O PLANEJAMENTO DA EDUCAÇÃO MUNICIPAL NO CONTEXTO DO PNE (2014-2024): UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE SERRA/ES

Resumo: Este texto objetiva analisar a elaboração do novo Plano Municipal de Educação de Serra/ES. No decorrer na década de 2000, houve a retomada do planejamento educacional no país como estratégia de gestão das políticas educacionais, que contam cada vez mais com a participação da sociedade civil em sua constituição. Na atualidade, o Plano Nacional de Educação 2014-2024 é considerado o epicentro do planejamento educacional e a partir dele, Estados e Municípios devem elaborar seus respectivos planos. Neste texto serão analisadas as estratégias traçadas pelo município de Serra/ES para a construção de seu novo Plano Municipal de Educação, como exemplo da realidade da educação brasileira.

Palavras-chave: Planejamento educacional. Planos Municipais de Educação. Gestão da educação municipal.


INTRODUÇÃO

Este texto deriva dos resultados da pesquisa de mestrado acadêmico intitulada “Sistemas municipais de ensino: a gestão das políticas educacionais do município de Serra/ES”. A partir de uma visão crítica, este texto tem como objetivo central analisar a elaboração do novo Plano Municipal de Educação do município de Serra/ES. Selecionamos um município capixaba a partir dos seguintes critérios: ser sistema de ensino e ter Conselho Municipal de Educação há mais de dez anos. Os critérios também utilizados na seleção do município foram: ser um município de grande porte, isto é, possuir mais de 200.000 mil habitantes, ter um número significativo de matrículas no contexto do Espírito Santo e ter condições relativamente adequadas de cumprimento constitucional da responsabilidade com sua educação de acordo com a estimativa do Produto Interno Bruto (PIB). Entre os municípios capixabas que atenderiam a esses critérios, selecionamos o município de Serra, aquele que possuía a maior número de matrículas em sua rede escolar no Espírito Santo no período que antecedeu a pesquisa. A intenção foi pesquisar um município que apresentava uma complexidade comum no país e, assim, levar esta investigação a revelar um exemplo do que ocorre na realidade educacional brasileira. Na primeira parte do texto, apresentaremos o papel do planejamento educacional e suas principais estratégias desenvolvidas no Brasil nas duas últimas décadas como ferramenta de gestão das políticas educacionais. Na segunda parte serão narradas as estratégias utilizadas na construção do novo Plano Municipal de Educação de Serra/ES, bem como uma análise crítica sobre esse processo. Como considerações finais, apontaremos as principais conclusões sobre a construção do novo PME de Serra, tendo como base teoria sobre o planejamento educacional e suas finalidades.

O protagonismo do planejamento na gestão educacional

A abordagem sobre planejamento educacional que utilizamos neste trabalho tem como premissas as seguintes condições elencadas por Ferreira (2013 p. 58):  

1) O planejamento é uma forma de intervenção do Estado; 2) O planejamento é sempre um processo de “desenvolvimento do tipo” capitalista ou socialista (PEREIRA, 1978); 3) O planejamento revela a relação de poder e a racionalidade hegemônica, além de ser uma técnica de alocação de recursos; 4) As possibilidades de realização de um planejamento ou de um plano são dadas pelo caráter técnico-administrativo, fiscal e político do Estado, mas, sobretudo pelo grau de participação da sociedade civil. 

Na análise de Ferreira (2013), o planejamento esteve presente no Estado burocrático capitalista nacional como parte integrante de um projeto de desenvolvimento para um país situado perifericamente na divisão internacional do trabalho. A partir dos anos 1990, o planejamento governamental é retomado como indispensável à gestão pública e assume centralidade como um dos mecanismos que permitem ao Estado interferir na conjuntura brasileira, por meio de instrumentos como o Plano Plurianual (PPA), ferramenta prevista na Constituição Federal de 1988. 

No governo do presidente Lula da Silva, sobretudo no segundo mandato (2007-2010), o Governo Federal manifestou-se de diversas formas a fim de favorecer a realização de uma organização sistêmica da educação nacional, tendo como princípio o protagonismo do planejamento educacional.

O lançamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) representou uma tentativa de retomar a prática do planejamento educacional no país a partir de diversas estratégias. O PDE condicionou o apoio técnico e financeiro disponibilizado pelo MEC por meio desse plano à assinatura do “Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação” pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. A iniciativa contou com a adesão voluntária de todos os Municípios brasileiros, dos 26 Estados e do Distrito Federal.

A execução das metas do plano contou com a estratégia do Plano de Ações Articuladas (PAR), ferramenta que auxilia os entes federados a realizar o diagnóstico, a elaboração, a implementação e a avaliação das políticas educacionais do ente federado a partir das demandas locais e do auxílio técnico e financeiro do MEC. O PAR é uma ferramenta de planejamento multidimensional e plurianual, cuja primeira versão se desenvolveu de 2008 a 2011 e teve como referência o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).

Os dados da pesquisa “Gestão das políticas educacionais no Brasil e seus mecanismos   de centralização e descentralização: o desafio do PAR”, iniciada em 2009, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fapes, na Universidade Federal do Espírito Santo, apontam como o PAR pode ser um meio de alcançar os objetivos planejados pelo Governo Central, visto que, tomando-se a qualidade na dimensão que lhe confere o Ideb, o PAR se revelou, nos depoimentos, “[...] como um meio de alcançar as metas do MEC para elevar os indicadores da educação, ou seja, as escolas mantiveram a estabilidade do índice ou apresentaram melhorias com relação ao resultado anterior do Ideb” (FERREIRA; FONSECA, 2013, p. 296). 

Esta pesquisa traz evidências sobre os impactos do desenvolvimento do PAR sob a gestão das políticas educacionais em diversos municípios brasileiros, bem como das implicações advindas desse modelo de planejamento educacional para a rotina da escola.  

Apesar de sua importância como política pública, o PAR não contribuiu, até então, de forma efetiva para a estruturação do Sistema Nacional de Educação (FERREIRA, 2014). Sua relevância, como instrumento político e técnico com capacidade de “[...] promover uma melhor organicidade da educação nacional, deve ser repensada em seus moldes, principalmente devido às peculiaridades de cada município/estado brasileiro e seus respectivos sistemas educativos”(FERREIRA, 2014, p. 17).  

Além do PDE e do PAR, outros planos e programas têm sido lançados pelo Governo Federal com o objetivo de estreitar as relações entre os entes federados. Como exemplo, podemos citar: Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (Pradime), Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação (Pró-Conselho) e o Programa de Desenvolvimento da Escola (PDE Escola). 

Em relação ao planejamento da educação, destacamos a Conferência Nacional de Educação (Conae), cujas edições se realizaram em 2010 e 2014 com iniciativa governamental (sociedade política) e incorporação da participação das organizações representativas dos diferentes segmentos da comunidade educacional (sociedade civil).

Em 25 de junho de 2014, a presidenta do Brasil, Dilma Rousseff (2011-2014), sancionou sem vetos o Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014) após quase quatro anos de sua tramitação no Congresso Nacional. O PNE estabelece metas para a educação brasileira ao longo dos próximos dez anos. O PNE anterior, vigente no período de 2001-2011, expirou sem que muitas de suas metas fossem cumpridas e em meio a planos e programas que sobrepuseram suas metas iniciais, como PDE, que foi lançado durante a vigência do PNE, e abarcou alguns de seus objetivos, deixando as metas do PNE em segundo lugar nas políticas educacionais concebidas no âmbito federal.  

Esse PNE expirou e a educação brasileira passou quase quatro anos sem um novo plano nacional, embora esforços estivessem sido realizados nesse sentido. Como exemplo, apontamos a realização da Conae, em 2010. “A avaliação do PNE evidencia que a ausência de cumprimento das metas não pode ser atribuída apenas à instância da União. Esta tem responsabilidades concretas, mas os estados, o Distrito Federal e os municípios são corresponsáveis pelos compromissos do Plano” (AGUIAR, 2010, p. 724). 

Tais contradições se reforçam no cenário brasileiro e voltam a protagonizar estudos e debates educacionais após a sanção do PNE vigente. Além de estabelecer metas para educação brasileira desde a educação infantil até o ensino superior, passando pela gestão e pelo financiamento do setor e pela formação dos profissionais, o desenvolvimento do PNE é fundamental para a configuração de um Sistema Nacional de Educação (SNE) e para a criação e o desenvolvimento de sistemas e planos de educação estaduais e municipais no país.  

Atualmente, o PNE (2014-2024) é considerado o epicentro do planejamento educacional desenvolvido em todo o país, pois representa as metas e os objetivos para a nação brasileira em termos de educação e se apresenta como fundamental para a constituição de um SNE. As implicações e as possibilidades advindas do PNE se multiplicam e ecoam nos Estados e municípios, mas como todo projeto coletivo, depende de planejamento participativo e do estabelecimento de estratégias para sua concretização. 

A construção do Plano Municipal de Educação de Serra/ES

A diversidade e a desigualdade social que caracterizam a sociedade brasileira e a interferência dos organismos internacionais na constituição das políticas para a educação devem ser analisadas de forma conjunta para a compreensão do planejamento educacional. Os desafios que se impõem ao desenvolvimento do atual PNE também estão presentes na constituição das políticas educacionais descentralizadas ou locais, embora as questões assumam outras proporções e particularidades.  

A efetividade do cumprimento de metas e de objetivos das políticas educacionais nos âmbitos federal, municipal ou estadual, tem como pressuposto a prática do planejamento educacional das ações postas como prioridade, considerando essa uma estratégia de importância fundamental para o sucesso das políticas educacionais, possibilitando que “[...] os planos educacionais sejam realizados de fato e não se tornem medidas para justificar políticas já definidas e implementadas, quando não a falta de políticas”, conforme anuncia Cunha (2009, p. 268). 

Tendo em vista a importância do PNE como ponto de partida para o planejamento da educação nos entes federativos e a necessária elaboração ou adequação dos planos de educação do Estados e Municípios, acompanhamos as estratégias adotadas pelo município de Serra/ES para a construção de seu Plano Municipal de Educação (PME), como um dos objetivos específicos da dissertação de mestrado cujos resultados, em parte, apresentaremos a seguir.

Durante os meses de maio, junho e julho de 2015 acompanhamos todas as atividades realizadas pelo Fórum Municipal de Educação (FME) para a organização do novo PME de Serra. O FME foi reconstituído em 2015 e convocado, extraordinariamente em virtude da necessidade de elaboração do novo PME. Constituído por 50 segmentos e uma Secretaria Executiva, o FME promoveu todas as etapas para a elaboração do PME: reuniões técnicas, audiências públicas, consulta pública on-line, “Dia D”, validação das propostas, envio da minuta com a proposta de plano pela Secretaria Municipal de Educação de Serra (Sedu) à Procuradoria-Geral do Município (Proger) e posteriormente, à Câmara Municipal, para aprovação do Legislativo.

A organização dessas atividades foi coordenada pela Secretaria Executiva do FME, composta por trabalhadores da Sedu. Com o objetivo de identificar a fase em que estava a elaboração do novo PME de Serra, dialogamos com assessores pedagógicos da Sedu e com o presidente do Conselho Municipal de Educação de Serra (Cmes) sobre o processo de construção do novo plano e sobre o plano anterior.  

A vigência do último PME de Serra terminou no ano de 2014, portanto, em março de 2015, período em que a entrevista foi realizada, o município estava sem PME.  Na análise de Andrade (2011, p. 244), a não existência de um PME é uma lacuna no processo de definição e de execução das políticas educacionais no município: 

Dentre essas lacunas ressalta-se inexistência do PME, tanto porque o município fica sem uma política estatal para a educação em seu espectro político-administrativo, deixando margem para que planos estratégicos de governos sejam reeditados, quanto porque o Poder Local não dispõe de balizador para a necessária articulação com os demais entes federados. 

A não existência de um PME em Serra durante um ano poderia ter significado a sobreposição dos planos e das estratégias de gestão, como os planos de ação, sobre a política educacional do município.  Mas, como o planejamento não era uma ferramenta cotidiana da Sedu, de forma objetiva, a ausência do PME por um ano não gerou impacto para a gestão do trabalho.   

Ao ser questionada sobre a função da Sedu na elaboração do novo plano, uma das assessoras pedagógicas da Sedu fez uma crítica aos segmentos sociais que participam da elaboração dos planos de educação: “Ficam esperando, eles acham que é obrigação da Secretaria de Educação sistematizar. Todo mundo quer participar na hora, mas, quando é para sistematizar, digitar, quem tem que fazer é a Secretaria” (Trecho extraído do Diário da Pesquisa). 

Nesse mesmo sentido, ela afirmou que o papel da Secretaria é “[...] fazer praticamente quase tudo, início, meio e fim” (Trecho extraído do Diário da Pesquisa). Quando questionamos a opinião dos assessores sobre o fato de a Sedu ser o órgão com mais representantes no FME, uma das entrevistadas respondeu: 

Sabe por quê? A secretária falou o seguinte: a secretária trabalhou no FNDE, trabalhou com várias consultorias, ela falou um negócio que eu concordo e que eu já vi acontecer a nível micro numa escola. ‘Ah, vamos fazer o Plano? Vamos fazer! Mas, se a Sedu não colocar a mão, tipo assim, a coisa não anda (Trecho extraído do Diário da Pesquisa). 

Em três momentos distintos, na implantação do FME, nas audiências públicas e nas reuniões técnicas, a secretária de Educação justificou o atraso na elaboração do plano e o não cumprimento do prazo estabelecido no PNE devido à morosidade do processo democrático, que é lento e trabalhoso. E ainda completou afirmando que, no âmbito do MEC, há um consenso de que a preocupação maior é com a qualidade do processo e não com o atendimento ao prazo. 

As falas dos assessores e da secretária evidenciam a necessidade de amadurecimento da prática da democracia e do planejamento educacional. A responsabilidade pelo PME é do município, e a condução desse processo é uma tarefa do Fórum Municipal de Educação, não apenas do Poder Público. A constituição de Fóruns e de Conferências no âmbito da União, dos Estados e dos Municípios é uma vitória conquistada pelos movimentos sociais organizados desde a década de 1980, com o objetivo reivindicar direitos, diminuir a desigualdade no país, aumentar a participação social e garantir a inclusão das bandeiras de luta dos diversos segmentos sociais no conteúdo dos planos de Estado.  

Em muitos casos, os planos de educação são elaborados apenas pela equipe de governo, que reflete suas propostas e intenções nos documentos de maneira isolada, sem a participação da sociedade e, dessa forma, não incluem as demandas sociais e as necessidades dos sujeitos cujos interesses estão sendo tratados nesse movimento.  A responsabilização do Poder Público e o entendimento de que o processo democrático é moroso podem significar que a democracia é ruim, pois é lenta, exige participação, debate e gera conflitos.

Quando os planos são construídos por uma pequena quantidade de pessoas, o processo é mais rápido, mas não reflete os interesses sociais. Ao analisar as formas de gestão democrática desenvolvidas nas escolas, Lima (2014, p. 1072) avalia que a participação na decisão emerge como uma dimensão central que confere sentido às práticas democráticas: 

Só o poder de decidir confere pleno sentido às práticas de governo democrático das escolas, rompendo com encenações participativas, com rituais, processos e métodos formalmente democráticos, mas a que falta substantividade democrática. A governação democrática não se limita ao cumprimento das regras e dos processos democráticos, por mais relevantes que estes também sejam, nem reproduz necessariamente as regras procedimentais e outras, uma vez que pressupõe um quadro de autonomia, isto é, um regime em que é possível, ao menos parcialmente e no respeito pelo quadro constitucional e jurídico público, construir as próprias regras (auto+nomos), certamente em coautoria com outras instâncias governativas superiores, mas definitivamente de forma não inteiramente subordinada às regras dos outros (heteronomia), podendo mesmo chegar à prática de atos administrativos definitivos e executórios.  

No Brasil, a participação social, por meio de Fóruns e de Conferências, é uma prática recente da qual os entes federados precisam se apropriar para solidificar o regime democrático e garantir que a sociedade civil atue nas decisões que dizem respeito ao seu futuro. É a partir da participação social nesses espaços de discussão que as experiências democráticas se fortalecem e se tornam um processo natural, não mais um caminho moroso e trabalhoso.

Assim como as práticas democráticas, o planejamento educacional também requer participação, argumentação, diagnóstico e avaliação. São processos que necessitam de tempo para se desenvolver, caso contrário, podem se transformar em apenas mais uma demanda ou cumprimento de uma obrigação.

A interferência do processo de elaboração do PME no cotidiano dos trabalhadores da Sedu foi muito perceptível durante o período de observação na Secretaria de Educação de Serra. Algumas assessoras pedagógicas deixaram todas as suas tarefas na Sedu e foram para outro local tratar apenas das demandas do novo PME: organização das reuniões técnicas, elaboração do diagnóstico, sistematização das propostas, planejamento das audiências públicas, entre outras questões.

O volume de trabalho, que já era grande, multiplicou-se e refletiu no desenvolvimento de outras tarefas, já que os muitos assessores precisaram deixar as atividades que estavam realizando para tratar das questões do plano. Para isso era preciso se ausentar da Sedu, trabalhar à noite, em casa e até mesmo nos finais de semana.  

A primeira atividade pública referente à construção do novo plano foi o evento de implantação do FME, no dia 30 de abril de 2015, em que aconteceu a nomeação dos representantes dos 50 segmentos com assento no FME e a primeira reunião técnica do Fórum.  A secretária leu todas as metas e mostrou alguns dados quantitativos sobre a educação municipal: número de escolas, matrículas na educação infantil e no ensino fundamental e quantidade de crianças e adolescentes fora da escola.

Ela destacou que não tinha a função de criar o PME sozinha, pois o plano deveria ser construído em conjunto com a sociedade civil e a comunidade escolar. Sua função era instituir o Fórum, que teria uma equipe técnica para acompanhamento e monitoramento do PME. Em contradição a essa fala, a secretária preferiu ignorar o movimento dos professores, que estavam parte externa do auditório em que acontecia o evento do FME, reivindicando melhores condições de trabalho e de remuneração.

No segundo momento de atividades do I Fórum Municipal de Educação, os representantes se reuniram para discutir e aprovar o Regimento do FME. Nem todos que estavam presentes na parte da manhã permaneceram. A proposta de Regimento foi projetada para apresentação, mas, como os presentes não tinham uma cópia do texto, solicitaram que a discussão do Regimento fosse feita em outro momento e que todos tivessem acesso ao texto para, com qualidade, sugerir mudanças.

A segunda reunião técnica do FME, foi realizada no dia 7 de maio de 2015 e teve como pauta a discussão e a aprovação do Regimento do FME. A etapa seguinte do processo de construção do PME foi “Dia D”, realizado no dia 12 de maio de 2015. Foram enviados formulários para todas as 125 unidades de ensino que compunham a Rede Municipal de Ensino de Serra para que a comunidade escolar propusesse estratégias para cada uma das metas do PME, tendo como base o texto do PNE 2014-2024. Nesse dia, não houve atividades com os alunos, o tempo foi dedicado para o desenvolvimento das propostas.

Após a realização do “Dia D” nas escolas, o próximo passo para a elaboração do PME 2015-2025 foi a realização das audiências públicas. Os eventos foram divulgados para as escolas via correio eletrônico e, para a sociedade civil, pelo sítio eletrônico da Sedu. As primeiras três audiências aconteceram simultaneamente no dia 26 de maio em três regiões do município.

Participamos da audiência realizada no Centro de Formação de professores da rede municipal de ensino de Serra. A secretária de educação iniciou, oficialmente, a audiência destacando a necessidade de elaborar o PME em cumprimento à Lei nº. 13.005/2014 e elencou algumas dificuldades decorrentes desse processo, como a demora no envio dos nomes dos representantes das entidades integrantes do Fórum.  

As audiências públicas temáticas aconteceram nos dias 28 de maio e 1º de junho de 2015. No primeiro dia, os grupos discutiram, simultaneamente, as seguintes temáticas:  educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, educação especial, educação de jovens e adultos e educação profissional, que correspondem às metas 1 a 11 do PNE. 

Participamos do Eixo sobre o Ensino Médio. Consideramos que esse foi um momento de intenso debate e, principalmente, conhecimento e problematização das fragilidades da educação municipal no que concerne à oferta educacional, à construção do currículo e à própria elaboração do PME, que deveria acontecer com subsídios necessários e consistentes para embasar as análises e as proposições. Percebemos também que a ausência de representantes dos estudantes e de gestores do ensino médio nas redes privada e estadual deixou um vácuo no debate, pois os sujeitos que vivem o ensino médio no Espírito Santo sabem de fato sobre a realidade dessa etapa do ensino.

No segundo dia de atividades temáticas, quatro grupos se reuniram para discutir: valorização dos profissionais da educação, ensino superior, gestão democrática, e financiamento. Optamos por acompanhar o eixo sobre financiamento. A apresentação que subsidiou as discussões sobre o financiamento da educação municipal foi muita rica em dados e em análises e promoveu a interlocução com dispositivos legais nacionais e municipais. A coordenadora demonstrou conhecimento sobre o financiamento e os gastos (federais, estaduais e municipais) em educação. O diálogo só foi prejudicado por questões técnicas, isto é, pela falta de dados disponíveis sobre o assunto abordado.

Para aqueles que não tiveram a oportunidade de participar das audiências públicas, houve a possibilidade de enviar propostas por meio da consultada pública on-line, que aconteceu de 10 a 16 de junho de 2015 por meio do acesso ao formulário disponível no portal eletrônico da Prefeitura de Serra.

Após o recebimento de todas as propostas, encaminhadas pelas unidades de ensino, audiências públicas e consulta pública on-line, um grupo pequeno, composto por funcionários da Sedu e alguns também membros do Secretaria Executiva do FME, digitalizou todas as propostas, o que resultou em um compêndio de mais de 500 páginas. 

Com o objetivo de organizar esse material de acordo com as metas e temas de cada estratégia recebida, algumas pessoas foram convidadas a contribuir nesse processo de sistematização. Não se tratou de uma convocação dos integrantes do FME, mas de uma “força-tarefa”, nas palavras da secretária de Educação, para organizar o material e possibilitar a posterior sistematização das propostas recebidas. Durante o mês de julho, a “Comissão de Sistematização” do FME organizou todas as propostas recebidas. Essa sistematização resultou em um documento que foi analisado e votado no fim do mês de julho. 

A terceira reunião técnica do FME foi agendada para os dias 23 e 24 de junho, com o objetivo de validar as propostas apresentadas para o texto do PME. Essa discussão teve início um mês após o fim do prazo determinado pela Lei 13.005 (PNE 2014-2024) para a elaboração dos planos Estaduais e Municipais de Educação. 

A reunião, que estava prevista para acontecer em dois dias, estendeu-se por seis dias e caracterizou-se como um momento singular na construção participativa do planejamento da educação municipal para os próximos anos. A discussão que foi realizada de maneira cuidadosa e atenta. Cada proposta sistematizada advinda da sociedade civil e da comunidade escolar foi lida e minunciosamente analisada pela plenária.  

Os segmentos que participaram de forma mais ativa foram Associação de Pais de Alunos do Espírito Santo (Assopaes), Cmes, Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Serra (COMDPD), Sindicato dos (das) Trabalhadores (as) em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes), União dos Conselhos de Escola das Unidades de Ensino da Serra (Uces), além da secretária de Educação de Serra e dos assessores pedagógicos vinculados à Sedu.

Esse foi o último momento em que o Fórum Municipal de Educação se reuniu em 2015 para a elaboração do novo PME, pois não houve Conferência Municipal de Educação, que deveria ter ocorrido com ampla divulgação e com participação de membros da sociedade civil sem assento no Fórum Municipal de Educação, como aconteceu nos municípios de Vitória e de Cariacica, por exemplo.  

Após o encerramento do processo de validação das propostas do PME, foi elaborado um documento com esse conteúdo, que se transformou na proposta de minuta do novo PME. Essa minuta foi encaminhada pela Sedu à Procuradoria-Geral do Município Proger e, em seguida, ao Poder Legislativo para análise e votação. O texto do PME para o período de 2015 a 2025 tornou-se público por meio da Lei nº. 4.432, de 4 de novembro de 2015, que “Aprova o Plano Municipal de Educação da Serra - PMES e dá outras providências”. O texto da lei está disponível no Diário Oficial dos Municípios do Espírito Santo. 

Considerações finais

Segundo Saviani (1999, p. 132-133), os planos de educação devem ser elaborados a partir de passos básicos:  

a) Efetuar um diagnóstico das necessidades educacionais a serem atendidas pelo Sistema de Ensino Municipal [...]; b) Explicitar as diretrizes que orientarão a elaboração do plano, justificando as opções adotadas e as prioridades assumidas; c) Definir as metas a serem alcançadas distribuindo as num cronograma que indique as etapas a serem vencidas ao longo do tempo de vigência do plano; d) Especificar, para cada setor e respectivas metas, os meios disponíveis e aqueles que deverão ser providos [...] e) Elaborar um quadro claro dos recursos financeiros disponíveis assim como das fontes de recursos adicionais [...]. 

Com base nessa referência, podemos analisar com mais precisão o processo de elaboração do PME 2015-2025 de Serra. Em primeiro lugar, destacamos que as etapas de apresentação e discussão das propostas foram realizadas sem que houvesse um diagnóstico completo e conciso sobre a realidade educacional do município de Serra, o que implicou discussão de metas e estratégias a partir de dados deslocados, generalizados e um pouco antigos. 

Consideramos que diagnóstico consiste não só na apresentação de dados estatísticos, mas também na análise desses dados, em confluência com as metas e estratégias do PNE e a capacidade financeira do município. O diagnóstico foi elaborado durante o período de construção do plano e foi brevemente apresentado somente após a sistematização das propostas do PME. Ele foi constituído por uma equipe multidisciplinar. É um documento muito bem organizado e fundamentado e deve servir como instrumento de gestão tanto para a Sedu quanto para outras instituições educacionais. Embora seja um documento de muita qualidade, esse não foi um potencializador para as discussões imediatas e coletivas.

Dessa forma, concluímos que não houve a apresentação de um quadro claro dos recursos financeiros disponíveis assim como das fontes de recursos adicionais como forma de planejar as ações de forma concreta e também não houve a necessária articulação com o PME 2004-2014 para a análise de suas metas e estratégias para a elaboração de novas propostas. Essas ausências levam a questionar sobre o real significado e importância do planejamento na concretude da gestão do sistema de ensino. 

Além da ausência de um diagnóstico consistente, também destacamos que o FME atuou durante quase três meses sem Regimento Interno, pois o Regimento discutido e aprovado em maio de 2015 só foi socializado em julho de 2015, data da primeira reunião para validação das propostas do PME.

Outro ponto frágil na elaboração do PMES foi a não realização da Conferência Municipal de Educação, evento em que as propostas para o PMES deveriam ser apresentadas, discutidas, modificadas e aprovadas. As reuniões foram realizadas pelo FME e contaram com a participação de representantes de diversos segmentos, que discutiram, minunciosamente, as propostas do PME.

Por mais que esses encontros tenham se desenvolvido de forma participativa, consideramos que eles não deveriam substituir a Conferência Municipal de Educação, evento em que a sociedade civil e a comunidade educacional seriam convidadas a acompanhar e a conhecer as propostas para o novo plano.  

Entendemos que o FME representa a comunidade educacional e a sociedade civil, no entanto muitos sujeitos que não estão vinculados a segmentos com assentos no Fórum também possuem direito de participar do processo construção do plano, já que seus interesses estão diretamente relacionados com esse instrumento, que consiste no planejamento educacional do município para a próxima década.  Em que pese o atraso na elaboração do PMES e o curto tempo em que foi elaborado, ressaltamos, positivamente, o esforço em convocar a sociedade civil e a comunidade escolar para participar ativamente de todo o processo de forma democrática.

O FME é um órgão fundamental para a gestão democrática do Sistema de Ensino de Serra e deve ser uma instituição presente nas principais decisões que envolvem a gestão da educação municipal. Em 2015, o Fórum foi reconstituído e convocado, extraordinariamente, para a elaboração do PME, mas, a partir de 2016, o FME deve continuar atuante e representativo das demandas sociais, tanto para o acompanhamento do PME, quanto para outras questões educacionais. Para saber se realmente será assim, é importante que novas pesquisas continuem a acompanhar esse processo de democratização das discussões e implantação das políticas educacionais do município de Serra.

Em suma, o processo de elaboração do novo PME evidenciou a falta de articulação com o instrumento de planejamento proposto pela União, o PAR; a falta de articulação com o Plano Municipal de Educação anterior, vigente de 2004 a 2014; as formas de intervenção do Estado na educação e a fragilidade das práticas democráticas no país, entre outras dificuldades ao exercício do planejamento educacional.

Referências

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