O PAPEL FORMADOR DA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO NA GARANTIA DA GESTÃO ESCOLAR DAS INSTITUIÇÕES CONVENIADAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO DISTRITO FEDERAL
Resumo: O estudo tem como objetivo investigar a atuação da Coordenação Intermediária de Educação Infantil da rede pública do Distrito Federal em relação à gestão escolar nas instituições conveniadas que atendem tal etapa. A pesquisa adota como método o materialismo histórico dialético, que compreende que o indivíduo não pode ser analisado separado das suas condições materiais de vida. Como estratégias metodológicas têm-se: análise documental, observação e entrevista. É possível inferir que o trabalho da coordenação implica em uma ação importante no acompanhamento dessas instituições, possibilitando a interlocução com os gestores e a disseminação das propostas pedagógicas da SEEDF. Contudo, é importante ressaltar que existem algumas lacunas em relação às condições de trabalho e de formação.
Palavras-chave: Gestão pedagógica; Educação Infantil; Instituições Conveniadas.
PARA INÍCIO DE CONVERSA
A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) tem uma organização que pressupõe três níveis de atuação: o nível central, composto pela Subsecretaria de Educação Básica (SUBEB), que tem como principais coordenações a Coordenação de Educação Infantil (CEINF), a Coordenação do Ensino Fundamental (COENF) e a Coordenação do Ensino Médio (COEMED); o nível intermediário, que acontece nas Coordenações Regionais de Ensino (CRE), as quais se organizam em diferentes gerências - sendo a Gerência de Educação Básica (GEB) a responsável pelo acompanhamento pedagógico das instituições públicas e conveniadas; e o nível local, no qual tem-se, em cada unidade escolar coordenadores pedagógicos locais, que atuam diariamente junto aos professores.
As CREs acompanham os aspectos pedagógicos e financeiros das instituições públicas e conveniadas. Diante disso, e por força das Portarias 42 e 43, dentro das GEBs existem coordenações intermediárias subdividas entre as etapas de ensino e os tipos de atendimento existentes na logística da SEEDF, ou seja, a Coordenação Intermediária de Educação Infantil faz parte dessa organização.
A Coordenação Intermediária de Educação Infantil (CI) tem direito a dois coordenadores e um executor pedagógico para cada três convênios. Essa organização é direcionada pelas Portarias nº 42 de 2013 e nº 43 de 2014, que explicam o papel do executor pedagógico no acompanhamento dos convênios. Por seu caráter essencialmente pedagógico, essa Coordenação, em linhas gerais, é responsável por acompanhar o trabalho desenvolvido nas instituições que ofertam a Educação Infantil.
Nesse contexto, a pesquisa se problematiza a partir da seguinte questão: como se configura a atuação da Coordenação Intermediária na Educação Infantil em relação à gestão escolar nas instituições conveniadas? Assim, os objetivos da pesquisa são: analisar a atuação da Coordenação Intermediária in loco; pesquisar junto às instituições atendidas como percebem o trabalho dessa Coordenação; compreender a relação entre os coordenadores intermediários e os gestores; identificar se a Coordenação Intermediária propõe formações de cunho pedagógico e como acontecem. Nessa proposição, tal pesquisa se adequa a proposta do eixo Gestão pedagógica, organização curricular e qualidade da educação de forma a contribuir com a temática ainda pouco explorada.
A fim de justificar a relevância dessa pesquisa, verificamos a existência de fatores que interferiram na escolha do tema, que se justifica a partir de quatro níveis de relevância: pessoal, acadêmica, profissional e social. No nível da relevância pessoal, há de se considerar que o interesse por essa temática já fazia parte das reflexões desde que iniciamos a docência, pois a etapa da Educação Infantil foi campo de atuação durante um período. Quanto à relevância acadêmica, destaca-se a contribuição que esta temática traz para o âmbito científico, por sua novidade e por existirem pesquisas em número ainda incipiente sobre a temática. Trata-se de um assunto de caráter prospectivo, que pode gerar inúmeras investigações a partir de sua realização. Diante disso, a opção é discutir o trabalho em eventos importantes e que tem como primazia a divulgação de pesquisas. No nível da relevância profissional, este assunto pode contribuir para o desenvolvimento do trabalho do gestor e coordenador escolar. A relevância social se caracteriza pelo conhecimento do tipo de relação estabelecida entre a Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal e as instituições conveniadas, já que a mesma significa o uso de recursos públicos por instituições privadas sem fins lucrativos e como acontece a atuação da Coordenação de Educação Infantil.
DIALOGANDO COM A TEORIA
A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica e tem como objetivo “o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade” (BRASIL, 1996). Na perspectiva da integralidade, o desenvolvimento infantil evidencia a indissociabilidade do educar, cuidar, brincar e interagir no atendimento às crianças. A oferta dessa etapa é dever do Estado e pode ser disponibilizada em instituições próprias creches (de 0 a 3 anos) e pré-escolas (de 4 e 5 anos), em jornada integral ou parcial.
Vale ressaltar que o atendimento à primeira infância é preocupação recente na história da educação brasileira e a efetivação da universalização da Educação Infantil, via política pública, deu-se somente no ano de 2014, a partir do Plano Nacional de Educação (PNE), que é uma lei ordinária com vigência de dez anos, prevista no artigo 214 da Constituição Federal. O texto traz:
Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL, 2014, p. 33).
Apesar de ser um grande avanço, essa meta tem como fragilidade a não garantia de atendimento pleno às crianças de 0 a 3 anos em creches, ou seja, uma quantidade considerável de crianças ainda não tem esse direito garantido, e, por conseguinte, as mães trabalhadoras são obrigadas a pensar em alternativas quanto aos cuidados com seus filhos, pois as mesmas não podem abrir mão do trabalho devido às relações impostas pelo capitalismo.
No Distrito Federal, como meio de garantir a oferta de Educação Infantil, lançou-se como política pública a possibilidade de instituições sem fins lucrativos que possuem prédio próprio e/ou que estejam dispostas a gerir em prédio público, através dos CEPI (Centros de Educação da Primeira Infância), se conveniarem ao GDF. Este último repassa recursos financeiros para o atendimento educacional às crianças na primeira etapa da Educação Básica, desde que as instituições atendam aos critérios estabelecidos por legislação. Essa ação pressupõe o cenário de terceirização da educação pública, já que parte da responsabilidade dessa universalização fica delegada ao poder privado, via instituições filantrópicas que contratam funcionários baseados no regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com salários inferiores e condições de trabalho em que a possibilidade de diálogo e negociação é menor quando comparados aos docentes que atuam nas escolas públicas do Distrito Federal (DF).
Para operacionalizar o conveniamento, as Coordenações Regionais de Ensino (CRE) selecionam, dentre os professores da rede pública, profissionais com o objetivo de acompanhar e orientar as políticas públicas relativas à Educação Infantil, para compor a Coordenação Intermediária dessa etapa composta por coordenadores e executores pedagógicos. Este compõe a Coordenação Intermediária da Educação Infantil precisa, de acordo com Orientações Pedagógicas do Convênio entre a SEEDF e Instituições Comunitárias, Confessionais ou Filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta da Educação Infantil:
visitar, semanalmente, as unidades sob sua responsabilidade, a fim de orientar e acompanhar o cumprimento e a implementação dos seguintes documentos: Orientações Pedagógicas do Convênio entre a SEEDF e Instituições Comunitárias, Confessionais ou Filantrópicas sem fins lucrativos para a oferta da Educação Infantil; o Currículo em Movimento da Educação Básica, em especial, Educação Infantil da SEEDF; as Diretrizes de Avaliação Educacional Aprendizagem, Institucional e em Larga Escala 2014-2016; o Projeto Político-Pedagógico da Instituição, o preenchimento do Relatório Descritivo Individual do Aluno (RDIA), do Diário de Classe, do Registro Diário das Atividades Complementares, do Relatório de Acompanhamento da Execução Pedagógica, Relatório Semestral. (DISTRITO FEDERAL, 2015, p.6)
Diante dos fatores citados acima, tem-se uma Coordenação central com encontros mensais com a coordenação intermediária, através dos quais são pensadas ou repassadas políticas públicas e ações relativas à educação infantil. Feito isso, a coordenação intermediária, que é a que tem contato direto com as instituições discute, propõe formações e tem contato estreito e semanal com a gestão escolar das conveniadas. O modo como esse acompanhamento/orientação acontece é o foco dessa investigação.
Com base nas ações descritas é possível considerar que a gestão escolar acontece via trabalho de parceria entre os responsáveis pela gestão pedagógica (diretor pedagógico e coordenadores) das instituições conveniadas e a Coordenação Intermediária. Para referenciar o objeto de estudo dessa pesquisa é importante a compreensão do papel que exerce o Coordenador Pedagógico Intermediário e suas particularidades, pois este tem algumas atribuições específicas que diferenciam o seu trabalho do Coordenador Pedagógico local. Desse modo, o Regimento Escolar das Instituições Educacionais da Rede Pública de Ensino do Distrito Federal no Capítulo IV Seção I estabelece:
Art. 23. O Coordenador Pedagógico Intermediário deverá: I - participar da elaboração, da implementação, do acompanhamento e da avaliação da Proposta Pedagógica da Coordenação Regional de Ensino; II - orientar, acompanhar e avaliar a implantação e a implementação da Proposta Pedagógica das Instituições Educacionais; III - apoiar e orientar os docentes no planejamento, na execução e na avaliação, inclusive das atividades diversificadas; 25 IV - acompanhar e avaliar, junto ao coordenador da instituição educacional, o processo pedagógico, a dinamização dos Temas Transversais, garantindo a interdisciplinaridade e a contextualização, e propor o redimensionamento necessário, em articulação com as Diretorias da Subsecretaria de Gestão Pedagógica e Inclusão Educacional; V - participar de reuniões de estudo e de troca de experiências com os demais coordenadores; VI - desencadear ações, visando à formação profissional dos professores, tais como: reuniões, palestras, debates, seminários e eventos; VII - criar condições e orientar a produção e a utilização de materiais de ensino e de aprendizagem, inclusive material alternativo, bem como estimular e divulgar experiências pedagógicas bem sucedidas, desde que autorizadas pelo idealizador; VIII - elaborar relatório das atividades desenvolvidas e encaminhá-lo, bimestralmente, e também quando solicitado, ao diretor que, após análise e pronunciamento, fará seu encaminhamento à Subsecretaria de Gestão Pedagógica e Inclusão Educacional; e, IX - atender às instituições educacionais que não dispuserem de Coordenador Pedagógico; X - acompanhar os resultados do Sistema de Avaliação do Desempenho das Instituições Educacionais do Sistema de Ensino do Distrito Federal – SIADE e promover atividades que visem à melhoria dos mesmos. (DISTRITO FEDERAL, 2009, p.13)
Assim, percebe-se que é papel desse Coordenador intermediar as políticas adotadas pela SEEDF e dar suporte às unidades educacionais e a seus profissionais, tanto nas questões administrativo/pedagógicas, quanto propiciar atividades que favoreçam a formação e reflexão. Para entender de que forma esse trabalho se efetiva faz-se necessário discorrer, em linhas gerais a questão da gestão.
A gestão escolar nasceu da tentativa de superar os paradigmas da administração escolar que era centrada na hierarquia para a tomada de decisões, um manda e todos executam, para uma gestão democrática que tem como meta principal a participação dos sujeitos na tomada de decisões e na busca de soluções para os problemas (LUCK, 2000).
Segundo Luck (2000) existem dois modelos básicos: o da administração escolar, baseada na gestão autoritária, a qual considera os gerentes (equipe técnica) como intelectuais, guardiões das decisões estabelecidas, responsáveis em repassar informações, controlar, supervisionar e "dirigir" o fazer escolar de acordo com as normas estabelecidas pelos diretores e o da gestão democrática que busca a participação de todos os sujeitos, a fim de possibilitar um trabalho coletivo. Luck (2006) corrobora essas afirmações ao dizer que o termo gestão possibilita superar o enfoque limitado de administração, de modo a assumir que os problemas educacionais são complexos e necessitam de uma visão global e abrangente, assim como ações articuladas, dinâmicas e participativas.
A gestão escolar, um dos focos dessa investigação, tem como principal questão a garantia de aprendizagem e por isso está relacionada de modo mais estreito aos estabelecimentos de ensino e como esses são geridos no que tange ao pedagógico por diretores e coordenadores. A LDB de 1996 foi a precursora entre as leis na área da educação a colocar holofote na questão da gestão, atribuindo um importante número de incumbências às unidades escolares. Nessa direção, Libâneo (2003) defende que a direção é um princípio e função da gestão, mediante a qual é focado o trabalho conjunto das pessoas, orientando-as e integrando-as frente aos objetivos propostos.
Segundo Luck (2009) a gestão escolar tem como ação primordial o planejamento, a organização, a liderança, a orientação, a mediação, a coordenação, o monitoramento e a avaliação dos processos necessários à efetividade das ações educacionais orientadas para a promoção da aprendizagem e formação dos alunos. Ou seja, é a gestão escolar que dá os subsídios para a atuação do diretor e coordenador pedagógico das unidades escolares e é papel do coordenador intermediário acompanhar diretamente essa gestão.
Para compreender o trabalho realizado faz-se necessário um olhar investigativo e criterioso e para isso lança-se mão de uma metodologia baseada no materialismo histórico dialético.
CAMINHOS TRILHADOS
É pelo materialismo histórico dialético que atingiremos os objetivos para tal pesquisa, compreendendo que o indivíduo não pode ser analisado separado das suas condições materiais de vida e que a realidade é um todo inacabado, formado por contradições, ou seja, a adoção desse método se explica pela necessidade em se compreender o objeto de forma ampla em suas relações com outros elementos que constituem a realidade (TRIVIÑOS, 2010).
No panorama da SEEDF tem-se quatorze CREs e o atendimento da Educação Infantil, segundo dados referentes ao ano de 2015, estava distribuído da seguinte forma: 95 instituições conveniadas e 236 instituições públicas; 14.353 crianças atendidas nas Conveniadas e 33.871 nas Públicas. Dessas 95 instituições Conveniadas, a Regional que tem o número mais expressivo é a CRE de Samambaia com 19.
Como é possível perceber, a CRE que atende o maior número de instituições conveniadas, e consequentemente, tem a maior equipe de coordenação intermediária de Educação Infantil é a CRE de Samambaia. A realidade em números é a seguinte: Escolas públicas que atendem Educação Infantil: 10; Centros de Educação Infantil (CEI): 2; Instituições Conveniadas: 19; Professores: 353; Monitores das Conveniadas: 450; Coordenação Intermediária de Educação Infantil: 7 coordenadores; Alunos das Conveniadas: 2.617; Estudantes das escolas públicas: 2273. Os números demonstram o desafio da CI, pois seu trabalho está relacionado de modo direto e indireto, acerca de 1.000 profissionais e tem como objetivo primordial garantir o educar, cuidar, brincar e interagir para as crianças como previsto nos documentos da SEEDF. Diante disso, e por compreender a importância de se buscar a essência do objeto de estudo, fez-se a escolha pela regional de Samambaia. Esse fato configurou como sujeitos participantes da coleta de dados sete coordenadores intermediários e dezenove gestores de instituições conveniadas. Todos eles têm uma estreita relação com o problema da pesquisa, o qual busca a compreensão da atuação da Coordenação Intermediária na Educação Infantil em relação à gestão escolar nas instituições conveniadas.
A fim de detalhar as ações realizadas no decorrer da pesquisa, durante o desenvolvimento do método, o processo metodológico usou como meio de coleta de dados a observação sistemática, entrevistas com os gestores e coordenadores intermediários, análise dos documentos da SEEDF acerca da Educação Infantil e do trabalho desenvolvido pela CI.
A observação sistemática, a qual requer um planejamento para registro dos fenômenos a serem observados, registrados em documentos, possibilitando o emprego de mensuração qualitativa e quantitativa. Essa ação foi feita ao longo do ano de 2015, sendo que, para garantir uma inserção maior na realidade, optou-se por fazer observação do contexto da atuação da coordenação intermediaria junto à gestão escolar das instituições conveniadas, no primeiro semestre do presente ano com periodicidade semanal. O modo de registro dos dados foi o diário de bordo, no qual eram anotadas as impressões dos pesquisadores acerca das ações da coordenação intermediária e o outro instrumento analisado foi a ficha de visita, preenchida pelos CIs durante as inserções no cotidiano escolar.
A entrevista é uma das fontes de informação mais importantes para se coletar dados nas pesquisas realizadas em Ciências Sociais (GIL, 2010). O tipo de entrevista selecionada, a semiestruturada, se deu em razão de haver certo direcionamento de perguntas que servem de roteiro para o entrevistador e orientam a coleta de informações, sem cercear o entrevistado. Triviños confirma essa relevância e afirma que “desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na elaboração do conteúdo da pesquisa” (TRIVIÑOS, 2010, p.146). As entrevistas ocorreram ao longo do segundo semestre de 2015 e se deram de acordo com a disponibilidade de tempo dos sujeitos da pesquisa.
As entrevistas e observações foram transcritas, lidas e analisadas tendo como orientador do olhar o método materialista histórico dialético, ou seja, com a intenção de ultrapassar os limites do que está aparente e chegar até a essência real dos fatos. Sem bastar apenas o que é visível aos olhos, pois é como Kosik (1976) aponta, o conhecimento da realidade, em sua objetividade, requer a visibilidade do que é concreto. O fenômeno estudado revela, assim, suas complexidades, suas conexões internas, as leis de seu movimento e evolução, enfim, a sua totalidade histórica. Dessa forma, ao perpassar pelas determinações dessa relação entre SEEDF e os convênios vamos da apreensão do real imediato, isto é, a representação inicial do todo, que no caminhar da pesquisa é convertido em objeto de análise por meio do processo de abstração, resultando numa apreensão do concreto pensado, o qual agora é apreendido não mais no que é imediato, mas em sua totalidade concreta.
DIALOGANDO COM A REALIDADE
A partir dos dados coletados, desvelaram-se as tramas oriundas da relação entre SEEDF, via atuação dos CIs, e instituições conveniadas, por meio de seus gestores e coordenadores, e, consequentemente, fez-se o caminho do abstrato ao concreto. Esse caminho permitiu a construção dos seguintes eixos de análise: formação continuada; condição de trabalho; gestão pedagógica/escolar.
Quanto ao eixo formação continuada, as observações dos momentos de visita in loco, que aconteceram semanalmente, e as entrevistas permitem a análise de que a dinâmica do trabalho proposto propicia uma diversidade de interações entre a CI e os gestores escolares. Uma das questões de destaque nas entrevistas com os CIs e gestores, foi o caráter formativo. É possível destacar a formação acontecendo em três âmbitos: 1. direcionadas pelo nível central; 2. a partir da percepção de lacunas teórico-práticas relativo às ações dos profissionais da instituição; e 3. solicitadas diretamente pelas instituições.
Em relação ao nível central, a CEINF propõe três dias de Formação em Rede dos Profissionais da Educação Infantil. Nesses, os profissionais têm os dias dedicados à formação. A presença nesses momentos é grande e participativa, e esse fator pôde ser percebido durante observação sistemática ao longo da pesquisa. No ano de 2015 a temática orientadora dos dias de formação girou em torno da escuta sensível para a (re)construção do Projeto Político-Pedagógico (PPP), uma das intenções da coordenação central é criar um documento balizado por necessidades das crianças e instituições conveniadas, a fim de que o mesmo fomente políticas públicas direcionadas para a educação infantil.
A respeito das formações demandadas a partir das lacunas teórico-pedagógicas, é possível inferir que no relato dos CIs fica claro que durante as visitas semanais, e consequente diálogo com os gestores, surgem temáticas que precisam ser mais bem elaboradas e/ou conhecidas para permitir uma gestão pedagógica voltada para os quatro eixos da educação infantil. A estratégia pedagógica que a coordenação encontrou de possibilitar que esse conhecimento fosse dialogado foram as formações de grande porte, além das já propostas pelos dias de formação, que versaram sobre as seguintes temáticas: Currículo em Movimento; o PPP como identidade da instituição; e o Desenvolvimento infantil atípico.
Outro ponto que precisa ser citado é a opção da CI de Samambaia em incluir os monitores em todas as formações. Segundo relatos coletados nas entrevistas, a formação, normalmente, era garantida somente aos professores e a dos monitores ficava a cargo da instituição. Porém, durante as visitas in loco, a CI percebeu uma fragilidade na formação dos monitores e por isso, fez essa opção. Tal ação foi muito mencionada durante as entrevistas com os gestores escolares como atitude diferenciada, que influenciou diretamente na melhoria da gestão escolar, já que possibilitou discussões e maior conhecimento da lógica de funcionamento da SEEDF no que tange aos aspectos pedagógicos por parte desses profissionais, bem como, segundo fala dos gestores, “depois das formações os monitores estão muito mais interessados e engajados nos planejamentos pedagógicos” (Gestor 3), “os monitores se sentem mais seguros e mais à vontade para dar opiniões” (Gestor 14).
Já sobre as formações solicitadas diretamente pelas instituições, eram atendidas de acordo com as possibilidades físicas e materiais dos CIs e aconteciam in loco no horário de coordenação dos professores. Quando esses não conseguiam atender plenamente, eles disponibilizavam textos acerca da temática para que fossem alvo de estudo durante o período de planejamento dos profissionais da instituição e os mesmos se colocavam à disposição para maiores esclarecimentos.
A grande maioria dos gestores afirmou que as formações e as visitas semanais fazem diferença direta no tipo de atuação deles junto aos professores na instituição, pois os coordenadores intermediários esclarecem e pontuam fatores que precisam ser melhor trabalhados. Um exemplo citado por alguns gestores é o fato da construção e permanente reconstrução do PPP e como essa ação foi diretamente acompanhada e orientada. Por meio da análise realizada é possível perceber uma escolha clara da CI pela formação como potencializador da qualidade do ensino ofertado para os alunos de 0 a 5 anos e esse objetivo foi em parte alcançado, porém algumas formações se deram de modo aligeirado e sem a devida profundidade que o assunto demandava.
Outro ponto de análise são as condições de trabalho dos CIs, pois os mesmos tinham muitas demandas para a quantidade de afazeres propostos pelo nível central. E, por conseguinte, algumas vezes as instituições externaram, nas entrevistas e em algumas falas recolhidas nas observações, um excesso de demandas, como afirmado pelo Gestor 18 “Nossa, a gente tem que dar conta disso tudo mesmo? O nosso dia a dia é muito corrido e algumas vezes fica difícil realizar essas ações no tempo proposto”.
É importante ressaltar que a ação da SEEDF de garantir, em calendário escolar, no mínimo três dias de formação com temáticas específicas da infância é um indicador importante de que existe uma preocupação com a formação continuada. Porém, a questão dos tempos, espaços e condições para esses momentos de formação precisam ser melhor discutidos e construídos com as instituições conveniadas e as coordenações intermediárias.
No que tange ao eixo sobre as condições de trabalho, a análise dos dados mostra que existe uma tensão e um sentimento de incompreensão quanto à natureza da relação de trabalho e salarial presente nas instituições conveniadas em comparação as instituições públicas, pois os gestores se sentem desfavorecidos, haja vista que ofertam o mesmo tipo de atendimento e tem condições trabalhistas muito diferenciadas, conforme observado nos relatos dos gestores “fica tudo na responsabilidade do gestor e a gente ganha muito menos do que os diretores das escolas públicas” (Gestor 2). “Faço a mesma coisa que eles e sou muito mais cobrado, recebendo menos” (Gestor 10).
O CI também pode ser visto como elo de comunicação entre a luta pelos direitos das conveniadas e a SEEDF, pois possibilita que as reivindicações das conveniadas sejam ouvidas. Foi possível perceber que os coordenadores até tentavam levar as questões para serem discutidas na sede, porém são pouco considerados, como sinalizado pelo Coordenador 2 “eu até tentava ser a voz dos gestores, levando a reivindicação dos mesmos, mas na maioria das vezes, ouviam e não acontecia nenhuma mudança efetiva”, “Nos sentíamos, muitas vezes, frustrados e impotentes diante de algumas situações” (Coordenador 6).
Além disso, durante as observações percebeu-se que em algumas instituições há certa tensão em relação à presença do representante da SEEDF, que é o CI/executor pedagógico, pois alguns gestores e a ação de alguns coordenadores acabam por enfatizar o papel fiscalizador que também é inerente à função, como consta nas Portarias 42 e 43. Foram presenciadas algumas situações quanto a esse fator, tais como: com a chegada do CI os gestores ficavam mais apreensivos e iam aos diversos setores avisando acerca da presença do mesmo. Percepção de certo constrangimento do gestor em tratar de alguns assuntos com a coordenação intermediária, esse fator é corroborado pela fala do Coordenador 5: “nas primeiras vezes que cheguei na instituição percebia um certo corre-corre. É como se eles tivessem que disfarçar qualquer pendência. Me sentia muito mal e conversamos no grupo sobre como tornar essa relação mais pedagógica e menos fiscalizadora.” Nas entrevistas ficou claro que a maioria dos coordenadores focavam seu olhar nas questões pedagógicas e dialogavam com os gestores, a fim de encontrar saídas para os problemas detectados. Em contrapartida, em alguns momentos, os coordenadores usavam a força da Portaria e documentos para garantir que algumas ações fossem implementadas. Ou seja, as relações de trabalho influenciam diretamente na gestão escolar.
Em relação ao eixo de análise sobre a gestão pedagógica, os dados demonstram que a relação entre CI e o gestor é marcada por uma certa proximidade, devido ao fato de que o coordenador está presente na instituição e dialoga diretamente com o gestor semanalmente, esse fator implica em um conhecimento do modo de pensar e agir por parte da gestão e isso pode ser um fator que contribui para momentos de formações pontuais in loco e também momentos de tensão por causa da problemática do cotidiano escolar versus demandas que as instituições tem que seguir a partir dos direcionamentos da Secretaria. Esses fatores trazem à tona a necessidade de compreensão de que a relação entre gestor e coordenação intermediária está atravessada por subjetividades, bem como vários documentos da SEEDF que normatizam a ação do coordenador. Isso, muitas vezes, gera uma dificuldade de estabelecimento de uma parceria mais efetiva e transparente, que possibilite colaboração para que as questões pedagógicas, pertinentes ao cotidiano escolar, sejam discutidas de forma mais fluída e significativa.
É papel do coordenador intermediário garantir a fluidez de comunicação, repassando, ou em algumas vezes problematizando, as informações, orientações e direcionamentos que vem do nível central. Como exemplo do fato citado acima, temos a seguinte fala do Coordenador 1: “em nossa última reunião mensal ficamos sabendo que no ano que vem, eles (o governo) vão aumentar a quantidade de alunos por turma sem melhora nas condições de trabalho e da quantidade de profissionais, não acho isso justo. Isso é sucatear o atendimento.” Complementa o Coordenador 7 “nós não temos poder de mudar a situação do aumento do número de crianças. De qualquer modo, colocamos o nosso posicionamento e vamos discutir isso com as instituições. ” Esse fator demonstra que existe por parte dos CIs uma preocupação com a qualidade do ensino ofertado e, ao mesmo tempo, com a relação que eles têm com os gestores. Porém, fica claro que a ação dos mesmos fica limitada pelas relações de trabalho e poder estabelecidas.
Outra ação observada foram os Fóruns entre os CIs e a equipe gestora das unidades escolares, pois os mesmos se configuraram como momento de estudo e diálogo aberto sobre os desafios pedagógicos que as instituições enfrentavam. Os apontamentos de estratégias pedagógicas eram pensadas coletivamente. Em determinados momentos de observação, foi possível perceber, que os fóruns também eram utilizados pelos CIs para normatizar ações algumas vezes com tom autoritário, ainda que conduzidos de modo sutil. Ou seja, as relações de poder estavam presentes.
Enfim, os eixos de análise acima apontados reverberam que a atuação da Coordenação Intermediária se configura pela relação estreita com os gestores escolares, ainda que marcada por questões de relações de trabalho, e o principal viés de ação é a formação continuada como promotora do acompanhamento e orientação das estratégias de gestão escolar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Baseado na epistemologia materialista histórico dialético o presente estudo não se limita em constatar ou descrever somente a relação que se estabelece entre a SEEDF e as instituições conveniadas de educação infantil, nem estabelecer conexões superficiais entre os fenômenos. Trata-se de uma tentativa de não perder de vista o fato histórico fundamental de que vivemos numa sociedade capitalista.
Imbuídos dessa consciência e retomando os objetivos da pesquisa tem-se que a atuação da Coordenação Intermediária in loco acontece de modo efetivo e tem vários desdobramentos, entre os quais se destacam: o acompanhamento e orientação em relação a gestão pedagógica; a possibilidade de fluidez da comunicação entre o nível central e o nível local; a ação direta junto às instituições com formações baseadas nas necessidades, tanto centrais quanto locais; a proposição de momentos de diálogo coletivo acerca da gestão escolar; relações de trabalho ora pautadas na parceria, ora na hierarquia; relações trabalhistas diferenciadas; preocupação acerca das políticas públicas que envolvem essa etapa de ensino; precarização das condições de trabalho. As instituições compreendem o trabalho da CI como necessária e organizadora do trabalho pedagógico, porém o caráter fiscalizador ainda é significativo.
A Secretaria de Educação do Distrito Federal tem como meio de potencializar sua ação junto às instituições conveniadas e de garantir que o trabalho das mesmas esteja em consonância com as políticas públicas, a criação e manutenção das coordenações nos níveis central, intermediário e local. Os documentos e pesquisa realizada demonstram que a Coordenacao Intermediaria, que está lotada nas CREs e tem relação direta com as instituições conveniadas, são o meio de proporcionar ações que imprimem o papel formador da Secretaria, garantindo que a gestão escolar seja orientada, acompanhada e formada no âmbito das instituições conveniadas.
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