O PROJETO DE EXPANSÃO DAS INSTITUIÇÕES PRIMÁRIAS NO TERRITÓRIO FEDERAL DE PONTA PORÃ (1943–1946) Ponta Porã é uma cidade do Estado de Mato Grosso do Sul, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai.
Resumo: Os Territórios Federais foram criados no governo Vargas (1930 – 1945). No discurso do governo federal é evidenciado que estes cumpririam os objetivos de OCUPAR, SANEAR e EDUCAR, principalmente, as regiões de fronteira. Apresentará as singularidades na condução do ensino da fronteira do Brasil/Paraguai onde se instalou o Território Federal de Ponta Porã – TFPP. As fontes principais são: Leis, Decretos, Relatórios dos Governadores/Interventores do TFPP. Cabe dizer que o governo federal implantou instituições escolares primárias, sobretudo na zona rural, para atingir o seu propósito de alinhar a “mentalidade” dos indivíduos das fronteiras ao “novo” processo de desenvolvimento do Brasil, ou seja, o da industrialização, em bases nacionais.
Palavras-chave: Fronteira; TFPP; Instituições Escolares Primárias.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente texto objetiva partilhar o que se compreende até o momento sobre o projeto de implantação e expansão das instituições escolares primárias na fronteira do Brasil com o Paraguai, em meio à intervenção do Governo Federal, na Era Vargas, durante a existência do Território Federal de Ponta Porã – TFPP (1943 a 1946). Apresentará, também, algumas das estratégias educacionais já identificadas que foram planejadas, e parcialmente executadas, para atender os alunos da zona urbana e rural do Sul de Mato Grosso.
É relevante inicialmente salientar de forma resumida sobre alguns traços da educação no Brasil e no Mato Grosso no período republicano. Em um segundo momento, sucintamente, apontará alguns elementos do cenário político e econômico da Segunda República, assim como fará no caso da educação.
A EDUCAÇÃO NO BRASIL E EM MATO GROSSO NA ERA VARGAS
É relevante inicialmente argumentar conforme Ianni (1996, p. 26), que nos anos de 1930 a 1945, percebe-se no governo brasileiro, sob a presidência de Getúlio Vargas, outro momento “nas relações entre o Estado e o sistema político-econômico” (p. 26), pois se adotou medidas diferentes das quais herdará, repensou as instituições e estabeleceu reformas, inclusive, educacionais. As mudanças apontavam para uma nova dinâmica, mas o referido autor alerta que “as reformas político-administrativas realizadas e a própria reestruturação do aparelho estatal não foram resultados de um estudo objetivo e sistemático das reais condições preexistentes” (p. 26). Bastos, na mesma direção, argumenta que:
[...] a defesa do desenvolvimento econômico orientado pelo Estado nacional foi um aspecto central da ideologia política de Getúlio Vargas, mas que as formas específicas do nacional-desenvolvimentismo de Vargas não nasceram prontas em 1930, definindo ao longo do tempo, com tentativas e erros, seus objetivos parciais, meios de implementação de políticas e as esferas de atuação do Estado e do mercado, particularmente empresas estatais, filiais estrangeiras e companhias privadas brasileiras. (2006, 239).
Conforme, ainda, a Ianni (1996) foi nos anos que sucederam a “Revolução” de 1930 que se criam as condições para a organização do Estado burguês, sendo perceptível “um sistema que engloba instituições políticas e econômicas, bem como padrões e valores sociais e culturais de tipo propriamente burguês.” (p. 25). Demier (2012), por sua vez, acrescenta que:
[...] com a ascensão de Vargas ao poder e a constituição de um novo regime, o Estado, deixando de funcionar como uma mera representação política da burguesia cafeeira, não assumiu, contudo, a condição de instrumento político de alguma outra classe ou fração de classe em particular. Aliás, foi precisamente em função de sua ‘autonomia relativa’ diante de cada um dos grupos sociais que o Estado do pós-1930 pôde, naquela situação de ‘crise de hegemonia’, garantir os interesses fundamentais do conjunto da classe dominante. Renovado, encorpando e adquirindo novas atribuições, o núcleo duro do aparelho estatal, composto pelo Poder Executivo com sua burocracia e Forças Armadas, elevou-se por sobre todas as frações do capital justamente para preservar aquilo que, essencialmente, interessava a todas elas: a manutenção da sociedade burguesa no Brasil. (DEMIER, 2012, p. 378 e 379, grifos do autor).
É oportuno mencionar que nesse período, mais especificamente, em março de 1932 a Associação Brasileira de Educação divulgou o “Manifesto dos Pioneiros pela Escola Nova”, tendo como redator Fernando de Azevedo. Este documento, direcionado ao povo e aos governantes, exigia a reconstrução da educação nacional, baseado nos princípios da laicidade, da gratuidade, da obrigatoriedade e da co-educação. É importante lembrar também que reformou-se a Constituição no Brasil por duas vezes, ou seja, em 1934 e em 1937.
Rocha (2001) ao tratar sobre a Constituição de 1934 argumenta que “Apesar dos renovadores conseguirem finalmente aprovar na Constituição o direito à educação, ele sai suficientemente mutilado para que nada obrigue o Estado a um investimento maciço em educação pública” (p. 126). A Constituição de 1937, por sua vez, “além de tornar explícito o caráter complementar da ação educacional do Estado, sequer estabelecia o princípio do direito à educação”, destaca Xavier (1990, p. 137).
Sobre as Constituições Federais de 1934 e 1937 é relevante expor também sobre a organização nacional do Brasil, mais precisamente, referente aos “Territórios” administrados pelo governo federal. No caso da primeira Constituição o artigo 1º diz: “A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil [...]” (BRASIL, 1934, s/p), enquanto a segunda Constituição Federal da Era Vargas estabelecia no artigo 3º que “O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios [...].” (BRASIL, 1937, s/p). No entanto não se pode deixar de observar que somente na Constituição de 1937 é previsto conforme o artigo 6º que “A União poderá criar, no interesse da defesa nacional, com partes desmembradas dos Estados, territórios federais, cuja administração será regulada em lei especial.” (BRASIL, 1937, s/p).
É evidente a sinalização de intervenção de Vargas, na primeira Constituição, em regiões, essencialmente de fronteira, incompatíveis com o cenário político-econômico que o referido presidente desejava imprimir no Brasil, mas foi na Constituição de 1937, em meio ao Estado Novo (1937 – 1945), que se criam as condições legais para materializar a ocupação da fronteira do Brasil/Paraguai, assim como alinhá-la aos seus propósitos econômicos nacionais.
Ao longo desse período na área educacional foram elaborados os Decretos nº 19.890 (1931) e nº 21.241 (1932) Estes decretos fazem parte de uma série de decretos aprovados, são eles: Decreto nº 19.850 de 11 de abril de 1931 de 1930: cria o Conselho Nacional de Educação; Decreto nº 19.851 de 11 de abril de 1931: Dispõe sobre a organização do ensino superior no Brasil e adota o regime universitário; Decreto nº 19.852 de 18 de abril de 1931: Dispõe sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro; Decreto nº 19.890 de 18 de abril de 1931: Dispõe sobre a organização do ensino secundário; Decreto 20. 158 de 30 de junho de 1931 e o Decreto nº 21. 241 de 04 de abril de 1932: Consolida as disposições sobre a organização do ensino secundário e dá outras providências (ROMANELLI, 1999, p. 131)., na gestão do ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Luís da Silva Campos (1930 – 1932). Souza (2008) afirma que a reforma empreendida “[...] sinalizou os rumos da ação do Estado na tentativa de constituição de um sistema nacional de educação pautado nos princípios da racionalidade e uniformização” (p. 147). Romanelli (1999), por sua vez, destaca que “Era a primeira vez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensino e, o que é importante, era pela primeira vez imposta a todo o território nacional. Era, pois, início de uma ação mais objetiva do Estado [federal] em relação à educação.” (p.131).
A segunda reforma educacional no período do Governo Vargas foi apresentada pelo ministro da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema Filho (1934 – 1945), que se constituiu de uma série de reformas parciais, as chamadas Leis Orgânicas do Ensino Formadas pelos seguintes Decretos: Decreto-lei 4.073, de 30 de janeiro de 1942: Lei Orgânica do Ensino Industrial; Decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942: Cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial; Decreto-lei 4.244, de 09 de abril de 1942: Lei Orgânica do Ensino Secundário; Decreto-lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943: Lei Orgânica do Ensino Comercial; Decreto-lei 8.529 de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Primário; Decreto-lei 8.530 de 2 de janeiro de 1946: Lei Orgânica do Ensino Normal; Decretos-lei 8.621 e 8.622 de 10 de janeiro de 1946: Criam o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e Decreto-lei 9.613 de 20 de agosto de 1946: Lei Orgânica do Ensino Agrícola (ROMANELLI, 1999, p. 140).. Com a referida reforma pretendia-se continuar, dado que as condições já haviam sido criadas pela Reforma Francisco Campos, organizando um sistema de ensino nacional no Brasil (BRITO, 2001). Saviani (2014), por sua vez, argumenta que de fato,
[...] o Brasil foi retardando essa iniciativa e, com isso, foi acumulando um déficit histórico imenso no campo educacional, em contraste com os países que implantaram os respectivos sistemas nacionais de ensino tanto na Europa como na América Latina, como o ilustram os casos da Argentina, Chile e Uruguai. Estes equacionaram o problema na passagem do século XIX para o XX. O Brasil já ingressou no século XXI e continua postergando a dupla meta sempre proclamada de universalizar o ensino fundamental e erradicar o analfabetismo. (p.30).
É importante lembrar que Getúlio Vargas assumiu a presidência do Brasil depois de ajudar a depor o Presidente Washington Luís Pereira de Sousa (1926 – 1930). Vargas instalou o Governo provisório de 1930 a 1934, suspendeu a Constituição em vigor (1891) fechou o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais e a Câmaras Municipais. Para os governos estaduais foram nomeadas pessoas de sua inteira confiança, em geral tenentes, denominados de interventores (FAUSTO, 2008).
Mas o Presidente Vargas se mantém como chefe do governo central brasileiro sendo eleito indiretamente pela Assembleia Nacional para exercer mandato até 1938. Antes de terminar o seu mandato, Getúlio Vargas instalou, no ano de 1937, o conhecido Estado Novo, prolongando o seu governo até 1945 (FAUSTO, 2008).
Neste contexto o Estado de Mato Grosso também (re) organizou as suas leis educacionais. Entre as principais legislações pode-se citar: Decretos nº 10, de 7 de novembro de 1891; nº 68 de 20 de junho de 1896; nº 139 de 2 de janeiro de 1903; o nº 296 de 13 de janeiro de 1912 (MATO GROSSO, 1919). A Lei nº 533, de 4 de julho de 1910 e, por fim, o Decreto nº 759 de 22 de abril 1927. Cabe dizer que as referidas legislações do Estado de Mato Grosso, assim como ocorreu no cenário nacional, tratavam mais do ensino primário do que do secundário, demonstrando que o foco também se concentrava no combate o analfabetismo.
Sendo assim a educação no estado de Mato Grosso apresentava, no ano de 1933, na Presidência de Leônidas Antero de Matos (1932–1934), os seguintes números de estabelecimentos: primários (327), sendo que estes eram muito superiores aos dos estabelecimentos secundários (7). Da mesma forma, percebe-se que o número de concluintes do ensino primário (2.774) é maior em relação aos do ensino secundário (85).
Em 1937, as três cidades líderes (Cuiabá Atual capital do Estado de Mato Grosso., Corumbá Cidade do Estado de Mato Grosso do Sul, na época em questão, fazia parte do Estado de Mato Grosso. e Campo Grande Atualmente a referida cidade é a capital do Estado de Mato Grosso do Sul, mas na época da Era Vargas era uma das principais cidades do Estado de Mato Grosso.) respondiam por 36% do total de estabelecimentos de ensino primário existentes no estado, tanto públicos como particulares. Já em 1939, este percentual elevou-se para 38,7%. Destaca-se “[...] a participação de Campo Grande, que teve um crescimento de 48,6% no número total de estabelecimentos primários, entre estes anos, denotando o florescimento deste centro populacional como pólo aglutinador da região Sul do estado” (BRITO, 2001, p. 90)
Na década de 1940, o interventor federal Julio Strübing Müller (1937 – 1945 Assumiu na função de interventor do estado de Mato Grosso no período de 24/11/1937 a 08/11/1945, com o golpe de Estado de 1937, instaurado na gestão do presidente Getúlio Vargas (1930-1945).), por meio do Decreto nº 53, de 18 de abril de 1941, criou 100 escolas de instrução primária, principalmente nos centros rurais do estado. De acordo com Gonçalves (2009, p. 98) infere-se que a criação das escolas rurais deve-se ao fato de que a população, nesse período, vivia em sua maioria no campo.
Conforme Britto (2001, p. 74-75) no período de 1920 a 1940, no estado de Mato Grosso,
[...] houve um aumento de 75,0 da população mato-grossense, da mesma forma que aconteceu um crescimento de 34,6% na faixa de idade entre 5 e 14 anos e de 173,9% no número de pessoas freqüentando a escola primária, nesse mesmo intervalo etário nos 20 anos considerados. Além disso, a população escolarizável, que perfazia 26,6% da população total de Mato Grosso em 1920, chegava a 20,4% em 1940, enquanto a população escolarizada totalizava 3,8% e 6,0%, em 1920 e 1940, respectivamente, em relação a população total.
Considerando ainda estes mesmos dados, em 1920, 14,4% da população escolarizável, ou seja, da população com idades variando entre 5 e 14 anos, estava freqüentando a escola primária, pública e particular, em Mato Grosso. Já em 1940, o atendimento registrou 29,3% da população escolarizável recebendo instrução elementar.
Por fim é relevante dizer que foi no contexto da Era Vargas, mais precisamente, durante o Estado Novo que se cria os Territórios Federais do Amapá, do Rio Branco, do Guaporé, de Ponta Porã Medeiros (1946) afirma que a composição do TFPP foi a mais privilegiada, porque estava “entre duas circulações fluviais [Rio Paraná e Rio Paraguai] sem dúvida alguma muito importante e que tem sido o caminho principal de escoamento dos produtos do sul de Mato Grosso” (p. 237). e do Iguassú por meio do Decreto-lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943. Os objetivos dos Territórios podem ser resumidos em: defesa nacional, povoar as regiões de fronteira do Brasil com o Paraguai, Argentina e Bolívia. Medeiros (1946, p. 230), expressando o projeto estratégico do governo central, além de ratificar a informação anterior acrescenta que os territórios favoreceram o fortalecimento do processo político e econômico de integração no Brasil.
A EDUCAÇÃO NA FRONTEIRA BRASIL/PARAGUAI
Como o foco deste texto é a fronteira do Brasil/Paraguai salientará, especialmente, sobre o Território Federal de Ponta Porá – TFPP no intuito de compreender melhor o processo de expansão da educação primária como elemento mediador da ocupação da referida fronteira, assim como o de alinhamento da população com a proposta político-econômico da Era Vargas.
Medeiros (1946) ao tratar, especificamente, do TFPP argumenta que seu objetivo era combater a ocupação de indivíduos provenientes do Paraguai. Mas o referido autor diz, ainda, que o Território não estava conseguindo amenizar a penetração de pessoas do país vizinho. Segundo o citado autor se aglomeravam cada vez mais estrangeiros na zona de fronteira buscando melhoria de condição de vida.
[...] se um dos objetivos da criação do Território Federal de Ponta Porã, ‘no interêsse da defesa nacional’, consiste em formar uma fronteira de tensão (capaz de servir de anteparo à influência guaranizante que se observa, fortemente, ao longo da faixa, sugerindo possibilidade de uma futura ameaça de ‘uti possidetis’ paraguaio), parece que o mesmo será frustrado, se o Govêrno Brasileiro não adotar, quanto antes, as bases de uma séria política financeira internacional, mesmo que para isso tenha de despender vultuosos empréstimos a longo prazo. (MEDEIROS, 1946, p. 161, grifos do autor).
Sendo assim o ex-governador do referido Território, José Alves de Albuquerque Último Governador do Território Federal de Ponta Porã., por sua vez, diz o seguinte:
Colonizar o País, apossar-se da imensa porção de solo pátrio que jaz abandonada, improdutiva, desnacionalizada, in natura, é dever precípuo do Govêrno Central, autoridade máxima na execução das leis, e estas, elaboradas sob a imperiosa necessidade de dar ao executivo possibilidades de ação, devem arrimar-se no bem estar coletivo, pondo por terra, e uma vez para sempre, o regionalismo doentio, que inúmeros males tem causado ao progresso ascensional da Nação. Já é tempo de sairmos do litoral onde temos estado como os carangueijos, a esgravatar o solo árido da orla marítima, costas voltadas ao interior, indiscutivelmente o empório das reservas econômicas nacionais (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 7).
O referido ex-governador salienta, ainda, que a criação dos “Territórios representam, não há [de] negar, ao longo das fronteiras, fator indiscutível de nacionalização, de civilização, enfim” (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 7). Ele expressa, também, a ideia de que a mentalidade do “homem da fronteira” não estava compatível com os interesses nacionais, até porque estes indivíduos não sentiam os benefícios das cobranças dos impostos. Sendo assim a mentalidade dos fronteiriços
vem sendo trabalhada, gradativamente, metódica e ininterruptamente nos Territórios, com a assistência médica, garantia individual, segurança de seus bens e, o mais importante, fator primordial na formação do indivíduo para que tenha noção da Pátria na acepção do termo – o ensino, distribuído indistintamente, inclusive com todo o material escolar, gratuitamente fornecido às crianças. Esse aliás, o ponto de capital interesse para a nacionalização da linha de fronteira e não poderia deixar de ser focalizada, como medida indispensável na formação de mentalidade nacional naqueles ínvios sertões, onde o homem, herói anônimo de muitas batalhas com o meio em que vive, é bem a sentinela avançada da Pátria, abandonado embora, pela língua, os limites de nosso País, mas alheio ao coletivismo, à reunião de todos os esforços individuais, de que resultaria maior vitalidade à região, em uma palavra – sua nacionalização (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 7, grifo nosso).
Sobre a educação é importante dizer, parafraseando-se as palavras do administrador Albuquerque em seu relatório de 1946, que todos os administradores do TFPP priorizaram-na. Este acrescenta ainda que a educação era “Fator básico na formação da mentalidade de um povo, cadinho onde se plasma o alicerce moral, intelectual, social e econômico do país [...]” (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 25). O citado governador evidencia também que o analfabetismo deve ser combatido com veemência pelo governo federal, ao passo que reconhece que foi preciso, especialmente no interior do TFPP, “adotar as formas mais intensas e variadas de como ensinar” (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 25).
É relevante apresentar, a seguir, os dados populacionais dos municípios membros do TFPP no ano de sua criação eram, respectivamente, o seguinte: Bela Vista 13.775; Dourados 14.985; Ponta Porã (2ª capital e cidade mais populosa) 32.996; Porto Murtinho 7.185; Miranda 10.622; Porto Esperança (distrito de Corumbá) 1.515; Maracaju (1ª capital do TFPP) 5.160 e Nioaque (menor população) 4.674. Pode-se afirmar que a população do TFPP era predominantemente rural, pois 77,06 % não moravam nas cidades (MEDEIROS, 1946, p. 166), o que justifica a intensificação na implantação de estabelecimentos de ensino primário principalmente na zona rural do Sul de Mato Grosso.
Cabe apresentar, também, o quantitativo de instituições, segundo Albuquerque, até a criação do TFPP, isto é, setembro de 1946. Sendo assim ele aponta que antes do desmembramento da nova unidade federativa, Mato Grosso contava com 52 escolas de ensino primário, sendo que 28 eram mantidas pelo governo do estado e 24 estavam sobre tutela dos governos municipais É relevante dizer que as 52 instituições citadas acima passaram a ser mantidas pelos recursos do TFPP, entre os anos de 1943 a 1946, ou seja, os governos municipais não precisavam financiar a educação (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 26).. Infere-se que na região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai estas escolas seguiam as características de estabelecimentos isolados, pois existia na época até onde se tem notícia apenas o Grupo Escolar de Ponta Porã (Grupo Escolar Mendes Gonçalves), que foi construído pela Empresa Mate Laranjeira A Companhia Matte Larangeira foi uma empresa que surgiu de uma concessão imperial ao comerciante Thomaz Larangeira, por serviços prestados na Guerra do Paraguai. A referida empresa atuou na exploração de erva-mate no sul do Mato Grosso (LINHARES, 1969). (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 25).
O ex-governador José Albuquerque destaca ainda que apenas 12% da população em idade escolarizável estavam sendo atendida, pois das 16.000 crianças, no máximo 1.800 estavam “frequentando” a escola. O administrador citado argumenta também que as instalações das escolas eram precárias, sem contar que o material escolar e as carteiras adequadas eram privilégios de poucos (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 26).
Os administradores do TFPP, intencionando resolver os problemas enfrentados, e de certa forma não resolvido devido às condições financeiras, pela Diretoria de Educação de Mato Grosso, reorganizaram a educação na região de fronteira do Brasil com o Paraguai. Sendo assim criou-se no referido Território quatro inspetorias escolares, seguindo as características da organização escolar do Estado de São Paulo: a primeira, a de Ponta Porã; a segunda, a de Maracaju/Dourados; a terceira, a de Nioaque/Miranda; e a quarta, a de Bela Vista/Porto Murtinho. No entanto, com a expansão educacional, principalmente da primeira inspetoria, percebeu-se a necessidade de criar uma quinta unidade administrativa, isto é, a de Amambai, com vistas a atender a zona sul do então município de Ponta Porã. Com os inspetores em campo,
Iniciou-se então, serviço de vulto pela campanha, onde os inspetores orientavam os professores com o máximo carinho na execução do programa didático, feitura do diário escolar, escrituração dos livros de matrícula, frequência e trabalhos realizados, planos de aulas, boletins mensais, comemorações cívicas, cerimônia de hasteamento do pavilhão nacional, lições de cousas, etc. (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 29).
A partir dos relatórios dos inspetores se planejou a criação de estabelecimentos de ensino primário para atender os locais na qual existia crianças em idade escolar, mas pode-se antecipar que a maior parte do projeto não saiu do papel.
Cabe dizer que, considerando-se as características do povoamento do Mato Grosso, encontrava-se a população muito dispersa, sendo comum a presença de grandes áreas de terras desocupadas entre as famílias. Desta forma, o consenso entre os inspetores foi o de criar escolas isoladas rurais onde se encontrava núcleos de população mais ou menos densos. Segundo Albuquerque “nos anos de 1945 e 1946, foram criadas 139 dessas escolas [isoladas rurais], nas pequenas povoações onde a estatística acusava mais de 25 crianças em idade escolar” (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 30).
Os inspetores propuseram para as áreas de extração de erva-mate a implantação de escolas primárias denominadas de escolas-ambulantes,
ou melhor, itinerantes, que percorressem o Território campanha a fora, estacionando para efetuarem cursos intensivos de 4 a 6 meses em cada erval onde houvesse número suficiente de crianças em idade escolar. Nômade, como consequência de seu mistér, o ervateiro se desloca, anualmente, de um erval para outro e, assim, a escola estaria ora em um, ora em outro ponto, seguindo as pégadas do sertanejo (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 30).
Para os locais em que predominava a pecuária, foi proposta a instalação de escolas-internatos. Os estabelecimentos denominados de escolas Lembrando que a criação de 320 instituições de ensino era a meta dos governadores do TFPP para universalizar o ensino na região. itinerantes teriam a colaboração do Ministério da Guerra, já as escolas com característica de internato receberiam contribuições dos fazendeiros. Com a criação de 320 escolas, conforme as características acima, intencionava-se atender toda a população escolarizável da zona rural do TFPP satisfatoriamente.
No que diz respeito à implantação de estabelecimentos de ensino primário na área urbana,
poude o Território dar assistência que foi além de 80%, ministrada em oito grupos com 53 classes, várias escolas isoladas em volta das cidades, principalmente na séde do Govêrno, em Ponta Porã, e diversas escolas particulares, nas sédes dos municípios. No interior, entretanto, apesar de havermos instalado para mais de 112 escolas isoladas, não nos foi possível atender a mais de 35% da população infantil, que necessitava de escolas. Para o ano em curso [1946] havíamos programado, além das escolas ambulantes e escolas-internatos anteriormente referidas, a instalação de mais de 50 unidades primárias rurais, e iríamos suprir de professores as 72 escolas já criadas, mas que não chegaram a ser instaladas, em 1946. Estimando-se as escolas ambulantes em uma dezena e as escolas-internatos em 12 unidades, para início, atenderíamos, pois, no ano corrente, a nunca menos de 5.040 crianças, isto é, mais de 40% da população total em fase escolar no interior, elevando-se a média, para cada escola, a 35 crianças. O “deficit”, pois, ficaria reduzido a pouco mais de 2.800 crianças, perdidas campanha a fora, sem assistência educacional. Para os anos de 1948 e 1949, no entanto, novas investidas seriam levadas a efeito, já então baseadas em dados estatísticos mais positivos […] E, assim, sem receio de errar, teríamos o Território de Ponta Porã, em 1950, como a primeira unidade da Federação a libertar-se do analfabetismo […] (RELATÓRIO TFPP, 1946, p. 32 e 33).
CONSIDERAÇÕES
Por fim é relevante argumentar que nos poucos anos de existência do TFPP, sendo mais especifico de 1943 a 1946, ou seja, pouco mais de dois anos, a região de fronteira Brasil/Paraguai assistiu a expansão de suas escolas, tanto na zona rural quanto na urbana. Cabe inferir que com o fim do TFPP (extinto pela Constituição de 1946 na presidência de Eurico Gaspar Dutra – 1946 a 1951) muitas instituições de ensino primário sequer saíram do papel e quando instaladas provavelmente não existiram por muito tempo, por falta de financiamento público estadual.
No entanto o que mais chama a atenção são as instituições planejadas/instaladas na zona rural, pois se criou estabelecimentos de ensino primário denominados de ambulantes/itinerantes que foram pensadas para atender especificamente um grupo específico da sociedade do então Sul de Mato Grosso, isto é, os filhos dos ervateiros, que até então não havia sido contemplado, por parte do poder público, com iniciativas dessa natureza. Com o aprofundamento das pesquisas espera-se evidenciar a longevidade das referidas instituições de ensino primário, se foram fixadas definitivamente, por exemplo, na zona rural, ou se foram extintas com o TFPP em 1946.
É importante atentar-se para todos os detalhes, pois uma sala de aula que atendia, segundo o relatório de 1946, pelo menos 25 crianças em idade escolarizável já era considerada uma escola primária criada e instalada no quantitativo dos administradores. Dizendo de outra forma a intenção do governo federal não era elevar o nível de ensino da região de fronteira do Brasil/Paraguai, e sim “repatriar” os indivíduos que ali moravam, sendo a educação primária um dos caminhos adotados para atingir tal objetivo. Assim como, o governo central intencionava combater as lideranças econômicas e políticas da região de fronteira Brasil/Paraguai, no caso do Sul de Mato Grosso pode-se cita, por exemplo, o domínio da Empresa Mate Laranjeira A extração da erva mate era monopolizada pela Empresa Mate Laranjeira desde o período imperial, pois foi a Corte que autorizou, por meio do Decreto nº 8.799 de 9 de dezembro de 1882, a explorar os ervais em terras devolutas (GUIMARÃES, 1999, p. 217 e 218). De acordo com Bittar (2009), “Em 1915, o governo garantiu o fim do monopólio, abrindo nova era à região dos ervais, permeabilizando-a a penetração dos pequenos proprietários” (p. 67). Mas de fato é nos anos de 1940 que se percebe a queda dos ervais, como foi apresentado por Jocimar Lomba Albanez (2013) no seu livro: “ERVAIS EM QUEDA: transformações no campo no extremo-sul de Mato Grosso - 1940-1970”..
REFERÊNCIAS
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