INTERDISCIPLINARIDADE NA FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA: OS BAHARELADOS INTERDISCIPLINARES(BI) NO BRASIL

Resumo: O estudo trata do lugar da interdisciplinaridade na educação superior, enfatizando como essa temática vem sendo tratada pelos órgãos de regulação e destacando a criação de uma nova modalidade de curso de graduação: os cursos de BI. Como fontes foram utilizados documentos oficiais, com destaque para o decreto que cria o Reuni, além de outros documentos regulatórios relativos à organização dos currículos. Os resultados indicam que o lugar da interdisciplinaridade vem sendo ampliado nas políticas mais gerais para o setor, bem como nas regulamentações mais específicas que tratam dos currículos.

Palavras-chave: Interdisciplinaridade; Formação Universitária; Bacharelados Interdisciplinares


INTRODUÇÃO

O objetivo do presente artigo é analisar o tema da interdisciplinaridade na formação universitária, com ênfase na maneira como no Brasil a questão vem sendo tratada pelos órgãos de regulação da educação superior nacional, destacando nesse processo a emergência de uma nova modalidade de curso de graduação: os Bacharelados Interdisciplinares (BI).

O estudo ganha relevância na medida em que toma como foco a formação de profissionais nas Universidades num contexto em que as instituições buscam romper com o clássico cartesianismo disciplinar, por meio da formulação de propostas de formação amparadas por um discurso fundamentado numa perspectiva interdisciplinar. Nesse contexto, a emergência do modelo de formação denominado Bacharelados Interdisciplinares pretende ser uma materialização dessa nova concepção de formação universitária.

Para dar conta da proposta aqui apresentada, traremos, num primeiro momento, uma discussão sobre a emergência da discussão sobre interdisciplinaridade na educação superior; em seguida apresentaremos alguns elementos das políticas educacionais definidas pelo Ministérios da Educação no Brasil que vem orientando a organização dos currículos na educação superior brasileira; e por fim, faremos algumas reflexões sobre o modelo do Bacharelado Interdisciplinar que vem sendo adotado por várias universidades brasileiras.

INTERDISCIPLINARIDADE E FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA: DIÁLOGOS EM CONSTRUÇÃO

Na discussão sobre o desenvolvimento do conhecimento científico, bem como sobre a transposição desses conhecimentos para fundamentar os processos formativos humanos promovidos em instituições educativas designadas especialmente para este fim, quase sempre se faz presente o debate em torno de polarizações tais como: seu caráter uno e múltiplo; singular e plural; a necessidade da não fragmentação; a oposição entre disciplinaridade e interdisciplinaridade, entre outras e, mais recentemente, o debate sobre uma racionalidade unilateral.

Na atualidade, especialmente a partir dos anos de 1970, essa temática ganha relevância momento em que se fortalece cada vez mais a discussão sobre a possibilidade de adotar o enfoque interdisciplinar na prática científica e na prática pedagógica. Essa possibilidade tem se mostrado como um desafio dado às exigências que são feitas nas formas de organização das instituições, na categorização dos saberes, bem como nos hábitos e comportamentos dos atores envolvidos.

Essas dificuldades são decorrentes da forma como historicamente as disciplinas ou especializações foram se constituindo como comunidades auto referenciadas, segundo terminologia de Weingart (2010). Para este autor, a auto referencialidade ocorre quando a comunicação passa a ser feita para um ambiente fechado sobre si mesmo e a avaliação de sua pertinência e qualidade do conhecimento produzido é feita pelos próprios membros da respectiva comunidade disciplinar.

Ainda segundo Weingart (2010), ao longo do tempo as disciplinas foram construindo suas identidades de forma dual: de uma parte, sua identidade social é constituída pelas regras de adesão, ou seja, de ensino, exames, certificados, carreira, formando uma estrutura social de base hierárquica; de outra parte, sua identidade real é constituída pelo conteúdo da comunicação, construído com base em um conjunto comum de problemas e teorias, conceitos e métodos específicos, em critérios de qualidade de realização que são a base da avaliação e atribuição de reputação em análises pelos pares.

Essa forma de organização do conhecimento, gerou o que Santos (1987) denominou de modelo totalitário, na medida em que se torna um modelo global e nega o caráter racional a outras formas de conhecimento que não adotem seus princípios epistemológicos e suas regras metodológicas (SANTOS, 1987: 10-11).

Analisando criticamente esse projeto da modernidade, Mignolo (2004, p. 681) afirma que:

[...] a revolução científica enquanto conquista não foi nem universal nem total, mas surgiu uma forte crença de que assim teria sido. De fato, essa conquista é mais uma invenção cultural da história ocidental da ciência do que consequência ‘natural’ das práticas científicas e tecnológicas.

O autor avança em sua discussão buscando defender o argumento de que a partir da década de 1970 esse paradigma entre em crise. Afirma que se trata de uma crise da racionalidade no quadro da história interna da modernidade europeia e da civilização ocidental, desafiada pela emergência das ‘epistemológicas femininas’ e pelas ‘epistemologias étnico-raciais’. O primeiro conjunto de reflexões destacaria a política sexual do conhecimento, e a segunda a geopolítica do conhecimento. (MIGNOLO, 2004).

O que o autor quer destacar é que junto com o projeto da modernidade associado à termos como ciência, democracia, civilização, liberdade etc., afirma-se a negação de qualquer outro projeto, cujos conhecimentos passam a ser associados ao mito, a tradição, a ignorância, ao subdesenvolvimento etc., implicando no fenômeno que o autor denomina de colonialidade de saber e de poder. (MIGNOLO, 2004).

A ideia que está posta é a de que a ciência moderna é uma prática e uma ideologia que excluiu práticas de conhecimento e de compreensão que se guiavam e guiam por diferentes lógicas e eram impulsionadas por objetivos distintos, tanto do passado como suas contemporâneas. (MIGNOLO, 2004).

Nesse sentido, entendemos que pensar outra racionalidade diferente da disciplinar, pressupõe considerar essas questões e outras questões postas pelo autor.

A perspectiva adotada por essa racionalidade, produz um fazer científico que contribuiu para fragmentar objetos de estudos e distanciar o sujeito cognoscente do mundo real. Neste contexto, as grandes especializações, embora trouxessem contribuições significativas para o desenvolvimento das sociedades, se apresentam cada vez mais como caixas isoladas trazendo mais rupturas que convergências com relação ao conhecimento do mundo.

Essa forma de produzir conhecimento, por sua vez, direcionou a organização das instituições educativas ao longo do tempo. As “grades” curriculares, como comumente são chamadas o conjunto de disciplinas escolares, foram sendo definidas com base na departamentalização e na formação dos indivíduos para o exercício de papéis funcionais demandadas pelo mundo capitalista.

Tal modelo passou a ser objeto de questionamentos no bojo das transformações científicas e tecnológicas ocorridas nas sociedades a partir de meados do século XX, o que provocou o debate em torno da incerteza que tomou conta definitivamente da esfera do conhecimento, trazendo mudanças importantes no paradigma hegemônico (MORIN, 2001).

De acordo com esses debates, mudanças poderiam ser percebidas em vários fenômenos sinalizando para a quebra do paradigma hegemônico, dentre os quais destacamos: a universidade teria perdido o monopólio como instituição produtora de  conhecimento, já que outras organizações estariam realizando tal função; novos contextos estariam promovendo o surgimento de novas áreas do conhecimento e substituindo  disciplinas tradicionais; a produção do conhecimento fora das disciplinas  enfatizam os contextos de aplicação e não a formulação de leis; os critérios de qualidade deixam de ser exclusivamente de âmbito interno das disciplinas, para buscarem critérios externos, de cunho social, político e econômico. (WEINGART, 2010).

Essas constatações tem levado à ampliação do debate sobre o conceito de interdisciplinaridade que tem se destacado na produção de diversos autores, seja de uma perspectiva epistemológica ou da filosofia da ciência; seja de uma perspectiva pragmática, pensando o seu uso nas práticas educativas, entre outras possibilidades.

Considerando o contexto da crítica à especialização do conhecimento, o tema da interdisciplinaridade, no nosso ponto de vista, tardou a ser incorporado ao universo da formação universitária, só aparecendo de forma mais incisiva a partir deste século.

Na Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação, documento elaborado durante a Conferência Mundial sobre Educação Superior, promovida pela Unesco, realizada em Paris, em outubro de 1998,aparece a afirmação de que “a inovação, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade devem ser fomentadas e reforçadas nestes programas, baseando as orientações de longo prazo em objetivos e necessidades sociais e culturais.” (Art. 5.a).

Quanto ao papel das Universidades na análise e proposta de solução para os problemas sociais, o documento informa que

[...] A Educação Superior deve reforçar o seu papel de serviço extensivo à sociedade, especialmente as atividades voltadas para a eliminação da pobreza, intolerância, violência, analfabetismo, fome, deterioração do meio ambiente e enfermidades, principalmente por meio de uma perspectiva interdisciplinar e transdisciplinar. (UNESCO, 1998, Art. 6. b)

Como se pode perceber, as recomendações apresentadas anteriormente remetem a um papel da educação superior que vai além da ênfase sobre a adoção de um determinado paradigma de produção do conhecimento, priorizando um enfoque sobre a responsabilidade da educação superior com um processo formativo comprometido socialmente.

No contexto desse debate, cabe questionar se o modelo de organização disciplinar da ciência realmente chegou ao fim. Ou, Até ponto, as instituições educativas e, mais especificamente, as universidades tem conseguido promover reformas que incorporem esse novo modelo?

Com base no exposto até aqui, e tentando avançar nessa discussão buscamos discutir a seguir, como as políticas educacionais voltadas especificamente para a organização dos currículos na educação superior brasileira tem tratado dessa questão.

INTERDISCIPLINARIDADE NA PERSPECTIVA DAS PLÍTICAS CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

A educação superior brasileira, e com destaque as universidades públicas, tem sido alvo de profundas mudanças a partir dos anos de 1990, num contexto mundial de reordenamento das funções do Estado feitas com base nas orientações do modelo neoliberal.

A partir dos anos 2000, muitos países promoveram reformas na educação superior e, segundo Lima, Azevedo e Catani (2008), em todos eles aparece algum tipo de diálogo com os elementos que compõe as orientações contidas nos documentos do Processo de Bolonha. Ainda segundo esses autores, o Processo de Bolonha. 

[...] é uma meta-política pública, de um meta-Estado, iniciada em 1999, de construção de um espaço de educação superior na Europa até o ano de 2010, cujo objetivo essencial é o ganho de competitividade do Sistema Europeu de Ensino superior frente a países e blocos econômicos (LIMA, AZEVEDO e CATANI, 2008, p. 21)

No caso brasileiro, nos anos 2000, e mais especificamente a partir de 2003-2004, as ações voltadas a realização da reforma das universidades se situa num conjunto amplo de medidas governamentais, tendo como guarda-chuva o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que incorporou o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, em 2007, composto por um conjunto de decretos, projetos de lei, resoluções e portarias.

Dentre os programas voltados para estabelecer as mudanças entendidas como necessária a busca de qualidade e maior eficiência da educação superior pública, nesse contexto, destacamos o Programa de Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

O Reuni foi instituído por meio do Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, e é uma das ações que integram o PDE com o objetivo principal de ampliar o acesso e a permanência na educação superior e tem como meta global: “a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano”. (Art. 1º, § 1º).

As ações definidas no âmbito do Reuni contemplam o aumento de vagas nos cursos de graduação, a ampliação da oferta de cursos noturnos, a promoção de inovações pedagógicas e o combate à evasão. 
O processo de expansão desencadeado a partir do Reuni, que coincide com o segundo mandato do Presidente Lula, está articulado à intenção de implantar um novo modelo de universidade cujo delineamento ficou conhecida como “Universidade Nova”, cujos aspectos específicos discutiremos no próximo item.

A implantação do Reuni se dava por meio da adesão das Instituições a um novo modelo de universidade, porém sua execução estaria vinculada à disponibilidade financeira gerenciada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).

Caso houvesse a adesão das universidades federais o modelo destacava a necessidade das instituições apresentaram um novo modelo de organização curricular dos cursos a serem oferecidos e os mesmos deveriam apresentar “uma nova arquitetura da organização curricular-programática dos cursos de graduação que ofereceria a possibilidade de formação básica por grandes áreas do conhecimento”. (LIMA, AZEVEDO e CATANI, 2008, p.26).

O Reuni se insere, portanto, num conjunto de medidas mais amplas de reforma da educação superior brasileira, em que se defende uma “nova arquitetura curricular” na qual o aspecto da interdisciplinaridade passa a se constituir no princípio fundamental a ser considerado, o que pode ser facilmente percebida nas regulamentações indicadas a seguir:

c) Quanto à relevância social do curso: não ser curso isolado na área da saúde onde as oportunidades de trocas interprofissionais, tendo em vista a construção prática da Interdisciplinaridade na formação e composição dos perfis profissionais, estejam ausentes.

As atividades complementares são componentes curriculares enriquecedores e complementadores do perfil do formando, que possibilitam o reconhecimento, por avaliação de habilidades, conhecimentos e competências do aluno, inclusive adquiridas fora do ambiente acadêmico, incluindo a prática de estudos e atividades independentes, transversais, opcionais, de Interdisciplinaridade, especialmente nas relações com o mercado do trabalho e com as ações de extensão junto à comunidade.

(...) além da clara concepção do curso, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, insistem que deverá incluir, sem prejuízos de outros, os seguintes aspectos: ... III - formas de realização da Interdisciplinaridade (RESOLUÇÃO Nº 2, 2010; RESOLUÇÃO Nº 8, 2008; RESOLUÇÃO Nº 1, 2006; RESOLUÇÃO N° 4, 2007; RESOLUÇÃO Nº 2, 2006; RESOLUÇÃO Nº 4, 2006)

Art. 6º Na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes serão consideradas:
III - as competências referentes ao domínio dos conteúdos a serem socializados, aos seus significados em diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar;
Art. 11. Os critérios de organização da matriz curricular, bem como a alocação de tempos e espaços curriculares se expressam em eixos em torno dos quais se articulam dimensões a serem contempladas, na forma a seguir indicada:
... III - eixo articulador entre disciplinaridade e Interdisciplinaridade;
Art. 13. Em tempo e espaço curricular específico, a coordenação da dimensão prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar.
Art. 14. Nestas Diretrizes, é enfatizada a flexibilidade necessária, de modo que cada instituição formadora construa projetos inovadores e próprios, integrando os eixos articuladores nelas mencionados.
§ 1º A flexibilidade abrangerá as dimensões teóricas e práticas, de Interdisciplinaridade, dos conhecimentos a serem ensinados, dos que fundamentam a ação pedagógica, da formação comum e específica, bem como dos diferentes âmbitos do conhecimento e da autonomia intelectual e profissional (RESOLUÇÃO CNE/CP 1, 2002).

Pelo exposto, percebe-se como nessas novas políticas a presença da interdisciplinaridade como elemento integrante na formação de perfis profissionais e suas potenciais relações com o mundo de trabalho aparece de forma explícita.

Vale destacar nessa discussão, os pressupostos contidos nos Referenciais Orientadores dos cursos de BI, apresentadas ao Conselho Nacional de Educação(CNE), em julho de 2010, dentre os quais destacamos: “priorizar e zelar por uma formação interdisciplinar alicerçada em teorias, metodologias e práticas que fundamentam os processos de produção científica, tecnológica, artística, social e cultural” (BRASIL, 2010).

Como se pode perceber, essa nova modalidade de curso parece ter sido o caminho mais objetivamente definido para construir o desenho da chamada “Universidade Nova”, propondo-se um modelo curricular diferenciado, de base interdisciplinar. Na sequência buscaremos tratar um pouco mais sobre essa nova modalidade de cursos de graduação.

OS CURSOS DE BACHARELADOS INTERDISCIPLINARES NO BRASIL

O processo de expansão desencadeado a partir do Reuni, em 2007, que coincide com o segundo mandato do Presidente Lula, está articulado à intenção de implantar um novo modelo de universidade, como já dissemos anteriormente.

O desenho do Reuni compreendia seis dimensões: (1) a ampliação da oferta de educação superior pública; (2) a reestruturação acadêmico-curricular voltada à revisão da estrutura acadêmica por meio da reorganização e diversificação de modalidades dos cursos de graduação, buscando superar a  profissionalização precoce e especializada; (3) a renovação pedagógica da educação superior com ênfase na criação de novas metodologias de ensino-aprendizagem bem como a previsão de programas de capacitação pedagógica; (4) a articulação dos cursos de graduação com a pós-graduação; (5) o compromisso social das Instituições por meio das políticas de inclusão, assistência estudantil e extensão universitária; e (6) a promoção da ampla mobilidade estudantil mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre cursos e programas, e entre instituições de educação superior. (BRASIL, 2008 p. 11-12).

Dentre as dimensões indicadas acima, observa-se que a ênfase recai sobre aquelas relacionadas à reorganização acadêmica que prevê a

[...] revisão de currículos e projetos acadêmicos visando flexibilizar e melhorar a qualidade da educação superior, bem como proporcionar aos estudantes formação multi e interdisciplinares, humanista e o desenvolvimento do espírito crítico” (BRASIL, 2007, p. 9-10)

Nesse contexto, os cursos de BI, parecem ter sido a resposta encontrada por algumas Instituições Federais de Educação Superior brasileiras e que representou o principal aspecto do modelo que ficou conhecido pela designação de “Universidade Nova”.

Um dos principais mentores desse projeto, foi o Reitor da Universidade Federal da Bahia, que durante evento realizado na Andifes, em agosto de 2006, apresentou uma proposta denominada de uma UFBA Nova, projeto que foi bem aceito pelos participantes. Como desdobramento desse primeiro debate, foi realizado em dezembro de 2006, o I Seminário Nacional da Universidade Nova do qual participaram representante do Ministério da Educaçao (MEC) e de 57  Instituições Federais do Ensino Superior. Esse Siminário marcou oficialmente o início das discussões da temática da reorganização curricular da educação superior no Brasil.

Segundo o “Documento Preliminar para Consulta Pública”, formulado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2007, para definir de forma mais sistematizada a proposta da Universidade Nova, o processo de reforma deveria ter a seguinte configuração:

A proposta atualmente denominada de Universidade Nova implica uma transformação radical da arquitetura acadêmica da universidade pública brasileira, visando a superar os desafios e corrigir [uma série de] defeitos. Pretende-se, desse modo, construir um modelo compatível tanto com o Modelo Norte-Americano (de origem flexneriana) quanto com o Modelo Unificado Europeu (processo de Bolonha) sem, no entanto, significar submissão a qualquer um desses regimes de educação universitária. A principal alteração proposta na estrutura curricular da universidade é a implantação de um regime de três ciclos de educação superior: - Primeiro Ciclo: Bacharelado Interdisciplinar (BI), propiciando formação universitária geral, como pré-requisito para progressão aos ciclos seguintes; - Segundo Ciclo: Formação profissional em licenciaturas ou carreiras específicas; - Terceiro Ciclo: Formação acadêmica científica, artística e profissional da pós-graduação. (UFBA, 2007, citado por LIMA, AZEVEDO E CATANI, 2008, p. 22-23)

Ainda segundo o documento referido anteriormente, o Bacharelado Interdisciplinar

[...] pode ser definido como curso de formação universitária interdisciplinar, “geral e propedêutica”, devendo servir como requisito para: a) formação profissional de graduação; b) formação científica ou artística de pós-graduação. Terá duração de 6 semestres (ou ainda, 9 trimestres), com uma carga horária total mínima de 2.412 horas. A Carga Curricular do Bacharelado Interdisciplinar baseia-se no conceito de Blocos Curriculares, definidos como conjunto de módulos (cursos, disciplinas, atividades, programas, trabalhos orientados) cobertos pelos alunos durante o semestre ou quadrimestre letivo. Cada módulo equivale a quatro (4) horas/semana de atividade em sala de aula/ laboratório/ observatório. O BI compreende um mínimo de 24 e um máximo de 32 componentes curriculares [...]. ” (UFBA, 2007, p. 9-10)

Essa nova proposta vem sendo objeto de grandes discussões e posicionamentos contra e a favor a sua implementação. Por uma lado, é percebido como possibilidade de inovação da organização e da formação universitária (Almeida Santos e Filho, 2008); Por outro, é compreendida como mais uma estratégia de adequação do sistema nacional de educação superior aos ditamos e interesses externos, além de significar um certo aligeiramento da formação universitária. (LIMA, AZEVEDO e CATANI, 2008).

Independente das críticas a favor e contra o projeto, parece-nos que na atualidade ele veio para ficar. A adoção desse modelo por diversas universidades públicas demonstra a sua aceitação, apesar dos primeiros registos de cursos de BI no Brasil já datarem de quase dez anos, quando a Universidade Federal de Santo André, São Bernardo e São Caetano (UFABC), apresentou projeto de implantação de primeiro curso nessa modalidade.

A partir de 2008, várias outras Universidades Federais vem implantando esse modelo de organização da formação universitária, conforme se pode perceber na descrição a seguir: (a) em 2008 – implantaram Bacharelados Interdisciplinares as Universidades Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), Federal de Alfenas; (b) em 2009 - as Universidades Federal da Bahia, Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM); (c) em 2010 - a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e (d) em 2011, a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) implanta sete Bacharelados Interdisciplinares em diversas áreas; (e) em 2012 - Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ); (f) em 2013, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); e (g) em 2014, é criada a Universidade do Sul da Bahia (UFSB) também em sintonia com esse modelo de formação e tendo à frente da condução do projeto o ex-Reitor da UFBA, um dos mentores do projeto da Universidade Nova.

Processo que tem demonstrado a adesão de várias Instituições ao projeto de formação da Universidade Nova.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões sinalizadas acima indicam que a interdisciplinaridade na formação universitária é um fato que não se pode negar, pelo menos no que se refere aos projetos dos cursos que vem sendo implementados nas Universidades referidas nos cursos denominados de Bacharelados Interdisciplinares.

A intensão que se expressa é de que essa modalidade de curso represente não apenas uma nova forma de organização acadêmica, mas também, e principalmente, uma nova forma da universidade promover a relação com o processo de produção do conhecimento e de formação universitária.

Nesse sentido, estudos mais aprofundados precisam ser realizados sobre a implantação desses cursos para que se possa evidenciar que concepções de interdisciplinaridade e de formação universitária vem sendo promovidos, e se as mesmas podem vir a contribuir para a superação das relações hierárquicas entre os campos de saberes, o que implica considerar nos processos formativos dos estudantes, não apenas os saberes reconhecidos como científicos ou acadêmicos, mas também outros saberes que tradicionalmente vem sendo silenciados, excluídos, considerados como mito, tradição ou folclore, portanto, não merecedores de reconhecimento de sua capacidade de conhecer e compreender o mundo sobre o qual se volta.  

REFERÊNCIAS

BRASIL. (2008). Ministério da Educação; Secretaria de Educação Superior.  Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17649:referenciais-orientadores-para-os-bacharelados-interdisciplinares-e-similares-&catid=323:orgaos-vinculados>. Acesso em: 14 de nov. de 2015.

BRASIL. (2007) Decreto n° 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm>. Acesso em: 15 jan. 2010.

LIMA, Licínio C., AZEVEDO, Luiz N. de, CATANI, Afrânio M. (2008). O Processo de Bolonha, a avaliação da Educação Superior e algumas considerações sobre a Universidade Nova. Avaliação. Campinas: Sorocaba-SP, v. 13, n.1, p.7-36, mar.

MIGNOLO, Walter. (2004). Os esplendores e as misérias da ciência: colonialidade, geopolítica do conhecimento e pluri-versalidade epistêmica. In SANTOS, Boaventura Souza. Conhecimento prudente para uma vida decente. São Paulo: Cortez.

MORIN, E. (2001). Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 3. ed. São Paulo: Cortez, Brasília, DF: UNESCO.

SANTOS, B. de S. (1989). Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal.
WEINGART, P. (2010) A short history of knowledge formations. In: FRODEMAN, R. et al. (Orgs.). The oxford handbook of interdisciplinarity. New York: Oxford University Press, 2010.

UFBA. (2007). Proposta de inclusão da Universidade Federal da Bahia no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Outubro.