A GESTÃO DEMOCRÁTICA NA PERSPECTIVA DOS SERVIDORES DE UMA INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE EDUCAÇÃO

Resumo: Trata-se de um estudo de caso, de viés qualitativo, que teve como objetivo investigar os desafios e as possibilidades da prática de Gestão numa unidade do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, na perspectiva democrática. Como instrumento para coleta de informações optou-se pela entrevista semiestruturada aplicada a oito servidores do campus. Entre os principais resultados a pesquisa aponta para a existência de um pluralismo no tocante ao conceito de Gestão Democrática entre os servidores. Tal pluralismo é interpretado como um dos elementos que está na origem das críticas efetuadas pelos servidores às práticas de Gestão da unidade, bem como, um dos responsáveis pela desmotivação e ausências dos servidores nos fóruns de discussão apropriados.

Palavras-chave: Gestão; gestão democrática; educação.


INTRODUÇÃO

Gestão é um processo administrativo que se desenvolve sob determinada orientação política, seja interna ou externa. No contexto das instituições de ensino não poderia ser diferente. Segundo Bordignon e Gracindo (2000), a gestão da educação é um processo político administrativo contextualizado. Sob o viés democrático, implica a participação dos membros da comunidade escolar nos processos decisórios. Essa questão, da participação, é que me suscitou o interesse pela busca de compreensão quanto ao conceito de Gestão Democrática na concepção dos servidores do IFRS.

Entende-se que a escola é uma organização social, cultural e humana e, por essa razão, requer que cada sujeito partícipe tenha o seu papel definido num processo de participação efetiva para o desenvolvimento das propostas a serem executadas.

Nesse cenário, os gestores são os principais responsáveis pela condução de uma política que promova o atendimento às necessidades e aos anseios dos que fazem a comunidade escolar. Porém, nos últimos anos, vem se percebendo uma forte tendência da lógica da gestão gerencialista e capitalista nas instituições de caráter público e, por consequência, nas escolas. Essa tendência, na busca da eficiência e de indicadores de resultados, na maioria das vezes somada ao acúmulo de trabalho do docente, passa despercebida pelas instâncias decisórias, ou seja, a relevância da educação e os fins devidos muitas vezes não são prioridades.

Partindo desse contexto, entende-se que a escola junto da comunidade escolar deveria intervir nas práticas de gestão no sentido de promover a Gestão Democrática como prática mediadora do trabalho pedagógico.

Este trabalho, respaldado nas ideias de alguns dos principais autores da área da Administração e também da Educação (Libâneo, 2012; Paro, 1986; Oliveira, 2002), teve como objetivo investigar os desafios e as possibilidades de implementação de uma Gestão Democrática no Instituto Federal do Rio Grande do Sul Campus Osório.

JUSTIFICATIVA

Minha trajetória profissional sempre esteve ligada a lógica da empresa privada. Formada em Ciências Contábeis e com foco na administração de empresas, meu caminho forjou-se principalmente na gestão das empresas. Inserida em uma estrutura hierárquica bem definida, e ao longo de dezoito anos, desempenhei os papéis de gestora na busca de resultados positivos para empresas e cumpridora de metas. Porém, nos últimos cinco anos, tornei-me professora. Nos primeiros dois anos, docente de uma instituição particular de ensino, e nos três últimos, professora concursada com dedicação exclusiva (DE) de uma instituição pública de ensino. Diante desse histórico, é inevitável não fazer comparações entre as referidas instituições, no que toca as suas diferenças e semelhanças de gestão. 

Tal contexto de contradições me gerou inquietações a respeito do conceito de Gestão Democrática e, por que não dizer, posto à prova algumas convicções que tinha até então, resultantes, em sua maioria, de experiências como gestora em empresas de natureza privada.

O conflito entre as minhas convicções e questionamentos e as intermináveis discussões nos ambientes da instituição motivaram investigar quais os pressupostos e conceitos que delineiam a Gestão Democrática numa instituição de ensino públicoe refletir sobre a temática. A análise do conceito de Gestão Democrática se justifica a partir da compreensão de que as instituições educativas são o lócus onde se efetiva o encontro de pluralidade de concepções de mundo, de sociedade, de homem, etc.

Nesse sentido, parto do entendimento de que, com o passar do tempo, é possível que o conceito de Gestão Democrática seja utilizado nas instituições públicas sem a devida reflexão sobre seus reais significados. Muitas vezes, apenas como slogan, servindo a diferentes interesses, ideologias e, não raro, sendo tratado como solução para todos os males da educação (APPLE, 2013).

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

O conceito de gestão, gestão democrática e educação, por natureza, expressam multiplicidades de nuances a respeito de seus entendimentos. O conceito de gestão, por exemplo, envolve termos como controle, produtividade e eficiência. Quando ambos são utilizados para formar um terceiro conceito – no caso, Gestão Democrática – e este relacionado ainda ao contexto escolar, não há dúvidas de que se torna mais complexo.

Ao tentar entender como se dá a Gestão Democrática numa instituição de ensino, há de se levar em consideração os conceitos e as peculiaridades do ambiente a ser estudado e o contexto atual da escola pública, além de diferenciar a gestão sob a perspectiva da lógica privada e a gestão sob a perspectiva da escolar pública. O fato é que as inúmeras transformações econômicas, sociais e tecnológicas, bem como a maneira de gerir, interferem na vida organizacional e, por que não dizer, na forma de gerir as instituições educacionais.

Segundo Paro,

Em nosso dia-a-dia, administração (ou gestão, que será aqui tomada como sinônimo) costuma ser associada com chefia ou controle das ações de outros. Isso decorre do fato de que, diuturnamente, convivemos com o arbítrio e a dominação e quase não nos damos conta disso. É compreensível, portanto, que gerir, administrar, seja confundido com mandar, chefiar. Todavia, se sairmos das concepções cotidianas e nos aprofundarmos na análise do real, perceberemos que o que a administração tem de “essencial” é o fato de ser mediação na busca de objetivos (PARO, 1986, p. 4).”

Necessário se faz, também, ampliar o campo de visão a respeito das políticas de gestão nas instituições públicas, para isso buscamos uma visão mais crítica da gestão escolar como a abordada por Ball (2001). O autor entende que a gestão representa a introdução de um novo modelo de poder no setor público; é uma “força transformadora” (BALL, 2001). Ela desempenha um papel crucial no desgaste dos regimes ético-profissionais nas escolas e a sua substituição por regimes empresariais competitivos. Ball (2005) apresenta, também, conceitos pertinentes como o gerencialismo e afirma que esse “tem sido o principal meio pelo qual a estrutura e a cultura dos serviços públicos são reformadas” (Ball, 2005, p 544).

Há de se considerar, ainda, os preceitos presentes na perspectiva legal no que toca ao conceito de Gestão Democrática, com destaque para os seguintes princípios elencados na Lei nº 9394/1996, no seu artigo 14:

I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político-pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (BRASIL, 1996).

Entendo que tais preceitos legais remetem à ideia de que é necessário superar a lógica do modelo gerencial, em termos de Gestão Democrática, ao preço de se reduzir a autonomia à administração dos recursos financeiros com eficiência e produtividade.

Nesse mesmo contexto, Libâneo (2004) defende a concepção democrático-participativa e afirma que a gestão baseia-se na relação orgânica entre a direção e a participação das pessoas da escola. O autor acentua a importância da busca de objetivos comuns assumidos por todos e defende uma forma coletiva de gestão em que as decisões são tomadas coletivamente e discutidas publicamente. Entretanto, uma vez tomadas as decisões coletivamente, advoga que cada membro da equipe assuma a sua parte no trabalho, admitindo-se a coordenação e a avaliação sistemática da operacionalização das decisões tomada dentro de tal diferenciação de funções e saberes.

Diante dessa complexidade, obviamente sem a pretensão de esgotar o assunto, constitui como problemas de pesquisa o seguinte: Como os servidores do campus Osório do IFRS entendem o conceito de Gestão Democrática e em que medida este entendimento influencia na organização administrativa e pedagógica desse campus?

Conceitos de Gestão Democrática na Área da Educação

Para entender a concepção de Gestão Democrática na área da educação, acredito ser necessário, sobretudo, contextualizá-la através de breve estudo sobre as normativas legais que a regem, ou seja, a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 9.394/96, o Plano Nacional de Educação (PNE), o Estatuto de criação do IFRS, seu Regimento Interno, seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e seu Projeto Pedagógico Institucional (PPI).

Na Constituição Federal de 1988, a preocupação com a educação está no Capítulo III, Artigo nº 206. No inciso VI, a menção à Gestão Democrática do ensino público aparece pela primeira vez, mais precisamente, o inciso descreve que o ensino terá como um dos princípios norteadores a gestão democrática do ensino público, na forma da lei.

Segundo Muccilo e Balsan (2009), o conceito de gestão democrática implícito quando da elaboração da Constituição Federal sugeria muito mais o anseio da participação de diferentes entidades que representavam segmentos da sociedade em relação às decisões políticas e econômicas, do que a retórica sobre Gestão Democrática que tem perpassado as recentes mudanças em setores públicos.

Parafraseando os autores, a questão da participação de diferentes entidades foi resultado do processo transitório ditatorial para o regime democrático. Observam, também, que na Constituição Federal não há qualquer referência sobre a autonomia no gerenciamento educacional (MUCCILO; BALSAN, 2009).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 avança no sentido de detalhar um pouco mais sobre as atribuições de uma Gestão Democrática. Em seu artigo 14º, além de prever a participação dos profissionais da educação e da comunidade escolar na gestão das instituições de ensino, ainda preserva certa autonomia dessas instituições no que tange ao respeito as suas peculiaridades (BRASIL, 1996).

Na lei nº 13.005/15, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE), em seu Art. 2ª, uma das diretrizes é a promoção do princípio da Gestão Democrática da educação pública. O plano reforça em seu Art. 9o  que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aprovar leis específicas para os seus sistemas de ensino, disciplinando a Gestão Democrática da educação pública nos respectivos âmbitos de atuação no prazo de 2 (dois) anos contado da publicação desta Lei, adequando, quando for o caso, a legislação local já adotada com essa finalidade.

O IFRS é uma autarquia, tendo sido criado através da Lei 11.892, de 29/12/2008, publicada no Diário Oficial da União de 30 de dezembro de 2008, mediante a integração do Centro Federal de Educação Tecnológica de Bento Gonçalves, da Escola Técnica Federal de Canoas e da Escola Agrotécnica Federal de Sertão. Com a publicação da Lei, as escolas técnicas vinculadas à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e à Universidade Federal do Rio Grande (FURG) também passaram a integrar o IFRS.

Nas instituições de modo geral, muitos são os documentos que regem as diretrizes de funcionamento e, no IFRS não poderia ser diferente. Dessa forma, minha busca pelo conceito de Gestão Democrática no IFRS teve como base a leitura dos principais documentos norteadores como o seu Estatuto de criação que menciona a Gestão Democrática em um de seus artigos, o Plano de Desenvolvimento Institucional que rege as práticas de gestão do IFRS e, o Projeto Pedagógico Institucional que institui as práticas de ensino e aprendizagem.

Entre os documentos analisados destaco a Resolução nº 44/14 do conselho superior que aprova as alterações no Estatuto de criação dos Institutos Federais de Educação, define em seu Art.3º que um dos princípios norteadores do IFRS será a transparência e a Gestão Democrática.

O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFRS apresenta uma estruturação prática e objetiva para o atendimento dos propósitos que nortearão as ações da gestão da Reitoria e de todos os Campi que o compõem, tendo sido criado a partir de um método democrático.

A elaboração desse plano (PDI) envolveu a participação de toda a comunidade acadêmica, sendo as definições técnicas, tecnológicas e humanas propostas, atentas às necessidades da sociedade brasileira, em geral, e às necessidades específicas dos locais em que os campi estão inseridos. Conforme descrito no PDI,

O IFRS vem buscando maneiras de otimizar sua estrutura administrativa, pautado nos princípios da Gestão Democrática. Mais que um conceito, a Gestão Democrática é um princípio que precisa e vai se constituindo no dia a dia da instituição, através da participação e envolvimento do maior número de sujeitos nos processos decisórios. (PDI, 2014, p.105).

Outro documento norteador do IFRS é o Projeto Pedagógico Institucional (PPI). O projeto pedagógico de uma instituição de ensino representa sempre um processo contínuo, de construção coletiva, da intersecção de convicções que orientam as práticas de ensino e de aprendizagem, do investimento constante no aprimoramento das relações, compreendidas como principal fonte do desenvolvimento humano. Nesse sentido, onde o “fazer” não está descolado do “aprender”, é preciso compreender que tudo o que ocorre em uma Instituição de Ensino é educativo e que a aprendizagem é um processo permanente de construção social através de símbolos, valores, crenças, comportamentos e significados. O PPI do Instituto define que,

[...] não se concebe Gestão Democrática sem a ampla participação dos Conselhos de campi atuando de maneira deliberativa na aprovação de parcerias com outras organizações, na criação de novos cursos [...], garantindo que todos os segmentos envolvidos tenham oportunidade de pronunciar-se sobre os diversos assuntos de interesse do IFRS (PPI, 2011, pg. 19).

Conceito de Gestão Democrática na Área da Administração

Nos dias atuais, gerir envolve uma gama muito e diversificada de ações, o que significa dizer que o gestor precisa estar apto a perceber, refletir, decidir e agir em condições muito diferentes das de antes.

De acordo com Oliveira (2002), gestão significa gerenciamento, administração onde existe uma instituição, uma empresa, uma entidade social de pessoas a ser gerida ou administrada com o objetivo de crescimento através do esforço humano organizado e com um objetivo específico. Segundo o mesmo autor, a gestão surgiu após a revolução industrial quando os profissionais decidiram buscar solução para problemas que não existiam antes. Para tal, usaram vários métodos de ciências para administrar os negócios da época, o que deu inicio a ciência da administração, pois era necessário o conhecimento e aplicação de modelos e técnicas administrativas.

A partir da revolução industrial, do século XVIII até o século XX, a disciplina de gestão mudou a forma de fazer as coisas, transformou os métodos e as rotinas do trabalho, o que permitiu aumentar significativamente a produtividade das organizações (OLIVEIRA, 2002).

Por sua vez, Beuren (2002), enfatiza que,

O processo de gestão visa garantir que as decisões dos gestores contribuam para otimizar o desempenho da organização. Aqui são contempladas as etapas de planejamento estratégico e operacional, execução e controle, desenvolvidas de acordo com o modelo de gestão da empresa (BEUREN, 2002, p.18).

Esses conceitos parecem configurar a gestão como um conjunto sistematizado de práticas da administração, do qual os administradores lançam mão para atingirem os objetivos amplos e específicos dos proprietários.

Fica claro com essas definições que a gestão empresarial demanda crescente capacidade de percepção do ambiente, aliada à melhoria contínua no gerenciamento dos recursos disponíveis.

Pode-se dizer que o papel do gestor vai além de conhecer e administrar as variáveis internas da gestão, ou seja, há a necessidade de relacioná-las com o acontece a nível macro, de se ter uma visão do todo.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de caráter qualitativo por ser o mais indicado para as investigações de perspectiva interpretativa ou crítica. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva e busca identificar diferentes percepções sobre os conceitos de Gestão Democrática. Quanto aos procedimentos técnicos, consiste em pesquisa de campo e estudo de caso: de campo, por coletar dados primários junto aos servidores quanto ao seu entendimento sobre Gestão Democrática; estudo de caso, por ter como objetivo comparar os conceitos estabelecidos nas áreas de Administração e Educação com o entendimento dos servidores a respeito desses conceitos. O universo dessa pesquisa foi formado por oito servidores técnicos e professores do campus Osório do IFRS. A amostra se deu por conveniência, onde o pesquisador seleciona membros da população mais acessível, ou seja, aqueles que consegue entrar em contato mais facilmente.

Para a realização das entrevistas, foi necessária a elaboração de um roteiro de pano de fundo que abarcasse os objetivos propostos, o qual compreendeu a seguinte sequência: etapa 1 - entrevistas com oito colaboradores; etapa 2 - transcrição dos dados; etapa 3 - análise dos dados. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas com auxílio do programa Express Scribe Transcription Software.

ANÁLISE

A principal motivação para o desenvolvimento da pesquisa realizada no IFRS campus Osório sobre o tema da Gestão Democrática, surgiu da preocupação em descobrir, o que, de fato, os servidores entendem a respeito do tema. Sabemos do desafio que é compreender, a fundo, o conceito de Gestão Democrática na perspectiva dos servidores, diante da complexidade do tema e da pluralidade de formações e experiências de vidas dos colaborados envolvidos.

As entrevistas foram realizadas individualmente e o questionário foi estruturado em quatro questões centrais que se transformaram em categorias de análise, quais sejam: categoria 1 - (des)conhecimento dos documentos que regem IFRS; categoria 2 -  participação na gestão do campus; categoria 3 - dificuldades da implementação da Gestão Democrática na ótica dos colaboradores da pesquisa e; categoria 4 -  papel de cada servidor.

A partir das entrevistas com os servidores, docentes e técnicos administrativos, chegou-se a algumas constatações referentes ao conceito, práticas e atitudes dos mesmos em relação à Gestão Democrática.

Analisando a primeira categoria, a maioria dos depoimentos aponta para uma falta de indicação de leitura no momento de ingresso na instituição, porem há alguns elementos a serem considerados quanto à tomada de conhecimento dos documentos norteadores do IFRS. Primeiro: no ato da posse de qualquer servidor federal mencionado pela lei 8.112, em seu artigo 13, fica claro que o servidor deve assinar o termo de posse onde constar entre outras, os deveres de cada servidor. Um dos deveres está expressamente determinado no Art. 116  como sendo a observância às normas legais e regulamentares do IFRS, ou seja, a instituição parte do pressuposto que o servidor recém-chegado na instituição busque se inteirar desses documentos. Nesse caso, passamos para o segundo elemento, que é a falta, pela parte do servidor, da busca pelas leituras e a discussões dos documentos norteadores do IFRS como relatado por um dos colaboradores: “eu acho que quem tem interesse deve buscar, mas como a gente ingressa sem saber o que é o quê, agora que fiz cinco anos que você começa a entender para que serve o PDI, para que serve enfim os documentos, os regimentos, porque tu tem o acesso, mas tu vai descobrindo aos poucos como se conhece e para que servem os documentos, digamos assim”(Entrevista docente AméliaTodos os sujeitos colaboradores nesta pesquisa tiveram seus nomes alterados para nomes fictícios tendo como objetivo preservar suas identidades., em 12/10/2015).

Porém, o terceiro elemento mostra o que a maioria dos colaboradores reconhece como uma falha no processo de admissão ou acolhimento dos novos servidores. Fica evidenciado, segundo os entrevistados, que não há uma orientação, no momento do ingresso no IFRS campus Osório, para que se faça a leitura dos principais documentos, como observado pelo colaborador João: “Só se eu tivesse tomado a iniciativa de procurar, por conta própria, mas institucionalmente este espaço não foi aberto”(Entrevista técnico João, em 10/10/2015).

Os resultados da segunda categoria apontam para uma espécie de convite a participação velada, ou seja, uma participação do tipo “faz de conta”, segundo a narrativa de alguns dos colaboradores. Para esses, as decisões parecem estar previamente tomadas, porém são trazidas ao grupo maior de servidores somente para serem chanceladas por todos. Para outros, como no caso da colaboradora Maria, não há participação de todos na concepção das ideias, além dos convites serem despidos de mobilização e estímulo para que todos participem de fato: “eu acho que quando eles são convidados já está previamente acontecendo o fato” (Entrevista técnica Maria, em 08/10/2015).

Nesse contexto, somente dois colaboradores responderam que há espaços para contribuir, ressaltando que já foi bem melhor nos anos anteriores, mas pode evoluir mais. Poderíamos caracterizar essa situação descrita pelos colaboradores como uma espécie de democratismo, entendido nas palavras e Libâneo (2012) como,

[...] uma proposta de organização das atividades de uma instituição, ou movimento, pela qual se garante uma ampla participação das pessoas envolvidas, com base no principio da democracia interna. A forma privilegiada desta participação é a assembleia, na qual se discutem todos os assuntos, com plenos poderes de decisão sobre planejamento, execução e avaliação das ações, senso todas as demais formas de decisão e controle consideradas autoritárias, não se fazendo, inclusive, distinção de níveis de escolaridade, titulação ou posições hierárquicas entre seus participantes. Ou seja, a participação por si só justifica a democracia, sem necessidade de organização e controle (LIBÂNEO, 2012, p.52).

Podemos dizer ainda que a democracia, no entanto, não se confunde com “democratismo”. O voto de um colegiado ou conselho da instituição para uma tomada de decisão nem sempre expressa o sentido democrático. A grande questão a se pensar é para quem, de fato, a maioria das decisões deve voltar-se? O consenso que resulta das reuniões nem sempre expressa as reais necessidades da comunidade escolar, priorizando os objetivos de criação dos Institutos Federais.

O consenso não é a expressão da democracia. Ainda que haja um compromisso com as instâncias eleitas por parte de seus representantes, o compromisso político da gestão é possibilitar que a democracia na escola se expresse na garantia do acesso a uma boa educação conforme prevê sua missão. Porém, parece que a educação, o ensinar, nesse caso, fica em segundo plano, tudo parece ser mais importante, como vigiar a carga horária dos colegas, controlar os horários e tarefas, criticar a gestão sem considerar o contexto em que se dá, entre outros.

A partir do entendimento de Libâneo (2012) “a prática do democratismo inclui procedimentos tais como ausência de qualquer tipo de organização prévia ou divisão de tarefas e controles” (p.52), situação que fica evidenciada nas palavras do colaborador André: “falta informação, conhecimento, prévia do que será discutido e sensibilização” (Entrevista docente André, em 08/10/2015).

Quanto à implementação, de fato, da Gestão Democrática na instituição pesquisada, pode ser considerado consenso entre os colaboradores de que esta não acontece. Somente a colaboradora Vitória entende que sim, pois afirma que quem está na direção foi eleita democraticamente para isso, e, nesse caso, entende que a gestão é sim democrática.

Muitos elementos são apontados pelos entrevistados como complicadores na implementação da Gestão Democrática, dentre eles: o fato dos servidores pertencerem a diferentes visões de mundo; a falta de planejamento coletivo; a falta de reuniões gerais e de área; a falta de conhecimento sobre a origem da Gestão Democrática; e a falta de liderança de alguns cargos; além da alta rotatividade dos servidores e dos gestores nos diversos cargos de coordenação e direção da Instituição.

Com efeito, o que parece ficar claro, na ótica dos colaboradores neste estudo, é o entendimento de Gestão Democrática relacionada apenas com a participação dos servidores da Instituição nos espaços de tomada de decisão. Todos os colaboradores se referiram, em alguma medida, à importância da participação de todos nas reuniões gerais e específicas.  Nesse sentido, um elemento significativo da Gestão Democrática parece ser esquecido: a participação da comunidade – interna e externa -, a partir da autonomia e da descentralização administrativa.

Aqui se faz necessário a diferenciação do entendimento sobre gestão da escola pública e gestão da educação. A gestão da escola pública

se trata de uma maneira de organizar o funcionamento da escola pública quanto aos aspectos políticos, administrativos, financeiros, tecnológicos, culturais, artísticos e pedagógicos, com a finalidade de dar transparência às suas ações e atos e possibilitar à comunidade escolar e local a aquisição de conhecimentos, saberes, ideias e sonhos, num processo de aprender, inventar, criar, dialogar, construir, transformar e ensinar. (BRASIL, 2004).

Outro entendimento necessário, diz respeito aos princípios que regem o ensino, a questão da gestão da educação, conforme prevê a LDB. Em seu art. 14, a referida lei define que os sistemas de ensino devem estabelecer normas para o desenvolvimento da gestão democrática.  Tais normas estabelecem que a gestão democrática deve ser entendida como a participação efetiva dos vários segmentos da comunidade escolar, pais, professores, estudantes e funcionários na organização, na construção e na avaliação dos projetos pedagógicos, na administração dos recursos da escola, enfim, nos processos decisórios da escola. Fica evidenciado nas entrevistas que a maioria dos servidores tende a uma visão interna de gestão, ou seja, ao serem questionados sobre “Gestão Democrática”, suas falas permeiam os problemas e dificuldades internos da gestão da escola. Um único colaborador tem um entendimento, de acordo com a LDB, sobre o conceito de gestão democrática:

[...] uma gestão pra ser democrática tem que ouvir a comunidade escolar toda... e a comunidade escolar inclui, a comunidade lá de fora, inclui os pais, que tem os estudantes aqui... eles é que sabem, podem balizar, fazer aquela escola realmente para todos, a escola com os pés no chão, com os pés na comunidade, porque na verdade a gestão democrática teria que passar pelas necessidades locais”(Entrevista docente Amélia, em 12/10/2015).

Diante desse contexto, percebe-se um caminho a ser construído na busca de um melhor entendimento do conceito de Gestão Democrática junto aos servidores do campus. Conforme afirma Bordignon e Gracindo (2004),

[...] a gestão democrática da educação requer mais do que simples mudanças nas estruturas organizacionais; requer mudança de paradigmas que fundamentem a construção de uma proposta educacional e o desenvolvimento de uma gestão diferente da que hoje é vivenciada.[...] Essa nova forma de administrar a educação constitui-se num fazer coletivo, permanentemente em processo, processo que é mudança contínua e continuada, mudança que está baseada nos paradigmas emergentes da nova sociedade do conhecimento, os quais, por sua vez, fundamentam a concepção de qualidade na educação e definem, também, a finalidade da escola. (p. 152).

Já, quanto ao papel de cada agente ou cada servidor na efetiva realização da gestão democrática, a maioria entende que a participação e o comprometimento sejam os papeis principais a serem desempenhados por cada servidor na efetiva realização da Gestão Democrática. A minoria dos colaboradores pensa que o cumprimento da lei, bem como a cobrança para que todos os servidores a cumpram, e a isonomia no tratamento pelos gestores, seja o papel principal de cada servidor.

Levando em consideração as respostas, nota-se, de fato, que os servidores não desempenham seu papel na forma que deveriam, pois embora possuam conhecimentos da importância da gestão democrática não se sentem motivados a participar.

Faltam mecanismos de gerar espaço e interesse em participar”(Entrevista docente Catarina, em 07/10/2015).

Fica evidenciada nas falas dos colaboradores a falta de sintonia e objetivos comuns no trabalho que executam. A partir das informações obtidas na pesquisa, parecem  desempenhar seus trabalhos de forma isolada, o que muitas vezes possibilita conflitos e desentendimentos internos. A falta de comunicação e de reuniões periódicas é apontada com um problema da desmobilização, o que fica evidenciado na narrativa de Vicente: “[...] não temos reuniões periódicas de diretores, de coordenações mistas... todos têm que conversar num momento único” (Entrevista técnico Vicente, em 07/10/2015).

Corroborando com Weffort (1993), é preciso contar com a iniciativa e a disposição dos participantes, mas isso não é suficiente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intenção dessa pesquisa não foi generalizar as respostas, mas sim identificar a pluralidade de ideias e entendimentos dos colaboradores do IFRS campus Osório a respeito da Gestão Democrática. Trajetórias profissionais e formações acadêmicas diferentes dos colaboradores, sem dúvida, enriqueceram a forma de ver as possibilidades e os desafios a respeito do tema.

Por outro lado, os conflitos vivenciados por mim, oriundos de minha trajetória profissional, em grande parte foram sanados, graças a autores como Libâneo (2012) e Paro (1986) que sabiamente conseguem transitar pelos conceitos da administração e vinculá-los na gestão da escola.

A partir dos conceitos abordados no referencial teórico e na análise das entrevistas, foi possível identificar, que de fato, o discurso proferido pelos servidores sobre o que é Gestão Democrática é incipiente, beirando o senso comum sobre o tema. Segundo a pesquisa, o conceito de Gestão Democrática que parece perpassar as mentes dos servidores tem muito mais a ver com o gerir administrativo interno da instituição.

Quanto às práticas de gestão, parece haver um descontentamento da maioria dos entrevistados, pois julgam serem práticas de “faz de conta”, ou, como afirmado por uma colaboradora: “as reuniões ocorrem para decidir o que já foi previamente decidido a portas fechadas” (Entrevista técnica Joana, em 07/10/2015). Considerando esse cenário, as dificuldades de implementar a gestão democrática na perspectiva dos servidores é potencializada pela desmotivação e ausências dos mesmos nos fóruns oportunizados e apropriados.

Portanto, as possibilidades de implantação de uma Gestão Democrática existem, porém os desafios passam por procedimentos de ordem técnica, como exemplo, a criação de mecanismos de acolhimento de novos servidores, mas principalmente de ordem comportamental. A pesquisa mostrou que a desmotivação dos servidores tem contribuído para a não efetivação de uma gestão mais eficaz.

O que parece ficar evidenciado é que a Gestão Democrática deveria servir como pano de fundo para discussões acerca da busca por uma educação de qualidade e que atenda as necessidades das comunidades locais. Se constituir assim, de fato, como uma politica institucional. Ademais, a gestão interna da escola não pode se eximir de administrar de forma racional os recursos necessários e, nem tão pouco, fazê-la de forma desorganizada e sem planejamento. Essa gestão deve ser partilhada entre todos e com a máxima transparência possível.

REFERÊNCIAS

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