A INSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA: DESAFIOS PARA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO
Resumo: A Rede Federal de Educação Profissional vive, desde o Governo Lula, um momento de expansão e de reordenamento de suas instituições de educação profissional. O presente estudo tem o objetivo de refletir sobre os desafios para a organização do trabalho pedagógico nessas instituições. A partir de uma pesquisa teórica, com análise de documentos e textos sobre a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, foi identificado que a nova institucionalidade apresenta características como o novo desenho curricular, a relação entre ciência e tecnologia e uma proposta de um novo exercício profissional que enseja novos desafios para a organização do trabalho pedagógico da escola.
Palavras-chave: organização do trabalho pedagógico; educação profissional; nova institucionalidade.
Apresentação
A Rede Federal de Educação Profissional, atualmente, vive um momento de expansão e de reordenamento que foi iniciado com o governo Lula (2003-2010). Nesse processo foram criados, por meio da Lei n.11.892 de 2008, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), em substituição dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). Os IFs foram concebidos em uma nova institucionalidade, que apresenta três características principais, a saber: o compromisso com o fortalecimento da cidadania e com a justiça social; a transversalidade e verticalização do currículo; e a missão de desenvolver ensino, pesquisa e extensão (AMORIM, 2013, PACHECO, s/d).
Com o advento desta nova institucionalidade acredita-se que a Organização do Trabalho Pedagógico (OTP) deva passar por importantes alterações, isso porque, essa categoria está relacionada com os objetivos da instituição escolar e, sendo assim, se configura como o elemento central para que as propostas no âmbito dos projetos educacionais possam se materializar na realidade concreta (FREITAS, 2000). A partir de tal constatação, o presente estudo tem o objetivo refletir sobre os desafios para a OTP nos IFs. Foi realizada uma pesquisa teórica, com análise de documentos legais - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9394 de 1996; Decreto 2.208 de 1997, Decreto n. 5.154 de 04; Lei n.11.892 de 2008, entre outros - e textos publicados pela Secretaria de Educação Tecnológica relacionados à criação dos IFs (COLOMBO, s/d; PACHECO, s/d-a; PACHECO, s/d-b; PEREIRA, s/d; SOBRINHO, s/d).
Procurou-se realizar, no primeiro momento, algumas considerações acerca da OTP relacionada com os sentidos e a função da escola. No segundo momento, foi empreendido a análise da institucionalidade dos IFs, a partir dos marcos legais e históricos. Posteriormente, foram apresentados os desafios para a OTP no contexto dos IFs.
A OTP como expressão da função social da escola
A educação, segundo Saviani (2008), é o processo em que o sujeito se apropria da produção cultural da humanidade (crenças, valores, gostos, atitudes, habilidades conhecimentos – e outras expressões culturais, resultado da capacidade de trabalho e linguagem) para se constituir como ser humano. Sendo assim, a configuração de humanidade, não está a priori em cada indivíduo que nasce, mas é de início, exterior a esse indivíduo. A educação é, portanto, um processo de hominização, de socialização e singularização do indivíduo (CHARLOT, 2005).
O processo educativo, então, se realiza em espaços e instituições sociais como a família, igreja, empresas, espaços de lazer, sindicatos, etc., em caráter informal. Mas em sociedades modernas, a educação não ocorre apenas de modo difuso, mas se realiza de forma sistematizada na instituição escolar. Neste sentido, a escola tem a função social de lidar com o saber sistematizado, objetivando a formação humana. E, essa formação, está relacionada com o projeto de sociedade que se busca formar. É importante considerar que a educação se configura como um campo social de disputa hegemônica (FRIGOTTO, 2003). E assim, a escola organiza-se objetivando cumprir sua função social.
O objetivo primordial da escola é, portanto, o ensino e a aprendizagem dos alunos, tarefa a cargo da atividade docente. A organização escolar necessária é aquela que melhor favorece o trabalho do professor, existindo uma interdependência entre os objetivos e as funções da escola e a organização e a gestão do trabalho escolar (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2003, p.300-301).
É importante observar a relação que os autores estabelecem entre os objetivos, as funções e a organização e gestão escolar é uma relação de interdependência. A partir desta assertiva é importante considerar que a organização da escola não é ingênua ou neutra, ela é socialmente determinada (FREITAS, 2003; LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2003). Nessa perspectiva, para que a escola cumpra sua função social professores e demais profissionais da educação organizam e objetivam seu trabalho por meio da OTP (FREITAS, 2000, VILLAS BOAS, 1993; VEIGA 2000, 2001).
A OTP, por sua vez, é uma categoria que Freitas (2000) propõe para abranger a complexidade do trabalho dos professores em âmbito escolar. Essa expressão abarca a organização do trabalho do professor não separado dos determinantes sociais. Isso porque, a organização do trabalho pedagógico está relacionada com a organização da própria sociedade (VEIGA, 2000).
Sendo assim, a escola no contexto de uma sociedade capitalista assume os objetivos dessa sociedade, assumindo a função social no contexto desse modo de produção. Para Freitas (2000), a forma que a escola assume as características da sociedade capitalista está relacionada com as categorias da organização escolar objetivo/avaliação e conteúdo/método do trabalho pedagógico. Os objetivos demarcam o contorno da sociedade capitalista e a avaliação garante o controle da realização dos objetivos.
Já o conteúdo/método estabelece a forma do trabalho pedagógico para se alcançar o objetivo. Nesse contexto, o conteúdo\método apresenta aspectos do modo de produção capitalista como a divisão do trabalho intelectual e o trabalho manual, a separação da vida escolar da produção material, a fragmentação do trato com o conhecimento e a gestão escolar em uma forma autoritária (FREITAS, 2000; VILLAS BOAS, 1993). Segundo Freitas (2000), as categorias em tela modulam a ação educativa no contexto da aula. Isso ocorre, porque, é considerado que a OTP ocorre em duas dimensões, ou dois níveis. A primeira dimensão, que é mais ampla, se refere ao trabalho realizado na instituição escola como um todo, no intuito de possibilitar a transmissão/assimilação do saber sistematizado (VILLAS BOAS, 1993). Faz parte dessa dimensão o trabalho desenvolvido no âmbito coletivo da escola, tais como, a estrutura organizacional (administrativa e pedagógica) que está relacionado com a locação e gestão de recursos estruturais, humanos, físicos e financeiros e se referem a questões política e pedagógicas; currículo, que se refere a construção social do conhecimento que será transmitido para os estudantes; tempo escolar, relacionado ao calendário escolar com os dias letivos, períodos, etc.; processos de decisão e relações de trabalho, que emergem devido ao caráter de trabalho coletivo do trabalho educativo; avaliação, que se refere ao acompanhamento do trabalho desenvolvido na escola; relações hierárquicas de poder; o contexto da aula, entre outros (LIBÂNEO, OLIVEIRA, TOSCHI, 2003).
O trabalho nessa dimensão é realizado pelo conjunto de profissionais envolvidos com a escola como um todo, tais como, professores, gestores, técnicos administrativos e os demais sujeitos pertencente da comunidade escolar. A segunda dimensão da OTP é relacionada ao trabalho desenvolvido por professores e estudantes no contexto da sala de aula envolvendo o processo de ensino/aprendizagem (FREITAS, 2000; VILLAS BOAS, 1993).
É importante ressaltar que esses dois níveis não estão isolados entre eles. Existem relações e influências entre esses níveis. Por exemplo, a forma como a escola se organiza no âmbito mais amplo influência o trabalho desenvolvido pelo professor em sala de aula, e, por sua vez, o professor realiza em sua sala de aula pode influenciar na OTP de toda a escola.
A categoria OTP, apresentada por Freitas (2000), se configura como um importante instrumento para compreender as relações entre a sociedade e a educação. Nesse contexto, essa categoria se consubstancia no Projeto Político-Pedagógico da escola, que estabelece a direção formativa com o compromisso de um projeto de sujeito que se pretende formar e, consequentemente, de sociedade que se pretende construir.
A seguir, será realizado a análise da institucionalidade dos IFs, de forma sucinta, a partir dos marcos legais e históricos da educação profissional.
A institucionalidade dos IFs
Nos anos de 1990, após a o fim da ditadura nos anos de 1980, é iniciado a reforma educacional no Brasil, inspirado em princípios neoliberais e influenciado por organismos internacionais. O marco legal desta reforma foi a LDBEN. No ano de 1994 houve a criação do Sistema Nacional de Educação Tecnológica (Lei n. 8.948) que possibilitou a mudanças dos CEFETs, instituições que poderiam oferecer, além do ensino técnico, a educação profissional de nível superior.
Nesse contexto, a educação profissional foi concebida na LDBEN com a possibilidade de integração com as diferentes formas da educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia e também foi orientado o seu desenvolvimento com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada (arts. 39 e 40). Entretanto, com a promulgação do Decreto 2.208 em 1997, foi estabelecido a obrigatoriedade da independência entre ensino técnico e ensino médio e a formação profissional passou a ser orientado a partir das competências profissionais. Pode-se perceber que com o Decreto 2.208/97 a perspectiva formativa adotada reforçou o caráter dual do ensino médio com um sistema paralelo ao sistema regular de ensino que apresentava uma perspectiva pragmática e instrumental de formação (AMORIM, 2013).
Até o momento histórico abordado percebe-se que as políticas públicas de formação profissional reforçaram a dualidade da estrutura educacional com duas redes de ensino, uma de educação geral, propedêutica e, outra, voltada para o ensino técnico profissional.
Pode-se considerar que essa divisão reflete a divisão estabelecido com o modo de produção capitalista, entre o trabalho intelectual e manual, que se desdobra para a lógica da escola, uma vez que é estabelecido dois tipos de instituição escolar, uma objetivando a formação dos trabalhadores e outra objetivando a formação da elite. Observa-se, portanto, a função social da escola brasileira, atrelada ao projeto capitalista.
No ano de 2003, já no Governo Lula da Silva, teve início disputas no campo da política educacional profissional com o objetivo de revogar o Decreto n. 2.208/97. Em um processo de mobilização e debate de pesquisadores e professores que tiveram como pano de fundo a discussão sobre a educação politécnica, ou seja, a educação unitária que objetiva superar a dualidade entre cultura geral e cultura técnica. Como resultado desse processo o Decreto 2.208/97 foi revogado e foi elaborado e aprovado o Decreto n.5.154 no ano de 2004.
No Decreto n. 5.154/04 foi instituído, por meio do artigo 4º, a articulação na forma integrada entre a educação profissional e a educação básica, concomitante ou subsequente, o que possibilitou a formação integrada entre a educação profissional e a educação geral.
No ano de 2006 iniciou um processo de expansão e reordenamento da educação profissional no Brasil e em 2008, por meio da Lei n. 11.892, foi “criado” os IFs como parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, composta também, pela Universidade Tecnológicas, CEFETs e Escolas Técnicas Vinculadas a UniversidadesOs IFs foram formados pela mudança de institucionalidade dos antigos CEFETs, mas não foram todas essas instituições “transformadas” em IFs..
Segundo Pacheco (s/d), os IFs tiveram sua gênese em um conjunto de políticas que teve como base um projeto social em que a educação fosse considerada compromisso sociopolítico e instrumento de transformação social e a necessidade de se institucionalizar a educação profissional e tecnológica como política pública (PEREIRA s/d). Nessa perspectiva a compreensão da educação profissional não ficou atrelada apenas aos fatores relacionados ao desenvolvimento econômico e tecnológico. A compreensão da modalidade educativa em questão foi como elemento que fortalece o processo de inserção cidadã (PACHECO, s/d, p.04).
Sendo assim, os IFs tiveram sua concepção articulada com o compromisso social, político com a população majoritária brasileira tendo em sua gênese firmada em “princípios de promoção de justiça social, de equidade, do desenvolvimento nacional, com vistas à inclusão social” (FREITAS, MACHADO, PASSOS, 2013, p.06). Observa-se que a função social apresenta diferenças ao projeto de educação profissional que estava proposto nas políticas educacionais anteriores.
E, nesta perspectiva os IFs foram concebidos em uma institucionalidade diferente das antigas instituições que faziam parte da Rede Federal de Educação Profissional. Essa nova institucionalidade está fundamentada em três características fundamentais: a função social, a organização didático-curricular e o exercício profissional dos professores.
No que se refere a função social, os IFs apresentam uma proposta política de superação de uma perspectiva reducionista e instrumental de instituição educativa, que é subordinada ao poder econômico. Dessa forma, os IFs apresentam compromisso com a sociedade na construção de um projeto amplo de educação pública objetivando o fortalecimento da cidadania e da inclusão social e compromisso com a realidade local e regional das mais variadas regiões do Brasil (AMORIM, 2013; PACHECO, s/d).
Neste contexto os IFs foram estabelecidos com a criação de novas unidades de ensino descentralizadas, com estruturas de multicampi. A criação dessas novas unidades foi pautada pelos objetivos de: a) elevar a oferta de matrículas; b) promover a interiorização da rede federal de educação profissional e; c) criar instituições em estados que não eram atendidos pela rede federal, entre outros. (PEREIRA, s/d-b). Nesse contexto foram criados 38 Institutos Federais no território brasileiro, sendo que, presente em todos os estados da federação. Segundo o Ministério da Educação (MEC) houve um investimento aproximado de R$ 3,3 bilhões entre os anos de 2011 e 2014, na expansão da educação profissional.
Quanto à organização didático-curricular, os IFs apresentam um desenho formado a partir da transversalidade e da verticalização, que estabelecem uma singularidade no desenho curricular (AMORIM, 2013; PACHECO, PEREIRA, SOBRINHO, 2010). A transversalidade, é concebida como a organização do trabalho pedagógico articulando educação e tecnologia. A tecnologia nesse caso, é considerada “elemento transversal presente no ensino, pesquisa e extensão” (PACHECO, s/d, p.09). Também está indicado que os IFs deverão ofertar o ensino técnico de nível médio, preferencialmente integrado ao ensino médio (Lei 11. 892\2008) e aos cursos de Educação de Jovens e Adultos.
Já a verticalização, se refere a construção de itinerário de formação entre diferentes cursos de educação profissional e tecnológica (qualificação profissional, técnico, graduação e pós-graduação). A configuração estabelecida foi no formato de oferta de educação básica, educação profissional, educação de jovens e adultos articulado, ensino superior e bem como formação inicial e continuada de trabalhadores. Nessa perspectiva os IFs ofertam diferentes cursos de educação profissional. Tem-se, desta forma, cursos no formato de formação inicial e continuada, cursos técnicos, em sua maioria, integrados ao ensino médio e articulados com a educação de jovens e adultos, cursos superiores de licenciaturas, graduações tecnológicas (bacharelados e tecnólogos), cursos de pós-graduações com especializações, metrados profissionais, mestrados e doutorado, voltados para a pesquisa aplicada. Sobre a verticalização curricular percebe-se que existe uma elaboração de uma organização escolar técnico-profissionalizante, que percorre a educação básica até a educação superior (AMORIM, 2013). Na proposta curricular também está previsto a organização dos IFs a partir de uma estrutura pluricurricular e com construção a partir de um eixo tecnológico.
Outro aspecto da nova institucionalidade dos IFs está relacionado a sua finalidade no tocante a produção e socialização de conhecimento o que apresenta desdobramentos ao exercício profissional dos professores. Os IFs foram formados com o objetivo de realizar pesquisas aplicadas, desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos; e ministrar o ensino nos diferentes níveis e modalidades de ensino (BRASIL, arts. 6º e 7º). Desta forma, é dever dos IFs de desenvolver ensino, pesquisa e extensão.
Pode-se perceber que a criação dos IFs foi estabelecida uma proposta de nova institucionalidade a partir, principalmente de três elementos principais. É importante situar que esses elementos estão relacionados com os objetivos da instituição educativa e quando ocorre alterações na organização escolar, como aconteceu no projeto do IFs, provocará alterações na organização escolar, que desdobrará em alguns desafios para a OTP. É sobre essas questões que será tratado na próxima seção do presente texto.
A institucionalidade dos IFs e os desafios para a OTP
Compreendendo que a OTP está relacionada com a dimensão do trabalho docente em uma perspectiva da organização geral da escola e da sala de aula, considera-se que quando uma instituição apresenta uma nova institucionalidade, como é o caso dos IFs, apresenta mudanças significativas na OTP.
Nos IFs diferentes modalidades e níveis de ensino, que fazem parte da realidade do trabalho docente, assim como a pesquisa e a extensão como elementos que agregam ao ensino no exercício profissional docente. Todo o quadro em tela, somado com alteração curricular e a função social da instituição comprometida com os compromissos políticos da sociedade majoritária, apresenta uma nova complexidade ao trabalho docente o que se desdobra em desafios para a OTP.
• Primeiro desafio – Estabelecer condições para que o projeto institucional e pedagógico se efetive na realidade concreta das instituições
Essa questão posta é importante e não menos complexa, pois, como já sabermos, nem todo projeto que é elaborado, principalmente no âmbito da administração centralAdministração central é entendido aqui como estâncias administrativas das escolas relacionadas aos governos municipais, estaduais, distrital e federal, exemplos: Ministério da Educação, Secretarias Estaduais e Municipais de Educação entre outros (GIMENO SACRISTÁN, 2000)., se efetiva na realidade concreta das escolas (GIMENO SACRISTÁN, 2000; VEIGA, 2000). No caso específico dos IFs, muitos elementos do projeto são de ordem administrativa e dessa forma, o que possibilita sua realização, tais como as ofertas dos vários níveis e modalidades de ensino. No entanto, muitos elementos da proposta estão relacionados com o projeto social e pedagógico da instituição e, sendo assim, depende do posicionamento político-pedagógico dos professores e demais profissionais da educação.
Veiga (2000) chama a atenção de que para construção de um projeto pedagógico de uma escola é necessário o convencimento dos profissionais da educação para que esse projeto se efetive na prática. Ainda mais, quando ocorre uma alteração de projeto, como é o caso dos IFs, que, em grande parte das instituições, foram formados a partir da mudança institucional.
O desafio que se coloca é convencer professores e demais trabalhadores a se mobilizarem para construírem uma nova instituição. Essa tarefa se torna mais complexa ainda mais quando o projeto, apesar de possuir bases progressistas, parece ter nascido nos corredores do MEC, e não do chão da escola. Veiga (2000) nos adverte que não compete a administração central definir um modelo pronto de projeto educativo. O que se deve é estimular inovações a ações pedagógicas planejadas e organizadas nas escolas. No estudo realizado por FREITAS, MACHADO e PASSOS, (2013), sobre a mudança organizacional provocado pela nova institucionalidade do Instituto Federal de Sergipe, foi percebido que os servidores não apresentam resistência à mudança organizacional, mas existem dificuldades para efetivar a nova institucionalidade, pois as mudanças requeridas ao ambiente institucional exigem mudanças no ambiente de trabalho, o que não é fácil de se realizar. Também foi observado que nem todos servidores conhecem o novo modelo de instituição proposto nos IFs. A realização de uma alteração institucional demanda tempo e trabalho de convencimento junto aos trabalhadores, pois são eles que colocam as alterações em marcha.
• O segundo desafio – lidar com a verticalização do currículo
No primeiro momento é importante sublinhar a positividade da proposta de verticalização. Amorim (2013), que considera positivo a oferta, em um mesmo espaço educativo, de diferentes níveis e modalidades de educação, por possibilitar maior democratização do conhecimento científico e tecnológico. Nesse mesmo sentido, o Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de Educação Tecnológica (CONCEFET) também ressalta a positividade da verticalização da educação no interior dos IFs, por compreender que a atuação dos docentes em diferentes níveis de ensino, possibilitará a integração entre teoria e prática e uma visão mais ampla da educação (CONCEFET, 2007).
O autor concorda com os aspectos positivos levantados anteriormente, no entanto, ressaltamos que a atuação dos professores em diferentes níveis de ensino pode tornar o trabalho docente mais complexo pelo fato de cada nível e modalidade de ensino apresentar especificidades. Questões relacionadas com a carga horária dos professores, reuniões pedagógicas e outras atividades relacionadas ao trabalho docente, se tornam mais complexas com a atuação dos professores nos diferentes níveis e modalidades de em ensino, ainda mais, quando na instituição encontra-se docentes com formação e atuação com disciplinas relacionada com a área profissional e docentes com formação e atuação na área de educação geral.
É importante ressaltar que o quadro apresentado anterior exige uma complexa organização coletiva, ao ter que estabelecer tempos e espaços nas diferentes exigências dos vários níveis e modalidades que o professor estiver atuando. Em outras palavras, o professor precisa lidar com questões gerais ao trabalho coletivo da instituição e também com questões específicas, não menores, nas turmas em que desenvolve o seu trabalho.
• Terceiro desafio – superar a fragmentação do conhecimento nas disciplinas
A proposta da transversalidade curricular nos IFs aponta para um trabalho coletivo bem articulado objetivando superação da fragmentação curricular. Como sabemos, grande parte dos currículos das instituições educativas brasileiras apresentam seus currículos fragmentados, o que contribui para um trabalho isolado dos professores. É fato, também, que esse tipo de organização curricular não contribui para organização dos cursos por eixos tecnológicos como elemento transversal, como estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.
Para Bernstein (1988), o currículo pode ser concebido, no tocante a sua organização, de dois modos, integrado ou coleção. O currículo integrado é aquele que não possui limiares nítidos entre os conhecimentos, possui uma relação aberta, flexível entre eles. Já o currículo coleção é rígido e apresenta uma relação fechada entre os conhecimentos, que são delimitados e isolados, em um formato justaposto. Esse tipo de currículo é o que Torres Santomé (1998, p103) denomina de currículo linear-disciplinar.
Para um trabalho que objetiva a integração entre a educação profissional e a educação básica é necessário que os limites das disciplinas diminuem e aconteça aproximações efetivas para a elaboração de um currículo do tipo integrado. Mas, esse movimento somente poderá acontecer a partir da OTP dos professores de forma coletiva. Isto ocorre porque a aproximação entre as diferentes disciplinas está relacionada com a aproximação entre os docentes; isso requer um trabalho coletivo bem articulado (TORRES SANTOMÉ, 1998).
É importante considerar que a OTP no contexto coletivo dos professores é o que vai inevitavelmente influenciar a ação do currículo. Sem haver momentos de planejamento em conjunto, a tendência é que os professores realizem o trabalho de sala de aula de forma isolada. Nesse sentido, o currículo do tipo coleção pode contribuir para um trabalho docente individualizado, em que o conhecimento é considerado estático e sua produção situando se distante dos estudantes. Esse formato curricular pouco colabora para que os estudantes tenham uma formação.
• Quarto desafio – lidar com o novo exercício profissional dos professores
No projeto dos IFs a instituição deverá desenvolver, além do ensino, a pesquisa e a extensão. Esses novos elementos do exercício profissional dos professores possibilitará um salto qualitativo na produção do conhecimento relacionado ao campo profissional, tecnológico e também educacional, e, também, a diminuição da separação entre a produção e a transmissão do conhecimento dos professores. Ou seja, em uma mesma instituição haverá a possibilidades dos docentes produzir e transmitir conhecimentos, o que pode contribui com a divisão social do trabalho do professor na escola capitalista.
No entanto, esse novo exercício profissional docente, que até então, era realizado no âmbito das universidades, acarretará em um impacto para a OTP. Isso porque, o professor será responsável em produzir, socializar (no contexto da extensão) e transmitir conhecimentos aos estudantes, seja no contexto do ensino superior, seja no contexto da educação básica; e também para a sociedade.
É importante observar que embora, a missão dos IFs é de desenvolver ensino, pesquisa e extensão, não se observa a indissociabilidade desses elementos, como é indicado nas Universidades. Isso pode contribuir para o processo de dissociação entre pesquisa e ensino, educação básica e educação superior, graduação e pós-graduação, como acontece em algumas universidades brasileiras no contexto da graduação e pós-graduação. Paoli (1988) em um instigante artigo sobre o princípio da indissociabilidade na Universidade Brasileira adverte que esses elementos apresentam dissociados no contexto da relação da graduação e pós-graduação e no contexto da própria pós-graduação com a separação das atividades de ensino e pesquisa. Ora, se esse problema ocorre na Universidade Brasileira, que lida com o Ensino Superior, é preciso uma boa articulação do trabalho docente para que a divisão do trabalho docente não reproduza a relação entre os que produzem e os que transmitem conhecimento. Essa não é uma questão complexa.
Finalizando a presente seção, é importante considerar que estabelecer uma nova institucionalidade, com é o caso dos IFs, não é algo trivial. Esse movimento requer um redimensionamento de práticas administrativas e pedagógicas dessas instituições, o que vai exigir um processo de qualificação do agir dos sujeitos seja no contexto individual e coletivo (CUNHA, SOUSA E SILVA, 2014). Os IFs estão, portanto, de um grande desafio.
Considerações finais
Os IFs são instituições que foram formadas a partir de uma nova institucionalidade em que os coloca de forma diferenciada das universidades e das escolas.
Com o compromisso social de estabelecer educação pública que fortalece a cidadania e a inclusão social, os IFs apresentam como principais características em sua organização a transversalidade, a verticalização e a missão de desenvolver ensino, pesquisa e extensão.
A tese desenvolvida aqui nesse trabalho é que essa nova institucionalidade deve provocar novas formas de a OTP seja no âmbito coletivo, geral da escola, seja no âmbito do trabalho individual do professor. Foi defendido pelo autor que esse movimento gera desafios para OTP, no intuído de superar uma perspectiva dualista de educação profissional para a construção de uma perspectiva progressista e unitária de escola.
Por fim, recomenda-se que sejam realizadas pesquisas sobre a temática abordando o “impacto” das alterações na institucionalidade no cotidiano dos IFs.
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