O CURRÍCULO COMO INSTRUMENTO DE ALIENAÇÃO ESCOLAR: UMA EXPERIÊNCIA A PARTIR DAS TERCEIRIZAÇÕES CURRICULARES
Resumo:As políticas públicas educacionais de descentralização do ensino foram amplamente aderidas no país na década de 1990. A partir dessa iniciativa diversos municípios aderiram a esta política com o intuito de maior controle sobre os projetos educativos. No entanto, tais políticas públicas influenciaram diretamente o campo curricular, pois permitiu tanto a construção de currículos quanto adesão de currículos terceirizados. Os impactos gerados pela terceirização curricular e sua influência no trabalho docente e na aprendizagem são foco deste trabalho que se aproximou da realidade de um município no interior de São Paulo para compreender os dilemas trazidos pela descentralização. Para a coleta de dados foi utilizada entrevista semi estruturada, observação participante e análise documental.
Palavras-chave: Currículo; Terceirizações Curriculares; Políticas Públicas.
INTRODUÇÃO
O currículo escolar é local das intencionalidades previstas e articuladas no processo de ensino e aprendizagem das instituições educacionais em qualquer lugar no mundo. Este documento revela qual o valor da educação para uma nação na medida que privilegia certo tipo de conhecimento em detrimento de outros. É lugar que oportuniza mostrar o projeto educacional de um país, estado, município e escola por meio de sua estrutura organizacional curricular e até mesmo pela importância impetrada a este documento escolar.
Inúmeras experiências curriculares tem se acumulado no mundo após o termo currículo ter sido cunhado por volta dos anos vinte nos EUA devido à crescente industrialização do país (SILVA, 2007). Desde então, muitos estudos se preocupam em explicar as interfaces, concepções, consequências e influencias que se inserem dentro do currículo, alguns exemplos de teóricos preocupados com a área curricular podem ser observados a seguir: APPLE (2006); BOBBIT (2004); GIROUX (1986); GOODSON (2004); MOREIRA & SILVA (2001); POPKEWITZ (1997); SACRISTÁN (2000); SILVA (2007); SANTOMÉ (1995); TYLER (1976).
Descrever ou definir o significado de currículo vai além da etimologia da palavra e adentra a seara das teorias curriculares estabelecidas desde o início da teorização. Ao definir e descrever o que é o currículo assumimos uma linha de pensamento que carrega marcas históricas e características distintas acerca das intencionalidades do projeto educacional. A compreensão do currículo como um instrumento político e, por isso, não neutralizado, é essencial para determinar um projeto educacional.
No Brasil, o currículo sofreu inúmeras alterações desde a universalização do ensino. Em sua história podemos verificar que por diversas vezes o currículo foi alterado devido aos seus componentes curriculares, bem como pela alternância de governos e de projetos educacionais para o país, ou até pela ausência de um projeto educacional. Com a derrota da ditadura militar e a formulação da Constituição Federal de 1988, o país passou por um momento de retomada dos direitos sociais e estabelecimentos de direitos, para tanto, os seguimentos como educação e saúde tiveram que passar por várias reestruturações e reformulações (HADDAD, 2008).
Nesse processo, as políticas públicas com pacotes educacionais embutidos como normas de negociação de dívidas externas com o Banco Mundial provocaram uma série de alterações nas ações escolares e no modo de compreender a educação no país (HADDAD, 2008).
A orientação presente nos projetos do Banco Mundial para as reformas na educação em países da América Latina era de uma educação que priorizasse alguns elementos considerados centrais para o órgão, como, prioridade na educação primária, melhoria na eficácia da educação, ênfase nos aspectos administrativos, descentralização e autonomia das instituições de ensino com consequente transferência de responsabilidade de gestão e análise econômica como critério dominante na definição de estratégias para educação (HADDAD, 2008).
Dentre os aspectos educacionais reforçados pelo Banco Mundial, a descentralização do ensino foi amplamente divulgada e ocorreu no Brasil com grande força no Estado de São Paulo e afetou diretamente o currículo das escolas neste estado.
O processo de descentralização da educação trouxe grandes dilemas às autoridades gestacionais que não tinham clareza das vantagens e desvantagens desse processo. Tal processo, no Estado de São Paulo, ocorreu em duas etapas, a primeira focou o ciclo I do ensino fundamental enquanto a segunda etapa objetivou a municipalização, como também ficou conhecido o projeto, do ciclo II do ensino fundamental. Ao mesmo tempo que o projeto visava maior autonomia das instituições educacionais ele trazia questionamentos a gestão municipal em relação a administração e o financiamento da educação bem como a responsabilidade de planejamento educacional (GIUBILEI, 2001).
Na maioria dos municípios do Estado de São Paulo, o processo de descentralização do ensino se deu sob forte desconfiança e pressão dos professores para que não fosse aprovado, pois este não esclarecia completamente, ao menos inicialmente, como ficaria a situação funcional desses profissionais pós municipalização. No livro organizado por Giubilei (2001), a partir de relatos, prefeitos, secretários e representantes de conselho de classe, tinham a sensação de maior poder de decisão com a educação sobre responsabilidade municipal e também, ao menos no discurso, a intenção de maior democracia nas tomadas de decisão para a educação nesses municípios.
Contrariando o desejo dos sujeitos envolvidos no processos de municipalização analisados no livro de Sonia Giubilei (2001), como política pública educacional, a descentralização do ensino foi vista pelos pesquisadores como uma abstenção da responsabilidade do Estado para com o direito a educação, colocando nas mãos dos municípios a obrigação da organização financeira, logística, pessoal e pedagógica da educação no ensino fundamental.
Nos municípios que realizaram o processo de municipalização do ensino básico outros impactos foram sofridos, como, por exemplo, em nível de planejamento escolar. A partir de então cabia ao município construir ou buscar uma estrutura curricular que tivesse características próprias do ensino básico municipal. Existiam, ainda, documentos nacionais (PCN, por exemplo) que embasavam teoricamente o currículo, mas, este poderia se apresentar de forma muito aberta para a gestão municipal, assim cabia ao município a escolha do currículo, ou seja, um modelo teórico curricular a ser assumido para a educação no município.
Com esse desafio para a gestão municipal da educação, os municípios ou se estruturaram na construção de currículos próprios ou buscaram parcerias com empresas que ao fornecer o material didático, compreendido como necessário, também concediam apoio curricular aos municípios. Garcia (2004), ao teorizar acerca do currículo escolar, diz que falta neste documento, no caso brasileiro, identidade cultural que o aproxime das suas raízes e, por isso, os educandos não se sentem contemplados na escola, pois esta fala de um único universo que exclui a grande maioria das diferenças de um povo multicultural. A descentralização do ensino pode ter contribuído para distanciar ainda mais o seu povo da sua cultura nas cidades que optaram pela terceirização de currículos escolares.
Na pesquisa de mestrado, ainda em desenvolvimento, investigou-se a implantação da política pública educacional da descentralização do ensino fundamental de uma cidade do interior de São Paulo e os impactos curriculares sofridos pelo município após a tomada de decisão bem como as implicações, consequências e limitantes para aprendizagem do ensino de ciências para o ciclo I, a partir da análise documental curricular. Tal estudo foi motivado pela aparente não teorização das discussões pedagógicas docentes em relação ao currículo observada através do vínculo funcional do pesquisador com o contexto analisado.
Este texto apresenta parte desta dissertação de mestrado intitulada “As políticas públicas de descentralização da educação e sua influência na estrutura curricular do ensino de ciências em uma escola do interior de São Paulo” realizada no programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul.
METODOLOGIA
A pesquisa qualitativa aplicada a educação caracteriza-se no fenômeno de conhecer as relações sociais bem como seus sentidos e significados para os sujeitos do contexto de inserção da pesquisa com o intuito de compreender como essas relações se dão e interferem no fenômeno educacional (CHIZZOTTI, 1995).
Aprofundar-se na realidade do universo de pesquisa é via indispensável quando se trabalha com a metodologia qualitativa em ciências sociais e educação visto que não se consegue estabelecer relações entre sujeitos e objetos em observações rápidas e meramente superficiais.
Neste estudo almeja conhecer, analisar e compreender como a dinâmica entre políticas públicas de descentralização modificou o currículo em ciências municipal e como essa alteração tem influenciado o currículo e, consequentemente, a aprendizagem do ensino de ciências do ensino fundamental ciclo I dos espaços educacionais públicos municipais, dessa forma, compreender também a influência das políticas educacionais na América Latina.
Para a construção deste artigo foi utilizado três técnicas para coleta de dados que serão apresentados: a observação direta, a análise documental e a entrevista semi estruturada.
A observação é um método de pesquisa social fundamental por possibilitar ao pesquisador uma visão concreta da realidade vivenciada no contexto analisado. Antônio Carlos Gil (1989, p. 104) define a observação como “o uso dos sentidos com vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano” e divide essa técnica em três tipos: observação simples, observação participante e observação sistemática.
Devido à proximidade profissional entre pesquisador e contexto pesquisado na pesquisa foi utilizada a observação participante como método de coleta de dados de informações não previamente previstas das políticas públicas de educação do município e que interferem diretamente na compreensão do currículo, principalmente, no que se refere ao modo de gestão municipal da educação.
A pesquisa documental é necessária quando se deseja conhecer os documentos que estabelecem um paralelo importante dentro de uma pesquisa, visando conhecer o que já tenha sido construído sobre o objeto de pesquisa (MARCONI; LAKATOS, 2007). Ao pensar nos dizeres acima, utilizou-se a análise documental para conhecer e, consequentemente, descrever e analisar o atual currículo do município bem como este encontra disposto e suas considerações acerca do ensino de ciências do ensino fundamental ciclo I.
Desse modo, foram analisados os documentos curriculares do sistema de ensino Sesi disponibilizados pela gestão escolar que são utilizados atualmente no município. Sendo estes: Referenciais curriculares: Introdução ao fazer pedagógico da rede escolar SESI/SP e Referenciais curriculares da rede SESI/SP, que compreendem o arcabouço teórico do currículo trabalhado pelo município; Fazer pedagógico, livro que concentra as orientações para os professores bem como explicita também sua metodologia e, por fim, o Movimento do Aprender que consiste em cinco livros divididos nos cinco anos do ensino fundamental ciclo I direcionados ao educandos.
Foi necessário também buscar entender como o processo de descentralização do município ocorreu para então compreender como atualmente se encontra atividade curricular do ensino de ciências. Diante do dilema e orientada pela gestão escolar foi recorrido a uma entrevista com o ex-prefeito que na época municipalizou o ensino no município com objetivo de conhecer como o processo de descentralização ocorreu e seus intuitos para o município.
A entrevista é um instrumento de coleta de dados que permite ao pesquisador se aproximar do objeto de estudo a fim de compreendê-lo. Suas características são (MARCONI; LAKATOS, 2007, p. 197):
“O entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente uma questão. Em geral, as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma conversação informal.”
Para a entrevista com o ex-prefeito, mentor do projeto de descentralização do município analisado, foi escolhida a entrevista aberta por seu caráter de liberdade de direcionamento de pontos a serem questionados durante a entrevista.
RESULTADOS
O currículo sendo o documento que visa mostrar os objetivos, concepções e estratégias de ensino para a educação torna-se um instrumento político que deve ser assim assumido pelos órgãos que administram e adotam políticas públicas que impactam a organização educacional das instituições escolares. Assim, conhecer o currículo admitido em uma rede de ensino é conhecer as suas intenções políticas acerca da educação.
A rede de ensino observada e analisada neste artigo possui cinco escolas de ensino fundamental e abrange os ciclos I e II que atendem a população. A partir do processo de descentralização do ensino iniciado politicamente no início de 1990 muitos municípios começaram a municipalizar o ensino. A cidade estudada aderiu prontamente ao movimento de municipalização do ensino.
Em entrevista, o ex-prefeito da cidade, e também professor, conta como ocorreu a municipalização e diz que ela fez parte de um processo de redemocratização do país alicerçado após a queda da ditadura militar e foi iniciado na área da saúde, somente depois voltado à educação. Observemos a fala do entrevistado: “Em 1987, já na administração do Tide, eu não sei como eles conseguiram aquilo rapidamente, no quarto ano conseguimos o processo de descentralização da saúde. Iniciamos a redemocratização, mas esse termo era muito vago. O que é redemocratizar? O que é liberdade? Para os parlamentares o objetivo era claro: era estabelecer uma constituição que preservasse e estimulasse a prática da democracia, a liberdade dos indivíduos aqui no Brasil.”
O entrevistado enxerga no processo de descentralização de ensino a via indispensável para um movimento de maior democratização do país e um maior envolvimento da população em relação as tomadas de decisões.
A partir dos dados coletados na entrevista com o ex-prefeito foi possível identificar sua visão e objetivo para com o processo de descentralização do ensino, pois deixa claro em sua fala que acreditava que o processo traria maior controle para o poder local e, dessa forma, contribuiria com uma maior democratização nas tomadas de decisões, como podemos verificar na seguinte fala: “Chegamos à conclusão que deveria ter uma descentralização do poder para tirar a centralidade do governo federal. A ditadura centralizou quase todas as decisões. Começamos a pensar em descentralizar o poder e os recursos financeiros para as prefeituras.”
O entrevistado também nos informou que a organização curricular do município antes do processo de descentralização do ensino era pautada de modo centralizado pelo governo de modo que ficava difícil qualquer participação democrática populacional, como se pode observar a seguir: “Era totalmente pautado no Estado. Ele controlava o currículo. O Estado preso aos parâmetros da união. Eram coisas bem fechadas.” Menciona em vários momentos que tanto os componentes curriculares quanto o material didático eram voltados para um ordenamento do pensamento moral que distanciava a população de itens como a liberdade e a democracia.
Por sua formação docente, a intenção do ex-prefeito com a municipalização do ensino na cidade também estava relacionada com uma maior autonomia para os processos metodológicos dos professores, no sentido que os docentes pudessem construir seus programas de ensino e, assim, construir currículos que permitissem a correta relação entre saber local e científico sempre visando a formação de um cidadão crítico e alicerçado em bases de liberdade e democracia. No entanto, o ex-prefeito relata que após a implementação do projeto descentralizador, a política curricular municipal tomou rumos não previstos muito menos almejados por ele, diz: “Inicialmente eu aboli a apostila e o livro didático. Falei para os professores: “Olha vocês tem que fazer o programa de vocês. Cada professor faz o seu segundo suas concepções, conforme você sabe trabalhar.” E começamos a ter algum sucesso com isso daí, sabe. As crianças começaram a aprender melhor. E eu me animei com isso. Dá certo sim. Embora eu achasse que deveria haver mudanças muito maiores do que essa e que precisaria de mais 4 ou 8 anos de administração voltada com seriedade para educação pra inverter esse marasmo, essa ossificação do processo educativo. Daí aconteceu o que eu temia, o governo que me sucedeu simplesmente fez um estrago na educação.”
O estrago mencionado pelo professor e ex-prefeito consistia na terceirização curricular que ocorreu no município após sua saída do governo municipal. O ex-prefeito tentou implementar no município uma política educacional que visava o contexto local e a chamada de responsabilidade do professor para com o currículo e as estratégias de ensino, para isto, incentivou a práxis pedagógica no professor, mas como perdeu as eleições seguintes seu projeto foi paralisado. O sucessor não deu a mesma importância ao projeto educacional e devido sua falta de formação pedagógica para compreender o que estava em jogo naquele momento, optou por terceirizar o currículo escolar.
Muitas prefeituras aderiram a materiais didáticos de sistemas particulares e outras de sistemas de ensino misto para compor o currículo. Na verdade, junto à compra do material didático, o município adere ao currículo e a uma concepção de ensino por trás do material metodológico. Assim aconteceu também no município observado. Após a saída do entrevistado do governo municipal seu sucessor optou pela terceirização curricular, por meio da qual ocorrer a venda para prefeitura do material apostilado e da formação continuada para os professores fundamentadas em concepções inerentes ao seu currículo. Inicialmente houve a adesão ao sistema COC e, posteriormente, ao sistema SESI/SP.
O sistema SESI de ensino nasceu em 1947 a fim de qualificar as pessoas para o trabalho urbano-industrial, desde lá vem desenvolvendo escolas e sistemas de ensino. Seu objetivo é claramente exposto a seguir (SESI/SP, p. 11 e 12, 2003): “As ações educativas fundamentavam-se em princípios que pretendiam a formação de cidadãos preparados para o trabalho industrial e para a nova dinâmica dos centros urbanos.” As terceirizações trazem problemas velados que aumentam as contradições dentro de contextos educacionais que utilizam seus currículos prontamente acabados e que mostram realidade diversa daquela local. O município estudado possui a maior parte de sua estrutura econômica rural e parte em comércio, a parte economicamente minoritária se concentra na indústria. A contradição trazida pela terceirização curricular se explicita na diferença clara entre foco do currículo SESI e a realidade social e econômica do município, uma não é coerente com a outra, não possuem um objetivo comum pela educação.
O currículo do sistema SESI/SP é composto por quatro instrumentos escritos, dois voltados a explicitar o currículo e sua base metodológica (Referenciais Curriculares e Introdução ao Fazer Pedagógico), um direcionado a prática docente (Fazer pedagógico) e o quarto instrumento a apostila em si que é trabalhada com o aluno (Movimento do Aprender).
Os dois primeiros instrumentos que apresentam o currículo e seus procedimentos metodológicos, embora seja orientado pelo sistema SESI para ter livre acesso a professores, não são utilizados pelos docentes. É um documento que fica restrito ao domínio da gestão e, em relação aos “Referenciais Curriculares”, pouco trabalhado com o professor. O documento que exaustivamente trabalhado com o professor é a “Introdução ao fazer Pedagógico” e o “Fazer Pedagógico” que possuem os processos metodológicos seu foco principal.
É sabido na construção de um currículo uma condição básica para sua viabilização é encontrar um objetivo educacional comum que traga claramente qual formação deseja se priorizar. Temos diversas teorias curriculares que defendem princípios antagônicos para a construção do currículo. É a partir da tomada de decisões curriculares que o coletivo escolar se posiciona politicamente em prol de um projeto de educação e as terceirizações curriculares ocorridas nos município pode ter descaracterizado o processo educacional sob alegação da baixa formação e comprometimento docente, alegando dificuldade para formular currículos próprios que respeitem o contexto natural local.
A tabela a seguir mostra aspectos observados na análise documental dos documentos escolares que regem o currículo do SESI/SP, para a observação foram comparados: o público alvo, objetivo, ensino de ciências, conhecimento e o processo de ensino aprendizagem, prática educativa do professor e a fundamentação teórica.
Dimensões Observadas |
Referenciais Curriculares |
Introdução ao Fazer Pedagógico |
Fazer Pedagógico |
Movimento do Aprender |
Público Alvo |
Professor e gestão |
Professor e gestão |
Professor |
Aluno |
Objetivo |
"Desvelar os movimentos curriculares ocorridos no sistema escolar SESI/SP, especialmente da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, articulando-os ao contexto sociopolítico-econômico, buscando explicitar as concepções de homem, sociedade, conhecimento." |
" (...) Visa apenas iluminar o pensamento dos professores para a elaboração das práticas educativas." |
Concentra-se em orientações metodológicas aos professores. |
Documento que traz uma série de atividades de observação, análise e proposições de sistematização do conhecimento pelo aluno, ou seja, apostila do aluno. |
Ensino de Ciências |
"O ensino de ciências implica na análise crítica do papel das ciências e da tecnologia na real melhoria das condições de vida do ser humano, através da problematização da realidade, formule hipóteses acerca dos problemas, planeje e execute investigações, analise de dados, estabeleça e critique as conclusões." |
"Ensinar ciências não é sinônimo de preparar futuros cientistas, mas a apropriação do conhecimento científico para agir no meio em que está inserido exercendo a crítica e reflexão." |
Entende a ciência através da experimentação, observação e conclusão por meio da práxis do professor. |
Predomina o ensino de ciências voltado a experimentação e pesquisa através dos passos dos procedimentos metodológicos estabelecidos pelo sistema SESI/SP. |
Conhecimento dos Processos de Ensino Aprendizagem |
"Neste sentido, a concepção de educação é aquela que engloba ensino, aprendizagem e pesquisa. A finalidade do processo ensino e aprendizagem é o conhecimento da realidade, tendo como meta transformá-la, visando a construção de um mundo no qual todos possam realizar a sua humanidade." |
"Está prática assume o compromisso de que efetivamente o aluno aprenda o saber escolar e desenvolva competências e habilidades, a fim de utilizá-las para saber viver coletivamente na sociedade e ter condições de inserir-se no mundo do trabalho." |
Ausente |
Ausente |
Prática Educativa do Professor |
"O professor deve criar condições para que haja uma interação entre o aluno, o objeto do conhecimento e o meio sociocultural, sob a ótica sociointeracionista." |
"É favorecer a colocação de perguntas, devendo levar em conta o que o aluno sabe, pois é no diálogo entre o conhecimento deste aluno e o saber escolar que o professor constrói procedimentos metodológicos." |
"Na prática educativa, o professor propõe ações que desvelem os conhecimentos prévios dos alunos, englobando a problematização, ações para sistematização dos significados construídos por esses alunos.” |
Centrada na mobilização do interesse dos alunos por meio da atividade pedagógica do professor através dos procedimentos metodológicos trazidos no Fazer Pedagógico. |
Fundamentação Teórica |
Sociointeracionismo e referencia também Paulo Freire, Jean Piaget, Vygotsky e Wallon. |
"Abordagem sociointeracionista pressupõe uma postura didático-metodológica problematizadora, isto é, por meio do questionamento dos alunos sobre o objeto de estudo e da realidade." |
Abordagem sociointeracionista |
Abordagem sociointeracionista |
A tabela mostra a distância entre a compreensão teórica da concepção de ensino defendida pelo sistema SESI/SP e o que realmente é trabalhado com o professor, embora essa seja uma orientação da gestão municipal e não uma determinação do material. A ideia de articulação entre contexto político e socioeconômico com a concepção de homem na sociedade que é trabalhada nos Referenciais curriculares não é enfatizada no Fazer Pedagógico que consiste no documento trabalhado com o professor. Dessa forma, o professor é induzido pela terceirização curricular a alienar-se uma vez que as políticas públicas educacionais do município não priorizam um ambiente de diálogo e compreensão da concepção de educação vinda com o currículo terceirizado, mas sim de produção de resultados.
Neste artigo entende alienação em sua expressão trazida por Marx contida no Dicionário do Pensamento Marxista de Bottomore (1988) que dizia ser “ação ou estado pela qual um indivíduo, um grupo, uma instituição ou sociedade se tornam ou permanecem alheios, estranhos, enfim, alienados aos resultados ou produtos de sua própria atividade”, é nesse sentido que colocamos a alienação dos professores quando se deparam com políticas públicas educacionais pautadas não por um ambiente dialógico, mas de modo verticalizado pelo poder público.
Ao comparar o emprego do ensino de ciências no material analisado se pode perceber que há uma contradição entre a concepção teórica trazida pelo Referencial Curricular e Fazer Pedagógico e Movimento do Aprender, pois no primeiro está implícito a ideia de articulação entre contexto socioeconômico com a realidade vivenciada, neste caso, na rede municipal de educação. No entanto, ao analisar os livros dos alunos percebe-se que a realidade é forjada por uma padronização de realidades e, no caso do sistema SESI, urbanas, que não condiz com o contexto do município. Não há nenhum indicativo de investigação da realidade do aluno para construir os procedimentos metodológicos e, obviamente no movimento do aprender uma vez que o conceito de investigação da realidade trazido por Freire (1975) não converge com o ensino padronizado e apostilado. Também é importante ressaltar que o Fazer Pedagógico e a Introdução ao Fazer Pedagógico do SESI se utiliza de vários termos cunhados por Freire, como, diálogo e problematização, no entanto, em nenhum momento é explicitado o entendimento que o sistema SESI tem desses conceitos, mas o autor é citado nas referenciais bibliográficas do material analisado. O modo pelo qual são utilizados são distante do proposto por Freire (1975) porque trazem um material pronto para o professor trabalhar.
Outro aspecto observado após a análise documental é que os documentos curriculares não se posicionam firmemente a respeito de qual pensador é utilizado na construção do arcabouço teórico do currículo SESI fato que desfavorece o material. Podemos verificar tal afirmativa quando é observado que colocam, por exemplo, Piaget e Vygotsky para fundamentar um mesmo texto sendo que estes dois autores, embora cada um com sua enorme contribuição à educação, partem diferentes escolas teóricas para explicar o fenômeno da aprendizagem. A mistura de vários autores para conceber seu material mostra fragilidade teórica do material. Talvez este não posicionamento teórico esteja diretamente ligado ao fator mercantil que tentar encaixar o currículo em qualquer contexto educacional tentando deixar assim ele mais comerciável.
Por fim, outras percepções ainda estão em desenvolvimento e serão futuramente articuladas para a defesa do mestrado em andamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, o município compra seu material didático do sistema SESI/SP para os ciclos I e II do ensino fundamental. A decisão sobre a compra do material foi feita administrativamente, em gabinete, os professores não foram consultados a respeito da viabilidade de um material ou outro. Na maioria das vezes, o critério utilizado para a compra é menor valor, o que compromete qualquer tentativa de ação democrática nas tomadas de decisão.
Silva (2007) traz em seu livro uma classificação das diversas teorias curriculares. Desde as teorias tradicionais que centravam os seus currículos sob premissas fabris de educação por resultados até as teorias críticas que vieram para questionar o sistema capitalista de educação por objetivos e por resultado que trouxeram a resistência para o espaço curricular, e, também, as teorias pós-críticas que se embasam no multiculturalismo para determinar qual tipo de cidadão se deseja formar. Todas têm em comum um projeto educacional com foco único que espera determinado resultado a partir de ações planejadas em seus currículos escolares. Dessa forma, o currículo vem definir o tipo de cidadão que se objetiva e por quais meios se alcançará tais determinações, voltando o processo educativo para um único fim.
Dessa forma, consideramos que as terceirizações curriculares impedem esse vínculo necessário entre contexto social – professor – projeto educacional de acontecer, inviabilizando e individualizando as decisões curriculares e educacionais, dificultando aprendizagem uma vez que os dilemas adquiridos nas políticas públicas afetam o trabalho docente e, consequentemente, a aprendizagem.
É possível, ainda, afirmar que o problema é que ninguém se responsabiliza pelo resultado negativo da adoção impensada de uma política pública. Quando é para decidir, as decisões são realizadas administrativamente por intervenção unilateralmente jurídica, mas, para se responsabilizar pelas mazelas trazidas pela decisão unilateral, o ônus é, na maioria das vezes, atribuído aos professores. No município em análise há fala recorrente entre os espaços educacionais que os professores não se comprometem com a aprendizagem dos seus alunos, possuem pouca formação e faltam demais. Não estamos neste texto querendo isentar os docentes de atos que possam dispersar do projeto de educação, mas, tão somente, não pretendemos culpabiliza-los, exclusivamente, pelo fracasso ou problemas escolares. Compreendemos que a tomada de decisão democrática e coletiva é um modo em que se divide e socializa a responsabilidade coletivamente, enquanto na tomada de decisão unilateral de políticas públicas se responsabiliza individualmente o sujeito da ação.
Um outro ponto a considerar é o fato do docente sentir-se esgotado em sua via metodológica, pois nela encontra-se implícito que boa educação precisa de docentes que compreendam o como fazer em detrimento do que fazer e por que fazer. Aqui podemos inferir que o projeto educacional do município centra-se no fazer do professor e que tal concepção se aproxima das teorias tradicionais de ensino, nas quais priorizam o fim educacional por resultados uma vez que exclui seu professorado das decisões curriculares quando impossibilita a discussão de um currículo municipal a partir da adesão a terceirização curricular do ensino. É válido ressaltar que o currículo do SESI/SP não se intitula ou defende a teoria tradicional, se vale do sociointeracionismo como base de suas estratégias de ensino, mas, o município em suas ações de adesão as políticas públicas educacionais aproxima seu projeto educacional a teorias tradicionais ao excluir o professor da tomada de decisões, deixando-o somente com a possibilidade de seguir os procedimentos metodológicos adotados.
Assim, o que consistia na esperança do ex-prefeito na descentralização do ensino poder resultar em maior ganho democrático a população tem o efeito contrário e mantém a atitude arbitraria de impor aos professores e a população o que é mais confortável ao poder público. Portanto, só ocorreu a troca das mãos que assinam as políticas públicas, antigamente o Estado exercia este papel e agora o Prefeito, pois, a gestão educacional após o movimento descentralizador continua a desconsiderando a opinião da população e professores nas tomadas de decisão.
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