A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA DE PERNAMBUCO: A ROUPA NOVA DA CENTRALIZAÇÃO

Resumo: O artigo analisa o modelo de gestão adotado em Pernambuco com ênfase no atual Modelo Integrado de Gestão–MIG,implantado em 2007.Portador de racionalidade que expressa uma concepção de educação e de gestão alinhada ao projeto neoliberal, se mostra como uma de suas faces, porém em outra perspectiva. Sob o argumento contrário à minimização do Estado, o redimensiona, criando um aparato que faz do controle estatal sobre o financiamento e a gestão a prioridade máxima obtendo as condições objetivas ao avanço do projeto neoliberal.

Palavras-chave: financiamento; modelo integrado de gestão; pernambuco


No contexto mundial de profundas mudanças nos processos produtivos, na reorganização da sociabilidade e nos padrões da gestão; enfim, de mudanças no processo de acumulação capitalista que ensejaram o fenômeno conhecido como globalização, o neoliberalismo emerge como doutrina que informa tais mudanças e como solução inexorável para enfrentá-las. Sob a sua égide foram criadas políticas que se apresentavam como receitas infalíveis para a economia mundial e se fundamentam no princípio que afirma a capacidade do mercado de se auto-regular e de reger ações da economia, com a interferência mínima do Estado.  O consenso sobre tais orientações foi articulado na reunião realizada em Washington, em 1989, entre funcionários do governo norte-americano, dos organismos financeiros internacionais – FMI e BID e especialistas em assuntos latino-americanos. As conclusões desta reunião foram denominadas, informalmente, de “Consenso de Washington”, assuntos porém como educação, saúde, distribuição de renda e eliminação da pobreza não foram tratados nessa reunião (AMARAL, 2003).

Na América Latina, a porta de entrada para o neoliberalismo foi o Chile na época governado por uma ditadura militar, que entregou o comando da área econômica do governo a economistas formados pelo Departamento de Economia da Universidade de Chicago.

No Brasil, o neoliberalismo demorou mais a ser implementado, em relação aos demais países da América Latina. O governo Collor abriu a porta brasileira ao neoliberalismo, mas foi no governo FHC que a sua implantação ocorreu de forma acelerada. Diferentemente do Chile, porém, no Brasil o neoliberalismo encontrou mais obstáculos para se consolidar, pois sofreu resistência por parte do pensamento crítico brasileiro, especialmente dos diversos segmentos representativos dos educadores, favorecidos pela liberdade de pensamento e expressão ensejada pelo processo de abertura democrática, em curso no País. A despeito da resistência, as orientações neoliberais foram postas em prática, especialmente no governo FHC.

No caso particular do Brasil, se era relativamente fácil afirmar a concepção neoliberal de Estado nos anos de 1990, os contornos sobre tal concepção se tornam mais difíceis, pois na contramão do neoliberalismo implementado no governo de FHC, os governos Lula da Silva e Dilma Rousseff lançaram mão de alguns elementos importantes que os diferenciam:

a política de recuperação do salário mínimo e de transferência de renda que aumentaram o poder aquisitivo das camadas mais pobres, isto é, daqueles que apresentam maior propensão ao consumo; b) forte elevação da dotação orçamentária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES) para financiamento das grandes empresas nacionais a uma taxa de juro favorecida ou subsidiada; c) política externa de apoio às grandes empresas brasileiras ou instaladas no Brasil para exportação de mercadorias e de capitais; d) política econômica anticíclica – medidas para manter a demanda agregada nos momentos de crise econômica e e) incremento do investimento estatal em infraestrutura (BOITO 2012, p.5)

Houve ainda inovações institucionais, como a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES Instituído pela Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003. Tem, como competência, assessorar o Presidente da República na formulação de políticas e diretrizes específicas, e apreciar propostas de políticas públicas, de reformas estruturais e de desenvolvimento econômico e social que lhe sejam submetidas pelo Presidente da República, com vistas à articulação das relações de governo com representantes da sociedade. Disponível em:www.cdes.gov.br), que seguiu a estratégia de elaboração do planejamento governamental,  porém com a reconfiguração de estratégias, estruturas e processos de caráter descentralizador e democrático, voltado para uma maior distribuição da riqueza social e para o fortalecimento do caráter participativo, que se inseriram no contexto dos embates como propostas antagônicas àquelas de cunho centralizador e tecnocrático, de inspiração neoliberal.

Os estados da federação não ficaram imunes aos processos de governança implementados na instância federal, sendo que em Pernambuco, a opção dos governantes apresenta maior identificação com o projeto centralizador e tecnocrático. A reforma institucional conduzida no governo Jarbas Vasconcelos (1999-2006), sistematizada no programa intitulado Progestão Instituído pelo Decreto nº 22.730, de 18 de outubro de 2000, com o nome de Programa Pernambucano de Modernização da Gestão Pública, vinculado à Secretaria de Administração e Reforma do Estado (SARE)., posto em prática em 2000, instituiu medidas consonantes com o ideário posto no consenso de Washington, que contribuíram efetivamente para a introdução da cultura de gestão para resultados, no contexto da diminuição do Estado que ora se efetivava, pois:

analisando-se as reformas na administração pública ocorridas nessa época, no que tange à modelagem da estrutura organizacional, um grande esforço foi realizado visando a sua redução através de privatizações, publicizações, fusões e reestruturação de órgãos estatais da administração direta e indireta [...]; dezoito órgãos do Estado deixaram de existir [...] 41.466 cargos efetivos foram extintos e o quantitativo de secretarias passou de 20 para 13, com fusões entre elas. Reduziu-se em 31% a administração pública estadual, como estratégia para a redução do gasto público. Destaca-se a integral privatização da Companhia Energética de Pernambuco - Celpe e a alienação de 30% da Companhia Pernambucana de Saneamento - Compesa (MARINI e MARTINS 2014, p. 42).

Com a transição em 2007, o governador Eduardo Campos, na esteira da modelagem da estrutura organizacional em curso, mediantes ações orientadas para o Modelo Integrado de Gestão que tomava forma, redefiniu a antiga Secretaria de Planejamento (SEPLAN) que passou a ser Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG), com a nova atribuição de elaborar o planejamento estratégico e orçamentário do Estado e de aprimorar a gestão a partir de um novo modelo. A SEPLAG passou a assumir papel de destaque na estrutura governamental. Para a elaboração do planejamento estratégico, a SEPLAG deveria considerar as audiências realizadas no estado, através dos “Seminários Regionais Todos por Pernambuco”.

O Modelo Integrado de Gestão (MIG), que é um modelo eminentemente voltado para resultados e fundamentado na meritocracia foi estruturado sobre diversas premissas (MARINI e MARTINS, 2014), algumas das quais ganham destaque, tais como a elaboração de uma estratégia única estruturada pelo governo central e desdobrada a todos os órgãos do estado, de cima para baixo; a integração do planejamento com o orçamento; a priorização das ações do governo a partir da disponibilidade de recursos e o monitoramento intensivo, para garantir o cumprimento das metas selecionadas.

Na sua apresentação, esse modelo de gestão afirma a existência de dois movimentos que subsidiam a SEPLAG na sua atribuição de construir o Mapa da Estratégia do Estado. O movimento de fora para dentro, ao trazer para o Governo as contribuições da sociedade e o movimento de cima para baixo, o top down, no qual as prioridades estratégicas do governo são definidas pelo “nível hierárquico superior” e executadas em cada órgão do estado, servindo tais prioridades como orientação para o seu funcionamento. Este nível hierárquico superior, informam Marini e Martins (2014, p. 88), é o Núcleo de Gestão composto pelo Governador, vice-Governador, Secretaria da Casa Civil, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Planejamento e Gestão, Secretaria da Fazenda, Secretaria de Administração, Secretaria Especial da Controladoria Geral do Estado e Chefia de Gabinete do Governador. As prioridades eleitas comporão o Mapa da Estratégia do Estado elaborado pela SEPLAG e formulado com objetivos estratégicos. Um dos pilares de sustentação do MIG é a Pactuação, que é o compromisso firmado entre o governador e seus secretários, visando o alcance dos resultados expressos através das metas prioritárias de cada Objetivo Estratégico. A pactuação abrange prazo, ajustes dos cronogramas de realização das iniciativas e remanejamentos orçamentários. A pactuação tem efeito cascata, pois cada secretário ou dirigente de órgão público passa a efetuar pactuações com as gerências que lhes são subordinadas.

Exemplo emblemático do efeito cascata das pactuações, na educação, são os Termos de Compromisso e Responsabilidade celebrados entre o governo de Pernambuco, por intermédio da Secretaria de Educação e a escola, neste ato formal representada pelo seu diretor, que assina o Termo.

Outro pilar de sustentação do MIG é o monitoramento das ações. O monitoramento verifica se a pactuação está sendo honrada. É realizado através da Secretaria Executiva de Gestão da Estratégia, órgão da SEPLAG, que tem a função de monitorar as metas e gerenciar projetos estratégicos do governo. As reuniões de monitoramento são realizadas com a presença dos dirigentes dos órgãos executores do objetivo, que são as secretarias de Estado que estão envolvidas na consecução do objetivo estratégico. Para este monitoramento a SEPLAG aloca, em todas as secretarias executoras dos projetos, analistas que compõem os Núcleos Setoriais, os quais acompanham e orientam a construção dos Planos Operativos, que contêm o detalhamento das ações a serem realizadas para o alcance das metas.

Essas reuniões constituem um sistema que emprega julgamentos, comparações e exposições como forma de controle, atrição e mudança, sistema esse identificado por Ball (2001), como “Performatividade”. Por essa ótica a organização do poder não acontece mais em função do tempo e do espaço e sim de reuniões de avaliação. O que está em jogo não é a certeza de estar sendo avaliado como no panóptico, e sim a incerteza e a instabilidade de ser avaliado de diferentes maneiras, por diferentes meios e agentes.

A construção dos Planos Operativos e o seu modelo de acompanhamento foram definidos por instituições com as quais o governo firmou contrato de parceria público-privada. Assim, os Planos Operativos “tiveram como base as ferramentas que vinham sendo implantadas em algumas áreas do Governo através do convênio com o Movimento Brasil Competitivo (MBC), com assessoria do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG Denominação mudada para “Falconi Consultores de Resultado” Cf. em: www.falconi.com)”  (MARINI e MARTINS, 2014, p. 67).

Na área específica da educação, em especial no nível médio, os Planos Operativos roubam a cena do Projeto Político-Pedagógico os quais ou não existem, ou são secundarizados pela premência que detém os planos operativos de serem operacionalizados à luz do planejamento estratégico do governo para a área educacional. Tais planos são baseados nos princípios da Tecnologia Empresarial Odebrecht (TEO). A adaptação dos princípios da TEO para a área educacional resultou na Tecnologia Educacional Aplicada a Resultados (TEAR), sistematizada num livro Cf. Lima, 2009. que se tornou um manual de orientação, uma vez que todas as escolas do Programa de Educação Integral têm a obrigatoriedade de elaborar o seu Plano de Ação baseado na TEAR  (DUTRA, 2011, p. 3).

Para o primeiro quadriênio da gestão (2007-2010), a SEPLAG apresentou o Mapa da Estratégia do Estado, contendo dez objetivos estratégicos. Para o segundo quadriênio (2011-2014) o Mapa apresenta 12 objetivos. Para a área da educação, o objetivo apresentado no primeiro Mapa foi “ampliar o acesso à escola, melhorar a qualidade da educação e valorizar a cultura”. No segundo Mapa, o objetivo foi o “Pacto pela Educação – ofertar educação de qualidade para todos, com foco na qualificação profissional”. Cada objetivo estratégico apresentado tem o seu “Mapa da Estratégia do Objetivo Estratégico”, que é um desdobramento informando as metas, as ações e os recursos empregados para o alcance das metas. Curiosamente, o  “Mapa da Estratégia do Objetivo Estratégico” não é um documento para acesso público, não sendo possível  obter cópia, nem reproduzir em mídia, tampouco publicar. A impossibilidade ao acesso é explicada pelo argumento baseado na flexibilidade do planejamento, a qual no curso da gestão viabiliza mudança na classificação das metas que, podem inclusive, ser “despriorizadas” (Sic), a critério do núcleo hierárquico superior. O Mapa da Estratégia do Objetivo Estratégico é o documento que informa as metas eleitas para as áreas e as decisões orçamentárias para o cumprimento destas metas, uma  vez que posto o Mapa numa plataforma informatizada, cada objetivo constante nele é referenciado por um número correspondente à dotação registrada no orçamento, possibilitando o remanejamento orçamentário ao simples toque de uma tecla. À SEPLAG compete, de modo exclusivo, as decisões sobre os remanejamentos, sendo tais decisões subordinadas ao chefe do Executivo. O Mapa do Objetivo se constitui assim como o epicentro da articulação entre o planejamento, o orçamento e a gestão, daí a importância da sua socialização na perspectiva da transparência, do acesso à informação. A indisponibilidade do acesso ao o Mapa da Estratégia do Objetivo Estratégico impede o conhecimento das ações do governo por parte de pesquisadores e do público em geral, além de dificultar sobremaneira a efetividade do controle social delegado aos diversos conselhos de controle e acompanhamento das políticas públicas.

O monitoramento toma como referência, indicadores pré-estabelecidos que têm a função precípua de aferir resultados e secundariamente de remunerá-los.

O Pacto pela Educação teve, em 2011, como indicador a ser monitorado, o Índice do Pacto pela Educação – IPPE que, depois, cedeu lugar para o Índice de Desenvolvimento da Educação em Pernambuco (IDEP), resultante da avaliação externa realizada pelo Centro de Estudos Educacionais (CAED), de Minas Gerais. O IDEB também é utilizado como indicador para monitoramento. 

Em contrapartida ao bom desempenho da escola o governo instituiu o Bônus de Desempenho Educacional (BDE),  instituído pela Lei nº 13.486, de 1º de julho de 2008. No art. 1º, a Lei o define como

uma premiação por resultados, destinado aos servidores lotados e em exercício nas unidades escolares da Rede Pública Estadual de Ensino, em função do seu desempenho no processo educacional, de acordo com metas e condições fixadas em decreto do Poder Executivo.

Entretanto, análises tem revelado (ALVES 2015) que o pagamento desse bônus vem sendo efetuado em valores muito aquém dos empenhados ou nem são pagos em alguns exercícios analisados.

A falta de critérios claros que informem as condições deste ganho adicional enquanto vulnerabiliza o profissional da educação, cumpre a função de desregulamentação dos direitos trabalhistas, sob argumentos típicos da política neoliberal, tais como: a ineficiência do setor público, quando comparado ao setor privado, principalmente porque, neste, não se faz greve e a resistência dos professores sindicalizados que, além de fazer greves, são fechados a inovações e pouco receptivos a posicionamentos contrários aos seus.

Na esteira dessa desgulamentação recrudesce a contratação por tempo determinado, que arregimenta pessoas que não estão organizadas corporativamente para lutarem por seus direitos. Estas contratações incluem, ainda, profissionais com formação em áreas estranhas ao magistério (ALVES 2015), o que concorre para a desprofissionalização da função docente, através da desqualificação dos seus saberes. A figura que segue mostra o quadro representativo da precarização do trabalho em Pernambuco:

Quantitativo de Servidores da Secretaria de Educação – Ano: 2013.
Fonte: Processo TC 1402078-6 – Exercício 2013.

A figura acima revela que os contratados temporários representam 64% do quantitativo de efetivos da rede pública estadual e representam 39% do somatório dos  contratos efetivos e temporários. Ou seja, representam quase a metade do quantitativo de servidores. O quantitativo de contratos temporários vem aumentando, chegando a apresentar uma diferença a maior de 1.864 servidores no ano de 2013 em relação ao ano anterior (TCE 2013, p.214), a despeito das sucessivas recomendações do Tribunal de Contas alertando sobre essa questão.

Dado relevante à análise desse modelo de gestão é a identificação do locus das decisões sobre orçamentação. No contexto do MIG, tais decisões partem, precipuamente, da SEPLAG. Este é um achado importante  tendo em vista a influência que a SEPLAG exerce sobre os órgãos de controle interno e externo, sobre o financiamento das políticas sociais e sobre a disputa pela redistribuição do “quantum de poder” (GOMES 2011) circula na sociedade. Um dos principais determinantes do quantum de poder que está ao alcance de um segmento social é o empoderamento das decisões sobre orçamentação.  No contexto do MIG, a distribuição do quantum de poder foi transformada pela via da reconfiguração administrativa do Executivo.

Até 2007, o teto orçamentário era montado por fonte e por grupo, para cada unidade orçamentária. Assim, cabia à própria unidade distribuir o orçamento do qual dispunha, ou seja, a SEPLAG não tinha o domínio do orçamento das secretarias. Diante desta prática administrativa,

a SEPLAG concluiu que tinha um importante desafio: transformar o orçamento num efetivo instrumento de gestão estratégica (não apenas contábil), integrado ao plano de Governo e com flexibilidade para promover os ajustes decorrentes das prioridades estabelecidas. Para isto, era necessário converter as listas provenientes do PPA e da LOA em um documento só e, ainda, orientá-lo de acordo com as prioridades estratégicas do Governo (MARINI e MARTINS, 2014, p. 65).    

Em 2008, para fins de elaboração da LOA para o ano seguinte, os tetos orçamentários passaram a ser detalhados pela SEPLAG. A partir de então, “as unidades orçamentárias do Estado passaram apenas a remanejar as dotações orçamentárias detalhadas previamente pela SEPLAG na estrutura programática do PPA/LOA” (idem, p. 83).  Desta forma, torna-se restrita a autonomia dos secretários sobre os remanejamentos, pois a SEPLAG estabeleceu critérios que devem ser observados, “de forma a evitar a alocação de recursos que comprometam a execução das prioridades do Governo” (ibidem,).

O MIG, ao se propor como modelo integrado sugere, numa leitura aligeirada, a integração mais ampla através do diálogo entre governo e sociedade. A integração, pensada nesta forma, é reforçada pela divulgação da realização de audiências públicas intituladas “Seminários Regionalizados Todos por Pernambuco”, ocasião em que vários segmentos sociais expõem suas demandas. A participação da sociedade, no entanto, se limita a este momento.Por outro lado, segmentos importantes, mas potencialmente críticos do modelo, ou não são convidados para os Seminários ou são convidados, mas permanecem na periferia da arena política. Os Seminários cumprem assim duas funções importantes para a consolidação do MIG: alimenta a crença de que todas as iniciativas são construídas democraticamente e de que a sociedade é a protagonista do processo decisório.

Do ponto de vista administrativo, esta integração permite ao gestor a obtenção de informação, em tempo real, do andamento e do dispêndio com a atividade planejada, o que propicia dinamismo à ação e tira a administração estatal da inércia. A crítica a essa integração decorre da forma centralizadora e hermética como vem sendo implementada em Pernambuco, colocando todas as decisões sobre o orçamento no âmbito da exclusividade do núcleo central de gestão.

O MIG, na busca pelo alcance dos objetivos que propõe não hesita em usar o poder coercitivo. Porém, quando lhe é propício, se utiliza da sutileza para se consolidar, se impondo através de vários mecanismos que dispensam a força, a exemplo do elevado número de contratações por tempo determinado, que tem se mostrado mais eficaz do que qualquer lei antigreve, ao contribuir fortemente para ruir a força sindical a partir da sua base.

Outro instituto que o MIG põe em risco é o controle social, considerando a pouca importância que lhe atribui, expressa na dificuldade que impõe ao Conselho de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB, no que se refere ao acesso aos documentos elucidativos das despesas apresentadas (ALVES 2015). O acesso às informações necessárias à análise das contas, por parte do Conselho, apresenta uma dificuldade redimensionada pela centralização do controle do orçamento no núcleo central de gestão, que inviabiliza outras fontes de informação da administração, por deterem informações de forma fragmentada.

Este modelo de modernização conservadora é paradoxal, em vários aspectos. Estabelece um paradoxo entre o que propõe e o que pratica, porque não tem remunerado os resultados como promete e não supre os setores sociais nem com a infraestrutura compatível nem com o contingente de pessoal necessário à sua manutenção e desenvolvimento. É contraditório ao afirmar a importância da educação que chega a constituir o “Pacto pela Educação” e, no entanto, não valoriza seus profissionais, contratando-os mediante formas precarizadas de trabalho. É contraditório porque promove audiências para ouvir a sociedade, mas, além da recusa em ouvir setores importantes da sociedade porque são potencialmente críticos do modelo, arroga para si a prerrogativa de definir quais as demandas constituir-se-ão como objetivos estratégicos. Assim, elabora e implanta mecanismos de financiamento da gestão pública, especialmente da educação, a partir de critérios privados e exclusivistas, restritos ao núcleo central da gestão governamental. As audiências se mostram, então, como mecanismos de legitimação do que o núcleo de gestão decide como prioridade.

A aplicação deste modelo de gestão é onerosa para o Estado, não porque remunera resultados como quer faz parecer o seu discurso, mas porque criou um aparato gigantesco de controle centralizador. O elevado ônus deste novo modelo de governança presumivelmente é tido, por seus mentores, como viável em temos de custo-benefício, pois a forma como está sendo remodelada a estrutura organizacional da administração pública visa garantir a irreversibilidade do modelo. O propósito de manutenção do MIG está evidente através do projeto “Pernambuco 2035”, cuja execução já teve início em 2013, com o objetivo de garantir a convergência de governos futuros e da sociedade em geral e, consequentemente, consolidar a nova cultura imposta por este modelo de modernização conservadora. Perenizar este modelo pela via do empoderamento da orçamentação, da remodelagem organizacional, da estruturação de uma carreira de analistas no plano de cargos e carreiras do estado e da complexa engenharia legal que vem sendo instituída, é a tentativa de construir um alicerce formatado de tal modo que, mesmo que não haja adesão por parte dos futuros governos, estes encontrarão dificuldades para levantar uma construção diferente daquela requerida pelo formato estrutural estabelecido. Talvez seja esta pretensão de onipresença do modelo, ao longo dos anos futuros, que justifique o ônus assumido no presente.

Afinal, seria ingenuidade supor que a frente conservadora, aguerrida à bandeira neoliberal, esteja imobilizada pela suposta satisfação com os avanços já obtidos, ou que não tenha força para avançar ainda mais nas  mudanças  neoliberais.  O  neoliberalismo traduz “um escopo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua ambição estrutural e sua extensão internacional [...]. Este é um movimento ainda inacabado (ANDERSON 1995, p. 22).

O MIG como uma das faces elaboradas nas várias clivagens pelas quais o neoliberalismo se submete para se impor e garantir a sua continuidade nos mais diversos contextos históricos-culturais e político-econômicos, busca reproduzir os princípios do escopo da doutrina neoliberal mencionados por Anderson (op.cit.). No entanto, pela falta de cumprimento do que propõe e pelas dificuldades de infraestrutura que impõe, na perspectiva de redução de gastos, o MIG se configura como um gigante com os pés de barro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O MIG é portador de uma racionalidade que expressa uma concepção de educação e de gestão baseada em princípios comuns que mantém em curso o projeto neoliberal, mesmo que em outra perspectiva. Sob o argumento contrário à minimização do Estado, este modelo de gestão redimensiona o Estado, criando um aparato burocrático informatizado, portanto mais ágil, que faz do controle estatal a prioridade máxima. Nesta perspectiva, obtém as condições objetivas ao avanço do projeto neoliberal. O Estado é instrumentalizado, como ferramenta útil e mais capaz de legitimar a nova institucionalidade, pela via do poder coercitivo que detém. Este poder é potencializado através do monitoramento e da avaliação, mecanismos utilizados como panóptico. O panopticismo, neste contexto, não é viabilizado pela arquitetura dos prédios, mas pelos painéis de controle, de acesso restrito ao núcleo gestor, que se impõe como cérebro pensante de toda a gestão pública, abaixo do qual todos os demais órgãos tornam-se meros executores do que foi pensado.

Dessa forma o MIG se apresenta como um modelo restritivo do processo democrático em curso no país.

REFERÊNCIAS

ALVES, Maria do Socorro Valois (2015). O ensino médio em Pernambuco: gestão e financiamento no período de 2005 a 2013. Tese de Doutorado em Educação. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação.

AMARAL, Nelson Cardoso. Financiamento da educação superior: Estado X mercado. São Paulo: Cortez; Piracicaba, SP: Editora UNIMEP, 2003.

ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER, Emir e GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

BALL, Stephen J. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais em educação. Currículo sem Fronteiras, v.1, n. 2, p. 99-116, Jul/Dez 2001.

BOITO JR, Armando. As bases políticas do neodesenvolvimentismo.Trabalho apresentado na edição de 2012 do Fórum Econômico da FGV / São Paulo. Disponível em: http://eesp.fgv.br/sites/eesp.fgv.br/files/file/Painel%203%20-%20Novo%20Desenv%20BR%20-%20Boito%20-%20Bases%20Pol%20Neodesenv%20-%20PAPER.pdf. Acesso em: 15 abr. 2014.

DUTRA, Paulo Fernando de Vasconcelos. Educação integral no estado de Pernambuco: uma realidade no ensino médio. 2011. Disponível em http://www.anpae.org.br/IBERO_AMERICANO_IV/GT2/GT2_Comunicacao/PauloDutra_GT2_integral.pdf.Acesso em: dez/2013

GOMES, Alfredo Macedo. Políticas públicas e gestão da educação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2011.

LIMA, Ivaneide Áurea. TEARTecnologia Empresarial Aplicada à Educação: gestão e resultados. Recife: Livro Rápido, 2009.

MARINI, Caio e MARTINS, Humberto Falcão. Todos por Pernambuco em tempos de governança: conquistas e desafios. Recife: Equipe Instituto Publix, 2014.

DOCUMENTOS LEGAIS

BRASIL.Presidência da República,Casa Civil. Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências.

PERNAMBUCO.Decreto n. 22.730, de 18 de outubro de 2000. Institui o Progestão e dá outras providências. Diário Oficial do Estado, Recife, ano LXXVII, n. 198, 19 out, 2000.

_______.Lei Complementar nº 49, de 31 de janeiro de 2003. Dispõe sobre as áreas de atuação, a estrutura e o funcionamento do Poder Executivo e dá outras providências.

_______. Lei nº 13.205, de 19 de janeiro de 2007. Dispõe sobre a estrutura e o funcionamento do Poder Executivo e dá outras providências. (Revogada).

_______. Lei nº 13.486, de 1º de julho de 2008. Institui o Bônus de Desempenho Educacional-BDE, no âmbito do Estado de Pernambuco e dá outras providências.

_______. Lei Complementar nº 141, de 3 de setembro de 2009. Dispõe sobre o Modelo Integrado de Gestão do Poder Executivo do Estado de Pernambuco.

_______. Lei nº 14.514, de 7 de dezembro de 2011. Altera a Lei n° 13.486, de 1º de julho de 2008, que instituiu o Bônus de Desempenho Educacional - BDE, no âmbito do Estado de Pernambuco.

_______. Lei nº 14.264, de 6 de janeiro de 2011. Dispõe sobre a estrutura e o funcionamento do Poder Executivo e dá outras providências.

_______. Lei nº 15.225, de 30 de dezembro de 2013. Dispõe sobre a estrutura e o funcionamento do Poder Executivo.

_______. Secretaria de Planejamento e Gestão. Coleção Cadernos de Boas Práticas de Gestão. Volume I. Formulação da Estratégia. Recife, 2014.

_______. Tribunal de Contas do Estado. Relatório de Análise das Contas do Governo Estadual Processo TC 1402078-6 – Exercício 2013