QUALIDADE DA EDUCAÇÃO: PERSPECTIVAS, DISCURSOS E PRÁTICAS

Resumo: O texto objetiva discutir a qualidade da educação no âmbito do ensino médio. Questiona: Que ações são necessárias para que se efetive o ensino médio de qualidade? Desenvolvido com base em pesquisa, discussão bibliográfica e análise de documentos, apresenta as defesas feitas em prol da qualidade da educação, desenvolve uma retrospectiva dos encaminhamentos, visando à qualidade da educação, e aponta os avanços e perspectivas para a qualidade do ensino médio. Finaliza, considerando que é preciso persistir na defesa da formação humana como forma de superação da dualidade e das desigualdades presentes na escola pública.

Palavras-chave: qualidade da educação; ensino médio; gestão pedagógica.


INTRODUÇÃO

Neste trabalho, procedemos a uma análise da educação pelo prisma das defesas da qualidade da educação e do desenvolvimento da gestão pedagógica das escolas de ensino médio. Apresentamos, num primeiro momento, o discurso que predominou e impulsionou a adoção de ações que visavam à melhoria da qualidade da educação e, na sequência, destacamos os encaminhamentos políticos que alteraram a gestão pedagógica no ensino médio. Num terceiro momento, destacamos aspectos que, entendemos, ainda precisam ser resolvidos para haver o desenvolvimento do ensino médio e da educação básica de qualidade. Consideramos que esta análise favorece compreender a atual situação em que se encontra a educação básica brasileira e, ao mesmo tempo, possibilita pensar alternativas para melhorar sua qualidade na perspectiva apontada pelo atual PNE, tarefa árdua e importante para todos, razão que reforça a intenção deste texto e nos leva a questionar: Que ações ainda são necessárias para que se efetive o ensino médio de qualidade? Por isso, este texto tem como objetivo discutir a qualidade da educação, abordando, de forma mais específica, os avanços presentes no ensino médio, mas, também, apontando o que ainda precisa ser alcançado e as perspectivas para formação nessa etapa da educação básica. Para atingir o que propusemos, desenvolvemos discussão bibliográfica, análise de documentos e de legislação da educação.

A DEFESA DA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

Assistimos, na década de 1980, a uma ampla movimentação pela organização social em prol da democratização da sociedade brasileira, que originou a Constituição Cidadã de 1988 e, que, em seu conteúdo, garantiu os direitos sociais necessários e imprescindíveis para vivência na sociedade democrática. Consoante à sua aprovação e encaminhamento, outras legislações normatizaram a educação brasileira. Assim, a educação pública, gratuita e de qualidade é um direito fundamental e subjetivo garantido pela Constituição para todos os cidadãos brasileiros. Neste caminhar de aprovações, na década de 1990, houve a homologação da LDBEN 9394/96 e a elaboração de diretrizes curriculares para o ensino médio e para a educação profissional. No início do século seguinte, outros encaminhamentos normativos foram aprovados, dentre os quais, destacamos a proposição do Plano Nacional de Educação (PNE), Lei 10.172/2001, as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais (2010), as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (2012) e o novo PNE, em vigor, Lei n. 13.005/2014. As legislações sancionadas no período brevemente descrito, indicam novas orientações e alteram a gestão pedagógica da educação básica.

A ênfase na busca por qualidade é influenciada também pelos novos modelos produtivos que passaram a compor o cenário econômico, a partir de 1970. Formas mais complexas e enxutas de produção, novas exigências de qualidade são importadas do mundo da produção para o campo da educação, conforme podemos verificar em análises de Cattani (1997), Oliveira (1996) e Gentili (1994). A qualidade, no mundo produtivo, tornou-se componente imprescindível para considerar um produto bom. Nesse período, a produção deveria ser mais enxuta, mas flexível, para se ter um produto final de qualidade. Este modelo de produção mais enxuta, mais eficaz e menos dispendiosa passou a ser adotado também no âmbito da educação, principalmente na qualificação das melhores redes de ensino ou das melhores escolas. Ressalta-se que, neste momento, as alterações propostas e exigências feitas com vistas à qualidade da educação foram norteadas por assessoria técnica de organismos internacionais como o Banco Mundial, questão analisada por Torres (1996).

Nesse período, a educação foi considerada de fundamental importância para que os países alcançassem o desenvolvimento econômico e a cidadania fosse desenvolvida. Estas indicações, como podemos verificar em Shiroma, Evangelista e Moraes (2000), tiveram a Unesco como grande precursora.

Há que ser ressaltado, entretanto, que este também foi um período em que a noção de qualidade vinda da empresa foi muito questionada. Autores como Gentili (1994) e Oliveira (1996) problematizavam o equívoco de pensar a educação pelo prisma do mercado num curso de acontecimentos que deixava bem claro que o Estado estava se eximindo das responsabilidades relativas à educação pública. Defendiam que a qualidade da educação deveria ter outro conteúdo e fundamento que não o mercado para, realmente, promover a educação pública que proporcionasse ao estudante uma emancipação social e humana.

Junto a estes acontecimentos, as normativas supracitadas foram discutidas e vivenciadas na escola pública e muitas ações foram empreendidas por mantenedoras de redes de ensino, visando à formação de professores e gestores da educação básica, com o intuito de se efetivar uma educação de qualidade. Tal processo possibilitou às escolas momentos de estudos coletivos e também de implementação de projetos pedagógicos tanto na perspectiva da qualidade de mercado quanto pelo prisma da qualidade social, defendida pela sociedade civil, organizada nos Congressos Nacionais de Educação.

Não podemos desconsiderar que houve esforços por parte de professores e gestores que defendem a educação pública de qualidade, socialmente referenciada, e que ainda restam tarefas que precisam ser encaminhadas a fim de possibilitar o desenvolvimento do ensino médio com qualidade, aspecto considerado um desafio, como discutido no trecho abaixo:

A elevação da qualidade da educação básica, em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem, tem adquirido importância central na última década, tendo em conta a garantia do direito à educação, a melhoria da qualidade de vida da população e a produção de maior equidade e desenvolvimento econômico-social do País. A qualidade da educação vincula-se aos diferentes espaços, atores e processos formativos, em seus distintos níveis, etapas e modalidades educativas, bem como à trajetória histórico-cultural e ao projeto de nação, que, ao estabelecer diretrizes e bases para o seu sistema educacional, indica o horizonte jurídico normativo em que a educação se efetiva como direito. (BRASIL, 2014, p. 31).

Entendemos que, para que ocorra a qualidade da educação, é preciso muito mais que um conceito bem definido. É essencial haver análises do processo, destacando avanços e perspectivas. Para tanto, faz-se necessária uma reflexão a este respeito, como veremos na sequência deste texto.

ENCAMINHAMENTOS RUMO À QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

O ensino médio tem sido comentado como etapa formativa que abriga muitas contendas. Ora as discussões estão centradas no tipo da formação, na organização de suas disciplinas, na definição do currículo, na organização do espaço e tempo escolar, ora, no debate acerca de sua identidade e qualidade, sendo que todos estes aspectos requerem um esforço importante na organização e na gestão da escola. É preciso ressaltar que a definição dos horizontes da gestão pedagógica, assim como a da qualidade, não se dá descolada de uma organização societária mais ampla que envolve aspectos estruturais já consolidados, o que requer, também contextualização e análise histórica. 

É conhecido dos educadores brasileiros que, logo após a aprovação da Constituição Brasileira, no início da década de 1990, na contramão da garantia de direitos constitucionais, surge, com força, a ideologia neoliberal que entende a política social como área de ações dispendiosas, passando a exigir eficiência e enxugamento de gastos do Estado. Nesse momento, já se desenvolvia a ideia da Educação para Todos, assinada na Conferência Mundial da Educação em Jomtien, na Tailândia em 1990, que possibilitou a elaboração do Plano Decenal da Educação, documento que, no Brasil, indicou metas para que a educação para todos fosse implementada no período de dez anos.

Apesar de haver perspectivas de melhoria da qualidade da educação apontada no Plano Decenal, este período da década de 1990 foi também controverso. O país vivenciava a abertura democrática, o princípio da gestão democrática da escola pública, princípio constitucional, que já estava em vigor desde 1988. Mas o encaminhamento das políticas educacionais proporcionou a implementação de ações escolares envolvidas em princípios privatizantes que buscaram muito mais a participação da comunidade numa perspectiva de contribuição financeira, uma participação política submissa aos interesses neoliberais, do que, no âmbito de decisões políticas da escola de cunho efetivamente democrático, conforme apregoa a Constituição. Em pesquisas realizadas no período, narram-se as alterações escolares que buscaram a contribuição financeira dos pais e comunidade, em detrimento de uma participação política escolar que pudesse discutir as decisões tomadas na escola, os encaminhamentos pedagógicos e a qualidade da educação. 

O entendimento sobre como deveria funcionar a administração pública, imbuída da perspectiva neoliberal, veio obstaculizar o atendimento em áreas sociais, como, por exemplo, a educação, direito importantíssimo para exercício da cidadania. Este pensamento, que tomou força no governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), promoveu alterações no âmbito do aparelho do Estado e a redução da esfera de responsabilidade estatal, fazendo com que fossem desenvolvidas as chamadas parcerias público-privadas.

Essa orientação privatizante em curso contaminou a educação e descaracterizou a gestão e o gestor no exercício de sua função. Cursos que buscavam aprimorar a gestão em direção à qualidade educacional de teor privado alteraram o papel do gestor escolar que passou a ter uma atuação próxima à de um administrador de empresas. Tal encaminhamento dissociou a gestão escolar da gestão pedagógica como se fossem instâncias separadas, desenvolvidas por entes diferentes e diversos. Ao diretor, que, nesta perspectiva, passou a conduzir a administração da escola, cabia frequentar reuniões visando a torná-la mais eficiente e adaptada aos interesses das mantenedoras. No Paraná, tal movimento ocorreu no Governo Lerner (1995-2002), momento em que a formação pedagógica da rede estadual de ensino era realizada na Universidade do ProfessorA Universidade do Professor, situada em Faxinal do Céu, Município de Pinhão - PR,  foi utilizada no período do governo de Jaime Lerner numa proposta de capacitação dos profissionais do magistério.. Destacam-se, também, várias reuniões, sucessivamente desenvolvidas, com diretores e presidentes de Associações de Pais e Mestres – APMs -, objetivando uma maior articulação com preceitos privatizadores. Passou-se, então, a alterar o sentido das associações, seguindo a lógica das parcerias público-privadas. No Paraná, esse foi o momento em que as escolas se tornaram murais de selos de empresas amigas da escola. Observa-se que, ao tomar tal direcionamento, os diretores escolares, transformados em gestores representantes do Estado, aparentemente não tinham relação com a opção por um tipo de escola e projeto pedagógico, ou, melhor explicando: eram apenas gestores da instituição.

O alinhamento privatizador presente neste momento histórico, também orientou a busca da qualidade da educação e a preocupação com a estrutura física e com os recursos materiais predominaram no rol de preocupações escolares.  Passou-se a ter muito mais interesse na busca por escolas diferenciadas pelos recursos tecnológicos e espaço físico, conquistados pelas parcerias obtidas com o setor privado, do que por uma educação que oportunizasse a real aprendizagem dos conteúdos necessários ao efetivo desempenho da cidadania.

Enquanto aqui no Brasil esta orientação estava sendo iniciada, no Chile, já na década de 1980, seus frutos estavam sendo colhidos. Em sua análise, Espínola H (1990), ao discutir a educação chilena, comentou que as escolas se preocupavam com o destaque que tinham, se eram consideradas de excelência, expressão da competitividade em que estavam imersas. No Chile, também, as escolas contavam com a contribuição financeira dos pais para elevar seu status de qualidade.

Nesta mesma linha, no Brasil, passou-se a desenvolver, uma gestão pedagógica impregnada de objetivos ancorados na lógica do livre mercado. Gentili (1994) comentou a aplicação de princípios empresariais na educação visando a alcançar a qualidade:  possuir recursos tecnológicos, e para a época, ter uma tv e antena parabólica já era sinal de qualidade. A ênfase na supremacia dos recursos materiais e tecnológicos como forma predominante para obtenção da qualidade da educação estava posta. Percebe-se que, neste período, não estava em discussão a concepção de qualidade, mas a disseminação de uma noção de qualidade imersa em princípios econômicos.

Entende-se que o reforço para tal propagação, como já comentado neste texto, foi promovido pela influência dos organismos internacionais na definição de um projeto de educação para o país.  Neste sentido, algumas unidades da federação tiveram assessoria e implementaram projetos para a educação básica visando a sua melhoria, como o caso do Paraná com o Programa Qualidade no Ensino Público no Paraná (PQE) e com o Programa de Expansão, Melhoria e Inovação no Ensino Médio do Paraná (PROEM) (Czernisz, 1999). Os projetos e programas desenvolvidos com recursos de bancos, como o Banco Mundial, eram fruto de acordos realizados com as Secretarias de Educação das unidades da federação, cujo propósito era direcionar a educação na perspectiva apontada pelos organismos internacionais. O encaminhamento de tais acordos proporcionou reforço à criação de rankings de escolas cuja lógica para aferir a qualidade estava centrada no diferencial de serviços que a escola poderia oferecer à comunidade. Verificam-se, então, alterações no sentido do papel que esta deveria ter e no sentido que a qualidade deveria expressar. Além da ênfase nas condições estruturais e materiais das escolas, passam a ter visibilidade também as avaliações de larga escala. Não podemos, evidentemente, desconsiderar aqui a importância da avaliação. O que levantamos para reflexão são objetivos para sua realização: melhorar a educação ofertada ou promover uma instituição ou rede de escolas na lógica de mercado?

Observa-se também que tais avaliações de larga escala têm cumprido papel significativo na lógica do mercado, pois, para que os alunos tenham bom desempenho nos exames, as escolas têm alterado os currículos, priorizando, nas avaliações, conteúdos reforçados nos exames. Este processo de rankeamento tem promovido uma espécie de vitrine educacional, em que as escolas melhor colocadas são apresentadas também como as mais promissoras.  Também tem conduzido à utilização de apostilas cujos nomes têm estado em evidência nos rankings.

O direcionamento para o mercado não foi tomado apenas pela gestão, pela qualidade e pela avaliação, posto que envolveu também a concepção de formação. Teve como direcionamento as necessidades do mercado de trabalho, contemplando conhecimentos pragmáticos, aqueles que possibilitam o atendimento das necessidades empresariais e do mercado em detrimento da formação que possibilita que todos os homens usufruam da cidadania. Nesta última perspectiva, a formação possibilitaria o efetivo exercício do direito à educação pelo ingresso, permanência e conclusão da educação, obtendo os conteúdos que são herança da humanidade e que foram arduamente construídos por

O resultado dos encaminhamentos dessa lógica privatizadora altera o sentido da escola e da educação. Isso pode ser comprovado pela adoção de projetos pedagógicos de escolas que desenvolveram parcerias com outras instituições para encaminhar a gestão pedagógica da escola. Krawczyk (2013) comenta sobre as escolas que têm implementado projetos pedagógicos combinados com parceiros externos à rede mantenedora, encaminhamento que promove a adoção de pressupostos pedagógicos que podem contrariar a luta histórica por uma escola pública e de qualidade que não esteja somente direcionada aos interesses do mercado, mas também àqueles que promovem a emancipação social.

AVANÇOS E PERSPECTIVAS PARA A EDUCAÇÃO MÉDIA DE QUALIDADE

Avaliar os avanços do ensino médio é uma tarefa difícil, mas necessária a todos os educadores e pesquisadores que se interessam pelo tema. Verifica-se que, principalmente a partir dos anos de 1990 e de forma mais específica após a LDB 9394/96, que a educação de qualidade passa a ser apresentada como direção a ser seguida para emancipação da sociedade. A primeira observação a ser feita é que, neste processo, o ensino médio passa a ter um papel importante, pois, sendo etapa final da educação básica, também prepara jovens que vão para o mercado de trabalho. Entretanto, entende-se, conforme Zibas (2005), que, mesmo com todas as alterações ocorridas nos anos de 1990, tanto no sentido estrutural como conceitual do ensino médio, estas não se deram em relação à qualidade. A autora destaca o aumento do número de alunos matriculados no ensino médio, aspecto que também é tratado por Gomes e Oliveira (2011), assim como por Krawczyk (2013), e reconhecido por muitos outros autores. Zibas (2005) também aponta as alterações curriculares desenvolvidas ao final da década de 1990 e a necessidade de conteúdos voltados à promoção de uma cidadania democrática e que atendam aos interesses da juventude o que requer uma escola acolhedora. Mas a autora também ressalta as dificuldades de implementação na escola das alterações aqui comentadas, tanto as relativas ao currículo, que requerem a participação de docentes com pouco tempo para se dedicar a estudos, quanto das condições em que se encontram as escolas, impossibilitando a ampliação do trabalho escolar de qualidade. Um aspecto que consideramos importante foi levantado pela autora: o baixo investimento financeiro na escola média.

Ainda com relação ao currículo, as alterações iniciadas no ensino médio com as diretrizes curriculares recentemente aprovadas são comentadas por Moehlecke (2012, p. 52-53) que, conforme nosso entendimento sobre as reflexões da autora, não trazem muita novidade:

As principais mudanças ressaltadas abrangem a aprovação da lei n. 11.741/08, que reforça a integração entre o ensino médio e a educação profissional, da lei n. 11.494/07, que garante um financiamento específico a esse nível de ensino por meio do FUNDEB e da emenda constitucional n. 59/2009, que assegura a obrigatoriedade de estudo de crianças e adolescentes dos 04 aos 17 anos.

Moehlecke (2012, p. 53) destaca problemas que persistem desde os anos de 1990 e que, entendemos, reiteram as críticas já desenvolvidas por Zibas e comentadas neste texto:

[...] a busca por uma identidade específica para esse nível de ensino; a inadequação de sua estrutura às necessidades da sociedade; a proposição de um currículo mais flexível; e a valorização da autonomia das escolas na definição do currículo.

Observa-se que, entre as críticas postas às diretrizes para o ensino médio, está a indicação de Moehelecke (2012) de que permanecem ainda problemas relacionados à subordinação ao mercado de trabalho. Para Ciavatta e Ramos (2012), o discurso com roupagem de novidade esconde adequações curriculares que atendem objetivos de reformas internacionais. Nesse sentido, faz-se necessário o esclarecimento das razões da persistência de uma formação voltada ao mercado de trabalho, aspecto que entendemos ter sido esclarecido quando as autoras dizem:

A direção que assume a relação trabalho e educação nos processos formativos não é inocente. Traz a marca dos embates que se efetivam no âmbito do conjunto das relações sociais, sendo parte da luta hegemônica entre capital e trabalho. Assim, ao configurar uma área de conhecimento, os estudos em Trabalho e Educação têm a categoria trabalho e sua historicidade no modo de produção capitalista como central, compreendendo a relação com a educação como uma unidade constituinte historicamente da formação humana, contraditoriamente cindida com a formalização da educação escolar e com a instituição de um tipo próprio para a classe trabalhadora, distinto daquele destinado às elites. (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 17-18).

Por isso entendemos as dificuldades de implementação de uma real formação humana visando à emancipação social, não deixando de reconhecer terem ocorrido experiências que envolveram estudos, discussões e reestruturação curricular, visando a tal propósito, como pode ser exemplificado no Paraná com o ensino médio e profissional tendo o trabalho como princípio educativo no período de governo de Roberto Requião (2003-2010). Compreendemos, também, ser necessária a continuidade dessa bandeira pela formação humana, acreditando poder um dia superar a dualidade presente na formação do ensino médio que tem resultado na reprodução de desigualdades que vêm obstaculizando o desenvolvimento de toda a sociedade e impedido a existência de qualidade socialmente referenciada.

Acreditamos também que a democratização da gestão escolar pode ser fortalecida na organização da comunidade, visando à melhoria da escola de ensino médio, buscando a formação humana, a qualidade para a escola pública, a exemplo da realização das CONAES, na construção do PNE, que deu voz aos segmentos sociais para que indicassem as necessidades que deveriam ser contempladas na educação brasileira e retomaram defesas históricas. Nas escolas, professores e gestão, atentos ao desenvolvimento da educação pública brasileira têm condições de avaliar, dizer e definir que qualidade desejam para o ensino médio público.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir os avanços do ensino médio reforça o permanente pensamento nos passos que ainda temos que dar a fim de que tenhamos esta etapa realmente efetivada para os que por ela passam. Trata-se sempre de analisar o presente com os olhos no futuro, visando à constante avaliação para melhorar a escola que temos, pois entendemos que a análise sem horizontes nos deixa estacionados no mesmo lugar. Como pesquisadores, devemos também ter uma visão prospectiva de que a escola básica de qualidade é possível e necessária.

Compreendemos que a democratização da gestão escolar envolve toda a escola, que esta não se separa da gestão pedagógica e pressupõe concepções norteadoras do projeto pedagógico escolar e a organização escolar. É preciso entender o processo histórico vivido para superar percalços de opções já definidas e vivenciadas. É preciso buscar uma formação que permita aos homens e aos profissionais da educação pensar coletivamente os problemas da humanidade para que procurem a superação dos mesmos de forma a possibilitar um mundo mais justo e humano. A perspectiva privatizadora de educação e de mundo tem mostrado ser um caminho frágil, excludente em seu percurso, inacessível para todos e desigual em seu ponto de chegada. Cabe a nós pesquisadores, professores e gestores a tarefa de pensar a educação e um mundo melhor num futuro que já está em construção.

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