PLANEJAMENTO E PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO NO TOCANTINS: EMBATES CONTEMPORÂNEOS ENTRE MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO APARATO DE ESTADO

Resumo: Este trabalho, construído com pesquisa bibliográfica e documental, discute perspectivas imbricadas e em disputa que perpassam as normas e as diretrizes nacionais para o planejamento da educação pelos Municípios, a partir da Constituição Federal de 1988 e emanadas pelo Ministério da Educação; e aborda estas intencionalidades, em embate, presentes na política de elaboração de Planos Municipais de Educação no Estado do Tocantins, desencadeada em 2013 pela Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino, chegando à temática do alinhamento dos Planos ao Plano Nacional de Educação. Examina embates de forças sociais em contraste, relações intergovernamentais e suas repercussões na gestão da educação básica. Reitera obstáculos teóricos e políticos a um planejamento democrático.

Palavras-chave: Plano Nacional de Educação; Educação municipal; Observatório de Sistemas e Planos de Educação no Tocantins.


O planejamento no campo da política pública educacional brasileira, tomado a partir de seu processo histórico, não seria conhecido, não fossem os momentos em que entrou na pauta do desenvolvimento do País, sobretudo voltado àquele que atendesse aos interesses mercantis. Entra para a história, ainda, quando da discussão de sua inexistência, tendo em vista uma organização e sistematização da educação voltada para atender aos interesses dos trabalhadores (SOUSA, 2015).

Outro elemento fundante para agregar esta discussão à história é que “[...] é o modo de organização do aparato de Estado em face da sociedade em movimento que, em última instância, modula os tipos de planejamento.” (DUARTE; SANTOS, 2014, p. 75); assim como, de que, “No planejamento educacional, o desenho do horizonte a alcançar é dado pela concepção de educação adotada, que se fundamenta na concepção de pessoa humana e sociedade, vale dizer, de cidadania”. (BORDIGNON, 2011, p. 30); e que “se o plano educacional é instrumento de introdução da racionalidade na educação, é preciso ter presente que há diferentes tipos de racionalidade”. (SAVIANI, 2014, p. 8).

Sustentados por essas ideias, este trabalho retoma resultados de pesquisas (SOUSA, 2015; LAGARES, 2015) Este trabalho tem como referência básica: SOUSA, Adaires Rodrigues de. Política Pública de Planejamento da Educação Municipal no Tocantins em face do Plano Nacional de Educação 2014-2024: processos, resultados e disputas de intencionalidades. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Tocantins, 2015 e agrega o conjunto de pesquisas realizadas no Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão de Políticas Curriculares e Educativas (NEPCE/UFT), especificamente, no Subgrupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Educação Municipal da UFT/Observatório de Sistemas e Planos de Educação no Tocantins (ObsSPE). que discutem perspectivas imbricadas e em disputa que perpassam as bases normativas e as diretrizes e orientações nacionais para o processo de planejamento da educação pelos Municípios, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 Considerando este contexto como marco divisor no processo efetivo de institucionalização dos sistemas municipais de educação(LAGARES, 2007) (BRASIL, 1988) e emanadas pelo Ministério da Educação (MEC); e, também, intencionalidades presentes no processo da política pública educacional de elaboração e/ou adequação de Planos Municipais de Educação (PMEs) no Estado do Tocantins, desencadeado no ano de 2013, por meio da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) do MEC, com uma Rede de Assistência Técnica para a elaboração dos planos de educação pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, em atendimento e alinhados ao Plano Nacional de Educação (PNE) – Lei nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014a) O alinhamento dos PMEs do Tocantins com o Plano Estadual de Educação (PEE) não é objeto deste trabalho.. Discute o tema planejamento de políticas públicas no campo da educação municipal, problematizando-o à luz de dados recentes, de políticas e diretrizes normativas e documentais e das interfaces com outras dimensões das políticas educacionais no contexto atual, em especial, os PMEs no Tocantins Para maiores informações acerca da política educacional no Tocantins ver: LAGARES, Rosilene; ROCHA, Damião; OLIVEIRA, João Ferreira de (org.). Educação no Território Municipal: planejamento, gestão e currículo. Editora Espaço Acadêmico: Goiânia, 2015b. CAVALCANTE, Jemima G. Barreira. O princípio do regime de colaboração no Brasil e as relações entre os sistemas de ensino do Estado do Tocantins e do Município de Ponte Alta do Tocantins. [Dissertação de Mestrado]. Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Tocantins. Palmas, Tocantins, 2015; DOURADO, Luiz Fernandes; OLIVEIRA, João Ferreira (org). Políticas e Gestão da Educação no Tocantins – Múltiplos Olhares. Editora Xamã: São Paulo, 2008., elaborados no período entre 2013 a 2015, com suas perspectivas de planejamento presentes no processo de elaboração, bem como no formato e conteúdo dos referidos Planos. Examina embates teórico-políticos ou ideológico-políticos, relações intergovernamentais e suas repercussões na gestão da educação básica em Municípios, com a disposição, nesse momento, de trazer algumas questões que, ao se juntarem a outras apontadas por colegas da área, em publicações e em eventos científicos, possam vir a fazer parte de um debate cada vez mais amplo e rico.

Na contemporaneidade, essa é uma temática relevante, considerando a autonomia dos Municípios e suas atribuições na garantia do direito a educação, as perspectivas de implementação do PNE, de efetivação do regime de colaboração e de materialização do Sistema Nacional de Educação. As Conferências Nacionais de Educação (Conae 2010 e 2014) (BRASIL, 2010; 2014) e a Emenda Constitucional nº 59/2009 (BRASIL, 2009), fortalecedoras da discussão destas temáticas em âmbito nacional, articulam os planos de educação dos entes federados ao cumprimento das metas do PNE e à materialização do Sistema Nacional de Educação. Os Municípios assumem, então, um lugar de destaque no processo de planejamento e institucionalização da educação no Brasil (LAGARES, 2014).

O PNE aponta para maior colaboração e articulação dos sistemas de ensino, sobretudo visando elevar a qualidade da educação básica por meio de metas e estratégias que precisam ser acordadas e implementadas. Daí o desafio do planejamento democrático, articulado e colaborativo no tocante à oferta de educação básica. No entanto, o movimento e as disputas neste campo, em geral, mostram que os processos conservador e transformador estão imbricados, portanto, um espaço perpassado por avanços e recuos. Esse é um aprendizado que precisa ser registrado, com seus possíveis embates.

O caminho do estudo bibliográfico ultrapassou a simples observação de informações contidas nas fontes pesquisadas, permitindo imprimir sobre estas interpretações com base em teorias reconhecidas e atuais, com a compreensão crítica de possíveis significados, extraindo sentidos neles existentes (LIMA; MIOTO, 2007, p. 44), contribuindo para a elaboração de uma problemática. Com o mesmo cuidado científico, os documentos foram apreendidos como atividade que “nos permite ter acesso ao discurso para compreender a política. Não tomamos o texto como ponto de partida absoluto, mas, sim, como objeto de interpretação”. (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 439-0).

MODOS DE ORGANIZAÇÃO DO APARATO DE ESTADO: IMPLICAÇÕES E INTERFACES NO PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO PELOS MUNICÍPIOS

Se os textos são, ao mesmo tempo, produto e produtores de orientações políticas no campo da educação, sua difusão e promulgação geram também situações de mudanças ou inovações, experienciadas no contexto das práticas educativas. Relembrando que os textos de políticas não são simplesmente recebidos e implementados, mas, ao contrário, dentro da arena da prática estão sujeitos à interpretação e recriação. (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 430-431).

No Brasil, as normas vigentes reservam aos Municípios a responsabilidade primeira pela oferta e gestão da educação infantil e do ensino fundamental. Ao mesmo tempo, há iniciativas da União que tendem a pautar políticas na/para a esfera municipal, sobretudo por meio do estabelecimento de diretrizes e orientações nacionais, bem como de incentivos para que desenvolvam programas, projetos e ações, e merecem, por isso, um olhar mais atento a respeito de seus desdobramentos. Nesse cenário, encontra-se o planejamento da educação.

O planejamento no campo da educação é aqui concebido como em uma arena de disputas (SANDER, 2005), de embates entre racionalidades científica, distributiva dos recursos educacionais, tecnocrática, financeira e racionalidade social (SAVIANI, 1999). Como estratégia de aproximação da realidade concreta, compreendemos este planejamento imerso em, pelo menos, duas perspectivas imbricadas que sobressaem e que disputam os rumos da educação, sendo uma com vistas à conservação da estrutura societária vigente, que, com objetivos apenas imediatos, instituem mudanças periféricas e quantitativas no sistema educacional, sem questioná-lo; e outra que põe em questão e busca outra configuração para o sistema societário e educacional (SOUSA, 2015), que estabelece uma estreita ligação entre a reflexão educacional e as lutas pela construção da democracia no Brasil. Isto, a depender do grupo que o maneja (GANDIN, 2007).

Estas perspectivas permeiam/perpassam fontes normativas, como a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), o Plano Decenal de Educação Para Todos (BRASIL, 1993), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996), a Lei nº 10.172/2001 (PNE 2001-2010) (BRASIL, 2001), a Emenda Constitucional nº 59/2009 (BRASIL, 2009) e a Lei nº 13.005/2014 (PNE 2014-2024) (BRASIL, 2014a), as quais, em especial, a partir dos anos 1990, relacionam o planejamento da educação pelos Municípios à competência legal destas esferas em instituir seus próprios sistemas de educação (LAGARES, 2007).

Outro conjunto de fontes perpassadas por estas concepções são documentos oficiais nacionais emanados do MEC, sobretudo os elaborados durante a aprovação e a vigência do PNE 2001-2010, por meio do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para o Acompanhamento e Avaliação do PNE e dos Planos Estaduais e Municipais Correspondentes; bem como os textos construídos no processo de elaboração, aprovação e implementação do PNE – Lei nº 13.005/2014 (SOUSA, 2012; SOUSA; LAGARES, 2014; LAGARES, 2015a). Todos justificados como apoio e orientação aos Municípios na elaboração de seus PMEs:

    1. Documento Norteador para a elaboração do Plano Municipal de Educação (BRASIL, 2005a).
    2. Subsídios para o planejamento da Rede Escolar com base na experiência em Minicenso Educacional (BRASIL, 2005b).
    3. Subsídio para o Planejamento de Conferência Municipal de Educação (BRASIL, 2005c).
    4. Em 2010, o Documento Final da Conferência Nacional de Educação de 2010 (Conae) (BRASIL, 2010), que, também, faz referência à efetivação de planos estaduais e municipais para a consecução das diretrizes e metas do PNE, situando os PMEs como espaços de definição de políticas de Estado, por meio de gestão democrática;
    5. Em 2014, o Documento Base para a Conae (BRASIL, 2014b), também, faz menção aos planos decenais de educação dos entes federados como elementos para a organicidade das políticas, reiterando a necessidade de sua elaboração, bem como de sua implementação, acompanhamento e avaliação. Nesse processo, ainda, a democracia é defendida como princípio da gestão, com o necessário auxílio técnico e financeiro da União aos demais entes federados;
    6. Em 2014, a Lei nº 13.005 (BRASIL, 2014a, art. 7º e 8º e Meta 19) que aprova o PNE, explicita o dever dos entes federados com a elaboração ou a adequação de seus respectivos planos, com políticas articuladas federativamente e com base em princípios democráticos, com ampla participação de representantes da comunidade educacional e da sociedade civil;
    7. Também, em 2014, o MEC, por meio do SASE Nesse contexto, também, foi constituída uma Rede de Assistência Técnica para elaboração e/ou adequação dos Planos, pelo MEC/SASE, por meio, sobretudo de Avaliadores Educacionais (AEs), assim como foi produzido outro conjunto de documentos e realizados encontros de formação com Dirigentes Municipais de Educação e/ou técnicos dos Municípios, com o apoio do MEC, para estudar e discutir o material e o processo., elabora um conjunto com quatro Cadernos com o intuito de contribuir com Estados e Municípios na elaboração dos PEEs e dos PMEs Em 2016, a SASE já produziu o documento ‘BRASIL. Ministério da Educação (MEC). Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE). PNE em Movimento: Caderno de Orientações para Monitoramento e Avaliação dos Planos Municipais de Educação. Brasília, DF, 2016’.:

      7.1 Construindo as Metas do Seu Município (BRASIL, 2014c).
      7.2 Alinhando os Planos de Educação (BRASIL, 2014d).
      7.3 Conhecendo as 20 Metas do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014e).
      7.4 Plano Municipal de Educação: Caderno de Orientações (BRASIL, 2014f).

      As principais bases normativas e os documentos oficiais nacionais orientadores do processo de planejamento da educação pelos Municípios brasileiros explicitam distintos referenciais simbólicos dos atores sociais envolvidos no processo de planejamento, considerando esta ação como uma prática situada, sem neutralidade, com um caráter ideológico implícito ou explícito (VIEIRA; ALBUQUERQUE, 2002). O planejamento em uma concepção transformadora e o planejamento em uma concepção conservadora disputam os mesmos espaços e, por vezes, documentos e discursos, o que indica o caminho a uma reflexão para a possível ressignificação de conceitos, ou, na realidade, uma disputa de concepções, do PNE 2001-2010 ao PNE 2014-2024, com seus processos em todas as esferas (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005).

PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO NO ESTADO DO TOCANTINS: INTERFACES NO PROCESSO DE ELABORAÇÃO

Segundo Sousa (2015, p. 111), no Tocantins, em 2013, teve início o processo de elaboração e/ou adequação dos PMEs, como parte de uma política pública do MEC, sob a responsabilidade direta da SASE, voltada para o planejamento da educação pelos Estados e Municípios, tendo em vista a eminente aprovação da Lei do PNE: “Um Projeto Piloto foi organizado de forma a iniciar o trabalho da rede de assistência técnica (TOCANTINS/SEDUC/UNDIME, 2013).”

A partir do primeiro mês de 2014, o trabalho é intensificado:

Em janeiro de 2014 [...] o Projeto Piloto é alterado, pois uma nova estrutura se forma em torno da orientação e apoio aos Municípios. O que inicialmente estava voltado para um conjunto de apenas treze localidades estende-se a todos os Municípios do Estado. Desse modo, no dia 29 de abril, dois meses antes da sanção do PNE 2014-2024, é encaminhado a todos os Municípios, por meio da Undime, o Ofício nº 087 (UNDIME, 2014a) convidando os Dirigentes Municipais de Educação (DMEs) e mais um técnico de cada Município a fazerem-se presentes em uma Capacitação Estadual sobre elaboração e/ou adequação dos PMEs. (SOUSA, 2015, p. 111).

O trabalho seria “implementado por meio dos parceiros SASE/MEC, FNDE/MEC, CONSED, UNDIME e Secretarias Municipais de Educação, cada um desenvolvendo as responsabilidades que lhes foram atribuídas”, e com o objetivo de “mobilizar e apoiar por meio de assistência técnica a elaboração e/ou adequação dos planos educacionais do Estado e dos Municípios do Tocantins, de forma que atenda a realidade de cada território e esteja em consonância com a política nacional de educação”. (SOUSA, 2015, p. 121).

Todas as ações a serem desenvolvidas no Estado seriam fundamentadas e estruturadas a partir das perspectivas apontadas no conjunto de documentos da SASE/MEC, para a consonância com a política pública de educação ou, em outros termos, o alinhamento ao PNE. O que não poderia ser compreendido como simples reprodução ou cópia do PNE, devendo agregar as metas nacionais e garantir o atendimento das especificidades municipais, observadas a autonomia dos Municípios e suas atribuições normativas no campo da educação.

Sousa (2015) argumenta que são encontradas especificidades tanto no processo de planejamento quanto nos Planos. Relativamente ao planejamento, “As recomendações presentes nos documentos de política educacional amplamente divulgados por meios impressos e digitais não são prontamente assimiláveis ou aplicáveis.” Reiterando que “Sua implementação exige que sejam traduzidas, interpretadas, adaptadas de acordo com as vicissitudes e os jogos políticos que configuram o campo da educação em cada país, região, localidade; tal processo implica, de certo modo, uma reescritura das prescrições”. Tornando-se imprescindíveis as investigações: “[...] o que coloca para os estudiosos a tarefa de compreender a racionalidade que os informa e que, muitas vezes, parece contraditória, fomentando medidas que aparentam ir em direção contrária ao que propõem.” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 430-431).

Quanto aos Planos,

Os textos também são consumidos diferentemente em contextos sociais diversos (FAIRCLOUGH, 2001). Eles têm clara relação com os contextos particulares em que são produzidos e usados. [...] Como texto, podem ser descontextualizados do local de origem e recontextualizados numa nova montagem. (BERNSTEIN apud BOWE; BALL, 1992)”. (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 430-431).

O que deve se transformar em objeto de análise:

Nesse sentido, a “desconstrução” dos textos visando à compreensão de seu processo de produção torna-se um importante mecanismo de análise discursiva, na medida em que permite localizar as inconsistências dos textos, os pontos em que transgride os limites dentro dos quais foi construído. Composto por contradições, um texto não é restrito a uma única, harmoniosa leitura. Pelo contrário, torna-se plural, aberto a releituras, não mais um objeto para consumo passivo, mas um objeto a ser trabalhado pelo leitor para produzir sentido (BELSEY, 1980). (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 433). (Grifos nossos).

Buscando compreender aspectos do processo de produção, bem como inconsistências dos textos dos Planos e os pontos em que transgridem os limites dentro dos quais foram construídos, o autor observa que, em se tratando do dever de assimilar as metas nacionais aos PMEs, a partir da quantidade de metas em cada plano municipal do Tocantins, não é possível afirmar, necessariamente, que o alinhamento se deu em torno do PNE, com vinte metas, ou do PEE do Tocantins, com 24 metas (SOUSA, 2015, p. 153).

Em relação aos PMEs com número menor que vinte metas, o autor questiona qual meta do PNE deixou de ser contemplada no PME, ou melhor, qual meta o Município sinalizou a não colaboração, considerando que a numeração das metas, também, não seguiu a sequência ou do PNE ou do PEE do Tocantins (SOUSA, 2015, p. 153).

Em relação ao número reduzido de estratégias em cada meta dos Planos, tendo em vista os que se alinharam tanto ao PEE como ao PNE, também, questiona:

Quais estratégias não foram listadas como prioridade em cada Município? As estratégias explicitadas representam, de fato, o que o Município pode contribuir ou o que o Município já vem executando? Ainda, tal estratégia apenas preenche um espaço, tendo em vista que o Município se sentiu na obrigação de contemplar determinada meta e, assim, pontuar tal conteúdo, ou representa realmente o que o Município se propõe a contribuir? (SOUSA, 2015, p. 155).

A partir das informações, o autor conclui da possibilidade de certa confusão em relação à compreensão da ideia de alinhamento, produzindo Planos com formatos e, por vezes, conteúdos distintos:

Do esboço, em especial, das características gerais dos PMEs, relacionadas à formatação e ao conteúdo dos documentos, compreendemos que seja possível que o termo alinhamento tenha sido interpretado por Municípios [mas também pelos demais entes federados] de forma bastante distintas, significando, por vezes, reprodução/cópia, gerando, assim, Planos para satisfazer uma exigência legal, sem se ater às consequências de um processo de planejamento; ou, até mesmo, construindo-o com um fim em si mesmo, sem intenções de implementá-lo; ou, entendendo que tal processo conduza, por si só, às transformações desejadas, e, desse modo, concebendo um planejamento alienador/conservador. (SOUZA, 2015, p. 153).

Contudo, o mais provável não seja uma simples confusão, ou dificuldades de ordem técnica e/ou política, mas embates entre os modos de organização do aparato de Estado, ou melhor, entre concepções de planejamento; bem como acerca das competências constitucionais e legais dos entes federados no campo da educação. Fica, então, a necessidade da continuidade da investigação e discussão a respeito do objeto alinhamento dos Planos dos entes federados ao PNE.

UMA PROVOCAÇÃO À CONTINUIDADE DE ANÁLISES E AVALIAÇÕES

O planejamento da educação pelos Municípios brasileiros passa a ser quase que um consenso a partir anos 1990, sendo as duas primeiras décadas dos anos 2000 um contexto de vasta produção de normas e documentos institucionais com disposições, diretrizes e orientações nacionais para este planejamento. Buscando perspectivas que perpassam estas diretrizes e orientações e se fazem presentes no processo da política pública educacional de elaboração e/ou adequação de PMEs no Tocantins, o texto aborda uma batalha de ideias entre diferentes forças sociais em contraste, bem como reitera obstáculos teórico-políticos a um planejamento democrático, que não poderão ser calados ou padecerem de reflexões.

As duas concepções de planejamento, conservadora ou transformadora, imbricadas e em disputa, permeiam as bases normativas e os documentos oficiais, refletindo significativamente nas orientações e nas diretrizes para o processo de planejamento da educação pelos Municípios brasileiros. Os documentos nacionais agregam aspectos conceituais dos dois campos de intencionalidades no planejamento que ganham mais força na educação brasileira em sua história. No que tange a concepção transformadora, os documentos e normativas apresentam-se ao compreender o PME como sendo um Plano de Estado, e não somente um Plano de Governo; ao orientar o planejamento conjunto entre governo e sociedade agregando como necessários a avaliação e o acompanhamento tanto no processo de elaboração quanto de implementação do Plano; bem como ao perceber o planejamento como processo de crescimento humano. A concepção conservadora, apresenta-se, por vezes, em documentos e normativas, com a contínua ideia de Plano em seu sentido final, como produto concluído e com fim em si mesmo, e, assim, possibilitando a conservação do sistema societário vigente, na medida em que provoca apenas reformas superficiais sem que as estruturas sejam questionadas.

Os documentos apreendidos, desde o final dos anos 1980, se encontram inseridos em um contexto que apresenta concepções em embates e, por esse motivo, trazem conceitos que carregam significados que se modificam em situações distintas, de modo à ‘confundir’, ou melhor, persuadir.

O processo de elaboração e/ou adequação de Planos de Educação no Estado do Tocantins, desde o ano de 2013, demonstra esta arena de disputas, especialmente, em torno do significado e do sentido do planejamento democrático ou centralizado, do avanço do planejamento democrático-participativo, do comprometimento social efetivo, da competência técnica dos Municípios, da esfera de competências dos Municípios em relação aos Planos, da articulação dos PMEs com o SNE, da parceria com a SASE/MEC, do regime efetivo de colaboração entre entes federados, chegando à temática do alinhamento dos Planos ao PNE. O que, na realidade, significa uma discussão de intencionalidades.

Nos PMEs produzidos, de modo geral, apreendemos o embate teórico-político, revestido, em especial, na discussão acerca do alinhamento ao PNE. Os Cadernos do MEC/SASE, ao mesmo tempo em que admitem ser o alinhamento uma atenção a ser dada aos aspectos pactuados em nível nacional, e assim não delimitando a quantidade de metas, mas exigindo a corresponsabilidade para com todas, também, advertem para a necessidade de manter a mesma formatação e o mesmo conteúdo do PNE. E, a esse aspecto, apontando para a necessidade de que os PMEs contemplassem as mesmas temáticas do Plano Nacional, respeitadas as questões locais. O embate aparece, também, no entendimento dos Municípios frente às suas competências no campo da educação.

No processo discutido, sobressaíram [e permanecem] dúvidas como: era para fazer os Planos terem vinte metas e tratar de todas as temáticas do PNE?; Alinhamento da forma e de conteúdo é cópia?; Mesmo que um Município resolvesse tratar, por exemplo, da pós-graduação, deveria fazê-lo em relação à sua rede/sistema, no tocante a elevar a qualificação do pessoal, por exemplo?; O alinhamento era no que fosse pertinente às competências do Município no sentido de articular para alcançar as metas próprias e contribuir com as metas nacionais?; A SASE/MEC estava conduzindo de modo adequado o processo, ao não explicitar o que era o alinhamento na assistência aos Municípios?Questões que deverão, em nossa perspectiva, ser discutidas no processo de implementação, monitoramento e avaliação dos PMEs.

Esses embates políticos, somadas à demora em cada território para iniciar os trabalhos, inclusive, com mais de 70% dos Municípios realizando o processo de elaboração dos PMEs em dois meses, nos permite observar que, a despeito dos esforços da SASE/MEC, o País não pode ter apenas muitos planos e pouco planejamento. Menos, ainda, a pura e simples apropriação discursiva da participação. O que nos estimula a iniciar outras discussões, dentre elas, se houve uma versão minimalista de democracia ou uma socialização da participação política? Até que ponto conseguiu evitar a separação Homo faber e Homo sapiens?O acesso, a presença, as sugestões de alguns representantes do Poder Público e da Sociedade foram condição suficiente para forjar uma concepção transformadora no processo desencadeado pelo MEC, ou manteve a estrutura de valores que contribui para perpetuar uma concepção de mundo baseada na sociedade mercantil?

O trabalho no Tocantins mostra-nos, também, que a relação entre os entes federados continua sendo um ponto crítico a ser mais discutido e construído.

Por fim, outro aspecto a ser considerado, também, cerne da questão, não é o formato produzido pelos PMEs, mas os conteúdos distintos das metas nacionais, ou melhor, das perspectivas democráticas para a educação brasileira, permitindo indagar se das ‘transgressões e até confrontos’ nasce uma relação conflituosa com o PNE.

REFERÊNCIAS

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