O PROUNI ENQUANTO POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL: POSSIBILIDADES E LIMITE

Resumo: O artigo resulta de pesquisa sobre as políticas públicas educacionais, com recorte no financiamento. Busca-se interpretar tais políticas que se apresentam como possibilidades de reparar as diferenças sociais. Trazemos uma análise do ProUni, entendendo-o como um programa que visa o acesso ao Ensino Superior das classes menos favorecidas. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e empírica, com interpretação e análise de dados. A pesquisa tem revelado que a distribuição das bolsas aponta para uma necessidade de melhor análise das demandas locais e estudo aprofundado em relação ao financiamento, pois a renúncia fiscal observada é alta e a relação entre oferta de bolsas/número de vagas não apresenta resultado satisfatório.

Palavras-chaves: Políticas Educacionais, Financiamento, ProUni.


INTRODUÇÃO

O presente artigo resulta de pesquisa que busca a compreensão e análise das políticas públicas de financiamento da educação, identificando o esforço do Estado mediante as reivindicações das classes sociais no sentido de minimizar as desigualdades socioeconômicas e culturais. Nosso olhar se detém para as diferenças sociais que se constituem em impedimento para acesso a melhores condições de vida, em um momento histórico no qual o conhecimento, a técnica e domínio da tecnologia são condições determinadas para tal. Precisamente busca-se compreender e interpretar políticas públicas que se apresentam como possibilidades de reparar as diferenças sociais que têm na sua gênese a separação da sociedade em classes sociais as quais enfrentam interesses opostos em um enfrentamento contínuo.

Para tanto, iniciamos nosso esforço trazendo o movimento da estratégia neoliberal na condução das políticas públicas, a partir da constatação de que para a sobrevivência do modo de produção capitalista na superação da crise do capital, fez-se necessário um Estado mínimo para o social e máximo para o capital.  As ideias neoliberais, que passam a ser hegemônicas, interferem nos  diferentes  setores da sociedade, não excluindo, por certo, a educação, que de direito subjetivo passa a ser conquista de alguns privilegiados.

Feito isso, identificamos que entre os diversos movimentos que se estruturam e emergem nessa luta de interesses contrários destacam-se os programas entendidos como políticas de ação afirmativa, entre os quais o Programa de Universidade para Todos – ProUni. Este anuncia uma possibilidade de amenizar as diferenças sociais propiciando o acesso ao Ensino Superior aos estudantes oriundos das camadas mais pobres da sociedade.

A compreensão e análise deste Programa parecem-nos proeminente para a superação dos seus limites.

NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO: UMA RELAÇÃO CONFLITANTE

Dizer que o neoliberalismo influencia todos os setores da sociedade é consenso e não carece mais de comprovação. O que nos incita ainda à reflexão são as consequências que as políticas neoliberais trazem para alguns setores vitais da vida social, entre eles a educação. Este movimento tem suas raízes fincadas no liberalismo ortodoxo, com retorno às proposições da economia clássica.

Desde a formulação do liberalismo clássico, que o Estado, mínimo para o social e máximo para o capital, vem se constituindo. Ao defender o afastamento do Estado da educação compulsória Ludwig Von Mises, um dos idealistas do liberalismo, funda seu argumento na relação língua-poder. A citação longa faz-se necessária para acompanharmos a evolução da argumentação de Ludwig:

[...] A escola pode alienar as crianças da nacionalidade à qual seus pais pertençam e pode ser utilizada como meio de opressão sobre todas as outras nacionalidades. Quem controlar as escolas terá o poder de prejudicar outras nacionalidades e beneficiar a sua própria. Sugerir que cada criança seja mandada para uma escola, onde se fala a língua de seus pais não é a solução para o problema. Em primeiro lugar, mesmo independentemente do problema criado pela miscigenação de crianças de diversas origens linguísticas, nem sempre é fácil determinar qual é a língua dos pais. Em áreas multilíngues, por razões profissionais, muitas pessoas têm de fazer uso de todas as línguas faladas no país.[...] Se se deixar aos pais a escolha da escola para a qual gostariam de mandar seus filhos, eles podem ser expostos a toda sorte de coerções políticas possíveis. Em todas as áreas de nacionalidade mista, a escola torna-se um premio político dos mais importantes. Não se pode despi-la de seu caráter político, na medida em que permaneça como uma instituição pública. e compulsória. Há, de fato, uma única solução: o estado, o governo e as leis não devem, de modo algum, preocupar-se com a escola e a educação. A criação e a instrução dos jovens devem ser inteiramente deixadas a cargo dos pais e de instituições e associações privadas Grifo nosso.(VON, 2010, p.133-134).

Hayek, expoente do pensamento neoliberal, defensor e propagador das ideias de Ludwig, avigora a necessidade do afastamento do Estado para que o mercado encontre um equilíbrio. Para ele:

A suposta fraqueza principal da ordem de mercado, a repetição de períodos de desemprego em massa, é sempre apontada pelos socialistas e outros críticos como um defeito inseparável e imperdoável do capitalismo. Na verdade, pode-se demonstrar que esse fenômeno resulta, exclusivamente, do fato de o governo impedir a iniciativa privada de trabalhar livremente e fornecer a si mesma um dinheiro que assegure a estabilidade. Vimos que não pode haver dúvida de que a livre iniciativa teria sido capaz de fornecer um dinheiro que assegurasse a estabilidade e de, empenhando-se em obter lucro, conduzir as instituições privadas a fazê-lo, se lhes tivesse sido permitido (HAYEK, 2011, p.118)

A este respeito, são crescentes posições marcadamente alicerçadas pela crítica aos pressupostos neoliberais, que tratam a educação como mercadoria.

A relação entre capitalismo e educação é inevitável, uma vez que desde os primórdios da história do Brasil até nos dias atuais, a educação sofre as consequências de um pensamento marcado pela lógica produtivista e mercadológica que impera no modo de produção capitalista.

Para Marx (2008), a mercadoria é produzida no capitalismo considerando o valor-de-uso e valor-de-troca. Mais que isso, uma mercadoria de valor mais elevado que o valor conjunto das mercadorias necessárias na sua produção, isto é, “a soma dos valores dos meios de produção e força de trabalho, pelos quais antecipou seu bom dinheiro no mercado”.  Assim, “além de um valor-de-uso quer produzir mercadoria, além de valor-de-uso, valor, e não só valor, mas também valor excedente (mais-valia)” (p.220).

O capitalista, ao produzir uma mercadoria, não o faz senão pelo lucro que esta mercadoria será capaz de lhe propiciar no momento em que ela se transformar em dinheiro. O processo de reprodução ampliada Ler “Como o dinheiro se transforma em capital”. In: MARX, O Capital, 2008, p.177-206 é o que move o capital, uma vez que existe neste processo uma parte de capital procedente de mais-valia, a parte do tempo de um determinado trabalho não paga pelo capitalista. Isso faz com que o capitalista recupere o capital investido durante os ciclos de reprodução, assim o capital gera mais capital, gera lucro.

Deve-se ressaltar que na perspectiva neoliberal, a educação entra nessa mesma lógica de mercado. Neste sentido, retomamos as contribuições de Bianchetti, (2005), ao declarar que:

[...] o marco geral que orienta as políticas para a educação, é a ampliação da lógica do mercado nessa área. Essa lógica coloca a educação como um bem econômico que deve responder, da mesma maneira que uma mercadoria, à lei da oferta e da demanda (p.96).

A expansão do ensino superior é uma demonstração do interesse do capital de reproduzir-se de forma ampliada. A inserção dos empresários industriais no cenário educacional no Brasil, na década de 1980, foi de uma intencionalidade indiscutível. Tal cenário – necessidade de formação de mão-de-obra e ausência do Estado na oferta deste serviço – colaborou para o crescimento das empresas educacionais. A participação do Estado a partir de então se dá por meio de abertura de créditos para a iniciativa privada, de renúncia fiscal ou ainda pelo silêncio impregnado nas políticas públicas em relação ao papel do Estado e a educação.

Referenciando-se aos créditos proporcionados à iniciativa privada, Bianchetti relata:

O papel subsidiário assumido pelo Estado em relação à educação significa também o apoio à iniciativa privada, pois esse investimento sempre é menor que o requerido para sustentação de uma estrutura maior. Se o Estado ajuda os setores privados a desenvolverem a tarefa educativa, liberam-se dos gastos de manutenção dos estabelecimentos da estrutura burocrática (2005, p.98).

Segundo Gómez, no capitalismo o sistema educacional privado tem cumprido a sua função, ainda que presidida pela crença na desregulação e no livre intercâmbio entre oferta e procura. Entretanto, isto é possível porque o Estado não fiscaliza devidamente. É esta realidade que o autor aponta:

[...] a escolarização é um instrumento a serviço do livre intercâmbio de uma mercadoria: a educação, cuja produção e distribuição devem se submeter à livre regulação do mercado. Como qualquer outro produto considerado valioso individual ou coletivamente, a melhor forma de garantir sua qualidade [segundo a crença do livre mercado] é submetê-lo à concorrência (GÓMEZ, 2001, p.143).

Ancorados nessa lógica, os capitalistas da educação dominam o campo da educação superior e como salienta Silva (2001) não cabe ao Estado financiar a educação, mas repassar aos pais uma determinada quantia para que esses possam “escolher” no mercado a escola que lhes convém. Teríamos assim um mercado que oferece um produto e “consumidores” que o compram.

O perigo desta transferência de papeis reside em vários aspectos. Citando Silva (2001, p. 22):

Os/As “consumidores/as” da educação, numa educação redefinida como mercado, podem acabar descobrindo tarde demais que a “mão invisível do mercado” não pode ser responsabilizada pelos defeitos e fracassos simplesmente porque não pode ser localizada. E ao mesmo tempo já não estarão lá aqueles espaços públicos e democráticos de discussão que poderiam ser acionados simplesmente porque eles foram suprimidos.

Outro aspecto que merece atenção, além da perda do espaço público que permite o contraditório, e faz emergir a síntese das lutas e movimentos sociais, é a redefinição/substituição de termos que carregam em si conceitos e significados construídos através de anos de lutas as quais se objetivaram em conquistas sociais como “direito”, “cidadania” e “democracia” por “competitividade”, “individualismo” e “darwinismo social” (ibidem).

Deve-se destacar que essa abertura concedida ao setor privado, “levou a uma perda da qualidade da educação pública e a uma tendência crescente de sua substituição pela educação privada, vista como portadora de maior qualidade e eficiência” (BIANCHETTI, 2005, p. 98-99)

A participação do Estado neoliberal evidencia-se por meio das políticas públicas, não só para promover a inserção da iniciativa privada neste nível de ensino, como, e principalmente, para regularizar esta participação. O Decreto nº 2.306, de 19 de agosto de 1997, no seu Art. 1º estabelece que:

<p>As pessoas jurídicas de direito privado, mantenedoras de instituições de ensino superior, previstas no inciso II do art. 19 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil ou comercial e, quando constituídas como fundações, serão regidas pelo disposto no art. 24 do Código Civil Brasileiro. </p>

Está consolidada aí a participação das IES privadas no sistema educacional, neste caso na educação superior, recebendo o mesmo tratamento que qualquer outra iniciativa empresarial que busca sua inserção no mercado. O Art. 7º do Decreto supracitado deixa clara esta relação quando traz a seguinte redação:

As instituições privadas de ensino, classificadas como particulares em sentido estrito, com finalidade lucrativa, ainda que de natureza civil, quando mantidas e administradas por pessoa física, ficam submetidas ao regime da legislação mercantil, quanto aos encargos fiscais, parafiscais e trabalhistas, como se comerciais fossem, equiparados seus mantenedores e administradores ao comerciante em nome individual.

As IES privadas são, portanto, empresas que se lançam no processo produtivo com vistas à reprodução do capital de forma ampliada, ou seja, ao lucro. Estas empresas estão no mercado vendendo seus produtos e, de acordo com as soluções neoliberais para a educação, regulam-se pela lógica do mercado. O indivíduo que se acha “livre” busca no mercado educacional a escola que ele considera boa e que seus recursos são suficientes para pagá-la.

Neste contexto surgem algumas políticas públicas de Estado que disponibilizam recursos para subsidiar a formação em nível superior, uma vez que a Educação Básica é, por força legal, pública e gratuita.

RECURSO PÚBLICO PARA O PRIVADO: UMA PARCERIA QUE CRESCE

A oferta da educação no Brasil, sempre contou com a participação da rede privada de ensino. Em todos os níveis de ensino esta participação foi expressiva, entretanto o Ensino Superior especificamente deve a sua expansão a esta rede.

No início do século XXI tínhamos 31% de participação da rede pública na oferta do Ensino Superior e 69% da rede privada. Em 2014 Até o presente momento o último censo da Educação Superior divulgado pelo Inep foi o de 2014. a participação da rede privada alcançou o índice de 75% (INEP), conforme tabela a seguir:

Tabela 1 : Matrículas Graduação Presencial e a Distância- por dependência administrativa – Brasil – 2014.
Fonte: Censo da Educação Superior (Inep).

Rede

                                                                              Matrículas

Pública

                                                                            1.961.002

Federal

 

1.180.068

Estadual

 

615.849

Municipal

 

165.085

Privada

 

 

5.867.011

Total

 

 

7.828.013

Em relação ao Ensino Superior a oferta de vagas é substancialmente maior na rede privada. Caminhamos para a constatação de que o acesso ao Ensino Superior tem sido possível para aqueles que podem pagar por este “serviço”. Os alunos que demandam da rede pública não conseguem acesso às poucas vagas desta rede. Na outra ponta, os alunos da rede privada, por meio dos resultados dos exames de vestibular classificatórios, obtêm as melhores vagas na rede pública e nos cursos reconhecidos socialmente.

A título de exemplo, citamos a Universidade Federal de Goiás – UFG que em 2014 ofereceu 3.070 vagas que foram disputadas por 30.619 inscritos.  Se considerarmos a totalidade, a relação entre inscritos e vagas foi de 10%. Estes dados reforçam a necessidade de maior número de vagas em IES públicas, se considerarmos que este percentual está bem abaixo da demanda revelada. 

Embora a Constituição Federal de 1988 garanta a vinculação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, um dos entraves para um maior aporte de recursos públicos para a educação está certamente no capitalismo, que no movimento de reordenação visando sua manutenção e sobrevivência, aponta a necessidade de um Estado que intervenha na economia para que o capital supere suas crises.

Esta distorção na oferta da educação (afastamento do Estado e participação da iniciativa privada) tem sido contornada pelo Governo por meio da parceria público privado.  Este tema tem ganhado espaço nas agendas políticas e vem se constituindo em um objeto de discussão tanto no meio político, como na sociedade e na academia, por meio de investigações e pesquisas.

A parceria público-privado tem sido legalizada por leis específicas e de forma subliminar por meio das políticas públicas que indicam a participação da sociedade como fundamental, para o alcance das metas educacionais propostas para o decênio 2014-2024.

Entre estas parcerias destacamos o Programa Universidade para Todos – ProUni, enquanto política pública que pretende minimizar as desigualdades sociais, promovendo o acesso ao Ensino Superior aos alunos pertencentes às classes sociais menos favorecidas economicamente.

O ProUni: possibilidades e limites

Minimizar a desigualdade social e ampliar as oportunidades de acesso ao Ensino Superior dos alunos oriundos da rede pública e das famílias de poder econômico baixo, são finalidades do Programa Universidade para Todos – ProUni, criado pelo Governo Federal em 2005 através da Lei nº 11.096/2005.  Nos dizeres de Almeida (2015, p.95) “Faz-se necessário reconhecer e destacar que o ProUni apresenta-se como uma alternativa para o estudante de baixa renda, marcado por restrições financeiras e por barreiras competitivas nos concorridos vestibulares das universidades públicas”.

No ano de sua criação (2005) o ProUni ofertou 112.275 bolsas (integrais e parciais), o que representou 3,4% das matrículas da rede privada. Em 2014, o programa beneficiou 306.726 alunos com bolsas integrais e parciais, representando 5,2% das matrículas privadas. A tabela a seguir apresenta o número de bolsas do ProUni.

Tabela 2: Número de Bolsas ProUni –Brasil – 2005-2015.
Fonte: SISPROUNI.

ANO

BOLSA INTEGRAL

BOLSA PARCIAL

TOTAL BOLSA

2005

71.905

40.370

112.275

2006

98.698

39.970

138.668

2007

97.631

66.223

163.854

2008

99.495

125.510

225.005

2009

153.126

94.517

247.643

2010

125.090

115.351

240.441

2011

129.672

124.926

254.598

2012

150.870

133.752

284.622

2013

164.379

87.995

252.374

2014

205.237

101.489

306.726

2015

204.587

124.530

329.117

Total

                                                                    2.555.323

Observados os dados da Tabela 2, constatamos que o total de bolsas oferecidas no período, aumentou de ano a ano, com exceção dos anos 2010 e 2013. Relacionando estas datas a momentos políticos no país vemos que 2010 foi o último ano do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e 2013 o terceiro ano do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff. Mas o que nos chama a atenção é a inconstância da oferta das bolsas parciais. Em 2005 elas representavam 36% do total de bolsas; em 2008 este percentual subiu para 56%, a partir de 2010 inicia uma queda chegando a 48%, em 2013 as bolsas parciais representam 35% do total, mas em 2015 voltam a subir, representando 38%. Não há estudos nem dados suficientes que expliquem esta alternância do quantitativo das bolsas do ProUni. Considerando os critérios que normatizam este Programa, sabe-se que as bolsas integrais são possíveis para estudantes que possuem renda familiar bruta mensal, por pessoa, de até um salário mínimo e meio e as parciais (50%) para estudantes que possuam renda familiar bruta, por pessoa, de até três salários mínimos (SISPROUNI).

Quando ocorrem bolsas remanescentes, ou seja, aquelas que não foram ocupadas no processo normal de distribuição de bolsas, os candidatos podem solicitar novamente e participar da nova distribuição. Neste caso, os professores da rede pública de ensino, que estejam no exercício do magistério da educação básica, podem concorrer a bolsas para cursos de licenciatura e não precisam comprovar renda. A intenção é que todos os professores, que estejam no exercício da função docente, possam obter a formação em nível superior. Atentamos para o fato da exigência de serem professores integrantes do quadro permanente da rede pública. Significa dizer que os professores que atuam por meio de contratos temporários não podem utilizar deste benefício. Tal fato coloca-se com impedimento para o avanço de políticas públicas que preveem a terceirização da educação, mediante acordos e convênios que resultam na privatização da educação.

Nosso olhar se detém agora para como esta distribuição é realizada em todo o país. Sabemos que o Brasil é um país cuja extensão territorial e fatores como o desenvolvimento econômico e social acabaram por criar várias realidades particulares em contraposição com a realidade que nos apresenta a totalidade. Neste sentido, é preciso conhecer o particular.

Tabela 3: Distribuição de bolsas ProUni por Estado de acordo com a população - 2015.
Fonte: IBGE/SISPROUNI.

ESTADO

 POPULAÇÃO ESTIMADA 2015

TOTAL DE BOLSAS (2015)

% bolsas

Roraima

505.665

451

0,09

Acre

803.513

1.092

0,13

Amapá

766.679

1.162

0,15

Tocantins

1.515.126

1.814

0,12

Rondônia

1.768.204

4.369

0,24

Sergipe

2.242.937

2.419

0,11

Mato Grosso do Sul

2.651.235

3.760

0,14

Distrito Federal

2.914.830

16.456

0,56

Piauí

3.204.028

2.671

0,08

Mato Grosso

3.265.486

4.081

0,12

Alagoas

3.340.932

1.952

0,06

Rio Grande do Norte

3.442.175

4.175

0,01

Amazonas

3.483.985

5.715

0,16

Espírito Santo

3.929.911

5.106

0,12

Paraíba

3.972.202

4.703

0,12

Goiás

6.610.681

10.149

0,15

Santa Catarina

6.819.190

16.611

0,24

Maranhão

6.904.241

7.404

0,10

Pará

8.175.113

6.808

0,08

Ceará

8.904.459

7.607

0,08

Pernambuco

9.345.173

9.127

0,09

Paraná

11.163.018

24.778

0,22

Rio Grande do Sul

11.247.972

22.936

0,20

Bahia

15.203.934

15.584

0,10

Rio de Janeiro

16.550.024

16.848

0,10

Minas Gerais

20.869.201

35.110

0,17

São Paulo

44.396.484

96.229

0,21

Na tentativa de criarmos um critério único, passível de comparação entre realidades tão distintas, utilizamos o quantitativo populacional estimado (IBGE) e o percentual de bolsas do ProUni para o mesmo ano.  A distribuição das bolsas por Estados da federação nos revelou que o Rio Grande do Norte é o Estado que recebe o menor número de bolsas (0,01%) em relação à sua população. Logo depois temos Alagoas com (0,06%), Piauí, Pará e Ceará que recebem os mesmos percentuais (0,08%), seguidos de Roraima e Pernambuco (0,09%). Na outra ponta temos os Estados que mais recebem bolsas do ProUni: Distrito Federal (0,56%), Rondônia e Santa Catarina (0,24%), Paraná (0,22%), São Paulo (0,21%) e o Rio Grande do Sul com (0.20%).

Neste último grupo, os que mais receberam bolsas do ProUni, apenas Rondônia não está entre os 10 Estados brasileiros com o maior índice de Desenvolvimento Humano – IDH, considerando o IDH renda e IDH educação; e o Distrito Federal é o ente federal em 1º lugar de acordo com o IDH.

Entre os que receberam menos alunos bolsistas destaca-se o estado de Alagoas, que esta em último lugar dos 27 entes federados em relação ao IDH. Os demais se encaixam entre os 10 Estados com o menor índice. Neste grupo a exceção fica a cargo do Estado Rio Grande do Norte que, em relação ao IDH, está no 16º, na frente, portanto, dos demais Estados que menos bolsas tiveram no ano de 2015.

Estes dados nos levam a uma reflexão acerca da finalidade do ProUni, enquanto programa que pretende minimizar as diferenças sociais. Há que se debruçar nas razões pelas quais nos Estados que apresentam menores índices sejam eles econômicos, sociais, educacionais, o Programa não chega a um número maior da população. Neste sentido, desvelar as demandas locais e desenvolver políticas públicas no atendimento destas é primordial para o que se pretende em termos de desigualdades sociais.

Enquanto as matrículas no Ensino Superior privado cresceram no período 2005-2014 79% Em 2005 as matrículas no Ensino Superior presencial e a distância na rede privada totalizou 3.260.967, em 2014 o total de matrículas na mesma rede era de 5.867.011 alunos. (Inep), as bolsas do ProUni tiveram um crescimento de 173%, no mesmo período. Tais dados nos permitem inferir que o aumento da participação do Estado por meio do ProUni foi mais que o dobro do aumento de  vagas da rede privada de ensino, evidenciando assim uma participação maior do poder público para o acesso ao Ensino Superior por meio da parceria público-privado, ou seja,  a transferência de recursos públicos para o setor privado.

As análises apontadas por Corbucci  asseveram uma crítica ao programa, pois

os recursos que deixarão de ser arrecadados com a isenção de impostos [as IES privadas que oferecem vagas ao ProUni ficam isentas do recolhimento de impostos e tributos incidentes sobre as receitas provenientes das atividades desenvolvidas na educação superior] poderiam ser aplicados na ampliação da oferta de vagas nas instituições públicas. Portanto, para alguns críticos da proposta, o Estado estaria comprando vagas já existentes e ociosas, e ao mesmo tempo oferecendo um serviço de qualidade duvidosa (CORBUCCI, 2004, p.694).

Em termos quantitativos as bolsas do ProUni repassam recursos para cerca de 1.400 instituições privadas de Ensino Superior em todo o país. Considerando que há 2.112 Instituições de Ensino Superior (IES) privadas, este programa repasse recursos para 67% destas instituições. Há que considerar também que 87,4% das IES no Brasil são particulares e a maioria são Faculdades. Estes dados nos permitem afirmar que as bolsas do ProUni estão, na maioria, concentradas em Faculdades e não em Universidade ou Centros Universitários.

Para fazer parte do ProUni as IES interessadas  devem efetuar a adesão, através de um formulário próprio, disponível no site do SISPROUNI. Neste formulário eletrônico estão contidas as informações necessárias para se calcular a quantidade de bolsas a serem ofertadas. Cabe ao Ministério da Educação - MEC divulgar o resultado com a quantidade de bolsas (integrais e parciais). A assinatura da adesão implica no aceite das condições estabelecidas no Programa, sendo que a principal característica é o tratamento isonômico para os bolsistas.

Recentemente o ProUni sofreu uma auditória realizada pela Controladoria Geral da União, e os resultados podem ser conhecidos pro meio do Relatório de Avaliação da Execução de Programas do Governo, nº 35, divulgado em março de 2015.

Foram selecionados 234 Campi em um universo de 830, 446 cursos, em um universo de 7.120 e 1.889 bolsas em um universo de 135.623. Todas as capitais brasileiras fizeram parte da amostra da pesquisa.

O resultado da pesquisa revelou que a principal característica do Programa, o tratamento isonômico para os bolsistas, não está ocorrendo. Para este item foram selecionados 86 Campi, destes, constatou-se que em 32,6% (28 campi) havia inconsistência de dados como, a título de exemplo, a existência de 47 cursos que realizaram vestibular e não ofertaram bolsas no termo de adesão  “Inconsistências como essa implicam em prejuízo ao Programa, em razão da não oferta de bolsas pelas IES para os cursos indicados à Secretaria” (CGU, 2015, p.9) . No entanto, o Relatório não relaciona estes cursos, o que dificulta a análise em relação ao entendimento deste ocultamento por parte das IES.

A concessão de bolsa do ProUni é uma ação não orçamentária vinculada à renúncia de receitas, a qual tem a sua estimativa e efetivação apurada pela Secretaria da Receita Federal do Brasil – SRF.

No período correspondente aos anos de 2005 a 2013, a renúncia fiscal totalizou de R$ 3,94 bilhões (CGU, 2015). Somados a estes valores apurados pela CGU, o Tribunal de Contas da União, que analisa as contas de governo anualmente, divulgou que em 2014 a renúncia fiscal alcançou R$ 1.125 bilhão (BRASIL/TCU, 2014). Neste sentido, a renúncia fiscal ultrapassou a casa dos R$ 5 bilhões no período 2005-2014.

Em 2005, o ProUni ofereceu 112.275 bolsas o que representou aos cofres públicos uma renúncia fiscal de R$ 106.7 milhões. Em 2014 a renúncia fiscal foi R$1.125 milhões para 306.726 bolsas.  Comparando os gastos tributários de 2005 em relação aos de 2014, percebemos um aumento de 950% de investimento no ProUni e, em contrapartida, constatou-se no período um  aumento de 273% no número de bolsas. Estes dados nos levam a análise de que o repasse de recursos públicos para as instituições privadas cresceu em proporção bem maior que o número de bolsas atendidas.

Retomando a finalidade do ProUni, qual seja permitir o acesso das classes menos favorecidas economicamente ao ensino superior, há que se debruçar na forma como este acesso está sendo obtido. A evidência de que o investimento neste Programa desde o período de sua criação vem se consolidando de forma distorcida se desvela ao depararmos com tais resultados.  O Brasil tem por meta, conforme prevê o PNE/2014, elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos até o final do decênio (Meta 12). Neste sentido, pode-se afirmar que a otimização destes recursos poderá contribuir para o alcance desta meta, desde que haja um crescimento do quantitativo de bolsas compatível ao crescimento de investimento no programa. Razoável seria uma renúncia fiscal proporcional ao número de bolsas ofertadas, além de se considerar a média de custo das mensalidades cobradas pelas IES e os diferentes cursos, com as respectivas vagas.

Estamos diante de uma constatação da fragilidade de uma gestão pública que aplica mal os recursos públicos viabilizando muito mais a saúde financeira das instituições privadas, que se vêm isentas dos tributos, do que os interesses das camadas mais pobres da sociedade que necessitam de políticas públicas sociais que lhes deem condições de acesso a patamares mais elevados de educação com qualidade social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dívida histórica que o Brasil tem com as classes menos favorecidas em relação ao acesso à educação de qualidade social tem, pela frente, um longo caminho a ser percorrido.

Compreender a educação como direito é caminhar na contramão das ideias que a tratam como um produto, regulado pelo mercado, e que sofre as oscilações de um produto qualquer, ou seja, de uma mercadoria.

O Estado mínimo para o social e máximo para o capital não oferecerá educação para todos e, quando muito, estabelecerá parcerias que escamoteiam a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada em nome de uma política que se diz social, mas na verdade confirma e sustenta uma política voltada à manutenção e sociabilização do capital.

A parceria público-privado na educação tem desvirtuado a ação do Estado que traz em seu arcabouço legal uma síntese das reivindicações sociais em prol da garantia dos direitos das classes sociais, desprotegidas historicamente e que lutam diariamente por melhores condições de vida.

Esta parceria tem se constituído em uma nova forma de transferir recursos públicos para a iniciativa privada, de tal sorte que movimenta milhões de reais a cada ano, oxigenando as empresas/organizações educacionais que têm constitucionalmente o direto de “vender” educação.

Vimos, neste estudo, que estas parcerias podem acontecer por meio de adesões a programas, a exemplo do  ProUni que oportuniza bolsas de estudos parciais ou integrais. Estas ações, que se materializam com amparo legal, precisam de um olhar atento, de fiscalização e de análises mais profundas, para que a manutenção de tais parcerias venha ao encontro da garantia de oportunidades para os menos favorecidos, além de minimizar as discrepâncias socioeconômicas existentes.

No caso específico do ProUni  não se pode permitir reduzir a importância de um programa, que se apresenta como social, à legalização de repasses públicos para a iniciativa privada. Há que se debruçar na abrangência e desdobramentos deste benefício, para que possa se constituir em um ganho social e não uma estratégia que visa a manutenção do capital, eximindo o Estado de sua responsabilidade na e para a garantia dos direitos sociais inalienáveis.

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