PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DA ESCOLA: RESPONSABILIZAÇÃO E CONTROLE DE UNIDADES PÚBLICAS DE ENSINO O presente trabalho é desdobramento da Dissertação de Mestrado defendida pelo autor em fevereiro de 2015, junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação/UNICAMP.

Resumo: Esta comunicação tem por objetivo analisar qual a influência do Programa de Desenvolvimento da Escola para o processo de democratização da escola pública. Adotou-se como metodologia de pesquisa a abordagem qualitativa, utilizando como procedimentos metodológicos o levantamento bibliográfico no banco de dados de Teses e Dissertações da CAPES e de artigos científicos publicados no SciELO, assim como a análise documental referentes a seis unidades de ensino da rede estadual de ensino no estado de São Paulo, acessados pela plataforma online SIMEC/MEC. Verificou-se que o modelo gerencial que informa o PDE-Escola ressignificou os conceitos de participação e autonomia no contexto da administração pública, não contribuindo com a ampliação da democratização da gestão escolar.

Palavras-chave: gestão democrática; reforma do estado; programa de desenvolvimento da escola.


Introdução

A gestão democrática da educação pública foi garantida pela Constituição Federal de 1988 e disciplinada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96), devendo ser promovida por meio da participação da sociedade civil, de forma a garantir o direito de todos os cidadãos.

A referência a esta participação da sociedade civil nas políticas educacionais desencadeou, em linhas gerais, duas formas de compreensão. Uma ligada aos movimentos sociais e outra que emergiu nos anos 90, com a ideologia neoliberal, que compreendia a participação social como possibilidade de controle e monitoramento da gestão da coisa pública.

Deste embate, em que surgiram contradições inerentes aos processos de manutenção de poder, verificamos a inserção do Brasil no processo de globalização, acompanhada de críticas ao Estado pelo tamanho da inoperância, ineficácia e ineficiência das políticas públicas.  Assistimos, assim, à reforma do Estado brasileiro com a consequente alteração do paradigma de administração pública burocrático para a administração pública gerencial (ADRIÃO, 2006; CAMINI, 2009; SANTOS, 2012).

Segundo Adrião e Bezerra (2013), a Emenda Constitucional Nº 19, de 04 de Junho de 1998, programou modificações no regime administrativo brasileiro, a partir da alteração de um grande número de dispositivos da Constituição Federal de 1988, referentes tanto ao funcionamento da administração pública quanto às normas até então vigentes para os seus servidores.

A gestão da escola pública passou a ter como premissa a relação custo-benefício, destacando-se a racionalidade econômica de mercado nos processos educacionais.

Em abril de 2007, já na gestão do governo Lula, foi lançado o Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE), que reuniu o conjunto de programas do Ministério da Educação, até então isolados.

Entre os programas que foram reunidos sob o PDE, destaca-se o PDE-Escola (Plano de Desenvolvimento da Escola), lançado em 1998 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e mantido nos governos Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014).

A efetivação dos programas em parceria entre o governo federal e demais entes federados, passou a ser condicionado à adesão ao Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação e posterior elaboração do Plano de Ação Articulada (PAR), instrumento de planejamento por meio do qual se viabilizavam a demanda e a oferta de assistência técnica e financeira veiculada por esses programas (SANTANA, 2011).

No Estado de São Paulo, o PDE-Escola foi implantado na rede estadual de ensino a partir do ano de 2010, em escolas que obtiveram índices de IDEB 2007 abaixo da média nacional.

Nesse contexto nossa pesquisa buscou compreender a influência do modelo de planejamento PDE-Escola no favorecimento ou não da ampliação da participação nos processos de gestão da unidade escolar.

Como procedimento metodológico, adotou-se o levantamento bibliográfico referente ao PDE-Escola e à gestão democrática da escola pública no banco de dados de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), bem como nos artigos científicos publicados no Scientific Electronic Library Online (SciELO) e na análise documental de fontes primárias das seis unidades escolares com o acesso à plataforma online SIMEC.

Organizamos esta comunicação em dois momentos: o primeiro com a análise do processo de reforma do Estado brasileiro na década de 1990 e sua influência sobre o sistema educacional, tendo como eixo a gestão democrática da educação e a inserção do PDE-Escola. No segundo momento analisamos os processos adotados para a inserção de dados na plataforma online do SIMEC, destacando algumas conclusões sobre a documentação gerada em seis unidades de ensino, discutindo em que medida o PDE-Escola incorpora ou não aspectos relacionados ao fortalecimento da gestão democrática no cotidiano escolar.

REFORMA DO ESTADO, PDE-ESCOLA E A GESTÃO DEMOCRÁTICA

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, lançado em 1995 pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), compreendeu um conjunto de reformas orientadas pela descentralização e privatização da administração pública.

Adrião (2006) afirma que a reforma se baseava na administração pública gerencial, segundo a qual, todo indivíduo, além de cidadão, é consumidor de serviço público, o que implicaria a necessidade de mudar as formas de organização e gestão do Estado.

A partir dos anos 90, intensificaram-se esses processos de privatização, redefinindo a função do Estado. O país passou a perseguir a estabilidade monetária como pressuposto reformador para adequação ao processo de globalização da economia.

A lógica empresarial passou a informar os investimentos no setor público. O Plano Diretor da Reforma do Estado propôs uma mudança de paradigma na qual o Estado provedor passasse a ter um caráter de Estado regulador das políticas públicas.

A contradição aparece na medida em que estes conceitos foram realocados do referido setor privado para a administração pública, pois, neste tipo de administração (pública), os conceitos de participação e autonomia adquirem significado político social, no sentido de serem mecanismos de ampliação do acesso das diversas classes sociais à conquista de um conjunto de direitos, diminuindo as desigualdades sociais.

Para que fosse possível a materialização do processo de reforma do Estado brasileiro, segundo os pressupostos da administração gerencial, foi necessário que houvesse um marco regulatório informando um conjunto de alterações na legislação, permitindo o avanço das premissas privatizantes. Desse modo, foi promulgada a Emenda Constitucional Nº 19, de 04 de junho de 1998, que modificava o regime de administração pública e dispunha sobre princípios e normas desta, contemplando servidores públicos e agentes políticos e prevendo controle de despesas e finanças públicas.

Em relação à administração de pessoal, a EC Nº 19 altera o Artigo 39 da Constituição Federal e, no § 7º (Artigo 5º), afirma que Lei da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios disciplinará a aplicação de recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade.

Para Adrião e Bezerra (2013), a EC Nº 19 colaborou com a ampliação da privatização de funções do Estado, na medida em que incorporou o “princípio da eficiência”, que passa a ter status constitucional (Art.37 da CF 1988).

É no contexto do ideário neoliberal que, no campo educacional, fortaleceu-se a ideia de que a melhoria da qualidade da educação estaria na adoção pelos sistemas de ensino de parâmetros de mercado.

Intensificaram-se os interesses privados na educação, que se institucionalizaram através das parcerias público-privadas, das Organizações Não Governamentais, representantes do chamado Terceiro Setor, objetivando inserir modos de pensar da iniciativa empresarial para gerir a coisa pública.

É neste contexto que surge o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), regulamentado pelo Decreto Nº 6.094, de 24 de abril de 2007, o qual dispunha sobre a implantação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, mediante a adesão dos entes federados aos programas e ações de assistência técnica e financeira.

Desse modo, a responsabilização e o controle social constituíram-se em pressupostos neste modelo de gestão educacional, em que se propõe desenvolver no conjunto da sociedade atitudes de responsabilidade e, sobretudo, de controle social sobre a ação dos governantes (SHIROMA; GARCIA; CAMPOS, 2011).

As transferências voluntárias e de assistência técnicas do MEC passaram a ser condicionadas à elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR) pelos municipíos. Nas unidades escolares, a materialização do Plano de Desenvolvimento da Educação, através da sistemática disponibilizada pelo PAR, se dá, de fato, pela elaboração do PDE-Escola, que pressupõe a utilização da metodologia de planejamento estratégico. (BRASIL, 2006)

Em contraposição a este contexto de intensificação dos interesses privados sobre o campo educacional de caráter público, entendemos que a gestão democrática na escola pública implica em uma dimensão política e não apenas técnica, quanto à organização educacional.

A gestão democrática da escola pública incorpora a participação popular na tomada de decisão, garantindo a apropriação da cultura humana nos processos administrativos, bem como na educação escolarizada de forma sistematizada e histórica (PARO, 2000). Além disso, compreende um processo político no qual as pessoas que atuam na escola identificam problemas, discutem, deliberam, planejam, encaminham, acompanham, controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da própria escola na busca de soluções. (SOUZA, 2009).

O Artigo 206 da Constituição Federal do Brasil, de 1988 (Capítulo III - da Educação, da Cultura e do Desporto; Seção I, da Educação), estabelece que o ensino seja ministrado com base em princípios, entre os quais o § VI- “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. Nesse sentido, torna-se importante a observação de Cury (2009), para o qual:

[...] a gestão democrática da escola e dos sistemas é um dos princípios constitucionais do ensino público segundo o art. 206 da Constituição Federal de 1988. Certamente, o pleno desenvolvimento da pessoa, marca da educação como dever do Estado e direito do cidadão, conforme o art. 205 da mesma Constituição, ficará incompleto e truncado se tal princípio não se efetivar em práticas concretas nos sistemas e no chão da escola (CURY, 2009, p.15).

Desta forma, ao analisar a autonomia, participação e gestão democrática do ensino, Mendonça (2001) lembra que o próprio regimento escolar, expressão jurídica por excelência da unidade escolar, é um exemplo de falta de autonomia da escola, já que, na maioria dos casos, ele tem uma forma única estabelecida pelas administrações centrais e aprovado pelos órgãos normativos dos sistemas, o que se configura em flagrante desrespeito às características pedagógicas e culturais específicas de cada escola, na sua relação com as comunidades locais.

Procurou-se apontar, portanto, nesta pesquisa, a contradição entre o modelo de planejamento estratégico informado pelo PDE-Escola, que tem como eixo norteador a eficiência e a eficácia, e a possibilidade de ampliação dos mecanismos de participação e autonomia na gestão das unidades públicas de ensino.

Entendendo a plataforma online SIMEC/MEC

Em 2008 foi criada a plataforma online Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação, que passou a ser utilizada para a elaboração do PDE-Escola. Este SIMEC/MEC manteve a mesma lógica e conteúdo do manual (impresso) anterior, “Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola” (MEC/2006), uma vez que a equipe escolar deveria continuar efetuando a análise situacional (diagnóstico) da escola com vistas à elaboração de seus Planos de Ação, agora se utilizando de uma nova ferramenta gerencial, online.

As informações escolares das unidades que participavam do PDE-Escola eram inseridas na plataforma, formando uma ampla base de dados para pesquisa, através de formulários pré-elaborados pelo MEC, segundo passo a passo descrito no documento “Manual de Usuário SIMEC/ PDE-Escola” (MEC, 2008).

Ao abrir o formulário de diagnóstico da escola selecionada, apareciam no menu as denominações dadas pelo MEC: Instrumento 1, Instrumento 2, Síntese da Auto avaliação e Plano de Ação.

Cada um destes itens deveriam ser preenchidos visando à elaboração dos Planos de Ação. É importante ressaltar que os gestores dos órgãos centrais tinham acesso a todas as informações, controlando as ações por meio de devolutivas às escolas, alimentando um histórico das inserções. O MEC considera o PDE-Escola como um momento para a análise de desempenho da unidade escolar, com a avaliação dos processos, resultados, relações internas e externas, valores e condições de funcionamento (MEC, 2006).

Após a análise situacional, os gestores organizavam a “visão estratégica”, em que eram elaborados os valores, visão de futuro, missão e objetivos estratégicos da escola. Além disso, havia a realização do plano de suporte estratégico, compreendido de estratégias, metas e planos de ação, para que se pudessem implantar os objetivos estratégicos. A cada meta correspondia um plano de ação, que se constituía em detalhamento das metas em ações, podendo ser mais ou menos detalhado. Segundo o Manual (BRASIL, 2008), para que um plano de ação fosse efetivado, os seguintes pontos deveriam ser observados: identificar corretamente o problema e o resultado que se queria alcançar (meta), identificar as causas do problema, desenvolver opções de soluções do problema, detalhar os planos de ação, executar e monitorar o plano de ação.

Na etapa de execução, os planos de ação estabelecidos pela escola são implementados de fato, no “chão da escola”, não tendo sido objeto de análise deste trabalho. Posteriormente ocorria o monitoramento e avaliação dos planos de ação, dos resultados alcançados e da adoção de medidas corretivas, quando necessárias.

Todo o processo de elaboração e implementação do PDE-Escola devia ser coordenado, segundo o Ministério da Educação (BRASIL, 2006), pela liderança da escola, que tinha no Diretor seu representante máximo, auxiliado por uma estrutura composta por: a) Grupo de sistematização do PDE-Escola; b) Comitê estratégico; c) Coordenador do PDE-Escola; d) Líderes de Objetivos Estratégicos; e) Gerentes dos Planos de Ação; f) Equipes dos Planos de Ação.

CONTEXTUALIZANDO OS PLANOS DE AÇÃO DESENVOLVIDOS PELAS UNIDADES PÚBLICAS DE ENSINO

Ao analisar a influência do PDE-Escola no que se refere às possibilidades e contradições em relação à construção da gestão democrática no cotidiano escolar, tornou-se necessário considerar os planos de ação não como encerrados em si mesmos, mas inseridos no contexto de implantação de políticas educacionais informadas por diretrizes da administração gerencial.

Um plano de ação constitui-se pelas seguintes informações: a) descrição da unidade escolar; b) objetivos estratégicos; c) líder de objetivo; d) estratégia; e) meta; f) indicador de meta; g) gerente de plano de ação; h) ações; i) revisão; e j) data de término. (BRASIL, 2008)

Segundo o Manual do Usuário SIMEC/PDE-Escola (MEC, 2008), os objetivos estratégicos são considerados como alvos a serem alcançados, compreendidos como situações que a escola pretenda atingir num dado período de tempo.

Quanto à formulação de estratégias, o referido manual informa os usuários de que estas devem emanar dos objetivos estratégicos, sendo a fase em que se avalia e se decide sobre os caminhos alternativos que permitem atingir os objetivos estratégicos. Cada objetivo estratégico deve gerar de duas a quatro estratégias expressivas, listadas de acordo com uma ordem racional ou de prioridade.

As metas, por sua vez, definem os resultados que devem ser atingidos para que os objetivos estratégicos possam ser alcançados. Descrevem as ações específicas quantificadas que irão apoiar as estratégias. Desdobram-se em planos de ação. A cada meta corresponde um plano de ação. Se num dado objetivo estratégico houver duas metas, dois planos de ação deverão ser elaborados, um para cada meta. Portanto, o plano de ação é o detalhamento das metas em ações.

Uma vez preenchidos todos os dados, o Grupo de Sistematização, na pessoa do Diretor da escola, envia o Plano para o Comitê Estratégico Estadual ou Comitê Estratégico Municipal, de acordo com sua esfera administrativa, para análise e aprovação. Caso no diagnóstico ou no Plano haja alguma inconsistência, o Comitê Estratégico da Secretaria envia de volta para a escola, descrevendo as devidas observações em um campo próprio. Uma vez analisado e aprovado o Plano, o Comitê da Secretaria faz as devidas tramitações para o MEC. Feitas as tramitações, o sistema registra um histórico. Estando de acordo, o Comitê Estratégico da secretaria envia o Plano para a equipe do PDE-Escola do MEC para análise e aprovação.

Para a compreensão dos dados levantados junto aos planos de ação das seis unidades escolares da rede estadual de ensino, foram utilizados elementos da análise de conteúdo. Segundo Moraes (1999), a análise de conteúdo é uma interpretação pessoal por parte do pesquisador com relação à percepção que tem dos dados, já que não é possível, para este autor, uma leitura neutra, pois toda leitura se constitui numa interpretação.

Foi com base no conteúdo manifesto e explicito que iniciamos o processo de análise. Franco (2005) afirma que é possível realizar uma sólida análise acerca do conteúdo “oculto” das mensagens e de suas entrelinhas, o que nos encaminha para além do que pode ser identificado, quantificado e classificado para o que pode ser decifrado, mediante códigos especiais e simbólicos.

Desse modo, foram formuladas inferências sobre a produção escrita dos agentes educacionais envolvidos no desenvolvimento dos planos de ação mediante a comparação de dados presentes nos discursos e símbolos textuais. Nesse sentido, foi essencial a interpretação das “falas” dos participantes do processo.

No caso específico desta pesquisa, optou-se pelo direcionamento da análise sobre a questão para dizer o quê,encontrada na produção textual.

No total, as seis unidades escolares (denominadas de Escolas A, B, C, D, E e F ) produziram dezoito diferentes planos de ação. Assim, a Escola A concluiu três planos de ação (porque formulou três metas diferentes) que foram avaliados e validados pelo Ministério da Educação. A Escola B concluiu dois planos; a Escola C concluiu e submeteu ao MEC três planos de ação; a Escola D finalizou três planos; a Escola E, quatro planos e a Escola F relacionou três planos de ação.

Encontramos nove ocorrências da expressão “Elevar o desempenho dos alunos”, o que corresponde a 50% de todos os planos de ação elaborados e validados pelo Ministério da Educação para esta amostra. Tal expressão é relacionada nas seguintes escolas: - Escola A, Escola C, Escola E e Escola F.

Também verificamos outros registros de objetivos estratégicos muito semelhantes nas formulações “Aumentar o desempenho dos alunos, principalmente nas disciplinas críticas: Língua Portuguesa e Matemática” (Escola A); “Aumentar o desempenho dos alunos, principalmente nas disciplinas e diminuir o índice de evasão através de práticas pedagógicas” (Escola D); “Melhorar o desempenho dos alunos nas disciplinas críticas como matemática” (Escola F) ou ainda “Melhorar o rendimento dos alunos na disciplina de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental e Médio” (Escola F).

Outras ocorrências levantadas para o item objetivo estratégico, de menor representatividade numérica, foram “melhorar as práticas pedagógicas da escola” (Escola A; Escola C), “fazer com que o pai participe da vida escolar do aluno” (Escola B), “capacitar para leitura e escrita” (Escola D) e “organizar os espaços e tempos na sala de biblioteca, laboratório de informática e multiuso” (Escola D).

Obtivemos, portanto, um primeiro agrupamento de intenções, quando, de forma genérica, o objetivo estratégico elencado constituiu-se em “elevar o desempenho acadêmico dos alunos”.

O segundo objetivo estratégico registrado pelas unidades escolares analisadas com mais de uma ocorrência se refere a “melhorar as práticas pedagógicas na escola”, na Escola A e outro da Escola C, como já afirmado.

Os objetivos estratégicos que registraram uma única ocorrência apresentaram a seguinte redação: “fazer com que o pai participe da vida escolar do aluno” (Escola B), “capacitar para a leitura e a escrita” (Escola D) e “organizar os espaços e tempos na sala de biblioteca, laboratório de informática e multiuso” (Escola D).

Quanto às estratégias, segundo aspecto analisado, algumas semelhanças foram constatadas. Assim, enquanto na Escola A o texto refere-se à estratégia como “adequação do espaço para melhor utilização no ensino aprendizagem”, nas Escolas C/E refere-se à estratégia ligada ao mesmo objetivo como “melhorar as condições dos ambientes pedagógicos”.

Quando as estratégias referiram-se a concentrar esforços em resolver problemas em disciplinas específicas, como Língua Portuguesa e Matemática, há a ocorrência de uma padronização do texto produzido. As intenções das equipes responsáveis pela elaboração do mesmo propuseram “adotar estratégias de ensino diferenciadas, inovadoras e criativas” (Escola B), “práticas de ensino diversificadas (Escola D) ou ainda “conhecer, desenvolver e incentivar novas práticas de ensino diferenciadas em sala de aula e implementar a proposta pedagógica da escola” e “melhorar a prática pedagógica dos professores em sala de aula em relação ao currículo e aperfeiçoar a prática metodológica” (Escola F).

Observa-se que as estratégias foram formuladas de modo genérico, não aprofundando a discussão dos temas tratados, sobretudo no que diz respeito a como fazer, quais metodologias utilizarem para se alcançar êxito nas estratégias e metas pretendidas. Finalmente, temos os procedimentos elencados como “descrição”, nos planos de ação, onde são inseridas as ações concretas de aquisição de material e recursos humanos necessários para a materialização do PDE-Escola no “chão da escola”. As descrições apresentadas se assemelham à prestações de contas de material adquirido, comuns nas unidades escolares, porém não há referências a procedimentos metodológicos para o aperfeiçoamento das deficiências que se propõe solucionar com a aquisição destes. Também, não há relação direta entre algumas metas e possíveis resultados. Por exemplo, como garantir que a aquisição de “material esportivo” possa contribuir para aumentar a participação dos pais ativamente nos eventos da escola? Em todos os formulários analisados, se registram descrições de caráter geral, como “utilizar os Horários de Trabalho Pedagógico Coletivo para ampliar os conhecimentos de todos com estudos, palestras e trocas de experiências”.

Pôde-se notar, desta forma, que houve por parte das unidades escolares pesquisadas premência na obtenção dos repasses de recursos, com pouco interesse no aprofundamento das questões pedagógicas dos porquês (motivos) destes investimentos. As unidades escolares se preocuparam com práticas cuja lógica dá-se através do planejamento estratégico, em ações de natureza contábil e focalizada, não permitindo, uma vez mais, discussões mais consistentes sobre os objetivos, estratégias e metas, que por si só já representam itens informados pela gestão gerencial.

A unidade escolar que mais se aproximou de aquisições que poderiam vir ao encontro do aperfeiçoamento da gestão democrática foi a Escola D, quando relacionou nas descrições “promover ação social para beneficiar a comunidade”.

Conforme análise dos dados e informações produzidos pelas seis unidades escolares, o PDE-Escola, portanto, foi compreendido como plano que incorporou elementos do gerencialismo, traduzidos no formalismo e racionalização técnica na gestão. Por sua vez, a democratização da gestão pública, sobretudo a partir de processos de ampliação da participação dos cidadãos, não foi foco de preocupação nos casos analisados.

Embora houvesse possibilidade para discussão sobre os responsáveis pela coordenação das etapas, tornou-se claro que houve um protocolo de realização, pré-estabelecido, de todo o processo de implantação do planejamento estratégico.

Os formulários disponibilizados pelo programa PDE-Escola pressupõem um instrumento técnico de organização da gestão. Notou-se que os próprios agentes educativos responsáveis pela inserção dos dados e informações no sistema online não se referiam a motivos macroestruturais responsáveis pelas condições às vezes precárias das unidades de ensino pesquisadas.

O detalhamento das condições de uso possibilitados pela plataforma apenas reforçaram necessidades de caráter técnico. Não se estabeleceu, a nosso ver, relação com as Diretorias de Ensino jurisdicionadas ou com a própria Secretaria de Educação do Estado e, deste modo, cada unidade escolar se auto avaliou a partir de um olhar interno.

Também se notou a ausência, nos comentários escritos nos formulários online, referências à participação da comunidade na tomada de decisões a respeito dos problemas e com que autonomia alguns deles poderiam ser resolvidos. Trata-se de um formulário de levantamento de dados da unidade escolar, que, num primeiro momento, é apenas ferramenta para elaboração de um plano de ação, mas, esperava-se que todos os documentos produzidos pudessem oferecer elementos para a democratização da gestão. Ficou evidenciada a centralidade da figura do diretor, denominado líder, na condução e controle de todo o processo de elaboração do PDE-Escola.

Verificamos a grande preocupação nos formulários online na descrição detalhada da unidade escolar, fazendo com que a equipe gestora tenha o controle sobre as necessidades de bens de custeio e capital a serem relacionados como prioritários para a escola nos planos de ação, bem como garantir a responsabilização dos profissionais envolvidos por quaisquer desvios que possam ocorrer durante o processo.

É importante, sem dúvida, que a escola disponha de dados que possam subsidiar a prática e mesmo oferecer mecanismos para o acompanhamento sobre as condições de aprendizado e permanência dos alunos na escola. Porém, refletindo sobre o preenchimento formal destes formulários como paradigmas do planejamento estratégico nas unidades escolares, e como poderiam fortalecer a gestão democrática da escola através do aprimoramento da participação e autonomia, observou-se que a produção destes documentos diz muito mais respeito a aspectos de natureza técnica, incorporando, ao mesmo tempo, uma falsa perspectiva da neutralidade política.

REFLEXÕES FINAIS

A pesquisa desenvolvida teve por objetivo analisar a influência do Plano de Desenvolvimento da Escola no processo de democratização da escola pública, procurando compreender se esse modelo de planejamento favoreceu ou não a participação nos processos de organização da unidade escolar.

Nos anos 90, emergiu, como ideologia neoliberal, a Reforma do Estado, que viria a informar a gestão pública a partir da lógica de mercado. Procuramos demonstrar, baseados em importantes estudos de Oliveira (2005); Harvey (2005); Lima (2008); Adrião (2006), entre outros, que, desde então, procurou-se converter a administração pública baseada em um modelo burocrático em administração pública gerencial. Importante nesse processo foi compreender a participação de outros mecanismos, como a Emenda Constitucional Nº 19, de 04/06/1998.

Analisou-se, para compreensão desta dinâmica, dados e informações produzidos online, na plataforma SIMEC/MEC, por unidades públicas de ensino, no município de Campinas/SP, referentes ao plano de governo denominado Plano de Desenvolvimento da Escola.

Constatou-se contraditória a possibilidade de fortalecimento dos processos de participação e autonomia da gestão escolar informados por uma política educacional direcionada para resultados. O que o PDE-Escola proporcionou foi, no máximo, o que Bruno (2003), definiu como participação e autonomia controlados, através do estabelecimento de uma “democracia política formal”.

Desta forma, os documentos analisados incorporaram mecanismos de responsabilização e controle, não permitindo o aprofundamento da reflexão sobre a práxis cotidiana. Não foram detectadas “falas” que permitissem concluir estar havendo fortalecimento de projetos políticos pedagógicos, participação efetiva da comunidade na tomada de decisões ou autonomia para definição de projetos.

Utilizou-se Paro (2000) para referenciar a compreensão de que não há democracia plena nas escolas, que estão permeadas pelo autoritarismo nas relações. Desta forma, procurou-se argumentar, na discussão teórica, que a gestão democrática da educação pública não comporta mecanismos de responsabilização e controle como propostos pelo PDE-Escola.

Concluímos que o PDE-Escola caracteriza-se por ser um plano em que todas as referências às ações autônomas e à participação da comunidade escolar tornaram-se enviesadas pelo objetivo principal da implantação do planejamento estratégico: obter junto ao Ministério da Educação o repasse de recursos, constituindo-se, nesse sentido, num plano de natureza contábil.

Pudemos verificar que o modelo gerencial que informa o PDE-Escola ressignificou os conceitos de participação e autonomia, tornando-os adequados a servirem como instrumentos de responsabilização e controle da gestão escolar, não contribuindo com a ampliação da democratização da gestão.

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