A GESTÃO DEMOCRÁTICA COMO ELEMENTO-CHAVE DO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DE PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO

Resumo: Este trabalho tem por objetivo mostrar como a gestão democrática se coloca como um elemento primordial no processo de elaboração dos Planos Municipais de Educação (PME). Esse documento, de construção coletiva e que engloba diversas etapas, tem como elemento norteador a democracia e a possibilidade de uma gestão autoritária em seu processo coloca-se como algo paradoxal. Buscamos alguns exemplos de como é incongruente repensar a educação e a democracia através do Plano em meio a práticas autocráticas e limitadoras. Utilizou-se, como metodologia, a pesquisa bibliográfica associada a recortes de estudos de caso.

Palavras-chave: plano municipal de educação; gestão democrática; políticas públicas.


Os Planos de Educação são instrumentos de grande importância, principalmente porque refletem a organização e o planejamento da educação brasileira. Através deles, os entes federados propõem metas de curto e médio prazos e elencam estratégias para o alcance das mesmas. A macroestrutura federal parece facilitar a aprovação de um Plano Nacional arrojado, por mais que a tramitação seja mais complexa: não há uma cobrança tão direta da população pelos resultados das metas apresentadas, ou seja, há um certo sentido de desresponsabilização, bem como há uma maior disponibilidade de recursos para que ações sejam cumpridas. Nos casos dos estados e municípios, parece ser mais custoso e de responsabilidade mais direta.

Souza e Martins (2014, p. 14) apontam que no ano de 2011, com o fim da vigência do último PNE, “contabilizou-se a existência de 2.181 municípios (39,2% de 5.565) sem PME, enquanto, mais recentemente, em 2014, o montante é de 14 estados sem PEE (54% do total de 26)”. Muitos municípios ainda não se constituíram como sistemas, dependendo diretamente dos estados e da União. “O desafio para os municípios é elaborar um Plano que guarde consonância com o Plano Nacional de Educação e, ao mesmo tempo, garanta sua identidade e autonomia.” (BRASIL, 2005, p. 10).

Historicamente, a primeira ideia de Plano Nacional para a educação foi apresentada em 1932 com o Manifesto dos Pioneiros de 1932, que segundo Saviani (2010), traz a concepção de reconstrução educacional. A ideia de longo prazo, inclusive, costurava as propostas dos pioneiros, por mais que algumas ideias pudessem soar como contraditórias. A Constituição de 1934 já trazia que era dever da União fixar um Plano Nacional de Educação, e praticamente todas as seguintes também. Mas o primeiro PNE, como hoje conhecemos, só veio com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases (Lei 4.024), em 1961.

Durante a ditadura militar, os planos foram ignorados, bem como a LDB em vigor, tendo somente alguns setores privilegiados, sobretudo a Igreja Católica e a educação privada.  Os índices e estatísticas apresentados pelos governos passaram a ser pouco confiáveis, o que dificultava a adequação de metas. Apenas com o processo de redemocratização voltou-se a pensar no PNE. O artigo 214 da Constituição de 1988 contempla a obrigatoriedade da existência deste documento.

A lei estabelecerá que o Plano Nacional de Educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e a integração das ações do poder público a conduzam à: I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do país. (BRASIL, 1988, Art. 214) A redação desde a Emenda Constitucional nº 59, de 2009, é a seguinte: Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam à: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do país; VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.

Nos anos seguintes, iniciam-se as discussões sobre as novas diretrizes e bases da educação nacional que duraram cerca de oito anos, culminando na nova LDB (Lei nº 9.394/96). Só em 2001 é aprovado o primeiro PNE, com duração de 10 anos e muitas metas que ficaram pelo caminho. Em 2010, já com atraso, iniciou-se o debate do segundo Plano e após um verdadeiro jogo de empurra, o atual PNE foi aprovado somente em 2014, com vigência até 2014. Ou seja, o Brasil ficou sem Plano vigente durante três anos, trazendo uma sensação de falta de importância para o documento. Entretanto, o amplo e democrático processo de debate, que começou na Conferência Nacional de Educação (CONAE) de 2010 e culminou com sua aprovação pelo Congresso Nacional, reforça o caráter necessário deste PNE. Os mesmo processo ocorreu com os Planos Municipais, ainda que alguns permaneçam engavetados.

PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO

A partir da promulgação da Lei 13.005, em 25 de junho de 2014, que instituiu o novo PNE (2014-2024), os municípios e estados precisaram, ainda em 2015, apresentar seus novos planos, seja revendo o anterior ou criando o primeiro, para aqueles que nunca tinham feito. Sabemos que, mesmo com a determinação legal e a ameaça de corte de repasses, isso ainda não é uma realidade em todos os estados e municípios: o próprio estado do Rio de Janeiro ainda não iniciou os debates a respeito do Plano, e municípios como Niterói e Rio de Janeiro ainda não ajustaram seus PMEs. Porém, essa tarefa é de suma importância para haja a adequação às novas metas e estratégias, a partir de um diagnóstico, apontando o que foi alcançado com o último Plano e elencando prioridades para o próximo decênio.

Os Planos Municipais (PMEs) devem ser coerentes com o PNE e também devem estar alinhados aos PEEs dos estados a que pertencem. Os Planos precisam refletir uma pactuação entre o governo estadual e os governos municipais em cada estado, pois as metas estaduais devem ser refletidas em uma combinação de metas municipais em cada Unidade da Federação. A soma das metas estaduais, por sua vez, deve ser suficiente para o alcance das metas nacionais. Por esse motivo, há um necessário encadeamento da construção das metas entre o PNE, PEEs e PMEs.

Também é fundamental considerar que o PME deve ser do município, e não apenas da rede ou do sistema municipal. O Plano Municipal de Educação é de todos que moram no município; portanto, todas as necessidades educacionais do cidadão devem estar presentes no Plano, o que vai muito além das possibilidades de oferta educacional direta da Prefeitura.

Por esse motivo, a intersetorialidade é uma premissa estratégica para dar sentido ao Plano, considerando que o projeto de educação de um município não é tarefa apenas do órgão gestor da rede de ensino, mas do conjunto de instituições dos governos, com a participação ativa da sociedade. O PME terá a responsabilidade de traduzir e conciliar os desejos, as necessidades e as capacidades educacionais do município para a oferta da educação básica (em todas as suas etapas e modalidades) e também de ensino superior. O documento precisa levar em consideração a trajetória histórica, as características socioculturais e ambientais, a vocação e a perspectiva de futuro do município.

Ao lado do PNE, os Planos Estaduais de Educação (PEEs), o Plano de Educação do Distrito Federal (Pedf) e os Planos Municipais de Educação (PMEs), pelo menos em tese, passam a ser tratados pela literatura pertinente como instrumentos estratégicos de gestão democrática da educação, uma vez que, além de terem de prever a necessária participação sociopolítica, agora na implantação, no acompanhamento e na avaliação do plano, também devem implicar explicitação de princípios, de competências de políticas públicas relativas não apenas à esfera federal, mas às esferas estadual, do Distrito Federal e municipal, a ser atestada na diagnose dessas múltiplas realidades educacionais e, a um só tempo, na elaboração de diretrizes a ela coesas, consubstanciadas por meio da definição de metas, objetivos e prazos. (SOUZA & MARTINS, 2014, p. 13)

A visão do plano de educação como exercício da gestão democrática também é confirmada por Teixeira (2012) quando afirma que estes podem ser aliados, ordenando os sistemas de ensino, de modo que estes se superem. Mas da mesma maneira, pondera-se que os planos podem ser obstáculos da gestão, se “forem encarados como mais uma atividade burocrática cuja elaboração está apenas ligada ao cumprimento da lei e em função da coerção que ela representa: ou ainda se forem encarados como mecanismos de manobra política (...)” (TEIXEIRA, 2012, p. 36).

Logo, a efetividade do plano, depende em grande parte, do real dimensionamento das demandas educacionais, das fragilidades, dos desafios e das potencialidades locais e dos modelos de gestão que se efetivam. No caso do PME, essas demandas e necessidades precisam ser comparadas com a capacidade atual e futura de investimentos e possíveis aportes do governo estadual, da União e de outras fontes. O PME deve se articular aos demais instrumentos de planejamento. Os insumos necessários para a execução dos planos de educação terão de constar nos orçamentos da União e dos estados para que apoiem técnica e financeiramente os municípios ao longo da década. Buscaremos, a partir de um referencial teórico específico, compreender a importância da gestão democrática na elaboração dos planos de educação.

GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS POLÍTICAS E NAS ESCOLAS

O princípio da gestão democrática na educação é estabelecido pela Constituição Federal de 1988, pontualmente no Artigo 206, inciso VI: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. Porém, mesmo compondo a Carta Magna do Brasil, a efetivação de tal princípio tem sido um grande desafio na educação pública.

O termo gestão democrática tem um significado de definição complexa porque é dependente de outros conceitos como, por exemplo, democracia. Não cabe neste trabalho um debate conceitual sobre democracia, mas vale frisarmos que a mesma pode ser entendida de diferentes formas, seja como um conjunto de regras previamente combinadas por seus participantes (BOBBIO, 2009; 2010) ou como um processo dinâmico, na ideia de democratização (LUKÄCS, 1987; COUTINHO, 2008). Escolhemos a ideia de que democracia não é um estado, mas sim um processo, cercado por tensões e disputas e que se constrói ao longo de sua efetivação, ou seja, as regras são mutáveis e isso é algo que contribui para sua maturação.

Outra diferenciação importante é democracia e participação. A discussão em torno do significado da palavra participação é importante. Não apenas porque essa palavra aparece em quase todos os instrumentos normativos educacionais do século XXI, mas também porque tem estreita relação com o ideal de democratização. Todavia, cabe lembrar, é possível que haja participação sem que haja democracia, portanto, não são sinônimos. 

Não há mais espaço na sociedade em que vivemos para o exercício da democracia sem alguma forma de participação. As relações sociais pressupõem participação. Para isso a gestão pública, e em especial a gestão pública na educação, precisa se adaptar às novas formas de exercício democrático. Se antes a gestão precisava dispensar maior atenção a questões de ordem técnica, atualmente a sua função torna-se ainda mais complexa, porque envolve também a necessidade de democratizar os instrumentos de poder.

No campo da educação podemos compreender esta análise nas palavras de Gadotti (1983), quando elenca a atribuição do educador e enfatiza que esta atribuição “é motivar para a participação, criar canais para a participação (...). ao lado, portanto, do papel técnico de ensinar e ler, escrever e pesquisar, o educador tem um papel político, que é o de mobilizar, organizar para a participação” (GADOTTI, 1983, p. 45).

Como citado anteriormente, a Constituição de 1988 apresenta o princípio da gestão democrática. Considerando que os textos legislativos refletem um processo político (MAINARDES, 2006), é bom atentar para a questão de que o debate sobre esse tema não data da promulgação da Constituição, o primeiro texto legal a trazer o princípio textualmente. A ideia sobre gestão democrática, tanto antecede como sucede a Constituição de 1988.

O Brasil promulgou a sua Constituição Cidadã em meio a um contexto de reformas educativas, mais especificamente na América Latina.

O Equador sancionou sua Lei de Educação no ano de 1983. No Uruguai, a Lei de Educação foi sancionada em 1985. No Chile, a Lei Orgânica Constitucional de Ensino foi aprovada em 1990. Nesse mesmo ano foi sancionada uma lei educativa em El Salvador. Em 1992, foi estabelecido um Plano Decenal de Educação na República Dominicana. Em 1993, foi aprovada a Lei Federal de Educação na Argentina e foi sancionada uma nova lei no México. A Bolívia aprovou sua Lei de Reforma Educativa em 1994 e, nesse mesmo ano, foi aprovada a Lei Geral de Educação colombiana. Em 1996, no Brasil, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. (BEECH, 2009, p. 03).

Foi nesta Constituição, vigente no Brasil até os dias de hoje, que o Plano Nacional de Educação ganha um papel importante para as formas de relacionamento entre Estado e sociedade civil, ainda que sua primeira edição tenha ocorrido somente treze anos depois. Entendendo que a gestão democrática pressupõe participação e autonomia, a Constituição estendeu aos municípios o direito de organizarem, também, seus sistemas de ensino, com autonomia e em regime de colaboração entre si, com os estados e com a União, como prevê o Artigo 211. Teixeira (2012), nos traz a seguinte constatação:

A autonomia foi um dos temas de destaque no III Seminário de Educação Brasileira promovido pelo CEDES, realizado na UNICAMP nos dia 28 de fevereiro, 01 e 02 de Março de 2011. Dermeval Saviani, dentre outros, apontou para o procedimento equivocado de se referir à autonomia no mesmo patamar que se refere à soberania. Um dos embates emblemáticos desta discussão foi “autonomia não significa soberania” (SAVIANI, 2010a). Saviani defendeu a ideia de interdependência Dermeval Saviani não utiliza essa palavra, mas foi a que consideramos mais apropriada para sintetizar o seu pensamento., ou seja, o município fazendo parte do Brasil é hierarquicamente dependente das esferas superiores, neste caso os Estados e a União. Em contrapartida, as esferas hierarquicamente superiores precisam respeitar as peculiaridades locais, tornando-se assim interdependentes. Para Saviani (2010a) não é facultativo ao município, por exemplo, fazer parte ou não do Sistema. Ele faz parte e deve aderir de maneira naturalmente articulada (porque sistema, já pressupõe articulação). (TEIXEIRA, 2012, p. 35)

p>A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 trata da questão da autonomia dos municípios, preconizada na CF/1988 no 14º artigo, quando define princípios a serem elencados na elaboração das normas de gestão democrática no ensino público da educação básica, destacando se em seu texto “a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes” (BRASIL, 1996). De acordo com Alves e Alves (2010) a mobilização dos movimentos sociais e dos trabalhadores da educação contribuiu para os avanços legais no que tange à gestão democrática da educação.

Para Ferreira, as políticas públicas emanadas do Estado são “mediatizadas por lutas, pressões e conflitos” (FERREIRA, 2004, p.1231) e segundo a autora, essa mediação abre espaço para dar às políticas públicas uma face social. A gestão da educação, enquanto elemento de tomada de decisões e forma de utilização racional de recursos para a realização de determinados fins (PARO, 2000; FERREIRA, 2004), necessita ser repensada e ressignificada.

Também é necessário relacionar a questão da “consciência política” com o poder. Negar o poder como elemento da gestão democrática é esvaziar o sentido da expressão “consciência política”. De acordo com Paro, “suposta uma educação democrática, a única maneira do exercício do poder envolvida no processo pedagógico é a persuasão” (PARO, 2010, p. 55). Pautar-se na ideia do diálogo (persuasão) como forma de poder não é, pois, negar o poder. É preciso exercer a persuasão, na perspectiva do diálogo. Neste sentido quem se dispõe a persuadir também está aberto a ser persuadido e as ideias vão se criando e se reinventando nas relações (PARO, 2010).

Além do campo das políticas públicas, a escola também é campo de disputas ideológicas, onde a democracia precisa ser reafirmada. Freire (1987) defendeu que a consciência revolucionária se daria através da educação formal e informal e ainda enfatizou a impossibilidade dos “oprimidos” se libertarem sem que proporcionem a libertação aos seus opressores. A escola, portanto, não deve se organizar apenas para reproduzir culturas e transmitir conhecimentos socialmente elaborados. Como uma das instituições que muito podem contribuir para o projeto social emancipatório (SANTOS, 2007), a escola deve contemplar questões que dizem respeito à política, como por exemplo, questões emblemáticas da democracia.

É neste sentido que concordamos com Najjar (2006) quando enfatiza que a escola deve ser organizada para possibilitar o exercício da democracia. Para respaldar essa ação é fundamental levar para dentro da escola “a ideia de que a política é um âmbito constitutivo de toda atividade humana (...)” (NAJJAR, 2006, p.24).

Para Najjar (2006) a democracia na escola deve estar relacionada em três âmbitos ou dimensões que vai além da ideia mais simplificada de democracia como princípio. Seria preciso que a democracia fosse princípio, meio e fim. Para o autor, a democracia além de ser um princípio fundador da escola também é “um meio eficaz de organização da escola” e deve ser um fim na perspectiva de “uma utopia a ser perseguida” (NAJJAR, 2006, p. 23).

Em virtude de mudanças socioeconômicas e culturais ocorridas na sociedade brasileira, a escola teve de reformular suas funções tradicionais, redefinir o seu papel e criar novos serviços, aumentando-se, assim, o número de pessoas envolvidas no processo educativo, bem como o nível de complexidade dessa instituição. Alguns mecanismos foram desenvolvidos potencializando a ideia de participação de todos para uma educação de qualidade. Porém o que se percebe é que a escola, muitas vezes, fica a mercê de decisões tomadas em eventos cuja bandeira é a “participação”. Também este quesito “participação” muitas vezes não é bem definido ou é definido de acordo com as conveniências políticas.

O voto, por exemplo, é um meio de participação, o que por si só não garante que essa participação tenha refletido ideias, sentimentos e até mesmo a vontade de quem votou. De acordo com Lima (2001) o voto é uma forma de atividade passiva, ou de participação passiva. Oliveira Vianna (1999) trouxe, em seus estudos sobre a evolução da política no Brasil, argumentos sobre as fragilidades da democracia. Sobre o “sufrágio universal” o autor enfatiza que por  tradição os dirigentes e parlamentares do Brasil “pensam candidamente” ser possível instituir o regime democrático “impondo” através de legislações  este componente da democracia.

A eleição de diretores, considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal desde o início do século XXI, foi substituída pela consulta, em que a nomeação costuma obedecer o resultado das urnas, seguindo os ritos de uma eleição, mas com a prerrogativa final da nomeação do diretor pelo Executivo. Contudo, esse elemento, por si só, não garante a democracia na escola, pois vemos casos de perpetuação de pessoas nos cargos, mesmo que com o aval da comunidade e isso fere o princípio do revezamento do poder, essencial à democracia. Se não ocorre na escola, tampouco ocorrerá na elaboração de um PME.

RELAÇÃO ENTRE PME E GESTÃO DEMOCRÁTICA

Para Najjar (2006), a luta por uma escola democrática equivale à luta por uma sociedade democrática e destaca que “sem isso a questão democrática torna-se uma questão técnica, gerencial. A democracia não é técnica. Ela é uma questão política, de socialização de poder” (NAJJAR, 2006, p. 23). Trazer para a discussão embates emblemáticos da democracia pressupõe um a análise não só do termo e do regime político, mas também do contexto em que ele é trabalhado. A escola não está à parte da sociedade, ela faz parte da sociedade. De acordo com Gadotti: “O professor está suportando nas escolas contradições existentes na sociedade, que carrega o peso de uma sociedade opressiva” (GADOTTI, 2003, p. 82).

A gestão democrática pode tanto reproduzir como são tratadas as questões de poder, autonomia e participação nas outras instituições ou esferas sociais quanto, também pode ser agente transformador desses contextos interferindo na maneira de pensar e agir. Outro aspecto importante é a maneira de tomar decisões e de como são tratadas as diferentes questões que influenciam as decisões. A escola é um espaço complexo, de conflitos e essas características são positivas para a formação do cidadão crítico e autônomo, para estabelecer formas que ajudem no projeto social emancipatório.

A elaboração de um novo Plano Municipal de Educação pode se dar de duas maneiras: a primeira é a partir da gestão democrática, em que todo o processo de preparação, tramitação e aprovação do Plano é compartilhada entre os diferentes atores que compõem o tecido social, todos com papéis ativos em cada etapa. A segunda maneira é a autoritária, monocrática, em que as decisões são unilaterais e a comunidade só é aproveitada de forma utilitária, chancelando as decisões já tomadas.

A promoção de uma conferência municipal, sozinha, não garante um processo democrático. É preciso entender qual o formato dessa conferência, quais os atores envolvidos, de onde se parte e aonde se quer chegar. A conferência precisa, para ser efetivamente democrática, representar todas as matizes da sociedade, abarcando governo e movimentos sociais, o público e o privado,  a educação e outros setores.

Dependendo das regras estabelecidas, há uma maior possibilidade de efetivação de um processo democrático. Conferências onde há pouco – ou nenhum espaço – para as pessoas se colocarem tendem a produzir documentos menos democráticos, com visões unilaterais. Por outro lado, possibilitar que os atores se coloquem e não incorporar determinadas colocações ao documento também é um modo autoritário de gestão. As conferências devem ser espaços para a voz e o voto, acolhendo as percepções mais coletivas, de maior ressonância.

Da mesma forma, o processo de tramitação exige participação democrática. O documento, que deve ser apreciado pela Câmara dos Vereadores e sancionado pelo chefe do Executivo não deve ser abandonado. A partir de uma pesquisa que está sendo realizada Pesquisa em andamento, entitulada “Uma análise dos Planos Municipais de Educação do Estado do Rio de Janeiro: 92 enfoques sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE)”, organizada pelo NUGEPPE-UFF (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gestão e Políticas Públicas em Educação), com previsão de término para dezembro de 2016, sobre os 92 PMEs do estado do Rio de Janeiro e suas tramitações. da qual fazemos parte, citaremos dois fatos ocorridos em municípios fluminenses em que a democracia se perdeu ao longo do processo, mesmo com a realização de conferências aparentemente democráticas.

Em um município do grande Rio, quando o documento chegou à Câmara, um padre passou a perseguir e ameaçar os vereadores, solicitando a retirada de todos os itens que falassem em diversidade de gênero. Os vereadores cederam à pressão e fizeram vetaram diversos artigos aprovados na conferência, simplesmente para atender à demanda dos religiosos. A mudança foi tão cega e autoritária, que foram retirados inclusive os artigos que tratavam da biodiversidade.

Outro caso, de um município vizinho, mostra como a prefeitura pode atrapalhar a gestão democrática do processo de elaboração do PME. Devido a um artigo que cita a necessidade de mais profissionais na cozinha das escolas, o Plano está parado no gabinete do prefeito há quase um ano, pois o mesmo não quer que a lei seja aprovada com essa redação, pensando nos novos custos que terá. Ou seja, todo o processo de tramitação está comprometido a partir da visão de uma única pessoa, por mais importante que ela seja.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para Bordignon e Gracindo “tanto o Plano Municipal de Educação quanto o Projeto Político Pedagógico define a cidadania que se quer (...)” (BORDIGNON e GRACINDO,  2000, p. 159). Porém, a maneira como esses mecanismos serão elaborados será fator influente da sua condição final e também dos seus embates em processo de elaboração. Dessa maneira não será o Plano Municipal de Educação ou o Projeto Político Pedagógico que definirá a cidadania que se quer e sim a gestão da educação responsável pelo processo de elaboração desses mecanismos.

A gestão amparada nos princípios democráticos é essencial para a constituição de uma lei que pretende ser maior que os governos (por isso dura dez anos), que pretende ser maior que o sistema no qual se enquadra (por isso pensa a territorialidade) e pretende ser constantemente retroalimentada (por isso prevê ao menos duas conferências para revisões do Plano). Pensar em um Plano de Educação, documento de construção coletiva, sem enquadrá-lo na ideia de gestão democrática remete ao autoritarismo dos decretos.

Uma de suas principais funções é planejar a educação. Partindo da ideia de que planejamento é uma mediação téorico-metodológica para a ação, consciente e intencional, registramos nossa concordância com Vasconcellos (2014, p. 79), que afirma que “planejar, não é pois, apenas algo que se faz antes de agir, mas é também agir em função daquilo que se pensou”. Sendo assim, o processo de planejamento não comporta apenas atividades prévias à ação, mas simultâneas e posteriores também. Portanto, planejar, em seu sentido verdadeiro, há de ser um processo dialético, de interação e intervenção entre o que se idealiza e o que se tem concretamente. Não são etapas amarradas, mas subprocessos interligados e complementares: o primeiro é a elaboração; o segundo é a realização. Além de planejamento, entendemos o Plano como uma utopia:

E por utopia entendemos a exploração, através da imaginação, de novas possibilidades humanas e novas formas de vontade, e a oposição da imaginação à necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor por que vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito. (SANTOS, 2009, p. 331)

Concordamos com Santos; no processo de democratização, é preciso lutar para garantir que práticas autoritárias sejam cada vez mais parte de nosso passado.

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