, promoção e vigência dos seus direitos e dos diretos dos que o cercam. O educador precisa, portanto, vivenciar o que ensina, essencialmente sobre as reflexões em direitos humanos.

Ressalta-se, ainda, segundo o parecer nº 08/2012, que antecede à efetivação das DCNEDH, além dos desafios da formação dos profissionais da educação, da valorização destes profissionais e da socialização dos estudos e boas práticas na área dos direitos humanos, ainda se faz necessário: o “reconhecimento político das diversidades, fruto de luta de vários movimentos sociais”; “ a compreensão ampla da participação democrática requerida pela Educação em Direitos Humanos”; “ a criação de políticas de produção de materiais didáticos e paradidáticos com princípios orientadores do respeito à dignidade humana”; “ o reconhecimento da importância da Educação em Direitos Humanos e sua relação com a mídia e as tecnologias de informação” e por fim “a efetivação de marcos teórico-práticos do diálogo intercultural ao nível local e global” no sentido de garantir o exercício da tolerância, da solidariedade, da valorização e respeitos às diversidades, enfim da construção de uma cultura em direitos humanos.

As escolas e os educadores precisam iniciar uma verdadeira luta pela justiça e igualdade de oportunidades para todos os seres humanos, e a Educação em Direitos Humanos contribui para essa luta ao reconhecer e valorizar o ser humano em sua condição natural como um ser que merece respeitar os demais e ser respeitado, seria uma porta para a educação para a cidadania.

Cidadania no sentido de se combater as práticas de discriminação, racismo, preconceito contra todo e qualquer tipo de diversidade em prol do bem comum, da boa convivência ente os seres humanos, dentro e fora das instituições sociais. Como afirma Comparato (1989, p.45) “o bem comum, hoje, tem um nome: são os direitos humanos, cujo fundamento é, justamente, a igualdade absoluta de todos os homens, em sua comum condição de pessoas”.

Para contribuir de forma majoritária contra as práticas de violência, é preciso que o processo educativo em Direitos Humanos seja: “interdisciplinar e permanente, tanto nos âmbitos formal quanto informal, desde o ensino fundamental ao superior, para tornar todos esses direitos, realidade prática" (BARBOSA, IN: SILVEIRA, 2007, p.162)

As práticas individualizadas podem não alcançar a mudança cultural que se faz necessária na sociedade brasileira atual, mas precisam ter início no ambiente escolar e ser cada vez mais ampliadas, pois como reflete Maria Victoria Benevides (2007), após tantos anos de escravidão, práticas horrorizantes no período da ditadura militar e a atual “barbárie contemporânea” a urgência pela promoção dos direitos humanos precisa ganhar força no meio educacional, nas instituições escolares, com formação dos professores, ampliação das discussões sobre Direitos Humanos. Segundo a autora:

A Educação em Direitos Humanos parte de três pontos: primeiro, é uma educação permanente, continuada e global. Segundo, está voltada para a mudança cultural. Terceiro, é educação em valores, para atingir corações e mentes e não apensar instrução, ou seja, não se trata de mera transmissão de conhecimentos. Deve abranger, igualmente, educadores e educandos. (BENEVIDES, In: SILVEIRA, 2007, p. 346)

Também vale dizer que a educação em direitos humanos precisa para uma verdadeira contribuição na diminuição dos casos de violência na escola, da efetivação de uma rede de integração entre diversos serviços e setores sociais. Saúde, segurança, educação, urbanismo, infraestrutura, enfim, os diversos aspectos que garantem a dignidade da pessoa humana, devem estar envolvidos na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

A escola sozinha não conseguirá realizar a transformação social, mas pode contribuir para a formação de cidadãos reflexivos, que sejam capazes de reconhecer as práticas de injustiças e as situações de violação de direitos, e a proposta aqui é que a educação em direitos humanos colabore com esta formação de sujeitos capazes de perceber a si e aos outros como sujeitos de direitos e merecedores de dignidade humana.

Existem ainda fortes resistências, mas os avanços conseguidos nos últimos anos permitem concluir que já começou a nascer o Brasil de amanhã, que por vias pacíficas deverá transformar em realidade o sonho, que muitos já ousam sonhar. (DALLARI, In: SILVEIRA, 2007, p. 48)

Espera-se que este trabalho contribua para a reflexão e quem sabe amplie o movimento em busca do sonho de uma cultura de paz, de um verdadeiro combate à violência no interior das escolas públicas, transformando realidades por vias pacíficas e quem sabe construindo um Brasil melhor, mais humano e mais cidadão.

REFERÊNCIAS

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CANDAU, Vera M. F. Educação em direitos humanos: saída contra violência nas escolas. 2010, palestra PUC-RJ. Disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/21960>, acesso em 20/04/2015.

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COMPARATO, Fabio Konder. Para viver a democracia. São Paulo: Brasiliense, 1989.

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