CONTROLE SOCIAL OU BARATEAMENTO ESTATAL? UMA CRÍTICA AO MODELO DE CONSELHOS COMO SINÔNIMO DE CONTROLE SOCIAL

Resumo: O presente trabalho discute a instituição de conselhos para acompanhamento de recursos da educação como tendência a partir da década de 1990. Se, por um lado, esse modelo é convergente com as demandas por participação social na gestão dos recursos públicos, por outro, se harmoniza com as tendências neoliberais de afastamento do Estado na garantia dos direitos sociais. Tendo em conta a Meta 19 do atual PNE, verifica-se que não há registros claros de que a União venha cumprindo com suas obrigações para fortalecimento dos conselhos do FUNDEB e de Alimentação Escolar. Conclui-se que o acompanhamento desses colegiados tende a se focar demasiadamente no dinheiro e menos no direito à educação.

Palavras-chave: controle social; financiamento da educação; conselhos.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho discute o modelo de participação dos conselhos de controle social nas políticas de transferências de recursos federais para a educação a partir da análise das características de um rearranjo administrativo que busca se harmonizar entre o discurso da autonomia local e as tendências globais neoliberais. O objetivo é analisar a tendência de atribuir um leque cada vez maior de competências a colegiados, formados por representantes do poder público e da sociedade civil para exercerem o que se costuma chamar de ‘atividade de relevante interesse público, não remunerada’.

O texto se situa no campo do financiamento da educação básica e problematiza a dimensão de controle social dos conselhos a partir dos desafios a serem enfrentados rumo ao alcance da meta 19 do atual Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024). Primeiro, trata das competências e da composição dos conselhos; e, em seguida discute os gastos para a instituição e exercício desses colegiados. Nesta construção, analisa os normativos que obrigam a instituição de conselhos sociais para controle dos recursos públicos voltados à educação, bem como as fontes de dados relativas ao financiamento desses colegiados. O argumento é que há, por um lado, um movimento que se insere nas reinvindicações das últimas décadas por mais participação direta da sociedade na gestão pública e, por outro lado, um movimento que se situa nos processos de ‘barateamento’ do aparelho do Estado.

O financiamento não é apenas meio para tornar efetivas as políticas às quais o recurso se destina e que se configuram como meio de intervenção na realidade. Entendendo-se política como “um fluxo de decisões públicas, orientado a manter o equilíbrio social ou a introduzir desequilíbrios destinados a modificar essa realidade” (SARAVIA, 2007, p. 31), o financiamento é política, capaz de transformar modelos administrativos e estruturas sociais. Nesse sentido, é preciso examinar não apenas as cifras envolvidas e suas representatividades comparativas. Os modelos de financiamento, as opções entre este ou aquele mecanismo de distribuição de recursos, a imposição desta ou daquela obrigação, os territórios e as fronteiras do poder discricionário são alguns dos fortes indicadores do arranjo do financiamento da educação como política pública.

A construção de um modelo de financiamento de políticas tem profundas relações com diversos temas correlatos. O diálogo envolve o pacto federativo, os marcos das reformas administrativas, as demandas por gestão democrática, situadas dentro de um tortuoso caminho que temos traçado para a construção da cidadania, muitas vezes mais outorgada do que conquistada, como bem descreve Carvalho (2014). Apesar de concordamos com Power (2011), que a pesquisa em política não pode ser feita por uma abordagem centrada no Estado, grande parte da discussão, aqui, será no universo estatal, porém, a fim de levantar elementos que permitam a leitura interna do movimento que reduz o protagonismo deste ator.

1 DESCENTRALIZAÇÃO E GESTÃO DEMOCRÁTICA

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) colocam aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios a responsabilidade pela oferta, desde a educação infantil até o ensino médio, o que repercute nas necessidades de financiamento.  Apesar de o governo federal ser o que possui a maior monta de recursos, coube a ele papel suplementar na Educação Básica. Por isso, não surpreende que a oferta direta pelo governo federal seja “inexpressiva”, para usar o termo de Cruz (2011).

Ao situar as competências relacionadas à educação básica nos entes subnacionais, surge a exigência de transferência de recursos da União para estados e municípios. Em razão disso, e ancorando-se especialmente no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995), são adotados – com ênfase a partir da década de 1990 – mecanismos de descentralização financeira.

Essa tendência pode ser percebida em dois grandes grupos. Primeiro, o modelo de fundos, atualmente o de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), tema discutido nas abordagens de Amaral (2012) e Vasquez (2011), que evidenciam os impactos dos Fundos para atenuar a severa carência de recursos dos municípios mais pobres. Em segundo, a instituição de programas federais, de transferência legal ou voluntária, por sua vez, discutida por Cruz (2011) e Farenzena (2011), que identificam progressiva redução do modelo clientelista nas transferências, com transição para um modelo mais equânime, de estabelecimento de regras universais.

No caso das transferências legais e voluntárias, conforme previsão do Decreto-Lei nº 200/1967, “os órgãos federais responsáveis pelos programas conservarão a autoridade normativa e exercerão controle e fiscalização indispensáveis sobre a execução local” (BRASIL, 1967). Em decorrência dessa manutenção do centralismo decisório sobre a descentralização financeira, quem concedeu os recursos, pelos quais antes respondia, passa a controlar o uso feito por estes novos atores, a quem os recursos foram confiados, o que leva à indução das políticas locais. Silva (2010) discute que as atuais formas de transferências do governo federal para os subnacionais trazem ‘novo’ dinheiro para a educação local, e com isso induzem determinadas formas de gerenciamento, em um modelo que “trata os gestores e educadores de forma clientelista e fracionária, induzindo-os, na maioria dos casos a assumir tarefas que não correspondem ao seu ofício” (idem, p. 7).

Não apenas os entes federados têm suas competências e condições financeiras desenhadas por esse modelo, mas também as escolas e, sob certos aspectos, a própria sociedade civil. Caso característico pode ser encontrado no Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) que redesenhou as relações locais, entre a secretaria de educação e as escolas e entre estas e a comunidade escolar. Moreira (2012), porém, alerta para o fato de que a autonomia local que se instala é relativa (ou decretada) e não autonomia construída.

Esse movimento de descentralização foi profundamente acentuado a partir da década de 1990, baseado em um ideário que se apresentava mais direcionado à transferência de funções estatais para a esfera privada. A lógica fundante era de que “a crise do Estado implicou a necessidade de reformá-lo e reconstruí-lo; a globalização tornou imperativa a tarefa de redefinir suas funções” (BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 237). O argumento de crise no âmago do Estado, notadamente da burocracia, é evidenciada pelo entendimento de que “os políticos podem controlar melhor os burocratas quando solicitam a cooperação dos cidadãos” (PRZEWORSKI, 1998, p. 59) ou no discurso do neopatrimonialismo, definido como "uma forma bastante atual de dominação política por um estrato social sem propriedades e que não tem honra social por mérito-próprio, ou seja, pela burocracia e a chamada ‘classe política’” (SCHWARTZMAN, 1988, p. 97).

O discurso de que o culpado pela crise econômica, ou mesmo do capitalismo, é o Estado “acaba propondo o repasse de responsabilidades, principalmente na execução de políticas sociais do Estado, para a chamada sociedade civil” (PERONI, 2008, p. 114). Azevedo alerta ao fato de que

no discurso governamental, a adoção da administração gerencial, entre outros modos, foi justificada afirmando-se que a sociedade brasileira havia atingido um nível cultural e político no qual as práticas patrimonialistas não mais poderiam ser toleradas e o burocratismo impedia a prestação eficiente dos serviços públicos (AZEVEDO, 2002, p. 58)

Patrimonialismo precisa ser compreendido, nesse discurso, como associado a maior presença do Estado, não relacionado às concentrações de mercado ou à desigualdade social – estes, no ideário neoliberal, são derivados do ‘mérito próprio’ e devem ser exaltados ao invés de combatidos. Note-se que os próprios professores, especificamente os das escolas públicas, que têm suas condições de trabalho profundamente afetadas por meio desse discurso, também o assimilam, conforme constata Guimarães-Iosif  (2009, p. 156): “professores geralmente transferem a responsabilidade pela má qualidade da escola pública para o Estado, para as famílias e para os próprios alunos”.

2 GESTÃO DEMOCRÁTICA NO PNE

O Plano Nacional de Educação (PNE) é, atualmente, o catalizador das discussões em torno tanto do modelo de financiamento quanto da gestão democrática. Aprovado depois de longa tramitação e diversos impasses, o plano tem um conjunto de 20 metas que se relacionam às diversas dimensões da educação nacional. A meta 19 do PNE dedica-se à Gestão democrática, percebida de forma ampla:

Meta 19: Assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto (BRASIL, 2014).

Pelo teor da meta, pode-se perceber de forma explícita a relação com o financiamento, no sentido de que a União deverá prever recursos e apoio técnico para assegurar a efetivação da gestão democrática. As oito estratégias da Meta 19 englobam:

  1. priorização de transferências voluntárias da União para entes que tenham legislação específica de gestão democrática (estratégia 19.1);
  2. intenção de ampliar programas de capacitação para os conselheiros, com ênfase aos do FUNDEB e de Alimentação Escolar (estratégia 19.2), bem como de gestores escolares (estratégia 19.8);
  3. fortalecimento de outros institutos de participação, como grêmios estudantis e fóruns permanentes de educação (estratégias 19.3 e 19.4);
  4. intenção de garantir a participação da comunidade escolar (estratégia 19.6), cujo estímulo à participação é tema específico da estratégia 19.5, a qual retoma a proposta de garantir a qualificação de conselheiros e autonomia dos conselhos.
  5. favorecimento de “processos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira nos estabelecimentos de ensino” (estratégia 19.70).

Nota-se que as estratégias da meta 19 sugerem os conselhos como instrumentos da gestão democrática, reconhecendo-os como existentes e consolidados, para os quais a necessidade é de que sejam oferecidas capacitações e garantidas as condições de trabalho visando à autonomia de atuação.

3 OS CONSELHOS E O FINANCIAMENTO

Se as políticas públicas no Brasil até a década de 1980 eram marcadas por centralização decisória e financeira (FARAH, 2007), a partir da Constituição Federal de 1988, com a ênfase dada aos direitos sociais e a ampliação do papel dos municípios, passou a haver fortalecimento de modelos de descentralização, seguindo o ímpeto do que Farah (2007) chamou de “iniciativas inovadoras de governos locais”. A implantação de fundos para a educação básica trouxe consigo o fortalecimento do modelo de conselhos.  Ao discutir o financiamento em perspectiva histórica, Carvalho (Mimeo) afirma que “a implementação do novo modelo de financiamento teve início em 1998 [...]”, e já na primeira configuração “[...] a fiscalização ficou sob a responsabilidade dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios e dos Conselhos de Acompanhamento e Controle Social do Fundef” (idem).

Com a criação do FUNDEB, passou-se a ter o Conselho de Controle Social do FUNDEB (CACS), que além de acompanhar a execução do Fundo no ente respectivo, passou a assumir obrigações de atuação acerca de recursos de programas geridos com recursos que não compunham o FUNDEB. Esse movimento foi, de forma incisiva, sendo percebido e enaltecido dentro da lógica do “estabelecimento de novas formas de articulação entre Estado, sociedade civil e mercado” (FARAH, 2007, p. 136).

Tatagiba (2004, p. 19), afirma que:

Uma das expressões mais evidentes desse processo de inovação no campo da participação popular foram os conselhos gestores de políticas públicas. Os conselhos de políticas estão entre as principais inovações institucionais que acompanham e particularizam o processo de redemocratização no Brasil, por isso, em sua dinâmica atual são espelhos pelos quais se podem ler registros das dimensões contraditórias de que se revestem nossas experiências democráticas recentes.

As análises de distintos autores concluem em diferentes perspectivas, que possuem um caráter mais complementar do que excludente, sendo recorrente o reconhecimento de que esse tema se reveste de caráter profundamente contraditório e conflitivo. Afonso (2009) entende que os conselhos estão entre “algumas das alternativas mais democráticas, participativas e críticas neste campo”, da participação social. Noutro sentido, questiona-se a utilização dos conselhos como prática de desconcentração administrativa ao invés de efetiva descentralização democrática (WATHIER, 2013) e se reconhece que, apesar das distorções do modelo, ele se apresenta como um meio de entrada da população ao aparato estatal (SILVA, BRAGA, 2009).

3.1 Competências e composição dos conselhos

As leis que tratam da instituição dos conselhos não apenas preveem sua existência, mas também tornam obrigatória sua instituição em cada Estado e Município da Federação, além do Distrito Federal e da própria esfera federal. Além disso, definem os parâmetros mínimos para sua composição e estabelecem as competências dos respectivos conselhos. Com isso, aqueles que são designados como conselheiros passam a assumir a obrigação de realizar o ‘controle social’, que assim caracteriza-se como delegado, não conquistado.

3.1.1    Conselho de Alimentação Escolar (CAE)

Como o próprio nome sugere, as atribuições do CAE estão associadas ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), cujas atribuições são:

I - acompanhar e fiscalizar o cumprimento das diretrizes estabelecidas na forma do art. 2º desta Lei;
II - acompanhar e fiscalizar a aplicação dos recursos destinados à alimentação escolar;
III - zelar pela qualidade dos alimentos, em especial quanto às condições higiênicas, bem como a aceitabilidade dos cardápios oferecidos;
IV - receber o relatório anual de gestão do PNAE e emitir parecer conclusivo a respeito, aprovando ou reprovando a execução do Programa. (BRASIL, 2009)

Ao CAE é direcionada essencialmente à função de controle, havendo inclusive a atribuição quanto à emissão de parecer sobre a execução do programa, o que subsidia a análise da prestação de contas a ser realizada em âmbito federal. O CAE deve ser instituído com a seguinte formação:

Quadro 1: Composição do Conselho de Alimentação Escolar (CAE)


Quantidade

Descrição

1

Representante indicado pelo Poder Executivo do respectivo ente federado;

2

Representantes das entidades de trabalhadores da educação e de discentes, indicados pelo respectivo órgão de representação, a serem escolhidos por meio de assembleia específica;

2

Representantes de pais de alunos, indicados pelos Conselhos Escolares, Associações de Pais e Mestres ou entidades similares, escolhidos por meio de assembleia específica;

2

Representantes indicados por entidades civis organizadas, escolhidos em assembleia específica.

Fonte: Elaboração Própria com base na Lei nº 11.947/2009 (BRASIL, 2009)

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem ampliar a composição, desde que mantida a proporção definida acima. A presidência do conselho pode ser exercida por qualquer um dos membros, exceto pelo representante do Poder Executivo.

3.1.2    Conselho de Acompanhamento e Controle Social (CACS)

Em relação ao CACS, a obrigação de instituir o conselho nas esferas federal, estadual e municipal advém da Lei nº 11.494, que fundamentalmente trata da regulamentação do FUNDEB, estabelecendo que:

O acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos dos Fundos serão exercidos, junto aos respectivos governos, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por conselhos instituídos especificamente para esse fim. (BRASIL, 2007)

Os conselhos haveriam de ser, então, instituídos especificamente com a finalidade de exercer controle sobre os recursos do FUNDEB de seu respectivo ente da federação. Entretanto, diversas atribuições têm sido direcionadas ao CACS. A própria lei de instituição, com alterações posteriores, estabelece que:

Aos conselhos incumbe, também, acompanhar a aplicação dos recursos federais transferidos à conta do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar - PNATE e do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para Atendimento à Educação de Jovens e Adultos e, ainda, receber e analisar as prestações de contas referentes a esses Programas, formulando pareceres conclusivos acerca da aplicação desses recursos e encaminhando-os ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (BRASIL, 2007)

Com isso, o conselho é incumbido também de acompanhar o uso dos recursos destinados pelo governo federal à manutenção do transporte escolar e a programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essa tendência tornou-se incisiva, sendo recorrente o advento de novas atribuições ao CACS. É o caso da lei que trata do Plano de Ações Articuladas (PAR), que tem comportado diversas ações financiadas pelo Governo Federal no âmbito das políticas educacionais:

O acompanhamento e o controle social da transferência e da aplicação dos recursos repassados para a execução das ações do PAR, conforme Termo de Compromisso, serão exercidos em âmbito municipal e estadual pelos conselhos previstos no art. 24 da Lei no 11.494, de 20 de junho de 2007. [CACS/FUNDEB]

Parágrafo único.  Os conselhos a que se refere o caput analisarão as prestações de contas dos recursos repassados aos entes federados e encaminharão ao FNDE demonstrativo sintético anual da execução físico-financeira, com parecer conclusivo acerca da aplicação dos recursos. (BRASIL, 2012)

Redação praticamente idêntica à transcrita acima é lida na lei que trata de apoio financeiro da União aos Municípios e ao Distrito Federal para ampliação da oferta da educação infantil (BRASIL, 2011). Com isso, surge uma importante ambiguidade nas atribuições do CACS: instituído para atuar no controle dos recursos do FUNDEB, assume obrigação de controle sobre recursos que não fazem parte do respectivo Fundo. Reflexos que geram incerteza quanto à sua característica social pode ser verificada pela análise detida da composição do conselho em cada esfera.

Na limitação das presentes páginas, trata-se da composição do CACS prevista para a esfera municipal, podendo a análise ser estendida às demais esferas de modo similar:


Quantidade

Descrição

A

2

Representantes do Poder Executivo Municipal, dos quais pelo menos 1 (um) da Secretaria Municipal de Educação ou órgão educacional equivalente;

B

1

Representante dos professores da educação básica pública;

C

1

Representante dos diretores das escolas básicas públicas;

D

1

Representante dos servidores técnico-administrativos das escolas básicas públicas;

E

2

Representantes dos pais de alunos da educação básica pública;

F

2

Representantes dos estudantes da educação básica pública, um dos quais indicados pela entidade de estudantes secundaristas.

Quadro 2: Composição do CACS/FUNDEB na Esfera Municipal
Fonte: Elaboração Própria, com base na Lei nº 11.494/2007 (BRASIL, 2007).

Na composição do CACS municipal a representação de órgãos ou entidades governamentais ou representativas de segmentos do governo é evidente apenas na linha A, que inclui dois representantes no conselho, de um total de 9, o que poderia sugerir a expressiva presença social no conselho. Quanto ao FUNDEB, que possui entre seus objetivos o de valorizar os profissionais da educação, pode-se considerar os representantes das linhas B, C e D como beneficiários da política e, portanto, possuindo o caráter social de representação no colegiado.

Porém, quanto ao controle realizado em outros programas da educação, tem-se que os três grupos não mais representam beneficiários diretos dos programas. Dado o cargo que ocupam, deveriam então ser considerados representantes da administração pública e não cidadãos que emergem da sociedade para investir-se no conselho, o que retira de sua participação o caráter precipuamente social. E isso permite a leitura dos conselhos menos como uma inovação social e mais como uma reorganização administrativa, uma vez que suas atribuições configuram, sob certa perspectiva, a delegação de competências da União.

3.2 Quadros de conselheiros

Considerando que o CACS e o CAE devem ser instituídos em todos os entes federados, esse modelo chama às atividades de acompanhamento dos recursos uma vasta quantidade de pessoas, investidas em cargo de conselheiro. O quadro abaixo explicita o número de conselheiros envolvidos, considerando-se a composição mínima em cada formação:

Quadro 3: Totais de Conselheiros (CACS e CAE) – Federal, Estadual, Municipal
Fonte: Elaboração própria, com base nas leis que instituem a obrigação dos conselhos.

Tem-se a formação de contingentes de quase 90 mil pessoas pelo país, responsáveis formalmente por emitir manifestações conclusivas sobre o uso de recursos públicos, em relação às diretrizes formalmente definidas pelo governo central. Sua atuação não se dá como cidadão comum, que possui também a prerrogativa de apresentar denúncia ou propor ações sempre que identificada qualquer irregularidade no uso dos recursos públicos Ver Peres (2004), onde são discutidas os instrumentos de participação que podem ser adotados por quaisquer cidadãos.. A atuação dos conselhos é caracterizada pelo poder-dever típico da administração pública, uma vez que os conselhos estão legalmente obrigados a exercer suas amplas competências.

3.2.1 Estrutura e apoio aos conselhos

As leis que preveem os conselhos aqui discutidos indicam que eles não contarão com estrutura administrativa própria, incumbindo à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios garantir infraestrutura e condições materiais adequadas à execução plena das competências dos conselhos e oferecer ao Ministério da Educação os dados cadastrais relativos à criação e composição dos respectivos conselhos (BRASIL, 2007; 2009). Portanto, à União cabe oferecer estrutura apenas ao conselho federal, o que evidencia que o maior gasto, proporcionalmente, será percebido pelos municípios, o que contrasta com o entendimento, em relação ao desenho do financiamento da educação, de que “o único acordo possível é aquele em que o objetivo seja pleitear maiores aportes de recursos do governo federal” (REZENDE, 2010, p. 80).

Quanto à garantia das condições de atuação dos conselhos, não há disponibilidade de dados que permitam analisar, em âmbito nacional, as condições dos colegiados e também não há dados específicos dos gastos de cada ente para essa finalidade, uma vez que não há especificação para estes gastos no Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação  (SIOPE) ou nas peças orçamentárias oficiais.

Essa ausência é fator indicativo das baixas garantias de que os conselhos dispõem e de que certas nuances do modelo não estão devidamente reveladas. Não havendo esses conselhos, a fiscalização e análise de prestação de contas dos recursos descentralizados, no modelo vigente, caberia especialmente ao Governo Federal, que precisaria dispor de pessoal e recursos para tal finalidade. Havendo os conselhos, esse custo é atribuído especialmente aos municípios.

Quanto ao apoio da União, as únicas informações disponíveis são aquelas que incluem a capacitação de conselheiros e de outros atores. Os dados estão aglutinados e, mesmo assim, os montantes abaixo revelam a baixa expressividade dos valores:

Gráfico 2: Gastos em Gestão Educacional e Articulação com os Sistemas de Ensino
Fonte: Elaboração própria com base na execução da LDO (valores pagos, dados reais, 2014 - ação  20RU).

Da redução expressa no gráfico acima não se pode inferir diretamente a diminuição dos gastos. Registra-se, a partir de 2013, a transição dos registros da ação 20RU para a ação 0509 (Apoio ao Desenvolvimento da Educação Básica), na qual a especificação é ainda menor, havendo então menor possibilidade de quantificar precisamente as despesas diretamente relacionadas à manutenção e qualificação dos conselhos. Assim, a melhor conclusão que tiramos da análise dos dados que projetaram o gráfico acima é que não há informações disponíveis que permitam efetivamente analisar se há recursos sendo direcionados ao que prevê a Meta 19 do PNE, o que oculta uma importante face do modelo atualmente proposto e representa um indicativo do afastamento do compromisso do Governo Federal para a viabilização da atuação desses colegiados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma vez que os conselhos são instituídos formalmente e obrigados a cumprir com determinadas atribuições, algumas em nome do Estado, passam a confundir-se com ele, apesar de não contarem com a estrutura que o aparelho estatal comumente conta. Com isso, para atenderem à letra da lei, o acompanhamento tende a se focar demasiadamente no dinheiro e menos no direito à educação, que haveria de ser a preocupação primordial do controle social. A sobrecarga de atividades, com escassez de condições, tende a fazer com que os conselhos assumam mais e funções de caráter burocrático e menos a função social que os denomina. Por isso, é preciso atentar-se para não transformar os conselhos em sinônimos nem de gestão democrática, nem de controle social, pois como aqui discutido, a essência dos conselhos está aquém desses outros conceitos.

A constituição dos conselhos representa, indubitavelmente, a abertura de possibilidades para políticas públicas mais democráticas, contudo, sua existência não pode ser compreendida se pensarmos as políticas de financiamento e de estímulo à gestão democrática como se ocorressem em uma arena pacífica e resoluta. É preciso analisar criticamente os atuais termos que regem esses colegiados e mecanismos pelos quais se vinculam aos recursos da educação, a fim de buscar os necessários aprimoramentos do modelo. Parte disso passa pela busca de novos termos jurídicos, afinal, a importância das previsões legais “nasce do caráter contraditório que a acompanha: nela sempre reside uma dimensão de luta” (CURY, 2002, p. 247).

Contudo, essa indução, muito mais um controle social decretado do que conquistado, torna importante considerar que

a descentralização não planejada pode levar à incapacidade das instituições, particularmente quando se trata de coordenar as atividades educativas entre os níveis nacional e regional, sendo essa incapacidade muitas vezes atribuídas às instituições locais (AKKARI, 2011, p. 44)

Por um lado, é vasto o conjunto de evidências que nos permite considerar como notória a insuficiência dos recursos destinados à educação básica no Brasil, e aqui evidencia-se que o Estado se retira de importante função de acompanhamento, delegando-a a um híbrido de agentes públicos locais e sociedade civil. Por outro, “o Estado é importante para o neoliberalismo como regulador e criador de mercado” (BALL, 2014, p. 42), não como garantidor dos direitos sociais, e para que o modelo das políticas siga este caminho, são fomentados discursos de que a insuficiência na educação é questão de pouca eficiência, não de poucos recursos. Assim, reconhecido que o Brasil conta com uma escola para o rico e outra para o pobre (LIBÂNEO, 2012), questiona-se: a quem será atribuída a responsabilidade pela prevalência da precariedade no lado mais fraco desse quadro?

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