FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS POR VÁRIAS VEZES "ESQUECIDO"
Resumo: A educação como direito deve ser garantida e estendida a todos. Neste artigo discutimos a questão do financiamento da Educação Básica com destaque para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), no intuito de desvelar e discutir sobre a alocação de recursos para esta modalidade de ensino. As frágeis políticas públicas de educação adotadas no Brasil, associadas às desigualdades econômicas e sociais, não foram suficientes para superar o analfabetismo e reduzir o número de brasileiros que não concluíram a Educação Básica. O financiamento da EJA foi, historicamente, muitas vezes ignorado. Infelizmente, ainda hoje não é prioridade. Por isso, os investimentos ainda são baixos e escassos em relação às outras modalidades de ensino.
Palavras-chave: educação de jovens e adultos; financiamento; políticas públicas.
INTRODUÇÃO
A educação como direito universal estendido a todos os brasileiros é um marco recente. Historicamente, a maior parte da população brasileira ficou excluída do acesso à educação, sendo que
[...] a instrução popular [...] se desenvolveu precariamente durante todo o Império, século XIX e grande parte do período republicano. [...] O censo de 1890 informava a existência de 85,21% de iletrados na população total brasileira (PAIVA, 1985, p. 63-85).
Há pouco mais de cem anos que a universalização da educação passou a ser discutida e paulatinamente implantada no Brasil. Corroborando com essa afirmação e pontuando suas conseqüências, Shiroma e Lima Filho (2011) afirmam que
[...] em nosso país, as políticas educacionais não favoreceram que alunos das classes trabalhadoras realizassem um percurso educacional capaz de garantir o direito à conclusão da educação básica com formação integral [...]. Assim, ao longo dos anos, a desigualdade e a exclusão social foram se ampliando no Brasil, resultando daí grande contingente da população que vive em situação de pobreza, que não concluiu a trajetória escolar e nem possui formação profissional qualificada (SHIROMA; LIMA FILHO, 2011, p. 727-728).
Ainda nos dias atuais, parte da população brasileira não tem usufruído do direito à educação.De acordo com o censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de pessoas sem instrução ou com o ensino fundamental incompleto era de 50,2% (IBGE, 2010).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014 mostrou que 13 milhões de brasileiros são analfabetos. A taxa de analfabetismo mostrou-se maior entre jovens, adultos e idosos em todas as regiões do país. Entre aqueles de 20 a 59 anos de idade, a taxa de analfabetismo foi de 14%; e entre os idosos (60 anos ou mais de idade), de 23,9% (IBGE, 2014).
As frágeis políticas públicas de educação adotadas no Brasil, associadas às desigualdades econômicas e sociais, não foram suficientes para superar o analfabetismo e reduzir o número de brasileiros que não concluiu a Educação Básica. Ao longo das últimas décadas, as políticas públicas para a educação estão inseridas no contexto neoliberal, marcado pela lógica produtivista e mercadológica do modo de produção capitalista. Essa lógica tem determinado os recursos no financiamento da educação e a distribuição (MESQUITA; CARNEIRO; AFONSO, 2015).
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) ainda hoje não se encontra consolidada, apesar de ser reconhecida como um direito desde 1930, com destaque nas campanhas de alfabetização das décadas de 1940 e 1950, dos movimentos de cultura popular dos anos de 1960, do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) e do Ensino Supletivo dos governos militares e Fundação Educar da Nova República (Haddad; Ximenes, 2014),
No plano legislativo, a EJA aparece somente em 1971 com a Lei nº 5.692 sancionada durante a ditadura militar, em resposta às pressões de alguns setores da sociedade inspirados nos ensinamentos de Paulo Freire. Foi a primeira vez em que foi estabelecido um capítulo exclusivo para essa modalidade de ensino, ainda que à época a referência fosse ao então denominado Ensino Supletivo.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88), ao abordar especificamente a educação no seu art. 208, previu que o Ensino Fundamental deveria ser oferecido gratuitamente pelo Estado a todos os que a ele não tiveram acesso na idade apropriada. Dessa forma, todas as pessoas que a partir dos 14 anos não tivessem concluído o Ensino Fundamental teriam esse direito público subjetivo assegurado pelo Estado. Houve também no texto constitucional de 1988 a garantia da vinculação de recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino de forma geral. Por outro lado, os investimentos públicos não foram suficientes para garantir a universalidade da educação com qualidade social (MESQUITA; CARNEIRO; AFONSO, 2015).
Ainda que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 tenha definido também a EJA como uma educação destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no Ensino Fundamental e Médio na idade regular – assegurando a gratuidade aos jovens e aos adultos e garantindo oportunidades educacionais apropriadas ao considerar as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho – as ações empreendidas neste sentido relegaram essa modalidade de educação à segunda categoria, tratando-a como modalidade específica, de maneira parcial e, em alguns momentos, interpretando-a até mesmo como Ensino Supletivo (HADDAD, 2002; HADDAD; XIMENES, 2014).
É neste contexto legal, que traz pequenos avanços para a EJA, dando-lhe uma maior visibilidade, que abordamos neste artigo um estudo sobre a questão do financiamento da Educação Básica com destaque para a EJA, no intuito de desvelar e discutir sobre a alocação de recursos para esta modalidade de ensino. As reflexões apresentadas surgiram a partir de pesquisa bibliográfica.
Financiamento da Educação Básica e da EJA no Brasil
O financiamento da Educação Básica e da EJA (considerada uma modalidade da Educação Básica) passa pela compreensão do contexto de vinculação de recursos financeiros para educação em termos legais, ou seja, pela correlação de como as alíquotas definidas influenciam na qualidade do ensino (VICENTE; RAMOS; MOREIRA, 2015). Destaca-se que "qualidade" é um termo complexo em sua definição, que apresenta especificidades em cada um dos níveis e etapas educacionais. De acordo com Amaral (2010),
[...] uma determinada qualidade nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio parece que pode ser alcançada definindo-se parâmetros mínimos para a infraestrutura da escola (espaço físico, instalações sanitárias, mobiliário, equipamentos, material pedagógico etc.), para a qualificação dos profissionais que ali trabalham e o nível de interação com a sociedade [...] (AMARAL, 2010, p. 125-126).
Quanto ao ordenamento constitucional-legal brasileiro referente ao financiamento da educação, que foi construído ao longo da história, nota-se que em parte este foi caracterizado pelo fortalecimento da federação mediante elevação da participação dos estados e municípios no conjunto da receita. Em alguns momentos, identifica-se até a não previsão das formas de custeio. Em relação ao financiamento da EJA, raramente foram previstos recursos específicos.
Em 1824, quando foi outorgada a primeira Constituição brasileira, instituiu-se a garantia para todos os cidadãos a escola primária gratuita. No entanto, não foram previstas as fontes de recursos. Com o Ato Adicional de 1834, as Províncias foram dotadas de capacidade tributária para fundar e manter escolas, além de atender outras políticas públicas sociais. Ao mesmo tempo, facilitou-se o crescimento da rede de escolas privadas e confessionais católicas, onde existiam dois tipos de custeios: no primeiro, os ricos e remediados pagavam mensalidades; no segundo, os pobres contribuíam com o que podiam, desde gêneros de sua produção agropastoril até o trabalho dos próprios alunos. No período da República, ampliou-se a rede de escolas públicas e de estabelecimentos privados, principalmente para atender o ensino secundário. De 1834 a 1934, as matrículas no ensino público e gratuito evoluíram proporcionalmente ao do crescimento da população (MONLEVADE, 2014).
A Constituição de 1934 foi a primeira que vinculou percentuais de impostos à educação em níveis federal (10%), estadual (20%) e municipal (10%) e refletiu o clima gerado pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação que exigiam um investimento público prioritário para o ensino público. Essa Constituição contemplava essencialmente a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário e a organização dos sistemas educacionais (VICENTE; RAMOS; MOREIRA, 2015).
Houve um retrocesso no financiamento da educação em 1937. A Constituição do Estado Novo excluiu o dispositivo de vinculação de impostos federais para a Educação, o que resultou na redução da aplicação de recursos.
Em 1946, a nova Constituição voltou a fixar a vinculação de impostos federais (10%) e estimulou a vinculação de 20% dos Fundos de Participação dos Estados e dos Municípios para a Educação Básica pública, mantendo o ensino primário como obrigatório e gratuito para todos e inaugurando a tendência gradativa dos entes federados locais de assumirem o ensino primário e pré-primário (MONLEVADE, 2014; VICENTE; RAMOS; MOREIRA, 2015).
A primeira LDB, cuja tramitação se iniciou em 1948 e somente foi aprovada em 1961, determinou a ampliação das receitas para a educação: fixou em 12% o percentual mínimo da União e manteve em 20% o percentual para os Estados, os Municípios e o Distrito Federal (DF). Na Emenda Constitucional (Art. 176 §4°), conhecida como Emenda João Calmon, foi reintroduzida a vinculação de recursos, com alíquotas de 13% para a União e de 25% para Estados, os Municípios e o DF (VICENTE; RAMOS; MOREIRA, 2015).
Ao final da década de 1980, a orientação constitucional-legal brasileira definiu as bases do Estado democrático e instituiu um “novo pacto federativo”. Com CF/88 foi estendido aos municípios o estatuto de ente federado, antes exclusivo dos Estados e da União. Na prática, os municípios passaram a ter maior autonomia, elaborando suas leis orgânicas, instituindo a arrecadação de tributos próprios, elegendo seus prefeitos e vereadores, criando seus sistemas de ensino que deveriam ser organizados em regime de colaboração com os sistemas federal e estadual (VOLPE, 2013).
O artigo 212 da CF/1988 trouxe novos percentuais de impostos para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) e para o adicional do Salário- Educação O salário-educação, instituído em 1964, representa uma contribuição social destinada ao financiamento de programas, projetos e ações voltados para o financiamento da Educação Básica pública e que também pode ser aplicada na Educação Especial, desde que vinculada à Educação Básica. Tal contribuição foi prevista no artigo 212, § 5º, da Constituição Federal de 1988, regulamentada pelas leis nºs 9.424/1996; 9.766/1998; Decreto nº 6003/2006 e Lei nº 11.457/2007. O salário-educação é calculado com base na alíquota de 2,5% sobre o valor total das remunerações pagas ou creditadas pelas empresas, a qualquer título, aos segurados empregado., ao ampliar as receitas do Fundo de Participação dos Estados, dos Municípios e do DF. Garantiu, assim, a destinação de metade dos recursos públicos vinculados para a erradicação do analfabetismo e para a universalização do Ensino Fundamental. Para a esfera federal ficou estabelecido 18% da receita proveniente de impostos; para a esfera estadual e municipal, estabeleceu 25% (MONLEVADE, 2014).
De 1947 até 1985 houve no país um aumento de matrículas em todas as etapas da Educação Básica, inclusive na EJA, ao mesmo tempo em que as receitas orçadas cresceram em menor ritmo. Neste período é que se percebeu a correlação entre as três variáveis que ainda hoje se faz presente: financiamento da educação, valorização dos profissionais e qualidade do ensino (MONLEVADE, 2014).
Ao final do ano de 1996, houve um certo avanço na questão do financiamento da Educação Básica. Com a Lei nº 9.424, promulgada em 24 de dezembro, ficou definido o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), estabelecendo o Salário-Educação (já previsto no art. 212, § 5º, da CF/1998) de responsabilidade das empresas e calculado com base na alíquota de 2,5% sobre o total de remunerações pagas ou creditadas aos empregados da seguinte forma:
[...] § 1o O montante da arrecadação do Salário-Educação, após a dedução de 1% (um por cento) em favor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, calculado sobre o valor por ele arrecadado, será distribuído pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, observada, em 90% (noventa por cento) de seu valor, a arrecadação realizada em cada Estado e no Distrito Federal, em quotas:
I - Quota Federal, correspondente a um terço do montante de recursos, que será destinada ao FNDE e aplicada no financiamento de programas e projetos voltados para a universalização do ensino fundamental, de forma a propiciar a redução dos desníveis sócio-educacionais existentes entre Municípios, Estados, Distrito Federal e regiões brasileiras;
II – Quota Estadual e Municipal, correspondente a 2/3 (dois terços) do montante de recursos, que será creditada mensal e automaticamente em favor das Secretarias de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para financiamento de programas, projetos e ações do ensino fundamental [...] (BRASIL, 1996).
Tais determinações foram revistas com a aprovação da Lei nº 10.832 de 2003. A Quota Estadual e Municipal do Salário-Educação passou a vigorar do seguinte modo:
[...] Art. 2o A Quota Estadual e Municipal do Salário-Educação, de que trata o § 1o e seu inciso II do art. 15 da Lei no 9.424, de 24 de dezembro de 1996, será integralmente redistribuída entre o Estado e seus Municípios de forma proporcional ao número de alunos matriculados no ensino fundamental nas respectivas redes de ensino, conforme apurado pelo censo educacional realizado pelo Ministério da Educação [...] (BRASIL, 2003).
A partir do Decreto nº 5.299, de 7 de dezembro de 2004, houve a fixação de valor mínimo anual por aluno, não especificando a EJA. Estabeleceu-se o valor mínimo anual de R$ 564,63 por aluno do Ensino Fundamental e o valor mínimo garantido pela União de R$ 592,86 para os alunos da 5a a 8a séries do Ensino Fundamental, bem como aqueles das classes de educação especial, nas escolas urbanas e rurais (BRASIL, 2004).
Para o exercício de 2006, foram estabelecidos outros valores por aluno a partir do Decreto nº 5690, de 3 de fevereiro, e, mais uma vez, o alunado da EJA não foi contemplado. Foram estabelecidos os fatores de ponderação para a diferenciação por aluno no Ensino Fundamental e os valores mínimos anuais por aluno, sendo eles: R$ 682,60 para as séries iniciais nas escolas urbanas; R$ 696,25 para os alunos das séries iniciais nas escolas rurais; R$ 716,73 para os alunos das quatro séries finais nas escolas urbanas; R$ 730,38 para os alunos das quatro séries finais nas escolas rurais; e R$ 730,38 para os alunos da educação especial urbana e rural, atendidos em escolas ou classes específicas ou incluídos em classes comuns de ensino fundamental regular (BRASIL, 2006). Neste mesmo ano, segundo Volpe (2015), a mediana do gasto aluno EJA/ano foi de apenas R$ 254,40, valor bem abaixo do mínimo fixado para o Ensino Fundamental regular.
Em 2007, a partir da Lei nº 11.494 de 20 de junho, foi instituído, no âmbito de cada Estado e do DF, um Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) que substituiu o FUNDEF (BRASIL, 2007). A partir do FUNDEB, os Estados, os Municípios e o DF foram alcançados pela obrigatoriedade da aplicação na manutenção e no desenvolvimento do ensino, conforme já previsto no artigo 212 da CF e nos artigos 10 e 11 da Lei nº 9.394 de 1996.
Pelo menos 10% do montante dos impostos e transferências passaram a compor os recursos do FUNDEB, com garantia da aplicação de no mínimo 25% desses impostos e transferências em favor da manutenção e desenvolvimento do ensino. Destaca-se que os recursos dos fundos são destinados também à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública e à valorização dos trabalhadores em educação, incluindo remuneração digna.
Além disso, a partir do FUNDEB, 20% dos recursos transferidos aos Estados e Municípios do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e do Imposto sobre Heranças (ITBDCM) deveriam integrar os fundos estaduais. Tais recursos devem ser redistribuídos entre as redes estaduais e dos respectivos municípios, na proporção de suas matrículas nas várias etapas e modalidades da Educação Básica. Estabeleceu-se, ainda, que haverá uma complementação da esfera federal para os Estados, caso a disponibilidade anual de recursos por aluno não atinja o valor mínimo calculado pela União. Tais ações viabilizaram o Piso Nacional do Magistério, segundo avanço legal, sendo de R$ 950,00 em 2008 e de R$ 1.547,00 em 2013 (MONLEVADE, 2014).
O Decreto nº 6091 de 2007 operacionalizou o FUNDEB e estabeleceu o valor anual por aluno no âmbito de cada Estado e do DF, por etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da Educação Básica, incluindo a EJA (BRASIL, 2007). A partir do FUNDEB, a EJA foi contemplada no cômputo das matrículas consideradas para efeito de distribuição de recursos, o que não acontecia no FUNDEF.
No Estado de Goiás, por exemplo, para essa modalidade de ensino, no ano de 2014, o valor anual por aluno estimado foi de R$ 2.174,60 para a EJA com avaliação no processo e de R$ 3.261,89 para a EJA integrada à Educação Profissional (EP) (BRASIL, 2013). O valor anual por aluno estimado em 2015 foi de R$ 2.439,00 para a EJA com avaliação no processo; e de R$3.658,50 para a EJA integrada à EP (BRASIL, 2015).
Houve um avanço no financiamento da EJA com o FUNDEB, apesar da limitação de um percentual máximo de 15% dos recursos para esta modalidade de ensino. A partir do novo Fundo, além de serem traçadas para a EJA ponderações com avaliação do processo, foi também contemplada a EJA integrada à Educação Profissional de nível médio. O fator de ponderação foi fixado em 0,7. Tais determinações representaram uma forma a mais de despertar a atenção dos gestores em relação à garantia de um direito público subjetivo de todos os que não concluíram os estudos na idade regular. Em 2009, o fator de ponderação para a EJA com avaliação no processo foi de 0,8; esse fator foi fixado em 1,0 para a EJA integrada à Educação Profissional de nível médio, também com avaliação no processo.
Entretanto,
[...] Sem embargo, tais avanços têm que ser vistos com muita cautela, principalmente devido aos seguintes fatores: o crescimento no investimento aconteceu, mas em termos comparativos com gestões (FHC, por exemplo) que investiram muito pouco na EJA, inclusive com a tentativa de desresponsabilizar o Estado e sua transferência para a sociedade civil, o aporte aumentou, mas ainda era exíguo para atender com qualidade social o público jovem e adulto excluído ou que não completou seus estudos, apesar de o ensino fundamental ser obrigatório desde 1988; os programas/campanhas de curta duração continuaram como tônica de muitas das ações adotadas (CARVALHO, 2014, p. 651).
Conforme aponta Frigotto (2010), os fundos se pautam na lógica da "equidade mínima" e não na qualidade. Esse autor afirma que, se fosse o contrário, a previsão de recursos em médio prazo deveria ser de três ou quatro vezes os investimentos atuais em Educação Básica e Superior.
Por fim, chega-se ao Plano Nacional de Educação (PNE). O primeiro Plano aprovado em 9 de janeiro de 2001, pela Lei nº 10.172, com duração prevista de dez anos (2001 a 2010), foi estruturado a partir dos níveis de ensino: Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio) e Educação Superior, considerando também as modalidades de ensino: EJA, Educação à distância e tecnologias educacionais, Educação tecnológica e formação profissional, Educação especial e Educação indígena (BRASIL, 2001). O plano foi aprovado durante o segundo mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) e contou com nove vetos relacionados ao financiamento da Educação (SAVIANI, 2007).
Quanto à EJA, as duas propostas do PNE que chegaram ao Congresso não diferiram quanto às concepções de formação de pessoas jovens e adultas, não aderiram às perspectivas inovadoras, nem se alinharam aos paradigmas da educação popular (DI PIERRO, 2010). O documento limitou-se a propor estratégias de elevação das taxas de alfabetização e níveis de escolaridade da população, a partir da reposição de estudos não realizados na infância ou adolescência, o que mais uma vez, leva a concepção compensatória da EJA.
Entre 2012 e 2014, o Projeto de Lei nº 8.035/2010 que deu origem ao "novo PNE" tramitou no Senado e foi finalmente sancionado sem vetos em 25 de junho de 2014, resultando na Lei nº 13.005/2014 (BRASIL, 2014). Das diretrizes gerais previstas no PNE do próximo decênio (2014 a 2024), algumas estão relacionadas direta ou indiretamente à EJA, a saber: erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, superação das desigualdades educacionais, melhoria da qualidade do ensino e formação para o trabalho (GRACINDO, 2011).
De forma indireta destaca-se a meta 20, que trata do financiamento da educação, uma vez que indica a necessidade da ampliação progressiva do investimento público, da seguinte maneira:
[...] Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º (quinto) ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio [...]. Desse modo, o PNE ratifica os preceitos constitucionais e amplia o investimento público em educação pública, de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no quinto ano de vigência dessa lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB no fim do decênio do PNE [...] (BRASIL, 2014, p.61).
Embora tal meta se configure como um avanço, contrariou a demanda requerida pela I Conferência Nacional de Educação (CONAE). Essa Conferência demandou uma ampliação do PIB em no mínimo 10% já em 2014, respeitando a vinculação de receitas à educação, incluindo todos os tributos (GRACINDO, 2011).
Especificamente em relação à EJA, das 26 metas apresentadas no primeiro PNE, estas foram reduzidas para apenas duas (metas 9 e 10). Ambas foram consideradas metas tímidas e discretas. A meta 9 se refere ao quadro de analfabetismo da população acima de 15 anos e à necessidade de ampliação da EJA na forma integrada à Educação Profissional, prevendo a elevação da taxa de alfabetização das pessoas com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015, a erradicação total do analfabetismo até 2020 e a redução do analfabetismo funcional em 50%.
Dentre as principais estratégias dessa meta estão: assegurar a oferta gratuita da EJA a todos os que não tiveram acesso à Educação Básica na idade apropriada; realizar o diagnóstico dos jovens e adultos com ensino fundamental e médio incompletos, para identificar a demanda ativa por vagas; implementar ações de alfabetização de jovens e adultos com garantia de continuidade dos estudos (GRACINDO, 2011).
A meta 10, por sua vez, traz a questão da ampliação de matrículas de jovens e adultos na forma integrada à Educação Profissional nos anos finais do Ensino Fundamental e Médio. Estabelece um mínimo de 25% das matrículas a ser alcançado a partir de estratégias como: fomentar a integração da EJA com a Educação Profissional, em cursos planejados, de acordo com as características deste público; fomentar a produção de material didático e a diversificação curricular do Ensino Médio para jovens e adultos, articulando a formação integral à preparação para o mundo do trabalho e promovendo a inter-relação entre teoria e prática nos eixos da ciência, do trabalho, da tecnologia, da cultura e cidadania (BRASIL, 2014).
Ressalta-se que as duas propostas do PNE que chegaram ao Congresso trouxeram uma concepção compensatória da EJA, visando a assegurar acesso universal à primeira fase do Ensino Fundamental a toda a população jovem e adulta. Buscaram, também, ampliar a oferta de cursos de nível médio. Em relação aos critérios de financiamento, não foram propostas novas fontes ou mecanismos, recomendando-se apenas que os Estados, os municípios e o DF financiassem a modalidade com os recursos vinculados ao FUNDEB.
No período de 2000 a 2006, a EJA apresentou uma evolução percentual de matrículas de aproximadamente 42,5% no âmbito federal, de 26,5% nos Estados e de 111,5% nos Municípios (VOLPE, 2013). Tal ampliação de matrículas é reflexo da imposição legal e da pressão social que levaram os municípios a ofertarem a EJA, principalmente nos anos iniciais da Educação Básica. Essa ampliação na oferta e na matrícula não condiz, pois, com a falta de recursos necessários para sua execução.
[...] os investimentos em EJA apresentaram-se significativamente reduzidos em relação ao montante de recursos da educação (na média, patamares inferiores a 1% do gasto). O gasto federal com a EJA se manteve em níveis bastante baixos em comparação com outras etapas e modalidade de ensino, embora tenha mudado de magnitude, saltando de uma média em torno de R$25 milhões no triênio 1998/2000 para cerca de 400 milhões no triênio 2001/2003, em virtude, sobretudo, dos programas Recomeço e Alfabetização Solidária (VOLPE, 2013, p.712).
Desta forma, evidencia-se a necessidade de ampliação de recursos para todos os níveis e modalidades de ensino, incluindo a EJA. De acordo com Mesquita (2015),
[...] A vinculação tripla de recursos: percentual de impostos, Salário-Educação e percentual do PIB são as fontes de recursos para a oferta de educação cuja finalidade expressa no artigo 2º da LDB 9394/96 é o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (MESQUITA, 2015, p. 7).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Parte das conquistas e avanços na EJA foi resultante da luta de setores da sociedade civil e não pelo mero entendimento por parte dos gestores públicos, responsáveis também por ofertar essa modalidade de ensino como um direito. Verifica-se ainda que no Brasil os investimentos na EJA são baixos e escassos em relação a outras modalidades de ensino. Isso ocorre fundamentalmente porque o financiamento desta modalidade de ensino infelizmente ainda não é prioridade, e conforme visto foi muitas vezes totalmente ignorado ou relegado a segundo plano.
A EJA representa a conquista do direito de acesso e permanência na escola daqueles que, pelos mais diversos motivos, não chegaram a frequentá-la na idade regular ou dela foram excluídos. A erradicação do analfabetismo com a oferta de EJA é um sonho distante, em decorrência da omissão do Estado em relação à garantia do direito à educação. Historicamente, o subfinanciamento da Educação Básica resultou num contingente populacional de excluídos, de cidadãos com baixa ou nenhuma escolaridade.
Por fim, para que o direito à educação seja garantido e aconteça de forma efetiva, considera-se como primordial a implantação de políticas públicas de Estado que realmente atendam aos interesses e necessidades de jovens e adultos. Tais perspectivas de políticas públicas devem servir como um arcabouço para a superação das contradições na sociedade capitalista, além de possibilitar que seja "paga" uma dívida histórica com os brasileiros, por meio da oferta de uma educação pública de direito e de qualidade a partir de recursos adequados para tal.
REFERÊNCIAS
AMARAL, N. C. Financiamento da educação básica e o PNE 2011-2020. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 4, n. 6, 2010, p. 123-141.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292p.
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BRASIL. Lei nº 10.172 de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 02 jan. 2016.
BRASIL. Lei nº 10.832 de 29 de dezembro de 2003. Altera o § 1o e o seu inciso II do art. 15 da Lei no 9.424, de 24 de dezembro de 1996, e o art. 2o da Lei no9.766, de 18 de dezembro de 1998, que dispõem sobre o Salário-Educação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.832.htm. Acesso em: 02 jan. 2016.
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