APLICAÇÃO DOS RECURSOS FINANCEIROS DA EDUCAÇÃO NOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DE GOIÁS

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar os gastos da educação nos dez menores municípios goianos, em matrícula, no ensino público municipal, que tiveram perdas de recursos financeiros após a criação Fundeb, em 2007. A análise está sustentada nos dados disponibilizados no sítio do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM). A maior parte dos recursos financeiros da educação foram gastos com folha de pagamento e com transportes de pessoas. Espera-se que essa investigação contribua para a compreensão da implementação de políticas públicas de financiamento da educação, em especial, a política de fundos para educação adotada nas últimas décadas no Brasil.

Palavras-chave: política de fundos; financiamento da educação; FUNDEB.

Introdução


A política de fundos introduzida nos anos 90 inaugurou uma nova maneira de financiamento da educação pública básica. As regras criadas pela Constituição Federal de 1988 foram alteradas no sentido de ‘refinar’ ou ‘melhorar’ a forma de financiamento de recursos vinculados ao ensino. Antes da introdução dessa política, os municípios podiam aplicar os recursos vinculados sem necessariamente ter alunos matriculados em sua rede. Agora, para ter acesso aos próprios recursos ou ter complemento de dinheiro de outros entes federados, devem, obrigatoriamente, ter alunos matriculados em sua rede de ensino.

Neste artigo nos interessa, em particular, identificar e analisar os gastos da educação nos municípios com menor número de matrícula na rede pública municipal. A investigação foi realizada em dez municípios goianos Aloândia, Anhanguera, Cachoeira de Goiás, Ivolândia, Guarinos, Marzagão, Moiporá, Nova Aurora, Palmelo e Professor Jamil. com menor número de matrícula pública municipal, em 2007, no ano da implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Os dez municípios com o menor número de matrícula tiveram e têm déficit financeiro em função da adoção da política de fundos, ou seja, receberam menos recursos financeiros dos fundos do que contribuíram.

A análise foi desenvolvida a partir do acesso aos dados do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM) sobre os gastos da educação dos municípios goianos. As informações sobre escolas e alunos foram extraídas dos microdados do Censo Escolar do MEC dos anos de 2007 a 2014.

A população dos dez menores municípios goianos em matrícula na educação básica pública municipal varia entre 1.000 e 3.300 habitantes. A maioria desses municípios teve crescimento demográfico negativo, enquanto a taxa de crescimento geométrico de Goiás ficou em torno de 1,84%. O município de Guarinos (-2,16%) teve a maior taxa de crescimento negativo. Somente quatro municípios (Anhanguera, Marzagão, Nova Aurora e Palmelo) apresentaram taxa geométrica de crescimento positiva. Destes, somente o município de Anhanguera teve taxa superior a 1%.

Dos dez municípios analisados, quatro possuem mais de 400 km² de área territorial. O município de Ivolândia (1.262,837 km²) sozinho possui área territorial superior aos municípios de Aloândia, Anhanguera, Marzagão, Nova Aurora, Palmelo e Professor Jamil.  Os municípios com grandes extensões territoriais necessariamente têm que disponibilizar boa parte de recursos da educação para transportar alunos da zona rural.

Justamente os municípios com as maiores extensões territoriais possuíam também uma considerável parcela da população vivendo na zona rural. Em 2010, o município de Guarinos tinha 50,8% da população na zona rural, Ivolândia 42,3%, Moiporá 55,6% e Professor Jamil 43,2%.

As receitas municipais dos dez municípios analisados dependem praticamente dos recursos financeiros transferidos pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM). No cômputo dos impostos arrecadados e das transferências constitucionais desses municípios, o FPM ultrapassa, na quase totalidade das municipalidades, mais de 70% das receitas municipais.  Em 2011, o FPM representou 82,9% das receitas de impostos e transferências constitucionais do município de Anhanguera. O município de Professor Jamil teve o menor percentual do FPM na composição das suas receitas. Em 2011, esse percentual foi de 68,5%.

Dos recursos financeiros advindos do FPM e demais transferências constitucionais obrigatoriamente 20% estão vinculados ao Fundeb. Necessariamente, para acessar esses recursos, Estados e municípios devem ter alunos matriculados em suas redes de ensino. Como os dez municípios analisados possuem poucos alunos matriculados em suas respectivas escolas, naturalmente tiveram também modesto acesso aos recursos do Fundeb.  Nesse sentido, a política de fundos, por meio do Fundeb, tem alterado de maneira significativa as finanças municipais.

A origem dos gastos da educação

A evolução dos gastos em educação nos dez municípios com menor número de matrículas após a implantação do Fundeb (2007) apresenta oscilações O Tribunal de Contas dos Municípios Goianos (TCM), a partir de 2013, alterou a forma de apresentação dos gastos da educação. O demonstrativo das receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) consta somente as despesas dos recursos vinculados à educação, desta forma ficaram de fora os recursos advindos do salário educação e demais convênios estabelecidos com o FNDE.. Alguns municípios tiveram aumentos significativos nos gastos da educação, outros reduziram os seus gastos.  Em 2014, o município de Aloândia aumentou em 60,3% os seus gastos em educação, em comparação com o primeiro ano de vigência do Fundeb (2007). Em contrapartida, o município de Moiporá reduziu o seu gasto em educação em 1,3%. Enfim, ao longo dessa série histórica, os dez municípios analisados apresentaram disparidades consideráveis nos gastos da educação, como mostra a Tabela 01.

Tabela 01: Evolução dos recursos financeiros gastos em educação nos dez menores municípios goianos em matrícula na educação básica municipal (2007-2014) – (valores em R$, a preços de dezembro de 2015, corrigidos pelo IPCA)


Ano

Aloândia

Anhanguera

Cachoeira de Goiás

Guarinos

Ivolândia

Marzagão

Moiporá

Nova Aurora

Palmelo

Prof. Jamil

2007

689.591,86

986.357,38

1.140.968,64

1.136.579,51

1.351.867,09

828.252,05

1.238.148,30

1.356.104,01

1.241.605,95

1.122.608,96

2008

873.997,50

1.151.037,89

1.237.750,74

1.186.893,72

1.355.744,86

993.470,58

1.496.803,75

1.572.699,78

1.405.251,10

1.235.516,27

2009

810.823,91

1.018.964,18

1.318.179,96

1.183.510,80

1.341.821,93

908.521,73

1.036.358,80

1.159.224,00

1.484.375,30

1.581.708,05

2010

844.902,93

1.002.705,99

1.223.930,64

1.204.466,52

876.011,07

956.994,15

1.015.855,07

1.482.587,75

1.604.476,80

1.645.283,77

2011

963.390,05

1.009.709,68

1.403.265,30

1.681.079,41

1.227.875,75

1.457.410,44

1.044.311,74

1.480.988,35

1.904.467,09

2.163.714,72

2012

1.129.667,99

1.136.790,62

1.573.922,39

1.739.197,85

1.283.298,31

1.701.148,09

1.165.314,80

1.617.910,10

1.666.432,25

2.521.923,89

2013

719.345,33

1.413.430,36

1.189.509,03

1.773.339,49

946.865,46

1.318.612,76

1.400.576,78

1.352.338,18

1.693.136,42

2.300.379,30

2014

1.143.925,32

1.380.420,89

1.131.814,59

1.907.204,95

1.279.413,02

1.173.918,53

1.221.877,94

1.199.851,60

1.696.115,58

2.168.981,01

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados primários do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM).

Três fatores podem explicar as oscilações nos gastos da educação nesses dez municípios. Em primeiro, aponta-se o desempenho do repasse de recursos do FPM ao longo dos últimos anos. Lembre-se que os dez municípios analisados dependem expressivamente dos recursos advindos do FPM. De acordo com dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM), os repasses dos FPM tiveram trajetória de crescimento, desde 2003 a 2008. Em 2009 e 2010, os recursos desse Fundo foram reduzidos em função da crise econômica e pela desoneração fiscal que o governo federal fez no Imposto de Renda (IR) e no Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Em 2010, os repasses do FPM tiveram redução de 1,2% em relação a 2009, e 5,6% em relação a 2008 (CNM, 2010).

Outro fator, talvez o mais importante, é a oscilação do número de matrícula ofertado pelos municípios investigados. Sabe-se que o critério principal para distribuição dos recursos do Fundeb é o número de matrículas que cada município e o Estado possuem nas suas respectivas redes.  O terceiro fator que pode influenciar nos gastos da educação dos municípios é o percentual de impostos que a gestão municipal aplicou em educação.

O município de Professor Jamil apresentou um dos melhores acréscimos nos gastos da educação. Dois motivos explicam esse aumento nos gastos. Em primeiro, o pequeno incremento nas matrículas municipais. Em 2007 foram matriculados 112 alunos; em 2010 as matrículas aumentaram 17,9%.  Mas o que motivou o aumento nos gastos da educação do município de Professor Jamil foi, principalmente, a ampliação do percentual aplicado em educação nos últimos anos. Em 2007, segundo dados do TCM, a gestão municipal aplicou 27,03% dos impostos e transferências constitucionais em educação; em 2009 o percentual aplicado foi de 31,9%; em 2011, o percentual foi elevado para 32,2% e em 2014 esse percentual foi elevado para 35,23%.

O município de Marzagão também teve aumento expressivo nos gastos da educação. Após oito anos de implantação do Fundeb, a municipalidade conseguiu ampliar em 70,5% os gastos da educação. O principal fator que explica esse aumento foi à ampliação das matrículas nas escolas municipais. Em 2007, foram matriculadas 103 crianças em creche e pré-escolas. Em 2012, as matrículas aumentaram 78,6%, já que o município passou a matricular crianças no ensino fundamental (anos iniciais), como mostra a tabela 2.

Tabela 2: Evolução da matrícula pública municipal nos dez menores municípios de Goiás em matrícula (2007-2014)


Município

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Professor Jamil

106

105

93

116

104

112

102

90

Moiporá

122

98

98

95

77

104

107

91

Anhanguera

118

103

102

126

88

95

75

100

Nova Aurora

57

67

65

77

76

51

54

56

Marzagão

89

83

68

100

148

159

135

116

Guarinos

80

77

85

156

192

187

207

198

Ivolândia

55

65

57

58

48

74

89

81

Cachoeira de Goiás

59

48

49

51

56

61

79

98

Palmelo

57

45

39

68

98

92

103

92

Aloândia

38

38

12

52

46

38

16

48

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados primários do Mistério da Educação (MEC)

Os municípios de Guarinos, Cachoeira de Goiás, Palmelo e Aloândia tiveram acréscimos no número de matrícula em 2014 em comparação com o ano de 2007. Desses municípios, Guarinos foi que teve o maior aumento nas matrículas municipais, que passaram de 80 para 198 em 2014. Com exceção do município de Aloândia, os demais aplicaram nos últimos anos na educação percentual de impostos e transferências constitucionais acima do mínimo (25%) exigido pela Constituição Brasileira. Em 2011, o município de Palmelo aplicou 35,1%, Cachoeira de Goiás, 30,7%, e o município de Guarinos aplicou 31%.

O município de Moiporá apresentou as maiores reduções nos gastos da educação dos dez municípios analisados. A gestão municipal reduziu o percentual de impostos e transferências constitucionais gastos na educação. Em 2007, gastou em educação 29% e em 2014 esse percentual foi reduzido para 27,3%. Mas o motivo principal para diminuição dos gastos com educação foi a redução do número de alunos matriculados na rede municipal. Em 2007, foram matriculadas 122 crianças; em 2014 foram matriculadas somente 91 crianças, uma redução de 34%.

O município de Ivolândia apresentou, ao longo dos anos em análise, redução nos gastos da educação, principalmente no ano de 2010. A explicação da redução nos gastos da educação não está na diminuição no número de matrículas nas escolas municipais, pois esse município não teve redução no número das matrículas nesses anos. A principal causa do arrefecimento nos gastos da educação, em 2010, foi a diminuição drástica nos repasses dos recursos do salário educação feito pelo FNDE ao município. Em 2009, o município recebeu mais de R$ 300 mil de repasse. No ano seguinte, 2010, foram repassados somente R$ 15.000,00. Não foi possível apurar os motivos dessa drástica redução.

O município de Nova Aurora apresentou redução significativa nos gastos da educação somente no ano de 2009; nos demais anos mantêm-se os gastos da educação sem grandes oscilações. O que motivou essa queda nos gastos da educação nesse ano foi a diminuição do percentual dos impostos e transferências constitucionais aplicados em educação. Em 2007 a gestão municipal aplicou 35,4% dos impostos em educação e em 2009, o percentual aplicado diminuiu para 27,8; em 2011 o percentual elevou para 30,8%.

Aloândia foi um dos municípios que apresentou o maior gasto por aluno/ano entre os dez municípios investigados. Em 2007, a administração municipal gastou R$ 18.147,15 com cada matriculado em suas escolas municipais. Em 2013, esse valor foi elevado para R$ 44.959,08, um acréscimo real de 147,7%. O município de Guarinos teve a maior perda no período analisado. Em 2007, a municipalidade gastou R$ 14.207,24. Após oito anos, esse valor foi reduzido para R$ 9.632,35, uma queda de 32,2%.

Tabela 03: Evolução do gasto/aluno/ano da educação básica pública municipal nos dez menores municípios goianos em matrícula (2007-2014) – (valores em R$, a preços de dezembro de 2015, corrigidos pelo IPCA).


Município

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Professor Jamil

9.201,71

9.652,47

13.753,98

12.464,27

18.493,29

19.549,80

15.974,86

16.684,47

Moiporá

10.148,76

15.273,51

10.575,09

10.693,21

13.562,49

11.204,95

13.089,50

13.427,23

Anhanguera

8.358,96

9.672,59

8.938,28

7.162,19

9.436,54

9.716,16

15.704,78

11.314,93

Nova Aurora

12.217,15

13.215,96

8.782,00

12.458,72

14.378,53

16.018,91

12.183,23

10.168,23

Marzagão

8.041,28

7.469,70

7.326,79

6.214,25

8.832,79

9.776,71

7.366,55

7.573,67

Guarinos

14.207,24

15.414,20

13.923,66

7.720,94

8.755,62

9.300,52

8.566,86

9.632,35

Ivolândia

17.331,63

13.036,01

15.974,07

9.842,82

16.156,26

14.750,56

9.374,91

13.467,51

Cachoeira de Goiás

19.338,45

25.786,47

26.901,63

23.998,64

25.058,31

25.802,01

15.057,08

11.549,13

Palmelo

21.782,56

14.194,46

21.512,69

15.280,73

12.253,18

14.003,63

13.545,09

14.878,21

Aloândia

18.147,15

22.999,93

67.568,66

16.248,13

20.943,26

29.728,11

44.959,08

23.831,78

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados primários do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM)

Em 2012, os dez municípios, com exceção de Guarinos, Ivolândia e Palmelo, tiveram acréscimo acima da inflação no gasto por aluno/ano, quando comparado ao ano de 2007. Guarinos e Palmelo apresentaram redução no gasto por aluno em 2012 porque aumentaram as matrículas em suas escolas.  O município de Guarinos, por exemplo, aumentou em 140% o número de matrículas nas escolas municipais; em Palmelo o acréscimo foi de 149%.

Os dez municípios investigados apresentaram, no período em análise, gasto por aluno/ano muito acima do mínimo estabelecido nacionalmente. Em 2011, o mínimo previsto pelo MEC para gasto aluno/ano do ensino fundamental anos iniciais foi R$ 2.272,38. O município de Guarinos, entre os dez, foi o que gastou o menor valor por ano, mesmo assim, o valor aplicado foi 285,3% acima do mínimo estabelecido nacionalmente.

2. Gastos da Educação

A partir desse momento, descrevem-se e analisam-se os gastos da educação dos dez menores municípios goianos em matrícula na educação pública municipal. Os procedimentos de descrição e análise tomam como base os dados de despesas disponibilizados no sítio do TCM/GO. Para qualificar essa análise, serão utilizados, quando se fizerem necessário, os dados e os microdados do Censo Escolar.

2.1 Gastos com folha de pagamento

Os percentuais gastos com folha de pagamento de professores e demais funcionários da educação dos dez menores municípios goianos em matrícula na educação básica pública são bastante diversificados. Há municípios que gastam com folha a maior parte dos recursos financeiros disponíveis; outros gastam menos da metade dos recursos com pagamentos de professores e demais funcionários, como mostra a Tabela 4.

Tabela 04: Evolução do percentual dos gastos da educação com folha de pagamento nos dez menores municípios goianos em matrícula na educação básica municipal (2007-2015)

Município 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

2014

Professor Jamil

15,8

28,8

42,0

55,0

54,9

51,4

54,7

64,5

Moiporá

50,1

52,3

69,3

69,1

64,1

66,5

73,5

85

Anhanguera

56,0

50,4

71,3

74,8

72,6

72,9

72,6

72,6

Nova Aurora

69,7

76,3

67,3

71,9

68,6

69,1

73,4

72,6

Marzagão

54,6

54,1

68,8

47,6

47,7

51,9

74,8

84,1

Guarinos

24,2

36,4

32,7

38,8

37,1

48,5

52,6

52,1

Ivolândia

22,3

24,0

26,2

46,6

38,9

39.8

69,1

55,7

Cachoeira de Goiás

29,7

31,7

39,9

42,7

30,1

27,6

48,6

50,5

Palmelo

77,9

66,6

67,6

57,0

55,7

65,1

71,8

76,2

Aloândia

34,2

31,3

41,2

47,7

46,3

43,1

60,3

51

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados primários do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM)

Em 2007, o município de Professor Jamil gastou somente 15,8% com folha de pagamento de professores e demais funcionários da educação. Nesse ano, de acordo com os microdados do Censo Escolar, as escolas municipais contavam com dezesseis funcionários e professores. Em 2014, a gestão municipal gastou 64,5% dos recursos da educação com folha de pagamento, um aumento de mais de 300%, em comparação com o ano de 2007; o número de funcionários e professores passou para 26. O que justifica tal aumento no percentual de gastos com professores e funcionários? Três hipóteses são plausíveis: a) os professores e funcionários tinham uma remuneração extremamente baixa em 2007; b) uma quantidade expressiva de funcionários vinculados a outros serviços públicos recebeu os seus salários com os recursos da educação; e c) o salário dos professores recebeu aumento considerável decorrente da aprovação do piso salarial profissional nacional (PSPN) do magistério público da educação básica em 2009.

A partir de 2009, metade dos municípios investigados apresentou aumento gradativo do percentual de gastos da educação com pagamento de professores e funcionários. A outra metade apresenta oscilações nesses percentuais (Cf. Tabela 4). Os municípios de Cachoeira de Goiás, Anhanguera, Moiporá e Aloândia praticamente não tiveram aumento significativo de funcionários ao longo desses anos. Provavelmente o aumento do percentual de gastos com folha de pagamento se deu em função da adoção do piso salarial profissional nacional (PSPN).

Nos municípios de Palmelo, Guarinos, Marzagão, Ivolândia, Professor Jamil e Nova Aurora, o número de funcionários e professores nas escolas municipais aumentou nos últimos anos. Possivelmente, o aumento do número de funcionários e professores aliados à política de valorização do magistério, por meio da implantação do PSPN, justifique, em parte, o acréscimo do percentual de gasto com folha de pagamento.

De modo geral, não é possível apontar com segurança o(s) motivo(s) da oscilação nos percentuais de gastos com folha de pagamento de funcionários e professores da educação entre os dez municípios, ou, ainda a oscilação de percentuais no próprio município. Em visita aos dez municípios analisados, não foi possível conseguir os dados necessários para elucidação dessas oscilações.

No caso específico da remuneração dos profissionais da educação é possível conjecturar três possibilidades para o aumento dos percentuais de gastos com folha de pagamento de profissionais do magistério A Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, que regulamenta o Fundeb considera como sendo profissionais do magistério os docentes e os profissionais que oferecem suporte pedagógico direto ao exercício da docência (direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão, orientação educacional e coordenação pedagógica).: a) a exigência da legislação do Fundeb de que sejam aplicados pelo menos 60% (sessenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos para o pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública; b) a implantação do PSPN em 2009; e, c), as alterações nas administrações municipais – no período em análise (2007/14) houve três mandatos de prefeitos; o primeiro compreende (2005-2008), o segundo abrange os anos de 2009 a 2012 e o terceiro (2013-2016).

Não há, no sítio do TCM/GO, dados – referentes ao ano de 2007 – sobre os percentuais mínimos aplicados no pagamento dos profissionais dos magistérios de seis municípios. Os demais municípios aplicaram acima de 60% dos recursos do Fundeb na remuneração dos profissionais do magistério. Em 2008, metade dos municípios (Anhanguera, Cachoeira de Goiás, Guarinos, Moiporá e Professor Jamil) não gastaram o mínimo (60%) com pagamentos de profissionais do magistério. O município de Cachoeira de Goiás aplicou somente 13,8%. O município de Aloândia não informou o percentual gasto com remuneração do magistério.
Em 2009, novamente cinco municípios (Cachoeira de Goiás, Guarinos, Marzagão, Nova Aurora e Professor Jamil) descumpriram a legislação do Fundeb; não aplicaram os 60% para remuneração do magistério. Outra vez, a gestão municipal de Aloândia não informou o percentual gasto com essa remuneração. Em 2010, somente três municípios (Ivolândia, Nova Aurora e Aloândia) não aplicaram os 60% para pagamento dos profissionais do magistério. O município de Palmelo aplicou 80,7% dos recursos do Fundeb na remuneração do magistério. Em 2011, ainda três municípios (Guarinos, Ivolândia, Professor Jamil) não aplicaram o percentual mínimo no pagamento dos profissionais do magistério. Pela terceira vez, não consta, nos gastos da educação do município de Aloândia disponibilizados no sítio do TCM, o percentual mínimo de recursos aplicados na remuneração dos profissionais do magistério. Ao longo dessa série histórica, a metade dos municípios investigados não aplicou, pelo menos em dois anos, o percentual mínimo exigido pela legislação do Fundeb na remuneração dos profissionais do magistério.

2.2 Gastos com material, combustível e manutenção de veículos e serviços de transporte de pessoas

Os gastos com material, combustível e manutenção de veículos e os gastos com cooperativa de transportes e com pessoas físicas que fazem transporte escolar se destacam pela elevada quantidade de recursos financeiros envolvidos. Também desperta atenção a dificuldade em localizar, nos dados disponibilizados pelo sítio do TCM, os gastos com transporte escolar realizados por pessoas físicas em seus próprios veículos. Os gastos com material, combustível e manutenção de veículos e os gastos com empresas de transportes, em alguns municípios, figuram como a segunda maior despesa da educação, e em alguns casos como a principal, como mostra a Tabela 05.

Tabela 05: Evolução do percentual dos gastos da educação com material, combustível e manutenção de veículos nos dez menores municípios goianos em matrícula na educação básica municipal (2007-2014)


Município

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Professor Jamil

24,1

28,1

16,3

13,3

13,3

10,6

13,2

13,7

Moiporá

23,9

10,9

17,7

23,0

26,6

22.5

10,0

9,3

Anhanguera

21,4

15,2

8,9

10,7

8,3

14,1

9,0

3,0

Nova Aurora

12,9

10,7

12,2

9,8

11,4

10.3

7,7

6,4

Marzagão

26,0

26,7

14,8

9,7

11,0

7,1

6,0

5,3

Guarinos

46,8

34,8

9,3

10,3

8,2

9.2

10,8

9,1

Ivolândia

12,9

14,7

10,4

19,1

8,0

8.4

11,4

9,6

Cachoeira de Goiás

14,1

23,7

17,2

13,7

20,2

20,4

12,9

8,0

Palmelo

4,4

12,4

16,0

14,7

12,9

17,2

9,1

9,1

Aloândia

33,9

28,3

32,9

31,7

31,8

30,6

2,4

18,4

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base nos dados primários do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás (TCM)

Em 2007, o município de Guarinos gastou quase 50% dos recursos da educação com combustível, material e manutenção de veículos. Esse percentual representou mais de R$ 500 mil.  Em 2014, o gasto com essas despesas foi reduzido para 9,1% dos gastos totais da educação. Nesse ano, oito dos dez municípios analisados diminuíram sensivelmente os gastos com material, combustível e manutenção de veículos. Possivelmente o transporte escolar justificaria o percentual elevado com despesas de combustível, materiais e manutenção de veículos.

A redução do percentual de gastos com as despesas de combustível, materiais e manutenção de veículos, nos últimos, não significou que as administrações municipais deixaram de aplicar recursos diretamente nessas despesas. Houve, na verdade, a modificação da natureza das despesas. Em vez de gastar com combustíveis e manutenção de veículos, as administrações passaram a contratar serviços de terceiros para o transporte escolar.

Em 2011, os municípios de Guarinos, Ivolândia e Cachoeira de Goiás gastaram mais de 30% dos recursos da educação municipal com fretes e transporte de encomendas. Apenas a administração da cidade de Ivolândia gastou R$ 557.455,60 com essas despesas, as quais foram lançadas no elemento de despesas do TCM “fretes e transporte de encomendas”. Após a verificação do tipo específico de despesa, constatou-se que o município contratou uma cooperativa de transporte para transportar os alunos.

Além de gastar 45,4% com cooperativa de transporte, o município de Ivolândia gastou mais 8% dos recursos da educação com combustíveis, materiais e manutenção de veículos.

Juntas essas despesas totalizam acima R$ 600 mil, mais da metade de todo o recurso aplicado em educação.

Em 2011, o município de Cachoeira de Goiás também teve despesas elevadas com transporte escolar. As despesas com combustíveis, materiais e manutenção de veículos, contratação de fretes e transporte de encomendas somam juntas mais de R$ 750 mil. Essa quantia representa 54,9% dos recursos financeiros gastos com educação. Segundo dados do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), a administração municipal transportou em média 88 crianças por dia. A média de gasto por aluno transportado por ano foi de R$ 8.754,46.

O município de Moiporá faz divisa com os municípios de Cachoeira de Goiás e Ivolândia e possui área territorial maior do que o município de Cachoeira de Goiás e a metade da área do município de Ivolândia. Em 2011, a administração municipal de Moiporá gastou com combustíveis, materiais e manutenção de veículos e com a cooperativa de transporte em torno de R$ 317 mil. De acordo com o Pnate, o município transportou 80 crianças por dia. A média de gasto por aluno transportado por ano foi de R$ 3.968,38. Esse custo representa a metade do custo de transporte do município vizinho de Cachoeira de Goiás.

Essa comparação não tem o intuito de afirmar que o município de Cachoeira de Goiás superfaturou os preços do transporte escolar, até porque não está claro nos dados do TCM que os recursos gastos com combustíveis, materiais e manutenção de veículos e contratação de cooperativa de transporte foram exclusivamente para o transporte escolar. O motivo da comparação é simplesmente chamar atenção para a questão complexa do transporte escolar. Investigar como os contratos com terceiros são realizados, os valores envolvidos nesses contratos, a qualidade do transporte, os gastos com combustíveis, materiais e manutenção dos veículos pertencentes à administração municipal. Enfim, há uma gama de questões que precisam ser investigadas.

Além das despesas com combustíveis, materiais, manutenção de veículos e fretes e transporte de encomendas, é comum encontrar despesas que fazem alusão ao transporte de passageiros no elemento de despesa outros serviços de pessoa física”, ou ainda em “outros serviços de pessoa jurídica”. Os municípios de Professor Jamil e Guarinos apresentaram, nos anos de 2007 a 2010, percentuais de gastos elevados no elemento de despesa “outros serviços de pessoa física”. Em visita ao município de Guarinos, o secretário apresentou os nomes dos prestadores de serviços que fazem o transporte escolar no município. Todos os nomes apresentados aparecem no elemento de despesa “outros serviços de pessoa física” do TCM. 

Em 2011, o município de Guarinos diminuiu drasticamente as despesas “com outros serviços de pessoa física”, mas aumentou bastante os gastos com fretes e transporte de encomendas. A administração municipal de Professor Jamil aplicou elevados percentuais de recursos da educação no elemento de despesa “outros serviços de pessoa física”, mas, em 2010 e 2011, esses percentuais foram reduzidos drasticamente.

Na descrição dos dados do elemento de despesa “com outros serviços de pessoa jurídica” foi possível verificar que administração municipal de Professor Jamil contratou cooperativa e empresas de transporte e que o município de Guarinos também utilizou do mesmo artifício.

As diferentes formas que os dez municípios investigados utilizaram para lançarem as despesas com transporte escolar dificultam a identificação e consequentemente a análise dos gastos da educação. Quando o próprio município realiza o transporte escolar, a dificuldade consiste em descobrir se as despesas com combustíveis, materiais e manutenção de veículos foram, de fato, com o transporte escolar.  Por outro lado, quando a municipalidade contrata os serviços de terceiros, a dificuldade é encontrar em que elemento de despesa o município lançou esse gasto. Devido a essa dificuldade, questionou-se, junto ao responsável pela fiscalização dos lançamentos das mensais do TCM, se existiria uma maneira mais fácil de saber o gasto real com transporte escolar. Para surpresa do investigador, foi informado que uma das formas possíveis seria vasculhar todos os elementos despesas e encontrar tais gastos. A outra forma seria realizar análises dos contratos de prestação de serviços para o levantamento exato dessas despesas.

2.3 Gastos da educação para manutenção das escolas

Os gastos com material educativo e esportivo nos dez municípios analisados são reduzidos e, em alguns, municípios são inexistentes. O município Palmelo, nos últimos anos, aplicou o maior volume de recursos financeiros com essas despesas. Em 2010, aplicou 5,3% dos gastos da educação com material educativo e esportivo. Esse percentual equivale a um gasto de pouco mais de R$ 80 mil com esses materiais.

A maioria dos municípios, ao longo dos cinco anos investigados, aplicou menos de 2% dos recursos financeiros em material de educativo e esportivo. Em 2014, os municípios de Nova Aurora, Moiporá, Anhanguera e Aloândia gastaram menos de 1% com essas despesas. A administração municipal de Nova Aurora gastou pouco mais de R$ 1,5 mil e quinhentos com materiais esportivos e educativos. Os municípios de Professor Jamil, Marzagão e Guarinos não gastaram recursos financeiros na aquisição desses materiais.

Os gastos da educação aplicados em material de expediente são bastante variados entre os dez municípios analisados; são também diferenciados no decorrer de um ano para outro no mesmo município. Em 2012, o município de Cachoeira de Goiás consumiu 8,4% dos gastos da educação com material de expediente, ou seja, gastou mais de R$ 130 mil com essas despesas. Esse município possui somente uma escola. Por outro lado, o município de Nova Aurora gastou 0,4% dos recursos da educação; quase R$ 7 mil com esses materiais. Esse município também tem somente uma escola.

A maioria dos dez municípios analisados apresentou uma média de gastos em torno de 1% dos gastos da educação com aquisição de materiais de expediente. Os municípios de Professor Jamil, Moiporá, Anhanguera, Guarinos, Ivolândia, Cachoeira de Goiás e Palmelo apresentaram variações nos percentuais de recursos aplicados na aquisição de materiais de expediente. Essa variação pode ter ocorrido em função da compra de materiais para uso em toda administração municipal e não somente nas escolas; pode ser ainda uma forma de desvios dos parcos recursos da educação.

A maioria dos dez municípios investigados utilizou menos de 1% dos gastos da educação com material de limpeza e produção de higienização das escolas municipais. Os municípios de Professor Jamil, Marzagão, Palmelo e Aloândia apresentaram, em alguns anos, gastos acima de 2% com essas despesas. Os municípios de Nova Aurora e Cachoeira de Goiás, Guarinos e Ivolândia não apresentaram, na totalidade ou em alguns anos, gastos com material de limpeza e produção de higienização das escolas.

A ausência de gastos com materiais de expediente, de limpeza, educativos e esportivos em alguns municípios analisados possivelmente ocorreu em função do recebimento de recursos financeiros, por parte das escolas, do programa de repasse de recursos direto para escolas (PDDE) do governo federal. Esses recursos devem ser utilizados diretamente pelas escolas para manutenção, aquisição de materiais educativos, além da aquisição de materiais permanentes como computadores e aparelhos eletrônicos.
Considerações finais

Como esta investigação teve um caráter de levantamento geral dos gastos da educação nos dez municípios menores, não foi possível analisar com maior profundidade esses gastos. No caso específico da folha de pagamento, há que se aprofundar a investigação para verificar se todos os professores e demais servidores estão realmente trabalhando nas atividades escolares, se o número de servidores está ou não acima do necessário para o bom atendimento escolar.

Em relação às despesas com combustíveis, materiais e manutenção e as despesas com transporte, também há necessidade de pesquisas detalhadas, que possam esmiuçar os contratos de transporte e gastos com veículos automotores. Para ambos os casos seria interessante uma pesquisa que envolvesse mais investigadores e que pudesse vasculhar as prestações de contas dos municípios e analisar todas as despesas em educação, em especial os gastos com transporte. Há uma série de variáveis como dimensão territorial do município, características físicas do relevo do município e distribuição da população no território, que interferem no custo do transporte e que precisam ser analisados a partir das características específicas de cada município. Um município com um número pequeno de aluno, com uma área territorial ampla, com grande dispersão populacional e com vias de acesso ruins pode consumir mais recursos com transporte que um município com uma grande área urbana e pouco aluno na zona rural. 

Apesar dos dez municípios analisados apresentarem gasto por aluno/ano muito acima do mínimo estabelecido nacionalmente, deve-se olhar os valores com cautela, porque os municípios analisados possuem poucos alunos matriculados em suas escolas, e, ao mesmo tempo, os recursos financeiros disponíveis por ano para gastos com toda educação pública municipal não daria, no geral, para construir uma escola com infraestrutura adequada para o ensino de qualidade.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Microdados do Censo Escolar 2011. Brasília: MEC/INEP, 2011. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS. A crise econômica e as finanças municipais: uma projeção do FPM para 2009. Estudos Técnicos, volume 2, 2010. Disponível em: http://www.cnm.org.br/portal/dmdocuments/ET%20Vol%202%20-%207.%20A%20crise%20econ%C3%B4mica%20e%20as%20finan%C3%A7as%20municipais.pdf. Acesso em: 20 mar. 2014.

GOIÁS. Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás. Acesso aos dados dos gastos da educação em: https://www.tcm.go.gov.br/portaljurisdicionados/index.jsf. 2015.

SEPLAN, Secretaria de Estado de Gestão e Planejamento; Superintendência de Estatísticas, Pesquisa e Informações Socioeconômicas. Goiás em Dados 2011. Goiânia, 2011.