GESTÃO ESCOLAR E PROCESSOS COMUNICATIVOS NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO: UM ESTUDO DE CASO
Resumo: Trata-se de um estudo de caso, cujo objetivo central foi investigar como os processos comunicativos se desenvolvem e interferem nas ações de gestão e na vida organizacional de uma escola pública de educação básica. A partir da observação do espaço escolar, da apreciação do Projeto Político-Pedagógico (PPP) da instituição e da verificação de um questionário aplicado aos funcionários, foi estabelecida uma análise comparativa que averiguou se o que está prescrito no PPP ocorre na realidade. Constatou-se que existe um hiato entre o que está determinado e o que acontece de fato. A comunicação na instituição possui caráter utilitarista e instrumental, pois os esforços implementados pela equipe de gestores, ainda, voltam-se para a mediação e resolução dos problemas cotidianos imediatos.
Palavras-chave: gestão escolar; processos comunicativos; relações interpessoais.
INTRODUÇÃO
O processo de gestão envolve inúmeras ações, dentre as quais se destaca a função mediadora exercida pelo gestor. É por intermédio desta função que são implementadas as condições necessárias para que se cumpram a missão e os objetivos propostos no projeto pedagógico da instituição. Para que o gestor exerça adequadamente a função de mediador, e interaja eficazmente com os demais atores da organização escolar, é essencial que considere a qualidade do processo comunicativo no ambiente educacional.
A comunicação é imprescindível em qualquer organização e está presente em todos os espaços de interação e aprendizagem social. Percebe-se que a mesma adquire expressivo poder nos processos participativos, transformando, como disse Paulo Freire, seres humanos em sujeitos. Além disso, as atuais exigências da legislação educacional brasileira – Lei 9.394/96 – determinam que os processos educativos sejam permeados pela participação democrática nas instituições públicas de ensino. Tal relação dialógica permite aos indivíduos o exercício da capacidade política de intervenção e a modificação da realidade.
Deste modo, a relevância do estudo se dá na medida em que os processos comunicativos são cada vez mais valorizados como promotores da participação social, da inovação e da efetividade no interior das organizações. Novos paradigmas e novos desafios do século XXI exigem uma instituição educativa aberta, dinâmica, com políticas comunicacionais que valorizem as trocas de saberes e o trabalho em equipe. Para enfrentar tais problemáticas é essencial que os profissionais da educação se capacitem e conheçam as nuances que interferem nos processos dialógicos. Ademais, o desafio de compreender a ação comunicativa na escola é importante, uma vez que permite identificar possíveis deficiências que impedem a conquista dos ideais máximos do projeto formativo (Florczak, 2011; Lück, 2011; Freire 1979; Ortiz, 2012).
Pretendeu-se, assim, investigar como o processo comunicativo adotado por uma instituição de educação básica colabora para o estabelecimento de sinergia e unidade entre os sujeitos, contribuindo para o alcance das finalidades formativas. Logo, a questão que norteou o estudo foi: “Como os processos comunicativos se desenvolvem e interferem nas ações de gestão e na vida organizacional da escola?”. Além disso, analisou-se se a comunicação no interior da instituição é efetiva e sem desencontros.
REVISÃO DE LITERATURA
O processo de comunicação representa um dos fenômenos mais complexos e importantes da espécie humana. O mesmo é condição basilar da sociabilidade e pressupõe um intercâmbio entre os indivíduos a fim de que seja possível a transmissão, de um para o outro, de experiências, conhecimentos e apelos (Perles, 2007).
Vigneron (2001) define os “Processos Comunicacionais” como processos de informação, compreensão e reflexão, capazes de realizar mudanças no sistema contínuo de relacionamentos entre os colaboradores de uma organização. Para Iasbeck (2011), a comunicação é um processo inerente aos seres vivos, que possui como objetivo central tornar comum o incomum, sendo estabelecida a partir de uma predisposição interna. O ambiente escolar, assim como os demais sistemas sociais, carece de sistemas comunicativos efetivos a fim de possibilitar a transmissão, a troca e a construção de significados. É por intermédio da comunicação que são estabelecidas noções de unidade e sinergia de propostas e ações. Para Lück (2011)
Todos os sistemas sociais necessitam de comunicação, a fim de que significados sejam transmitidos e construídos, de que informações sejam repassadas e trocadas, de modo que diferentes pessoas, individualmente ou em grupos [...] possam integrar esforços pelo bem comum e desenvolvimento conjunto (p. 20).
Segundo Florczak (2011) para que as organizações educacionais deem conta do processo de ensino-aprendizagem e contribuam para a formação de sujeitos-cidadãos, é essencial investir e trabalhar no tema referente à comunicação humana, uma vez que este conhecimento possibilitará o desenvolvimento dos profissionais e de suas identidades. De acordo com Lück (2011),
uma escola é constituída por uma rede de comunicações que se desenvolve a partir de ações, comportamentos e gestos das pessoas, como por suas palavras faladas e escritas. Essa rede pode ser saudável e eficaz, como pode ser inadequada e limitada, dependendo da clareza que as pessoas tenham sobre esse processo, como também das habilidades pessoais e sociais relacionadas a ele (p.20).
Conforme Ortiz (2012),
a gestão da comunicação no setor da Educação não só inclui a interação aluno-professor em sala de aula (presencial ou virtual), entre os colegas, entre os professores, entre os diretores, coordenadores e professores, assim como deles com os familiares e colegas não docentes. Inclui também a comunicação com órgãos superiores, a comunidade, empresas, ONGs, partidos políticos, sindicatos e associações, imprensa, outros veículos de comunicação, sociedade, etc (p. 81).
A comunicação nos espaços organizacionais é responsabilidade de todos. Entretanto, é encargo maior do gestor escolar zelar pela qualidade da rede de comunicações, uma vez que a mesma pode ser considerada estratégia de gestão e de desenvolvimento. De acordo com Maros (2010), no espaço educativo a gestão da comunicação deve tratar do planejamento, execução e realização de procedimentos e processos que criam ecossistemas comunicativos a fim de aproveitar o espaço escolar para o exercício do livre fluxo democrático da informação.
Neste ponto, é importante afirmar que nos espaços educativos formais as redes comunicativas devem extrapolar o direcionamento dos profissionais à realização de objetivos comuns. Nas instituições de ensino, a comunicação deve favorecer os processos de aprendizagem, sendo base dos processos interativos que permitem a formação de agentes conscientes de sua função transformadora.
Conforme Paulo Freire (1979) “a educação é comunicação, é diálogo, na medida em que não é transferência de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significação dos significados”. La Torre (2002), afirma que o diálogo é uma forma de adentrar no universo do outro, por intermédio da sabedoria, da palavra. Segundo ele, “no diálogo não há espectadores, todos são participantes, emissores e receptores ao mesmo tempo”.
É essencial que se compreenda que a comunicação é central no processo de gestão e liderança. Ela é o que existe de mais fundamental e estruturante do fazer humano. Lück (2011) relata que a gestão da comunicação promove: a coesão entre os integrantes de uma organização; a criação da identidade institucional; a integração da instituição com a comunidade externa; a formação do espírito de equipe; o fortalecimento de vínculos entre diferentes públicos; e a busca por uma maior efetividade institucional.
Goulart (2011), por sua vez, afirma que gerir também implica enfrentar crises. Para o autor, talvez seja na instância da comunicação interna que esteja o maior desafio de uma organização, visto que tal processo envolve relações de poder, tomada de decisões, transparência e diálogo. Assim sendo, investigar como os processos comunicativos se desenvolvem e interferem nos processos de gestão e na vida da escola pode contribuir para a construção de um corpo de saberes que oriente o enfrentamento de crises e desafios.
METODOLOGIA
O estudo enquadra-se no paradigma qualitativo, pois não se preocupa com a representatividade numérica, mas com o aprofundamento da compreensão do objeto estudado. De acordo com Gerhardt e Silveira (2009),
os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos buscam explicar o porquê das coisas, exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificam os valores e as trocas simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os dados analisados são não-métricos (suscitados e de interação) e se valem de diferentes abordagens (p. 32).
Bogdan & Bkilen (1994) definiram como características da investigação qualitativa as seguintes: a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal; os dados são recolhidos em situação e complementados pela informação que se obtém através do contato direto; a investigação qualitativa é descritiva; os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens; a palavra escrita assume particular importância na abordagem qualitativa, tanto para o registro dos dados como para a disseminação dos resultados; e os investigadores tendem a analisar os dados de forma indutiva.
Quanto ao objetivo da pesquisa, foi realizado um estudo de campo, assumido na modalidade de estudo de caso, em uma escola de ensino fundamental pública do estado de Minas Gerais. Tal comunidade escolar compreende 1600 alunos, 1 diretor, 3 vice-diretores, 7 coordenadores pedagógicos, 89 professores e uma média de 50 funcionários de apoio educacional.
A investigação foi realizada no período de três meses, em dias e horários alternados. Nos primeiros dias a autora dedicou-se à observação das relações comunicativas entre os atores escolares e à identificação dos canais, e estratégias de comunicação, existentes na instituição. No segundo mês, além da observação, foi feito um levantamento nos documentos escolares para averiguar o modelo de gestão e comunicação defendido pela escola. Por fim, nos últimos dias da pesquisa de campo, os funcionários foram convidados a responder um questionário contemplando questões referentes ao ideal e aos significados atribuídos ao processo de comunicação da instituição. Os dados foram organizados em três tópicos, com o intuito de permitir o estabelecimento de uma análise comparativa entre o que foi observado, o que está prescrito no PPP e o que é vivenciado de fato pelos funcionários da instituição.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Processos comunicativos: fatos observados
A observação das relações comunicativas entre os atores da instituição revelou que o processo comunicativo, apesar de ser predominantemente horizontal, ainda, carece de aperfeiçoamentos e correções para ser efetivo.
Questões básicas referentes ao relacionamento interpessoal, como por exemplo, saudar os companheiros de trabalho no início da jornada laboral, precisam ser revistas e trabalhadas em conjunto com o intuito de melhorar o clima organizacional, as competências interpessoais e ampliar as possibilidades de ocorrência da comunicação interna. Rodrigues, Imai e Ferreira (2001) ressaltam que “a competência interpessoal é revelada na relação indivíduo-indivíduo e nas relações indivíduo-grupo(s), englobando assim atitudes individuais e coletivas que jamais são indissociáveis”. Tais autores, para enfatizar a importância das interações sociais no ambiente de trabalho, utilizam a seguinte afirmação de Dermeval Saviani (1994): “educa-se através do trabalho, através da convivialidade, do relacionamento informal das pessoas entre si”. Desta maneira, seria interessante a promoção de espaços e tempos, na própria instituição, que possibilitassem a discussão da relevância da vivência de valores, tais como: cortesia, colaboração e senso de comunidade.
É importante ressaltar que, nos dias em que foi realizada a observação, não havia reuniões programadas. Assim sendo, foi possível deduzir que em dias comuns os profissionais possuem poucos momentos para se relacionarem. Ao chegar à instituição a maioria se conduz para seu local específico de atuação, são poucos os trabalhadores que se dirigem à sala dos professores. Nos intervalos, muitos preferem continuar nos espaços em que atuam. Ao término das aulas os profissionais, à exceção de alguns, seguem apressadamente para suas residências ou para outros postos de trabalho. Algumas das justificativas para tais atitudes é a necessidade de adiantamento das tarefas cotidianas e a ausência de motivação para estabelecer relacionamento entre os pares.
Vários fatores corroboram para o predomínio da situação descrita acima. Nos últimos anos a sociedade vivenciou inúmeras mudanças. Estas, por sua vez, atingiram as famílias e as instituições sociais, dentre as quais a escola. As políticas públicas que proporcionaram a ampliação da educação básica no Brasil, sem a correspondente contraprestação de qualidade, acentuaram o processo de desmantelamento dos espaços escolares e contribuíram para o processo de precarização do trabalho docente (Oliveira, 2004). Ademais, o processo de globalização, atrelado ao neoliberalismo e ao avanço das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) impuseram à humanidade novas formas de relacionamento e a necessidade de atualização constante.
Hoje, a escola é cobrada em inúmeros aspectos. Os professores devem se aperfeiçoar continuamente e contribuir para a formação de sujeitos críticos, autônomos, responsáveis e proativos. Entretanto, o nível de investimento para garantir os padrões mínimos de qualidade de ensino é ínfimo, e insuficiente, para suprir todas as exigências feitas à escola. O somatório destes fatores configura a intensificação do trabalho docente, que, segundo Apple (1995) contribui para a destruição da sociabilidade, o aumento do isolamento e a redução do lazer. Logo, podemos alegar que um dos fatores que motiva o desinteresse e isolamento dos trabalhadores em relação aos demais, possui suas raízes no novo tipo de ordenamento estabelecido.
No que se refere aos canais e estratégias de comunicação utilizados na instituição, notou-se que a mesma privilegia três: o mural de informações (que fica entre a secretaria e sala de professores), as reuniões com os gestores e a oralidade. A comunicação por meio de murais é utilizada para difundir informações repassadas pelas instâncias superiores e divulgação de eventos e editais de concursos e/ou projetos. Averiguou-se que a presença de informes antigos diminui a curiosidade dos funcionários em verificar a existência de novos documentos. A renovação constante dos comunicados, com o emprego de recursos chamativos, seria uma alternativa para incentivar a visualização atenta do mural.
Também foi possível verificar que no painel de informações havia um calendário escolar com todas as datas das reuniões pré-agendadas. Para o ano da investigação estavam reservados apenas sete dias para a realização de reuniões e atualização do PPP, com a presença de todos os trabalhadores da instituição. Os demais dias estavam reservados para aulas. Alguns indivíduos defendem que as reuniões são espaços privilegiados para a promoção de ações partilhadas. Por outro lado, há os que descreem da importância dessas. Os primeiros acreditam que é por intermédio dos encontros que diálogos são instaurados, reflexões realizadas e o apontamento de problemas, e soluções, feito. Os segundos, por sua vez, pontuam que os momentos reservados à partilha de ideias e ideais servem somente para o cumprimento de papéis formais. As conversas são esvaziadas de sentindo e o comprometimento com a missão, e com o que foi estabelecido no projeto institucional, é superficial e no limite do que é determinado nas atribuições de cada cargo.
Em relação à oralidade, visualizou-se que, na correria dos dias, o intercâmbio de informações entre os profissionais permanece restrito à grupos fragmentados e isolados. Aparentemente, as trocas ocorrem mais frequentemente entre os indivíduos que mantém relações próximas. Falta unidade entre o todo do corpo escolar. Florczak (2011), destaca que a comunicação, que envolve a participação de todos os sujeitos, permite “a criação de um universo comum compartilhado, espaço no qual o entendimento poderá prevalecer diante dos riscos da incomunicação”.
Durante os dias em que foi realizada a observação, os gestores da instituição dedicaram boa parte do tempo para a resolução de conflitos inerentes a toda unidade escolar. Atendimento de pais, alunos e funcionários, levantamento da necessidade de insumos, preenchimento de documentos administrativos e fornecimento de orientações gerais. A comunicação destes com a comunidade escolar revelou-se aberta e predisposta ao diálogo, característica essencial da gestão democrática. No entanto, a despeito dessa predisposição, foi possível perceber que a escola, e seus gestores, não compreendem o real valor da comunicação no ambiente escolar. A mesma ainda é vivenciada em seu viés instrumental, funcionalista, a serviço da gestão e não como integrante dela. Falta nesta instituição, nas palavras de Goulart (2011), a compreensão de que
a comunicação não se confunde com o conviver ou ter algo em comum, mas é uma relação intencional, um encontro social onde uma pessoa age sobre a outra. É a partilha de um mesmo objeto de consciência, de algo pensado, uma relação de consciências. Daí os sinônimos partilhar, transmitir, anunciar, trocar, reunir; todos levam à ideia de relação; relação de consciências com a finalidade de conhecer e compreender a realidade (pp. 106-107).
Processos comunicativos: determinações do ppp
O PPP é um documento compreendido como a própria organização do trabalho pedagógico da escola como um todo. Para Veiga (2000) ele é mais do que o agrupamento de planos de ensino e de atividades diversas. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. É um processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da instituição, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade. Tal projeto é político, pois tem um compromisso com a formação de sujeitos-cidadãos, e é pedagógico uma vez que define as ações educativas e as características necessárias às escolas para cumprirem seus propósitos e intenções.
Em conformidade com as determinações da Constituição de 88 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, o PPP da instituição analisada é (re)construído coletivamente. O mesmo prevê que as ações realizadas na escola devem colaborar com formação de sujeitos éticos e com a construção de consciências críticas, com habilidades e atitudes para interferir e transformar a realidade. Uma das suas determinações é que a ação pedagógica seja realizada por intermédio do diálogo, no cotidiano escolar, na interação com o outro, mediante o exercício crítico da escuta.
Conforme o documento, no ato da comunicação circulam diversos saberes e experiências nem sempre consensuais. Logo, o bom senso deve ser um atributo a ser cultivado e fortalecido criticamente, sem subserviência entre as pessoas, com o intuito de favorecer a prática da gestão democrática. Ademais, propõe o enfrentamento de toda forma de corporativismo de classe, e de autoritarismo individual ou de grupo, por intermédio de práticas que favoreçam o compartilhamento de informações, o diálogo, o respeito e a adoção de posturas éticas.
Dentre as inúmeras ações programadas no PPP, merecem destaque as que visam ampliar a participação, a comunicação e interação entre os sujeitos da instituição. São elas: ampliar os espaços de convivência entre a família e a escola; incentivar e possibilitar a realização de oficinas, teatros, gincanas com a participação de toda comunidade escolar; investir na acolhida e no trabalho com valores ao longo da vida escolar dos educandos; investir em oficinas de relacionamento humano e convivência para fortalecer as relações de amizade e companheirismo entre os funcionários; promover encontros com os professores e as famílias para fortalecer as relações humanas; primar pela democracia e pelo tratamento igualitário de todos; e, ampliar os espaços de troca, diálogo e discussões entre a comunidade escolar.
Processos comunicativos: percepção dos funcionários
Dos 150 profissionais que atuam na escola, 15 responderam o questionário da pesquisa. As justificativas para tal quantitativo são variadas. Alguns trabalhadores alegaram ausência de tempo e desconhecimento sobre o tema, outros preferiram não opinar e determinados funcionários, apesar de terem aceitado participar do estudo, não devolveram o questionário para a investigadora.
Do total de questionários, 10 foram respondidos por docentes, 3 por técnicos administrativos, 1 por um dos gestores da instituição e 1 por um agente patrimonial. A maioria apontou falhas no processo comunicativo da instituição escolar.
Em relação aos canais comunicativos existentes na escola, 14 indicaram a presença do mural de informações, 12 a realização de reuniões, 10 a oralidade (boca a boca), 6 o telefone, 4 o correio eletrônico e 2 o mural de informações presente na internet.
Dos segmentos ouvidos no estudo, os recém-contratados foram os que melhor avaliaram a rede de comunicações existente. Aparentemente, estes ainda não tiveram tempo suficiente para ter uma visão global de todo o processo comunicativo da escola. A esperança destes está no tempo como ampliador da rede de diálogos, tornando os laços mais estreitos e significativos, como indica a seguinte fala:
a comunicação no interior da escola é efetiva sim. Até agora pelo o que tenho visto está ótimo e com o tempo tudo fica melhor. Sei de tudo que se passa na instituição, pois leio o mural e participo das reuniões (Agente patrimonial, 03 meses na instituição).
Apesar do fator pouco tempo reduzir a visão de todo o processo comunicativo no interior da escola, existem, também, alguns recém-contratados que conseguem identificar deficiências no referido processo:
O processo de comunicação da escola consegue cumprir seu papel, mas ainda existem falhas que devem ser melhoradas. Geralmente as informações são passadas pelo boca a boca, o que pode gerar distorções de informações (Técnico administrativo, 11 meses na instituição).
É bom, mas pode ser melhorado. Normalmente as informações são passadas de forma clara e direta. O problema, muitas vezes, não é a má comunicação, mas a falta dela (Técnico administrativo, 2 anos na instituição).
No que se refere à percepção dos profissionais que atuam há mais tempo na instituição, o processo comunicativo é falho, insuficiente e não efetivo. Para eles, tudo isso dificulta o andamento do processo de ensino aprendizagem da escola e prejudica a interação harmoniosa entre o corpo escolar. Conforme relatos de uma professora
a comunicação é precária e restrita. As informações sobre os acontecimentos são passadas pelo boca a boca e muitas vezes chegam em cima da hora, ou após o acontecimento dos fatos. O que causa prejuízos no desenvolvimento das atividades. (Professora, 7 anos na instituição).
Outros docentes acrescentam que
na correria do dia a dia, com o grande número de professores faltosos, não há tempo para um efetivo diálogo na instituição. A escola carece de estratégias que modifiquem esta situação (Professora, 18 anos na instituição).Apesar de a gestão ser democrática, existem muitos grupos isolados (panelinhas) na instituição que dificultam a coesão entre todos. O gestor é muito atarefado e nem sempre consegue atender as necessidades de todos, por isso acredito que seria interessante uma maior interação entre todos. Poderíamos negociar a prioridade das coisas (Professora, 20 anos na instituição).
Algumas das respostas dos questionários colocaram em evidência as fragilidades do relacionamento interpessoal entre atores da organização educacional. Uma docente, por exemplo, relatou que “há certa repulsa nos relacionamentos”. Outra, afirmou que “é necessária uma unificação interna para que a comunicação entre todos tenha uma efetividade real”. A análise dos questionários revelou que a escassez de tempo restringe o diálogo e impossibilita a convivência saudável. O que corrobora para ações individualizadas, fragmentadas e desarticuladas com o PPP.
Várias sugestões foram apontadas pelos funcionários para melhorar a comunicação institucional. A construção de um correio eletrônico da comunidade escolar, a criação de um jornal escolar e o aumento na quantidade de encontros e reuniões, são algumas das alternativas propostas. O exame cuidadoso das respostas revelou que a ampliação dos canais e estratégias de comunicação é a solução apontada, pelos trabalhadores, como a alternativa mais viável e eficaz para a atual realidade da instituição. Outras sugestões propõem uma atuação mais ativa dos gestores e sugere que os mesmos dediquem mais tempo ao diálogo com os professores. “Os supervisores poderiam passar mais vezes nas salas de aula para apoiar os professores”, destaca uma docente.
A análise do questionário respondido por um dos gestores revelou que a compreensão do processo comunicativo por este, é, em partes, diferente da visão apresentada pelo restante dos funcionários. Conforme tal dirigente, as problemáticas existentes no ecossistema comunicativo da escola não extinguem sua eficácia e satisfatoriedade. Para ele, o que enfraquece a possibilidade de um diálogo coeso entre todo o corpo escolar, é o elevado contingente de alunos e funcionários. Ademais, suas repostas revelam que, para o mesmo, os meios de comunicação, por si só, não são suficientes para promover a efetividade das relações dialógicas. Segundo ele, o ideal é que os profissionais se interessem verdadeiramente pelo o que ocorre no interior da instituição e “saiam da mordomia de esperar e de receber tudo nas mãos”.
Processos comunicativos: análise comparativa
A observação do espaço escolar, a apreciação do PPP e a verificação da percepção dos funcionários, em relação aos processos comunicativos no ambiente educacional, permitiram o estabelecimento de uma análise comparativa entre o que é observável, o que está prescrito e o que ocorre na realidade.
Nem tudo o que está determinado no PPP, ocorre da forma almejada. Percebe-se, pela fala dos funcionários e pela observação, a presença de um hiato entre o que é estabelecido e o que é real. Por exemplo, o projeto pedagógico determina que a boa convivência e o respeito sejam atitudes constantes no cotidiano escolar. Entretanto, a fala de alguns trabalhadores revela que, em muitos momentos, regras básicas de etiqueta são ignoradas. Além disso, é interessante destacar que, mesmo não pertencendo ao conjunto de atores educacionais da referida organização, a pesquisadora conseguiu visualizar déficits nos relacionamentos interpessoais.
Quanto aos canais e estratégias de comunicação, o PPP apenas propõe uma utilização otimizada de todos os recursos materiais e determina a realização de encontros com a presença de todo o corpo escolar. O documento, não especifica os modos, e objetivos, de uso de cada recurso material. Conforme foi observado, e confirmado pelas respostas dos funcionários, os recursos da organização não são utilizados em todo o seu potencial. Ou seja, a otimização prescrita no projeto, não é percebida na realidade. Alguns recursos, que poderiam ser aproveitados com maior efetividade, tais como o mural de informações e o telefone, são empregados à margem de suas finalidades.
Obedecendo aos ordenamentos maiores da educação – CF (1988) e LDB (1996) – e ao PPP, a atuação dos gestores é considerada democrática. Contudo, o espaço oferecido para o diálogo entre a comunidade educativa, é insuficiente para suprir todos os anseios e necessidades da instituição. De acordo com o que foi levantado nos questionários, o papel do gestor não deve se restringir a resolução de problemas burocráticos e ao atendimento da população educativa nos momentos estabelecidos pelo calendário escolar. É essencial que a gestão compreenda que o processo comunicativo e as relações interpessoais, entre os sujeitos, são mais do que meios e técnicas para o alcance de metas estabelecidas pelo MEC ou pelo próprio PPP. Segundo Paulo Freire (1986),
deveríamos entender o “diálogo” não como uma técnica apenas que podemos usar para conseguir obter alguns resultados. [...] Isto faria do diálogo uma técnica para a manipulação, em vez de iluminação. Ao contrário, o diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É parte de nosso progresso histórico do caminho para nos tornarmos seres humanos. [...] O diálogo é uma espécie de postura necessária, na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos. O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e refazem (p. 64).
O PPP não apresenta diagnósticos, explícitos, referentes aos problemas do processo comunicativo da instituição. Tal documento, apenas sugere melhorias gerais que possibilitem uma gestão participativa eficiente, dentre as quais estão: ampliação dos espaços e tempo de convivência e o tratamento igualitário de todos. Por outro lado, as sugestões fornecidas pelos trabalhadores da escola, na resolução do questionário, possuem caráter mais prático e relação direta com os problemas comunicacionais apresentados pela organização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A investigação revelou a importância da implementação de processos comunicativos efetivos na comunidade escolar. Foi verificado que, apesar de compreender o valor das verdadeiras relações dialógicas, a comunicação na instituição possui caráter utilitarista e instrumental. Os esforços implementados pelos gestores voltam-se para a mediação e controle das tarefas cotidianas. Conforme foi observado e exposto pelos funcionários da escola, o excesso de demandas e de trabalhos burocráticos dificulta o estabelecimento de interações significativas entre o corpo escolar.
Vimos que a comunicação na instituição não é eficaz, pois existem hiatos entre o que está determinado nos documentos que balizam a missão e os objetivos da unidade escolar e o que ocorre de fato. Ao que parece, o desgaste, ocasionado pela rotina, ofusca o desejo dos funcionários em estabelecer relações interpessoais. Cabe aos gestores planejar o processo de comunicação interna, considerando a mesma estratégia de gestão. Scroferneker (2011) aponta alguns questionamentos que podem auxiliar os gestores no planejamento dos processos comunicativos. Primeiramente, segundo esta autora, a organização deve estabelecer qual é a sua concepção de comunicação. Posteriormente, é essencial que a instituição verifique se realmente está disposta a construir uma cultura de comunicação, que assegure a participação e voz a todos os seus componentes. Após refletir sobre essas questões, deve-se partir para o diagnóstico e a identificação do público e dos canais informativos mais utilizados pela escola. De posse dessas informações, é necessária a realização de uma análise crítica que oriente o reordenamento das ações rumo à verdadeira comunicação, que não se reduz a boletins internos, murais informativos, festas de confraternização e comunicados via internet.
A verdadeira comunicação não se confunde com o mero fornecimento de informações. Como destaca Florczak (2011), o ato de comunicar é mais trabalhoso, “impõe a questão da relação, a questão do outro”. Impõe, como disse Paulo Freire (1979), “uma reciprocidade que não pode ser rompida”.
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