DIRETRIZES PARA O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL NOS ANOS 2000: UMA ANÁLISE DO PDE E DO PAR E SUA ARTICULAÇÃO COM O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DA ESCOLA
Resumo: Este trabalho teórico analisa diretrizes definidas nos anos 2000 para o planejamento educacional brasileiro. Realiza-se revisão bibliográfica e análise documental, contextualizando intermediações entre o Plano de Desenvolvimento da Educação, o Plano de Ações Articuladas e o projeto político-pedagógico da escola, a partir da perspectiva dialética. Discutem-se avanços e limitações do PDE e do PAR, enquanto conjunto de ações que visa ao incremento da colaboração dos entes federados na melhoria da educação básica. Compreende-se que o PAR proporciona a padronização de ações que não contempla as especificidades locais, no entanto, estas ações, em especial as do PPP, podem assumir diferentes configurações a depender do referencial de educação local.
Palavras-chave: Plano de Desenvolvimento da Educação; Plano de Ações Articuladas; Projeto Político-Pedagógico.
O PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (PDE): CONTEXTUALIZANDO SEUS MECANISMOS DE IMPLEMENTAÇÃO
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi lançado em 2007, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). Mesmo com o Plano Nacional de Educação (PNE/2001-2010) ainda em vigência, o PDE tornou-se o referencial de planejamento da educação brasileira. Dessa forma, recebeu várias críticas por não articular-se ao plano em vigor, a exemplo de Saviani (2007), que destacou o fato das ações do PDE não partirem do diagnóstico, das diretrizes e dos objetivos e metas constitutivos do PNE.
Com a instituição do PDE, três mecanismos passaram a orientar a ação do Ministério da Educação (MEC) junto aos entes federados brasileiros: o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (PMCTE), o Índice deDesenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e o Plano de Ações Articuladas (PAR).
A elaboração do PDE estava contemplada no Plano Plurianual (PPA/2008-2011), que contém a Mensagem Presidencial n. 650, em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que o PPA responde ao desafio de acelerar o crescimento econômico, promover a inclusão e reduzir as desigualdades regionais, tendo o PDE como um elemento essencial dessa estratégia (BRASIL, 2007a). Nessa perspectiva, o PDE foi colocado como elemento-chave no cumprimento das metas educacionais, a partir do qual se buscaria a melhoria da qualidade da educação pela conjugação de esforços dos entes federados, atuando em regime de colaboração com as famílias e a comunidade (BRASIL, 2007a).
O PDE foi apresentado como parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), programa este criado como principal estratégia do governo Lula para resgate do planejamento a médio e longo prazo. O PAC visou também à retomada dos investimentos em setores estruturantes do país, como infraestrutura e geração de renda, buscando promover o desenvolvimento socioeconômico e capacitar o Brasil para enfrentar os desafios da globalização (BRASIL, 2007a).
Com o intuito de alinhar a educação ao PAC, o PDE nasceu em um contexto em que ascendeu a concepção de regulação social sobre as ações do Estado, presente no movimento “Todos pela Educação”, ao qual o PDE está atrelado. De cunho empresarial, esse movimento nasceu na década de 1990, quando grupos de empresários organizaram vários fóruns e documentos apontando premissas que deveriam orientar a reforma educacional brasileira, conforme os preceitos do Banco Mundial e outros organismos multilaterais Organismos também chamados de transnacionais que intervêm na política e na economia mundial através de acordos, tratados e recomendações aos quais as nações precisam se submeter para obter financiamentos e se inserir na economia globalizada. Dentre esses organismos, citamos: ONU – Organização das Nações Unidas; OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico; UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura; FMI – Fundo Monetário Internacional. que têm orientado as reformas em diversos países, em especial na América Latina. Esse movimento se intensificou nos anos 2000, tendo como princípio fundamental fomentar o monitoramento da evolução dos indicadores educacionais por parte da sociedade, cobrando de si mesma e dos governos a melhoria da educação (TPE, 2008). Nessa concepção, o Estado compartilha com a sociedade a responsabilidade pelos resultados da educação.
Como resultado das discussões e propostas do Movimento Todos pela Educação, em articulação com várias instituições, foi lançado, em 2006, o documento “Compromisso Todos pela Educação”. Conforme Shiroma, Garcia e Campos (2011), o “Compromisso”, como ficou conhecido, busca mobilizar a iniciativa privada e organizações sociais para uma atuação conjunta e complementar com o Estado, no provimento das políticas públicas, tendo como foco a melhoria da qualidade do ensino refletida em indicadores mensuráveis, obtidos por meio de avaliações externas.
Dentre as várias adesões que o Compromisso teve, de diversas organizações da sociedade civil, destaca-se a adesão do governo federal, representado pelo MEC, que assumiu suas propostas incorporando-as ao PDE e criando o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, instituído pelo Decreto 6.094, de 24 de abril de 2007.
No âmbito do PDE, a responsabilidade pela qualidade da educação é compartilhada com a sociedade e entre os entes federativos que, cumprindo o disposto no Decreto 6.094/2007, realizaram a adesão voluntária ao PMCTE. Com a adesão, cada ente federativo assumiu a responsabilidade de promover a melhoria da qualidade do ensino básico em sua esfera de competência, por meio da implementação das 28 diretrizes previstas.
Conforme o referido Decreto, o PMCTE busca conjugar esforços de todas as unidades federativas para atuarem em regime de colaboração, com vistas a promover melhorias na qualidade educacional. A implementação das diretrizes previstas no Compromisso, de acordo com o Art. 2° do Decreto, pode se dar de forma direta pela União ou pelo apoio desta aos municípios, estados e Distrito Federal, para que as executem em seus respectivos sistemas de ensino.
O Plano propõe como meta para os entes federados a evolução da educação em escala de qualidade, a ser expressa nos resultados do IDEB. O IDEB, como uma ação do PDE, foi criado em 2007 e é calculado e divulgado periodicamente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Resultou da ideia de combinar dois fatores que interferem diretamente na qualidade da educação: indicadores de fluxo, que são as taxas de aprovação, reprovação e evasão medidas pelo Censo Escolar, e indicadores de desempenho, que utilizam as médias da Prova Brasil, para escolas e municípios, e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), para os estados e o País. Com essa configuração, o IDEB tornou-se o indicador objetivo para a verificação do cumprimento das metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso (BRASIL, 2007b).
A combinação dos indicadores de fluxo e desempenho que resulta no IDEB é calculada em valores de 0 a 10. Assim, a meta do MEC é que até o ano de 2022, quando se comemora o bicentenário de sua independência, o Brasil chegue ao IDEB 6.0, mesmo patamar médio de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (BRASIL, 2007a).
A criação do IDEB, calculado por escola, por rede e para o próprio País, permitiu fixar metas de desenvolvimento educacional de médio prazo para cada uma dessas instâncias, com metas intermediárias de curto prazo que possibilitam visualização e acompanhamento da reforma qualitativa dos sistemas educacionais. Essa avaliação permite identificar as redes e as escolas públicas mais frágeis e obriga a União a dar respostas imediatas para os casos mais graves por meio de transferências voluntárias (BRASIL, 2007c). Dessa forma, os 1.242 municípios que tiveram os indicadores mais baixos na primeira avaliação do IDEB em 2007 foram considerados de atendimento prioritário, sendo os primeiros a receber assistência técnica e financeira do MEC para elaboração do PAR.
IDEB é o recurso técnico pelo qual a implementação do PDE é monitorada, visando definir e redefinir suas metas, orientar e reorientar suas ações e avaliar os resultados, a cada etapa, em todo o seu período de vigência e operacionalização, como explica Saviani (2007). O autor ressalta que a forma como o PDE se apresenta não garante o alcance do resultado esperado, isso tomando por base uma perspectiva limitada de qualidade, tendo a avaliação do IDEB como parâmetro. No entanto, esse autor reconhece os pontos positivos de uma política que coloca a qualidade da educação básica como meta e busca construir instrumentos para enfrentar os problemas que nela se apresentam.
Um dos princípios que fundamentam o PDE é a necessidade de articulação entre os entes federados para que o direito à educação seja assegurado em todo o território nacional. Nesse sentido, o regime de colaboração é fundamental para a implementação e sustentabilidade das ações propostas. No documento “O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas”, o MEC expôs que, com o PDE, a União passou a assumir mais compromissos perante os demais entes, para, respeitando os princípios federativos, dar unidade ao desenvolvimento da educação e corrigir distorções que geram desigualdades (BRASIL, 2007c).
Camini (2010) concorda com essas proposições ao afirmar que os movimentos desencadeados no âmbito do PDE ensaiam um trabalho colaborativo entre as instâncias governamentais, caracterizado como uma revisão da postura da União ao assumir maiores compromissos, inclusive financeiros, diante dos estados, do Distrito Federal e dos municípios na implementação de políticas de melhoria da qualidade da educação. A articulação do MEC diretamente com os estados e municípios foi colocada pela autora como aspecto relevante, principalmente com relação à distribuição dos recursos, visto que não sofre mais a interferência de fatores político-partidários ou intermediação de empresas de assessoria que ficavam com parte significativa dos recursos.
Luce e Farenzena (2007) concebem essa relação entre os entes federados a partir do PDE como uma descentralização convergente, no sentido de que as ações entre estes e o MEC se agregam em torno de diretrizes gerais previamente estabelecidas, o que pressupõe uma rigorosa responsabilização das partes envolvidas. Conforme as autoras, pode ser entendida também como uma descentralização monitorada, primeiro porque exige um planejamento, no caso, o PAR. Depois, pela existência de um índice, o IDEB, que será utilizado para a avaliação das ações implementadas.
Podemos afirmar, por conseguinte, que existem avanços e retrocessos do ponto de vista das relações intergovernamentais no âmbito do PDE. Camini (2010) levanta algumas hipóteses com relação à estratégia de envolvimento dos municípios e estados numa política nacional baseada em diretrizes já estabelecidas. Uma delas é a de que esta pode assumir a forma de uma democracia induzida ou consentida, em que a União formula a política a ser assumida e implementada em colaboração com as demais instâncias, propondo, inclusive, sua forma de organização local. Outra hipótese é a de que as diretrizes definidas pela União, assumidas e executadas de forma compartilhada e descentralizada por todas as instâncias, podem provocar uma homogeneização da gestão, na medida em que se aplicam, por meio de ações e programas generalizados, os mesmos padrões e normas para todo o país, desconsiderando sua diversidade regional, estadual e municipal. Tais práticas podem implicar também na fragilização da autonomia dos entes federados, uma vez que o acesso a recursos e assistência ficou condicionado à adesão destes às políticas postas pelo nível central.
A política delineada no PDE traz inovações do ponto de vista das relações de colaboração entre os entes federados, com vistas a melhoria da qualidade educacional, bem como limitações que suscitam críticas por parte de educadores e organizações que estão historicamente engajadas no debate acerca das questões educacionais no Brasil. Nesse cenário de consensos e divergências, a política educacional do PDE vem se consolidando por meio da adesão dos estados, Distrito Federal e municípios ao Plano de Metas, que demandou a elaboração do PAR.
AS DIRETRIZES DO PAR PARA O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL
O Plano de Ações Articuladas (PAR) é definido nos documentos orientadores fornecidos pelo MEC aos municípios como de caráter plurianual, abrangendo quatro dimensões: Gestão Educacional, Formação de Professores e dos Profissionais de Serviço e Apoio Escolar, Práticas Pedagógicas e Avaliação e Infraestrutura Física e Recursos Pedagógicos (BRASIL, 2007c). O Decreto 6.094/2007, em seu Art. 9°, esclarece que “[...] o PAR é um conjunto articulado de ações, apoiado técnica e financeiramente pelo MEC, que visa o cumprimento das metas e a observância de suas diretrizes” (BRASIL, 2007b).
A elaboração do PAR parte de um diagnóstico da realidade local e sua execução prevê um contínuo monitoramento, concebido como uma atividade gerencial que permite controlar e avaliar as ações previstas no plano. O PAR também visa organizar a cooperação dos diversos atores, por meio do regime de colaboração, e suas ações têm como foco a melhoria da qualidade educacional a ser acompanhada por indicadores de desempenho medidos pela avaliação do IDEB. Portanto, essas características indicam que o PAR está fundado em uma concepção estratégica de planejamento O planejamento estratégico governamental é definido por Pfeiffer (2000) como um processo permanente no qual o ambiente da organização é observado e analisado, as ações são planejadas, executadas e os seus impactos são avaliados. O ponto de partida para um plano estratégico é a análise da situação, ou seja, um diagnóstico que contribui para elaborar uma visão do futuro, tomar decisões, esboçar mudanças desejadas, acompanhar de forma eficiente o processo e organizar a cooperação dos envolvidos., modelo que dá suporte à gestão pública gerencial No final do século XX se intensificaram as críticas à administração pública burocrática, considerada como inadequada diante da complexidade dos desafios que o país passou a enfrentar com os processos de globalização econômica (BRASIL, 1995). Passou-se a defender como referencial a administração pública gerencial, também conhecida como nova administração pública, baseada em preceitos oriundos da esfera privada, como eficiência, eficácia e redução de gastos. Essa forma de administração trouxe implicações para a gestão dos sistemas educacionais e da escola. brasileira desde a década de 1990.
O PAR pode ser definido como um contrato de gestão, um dos elementos estratégicos introduzidos para a reforma do aparelho administrativo do Estado ocorrida a partir da década de 90. Para dar suporte a esse modelo de gestão, os contratos foram regulamentados por meio do Art. 37, § 8º, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Os contratos de gestão, no âmbito da administração pública, não preservam as características intrínsecas da teoria geral do contrato, conforme explica Oliveira (2006/2007). Nesse contexto, passam a ser entendidos como vontades anunciadas pelas partes, buscando atingir um fim comum. Portanto, expressam a ideia de cooperação e colaboração de interesses, e não de contraposição, como é comum na qualificação do acordo como um contrato.
Nessa direção, o autor ressalta que o contrato apenas instrumentaliza parcerias, constituindo um acordo operacional organizatório, que tem por objeto a fixação de metas de desempenho para órgãos ou entidades administrativas. Por buscar interesses comuns, o contrato apenas separa as partes em prestações diversas onde, de um lado fica acordado o cumprimento de metas e programas estipulados e, do outro, em contrapartida, o poder público concede benefícios estatais, que podem ser na forma de recursos públicos.
Para dinamizar a elaboração do PAR, o MEC assumiu o compromisso de enviar aos entes federados equipes técnicas para prestar assistência na elaboração dos diagnósticos da educação básica dos sistemas locais. O diagnóstico consiste em uma das fases mais importantes do planejamento estratégico, na medida em que permite realizar uma análise da situação atual para, então, desenvolver ações com vistas a uma situação tida como ideal ou mais próxima à desejada.
Nesse sentido, a aplicação do instrumento de campo para diagnóstico da situação educacional local é a etapa que antecede à elaboração do PAR, norteando a escolha das ações e subações que deverão interferir nos problemas detectados. Ambas as etapas, diagnóstico e elaboração do plano, devem ter caráter participativo e serem realizadas pelo Comitê Gestor Local. Essa equipe técnica deve ser formada por representações dos vários segmentos que compõem a rede local de ensino (BRASIL, 2008).
Na perspectiva do MEC, o PAR se apresenta como uma proposta democrática, uma vez que pressupõe a participação de gestores, educadores e comunidade em sua elaboração. Essa participação, que no caso do PAR é representativa, é contemplada na concepção estratégica de planejamento como elemento legitimador do plano. Ressalta-se, porém, a restrição dessa participação, na medida em que o poder de decisão desse grupo de pessoas fica limitado à escolha das ações disponíveis no Módulo PAR colocado no Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle (SIMEC) O SIMEC é o sistema em que o MEC disponibilizou o Módulo PAR Plano de Metas, a partir do qual podem ser acessadas as ações e subações destinadas a atender as quatro dimensões que compõem o PAR. Cada ação escolhida em consenso como sendo a que melhor atende à realidade engloba um conjunto de subações que, no entendimento do Ministério, podem contribuir para implementar essa ação e melhorar o indicador que se apresenta crítico ou insuficiente (BRASIL, 2008)., sem possibilidade de alterações. Portanto, a participação fica condicionada à observância dos critérios preestabelecidos pelo MEC ao conceber a política, que se fundamenta em uma concepção de planejamento em que a participação efetiva dos atores locais não é contemplada em todas as etapas.
Para subsidiar o diagnóstico, o MEC disponibilizou informações pré-qualificadas sobre cada rede de ensino que aderiu ao Plano de Metas. Essas informações consistem em doze tabelas com Indicadores Demográficos Educacionais (IDE), que visam proporcionar à equipe local um conhecimento mais aprofundado acerca do perfil da população e da própria rede. De posse desses dados, as equipes procederam à aplicação do instrumento de campo, tendo por objetivo promover uma análise compartilhada da situação educacional na rede, colhendo informações quantitativas e qualitativas (BRASIL, 2008).
O instrumento de campo para diagnóstico está estruturado em quatro grandes dimensões compostas por áreas de atuação e com indicadores específicos. Ao realizar o diagnóstico, cada rede de ensino obtém uma pontuação nos indicadores propostos nesse instrumento que correspondem a quatro níveis:
Critério de pontuação 4: a descrição aponta para uma situação positiva, ou seja, para aquele indicador não serão necessárias ações imediatas.
Critério de pontuação 3: a descrição aponta para uma situação satisfatória, com mais aspectos positivos que negativos, ou seja, o Município desenvolve, parcialmente, ações que favorecem o desempenho do indicador.
Critério de pontuação 2: a descrição aponta para uma situação insuficiente, com mais aspectos negativos do que positivos; serão necessárias ações imediatas e estas poderão contar com o apoio técnico e/ou financeiro do MEC.
Critério de pontuação 1: a descrição aponta para uma situação crítica, de forma que não existem aspectos positivos, apenas negativos ou inexistentes. Serão necessárias ações imediatas e estas poderão contar com o apoio técnico e/ou financeiro do MEC (BRASIL, 2008, p. 10).
Para cada indicador que obteve pontuação 2 ou 1, o MEC apresenta uma ação a ser cadastrada no SIMEC, com suas respectivas subações que podem ser parcialmente ou totalmente escolhidas. Conforme o documento “Orientações Gerais para Elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR) dos Municípios”(BRASIL, 2009), existem três formas de execução das subações. Nas executadas pelo município, a responsabilidade é da Secretaria Municipal de Educação, sem a participação do MEC; nas de assistência técnica do MEC, este se compromete a oferecer um apoio técnico para a realização da subação, disponibilizando recursos materiais ou vagas para formação; e, nas de assistência financeira do MEC, este transfere recursos financeiros para que a SME realize a subação. As subações de assistência técnica e financeira do MEC exigem algum tipo de contrapartida dos municípios. Tendo em vista todas essas prerrogativas e os diagnósticos como base, cada estado e município brasileiro elaborou seu PAR, definindo, supostamente, as medidas mais apropriadas para a gestão de seus sistemas educacionais (BRASIL, 2009).
Levando em conta que o PAR pode contribuir para a construção de uma cultura de planejamento nos municípios, é necessário destacar, por outro lado, a restrição da autonomia das unidades subnacionais que a adesão ao plano acarreta. Ao aderir ao PAR, estados e municípios ficam sujeitos à proposta padronizada do MEC, somente sendo possível escolher entre as ações e subações predefinidas aquelas que consideram mais próximas de sua realidade. Ademais, pelas limitações técnicas e financeiras da maioria dos municípios, estes tendem a selecionar ações que são de assistência do MEC, resultando na implementação das ações que são prioritárias para o próprio Ministério, em detrimento das reais necessidades locais. Cabe destacar que, na primeira edição do PAR (2007-2011), apenas os indicadores com pontuação 1 e 2 puderam receber assistência técnica e financeira do MEC. Este, por sua vez, prioriza o financiamento de ações de infraestrutura, ficando as questões pedagógicas a cargo das diferentes capacidades financeiras e administrativas dos municípios, que são, em sua maioria, limitadas.
Com a intenção de analisar até que ponto os objetivos do PAR vêm sendo alcançados, foram realizadas algumas pesquisas de avaliação da implementação do seu primeiro ciclo, como os estudos realizados Farenzena et al (2012), dentre outros. Os resultados divulgados têm possibilitado a percepção de que o PAR, apesar das inúmeras limitações que apresenta, pode ser considerado um instrumento inovador, capaz de introduzir uma nova dinâmica organizacional nas Secretarias de Educação e nas escolas, conforme os encaminhamentos dados às ações a nível local. No contexto deste trabalho, analisamos as possibilidades do PAR contribuir na consolidação da gestão democrática das escolas, quando, no âmbito da dimensão de Gestão Educacional, orienta a definição de diretrizes pedagógicas para subsidiá-las na elaboração ou revisão do projeto político-pedagógico.
O PLANEJAMENTO ESCOLAR NA PERSPECTIVA DO PAR: DIRETRIZES PARA ELABORAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
O PAR foi estruturado a partir de quatro grandes dimensões, a saber: Gestão Educacional, Formação de Professores e de Profissionais de Serviço e Apoio Escolar, Práticas Pedagógicas e Avaliação e Infraestrutura Física e Recursos Pedagógicos. Essas dimensões são compostas por áreas de atuação, sendo que cada área apresenta indicadores específicos a serem analisados para compor o diagnóstico da situação educacional local.
Desde sua implantação em 2007, o PAR teve alterações em sua estrutura, porém, em sua versão inicial (2007-2011), analisada neste trabalho, a dimensão 1, Gestão Educacional, foi composta de 5 áreas e 20 indicadores. A área 1 dessa dimensão, Gestão Democrática: Articulação e Desenvolvimento dos Sistemas de Ensino, por meio do seu Indicador 4: Existência de Projeto Pedagógico nas escolas e grau de participação dos professores e do Conselho Escolar na elaboração dos mesmos; de orientação da Secretaria Municipal de Educação, e de consideração das especificidades de cada escola, orienta o diagnóstico dos sistemas locais quanto à existência de projeto político-pedagógico nas escolas e as condições de sua elaboração. A pontuação 1 nesse indicador refere-se à situação de que as escolas não possuem PPP e não recebem apoio da Secretaria Municipal de Educação para sua elaboração. A pontuação 2 concerne ao fato de que as escolas possuem um PPP padrão para toda a rede, tendo sido elaborado diretamente pela SME.
Com base nesse indicador, o PAR busca oferecer os subsídios para que as escolas planejem suas ações, apresentando sete opções de subações que podem ser parcial ou totalmente escolhidas para promover a implantação do PPP na rede, considerando as particularidades de cada estabelecimento de ensino. Por meio dessas subações, cabe à Secretaria Municipal de Educação definir as diretrizes pedagógicas para subsidiar as escolas nesse processo, podendo solicitar a assistência técnica do MEC para qualificar os professores que serão multiplicadores da formação da equipe escolar que conduzirá a elaboração e implementação do PPP.
O projeto político-pedagógico está relacionado à concepção de planejamento participativo, que se insere em uma perspectiva de gestão democrática. A LDB 9.394/96, em seu Art. 12, dispõe sobre a incumbência que todos os estabelecimentos de ensino têm de elaborar e executar sua proposta pedagógica. O Art. 14 dessa mesma lei determina que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme alguns princípios, dentre eles, a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola (BRASIL, 1996).
A gestão democrática é um princípio destacado na Constituição de 1988 que, conforme Veiga (1995), abrange as dimensões pedagógica, administrativa e financeira. Exige uma compreensão profunda dos problemas impostos pela prática pedagógica, visando fomentar a participação dos diferentes segmentos da escola nas decisões e ações nela desenvolvidas e superar o autoritarismo e individualismo historicamente presentes na administração escolar. Para Garcia e Queiroz (2009), a gestão democrática da escola tem a construção do projeto político-pedagógico como uma de suas estratégias centrais. No entendimento dessas autoras, essa construção precisa ser fundamentada na participação da comunidade escolar, para que o projeto dela resultante revele os anseios e o ideal de homem, de educação e de sociedade que se deseja concretizar.
Gadotti (2012) destaca que a escola está inserida em uma sociedade que tem a diversidade e a multiculturalidade como marcas, onde é crescente a reivindicação por participação e autonomia como elementos de contraposição a toda forma de uniformização, buscando a afirmação de singularidades. Nesse sentido, o projeto político-pedagógico pode proporcionar a melhoria da escola e do processo de ensino-aprendizagem, uma vez que permite fundamentar o processo de tomada de decisões tendo a realidade escolar como base. Nessa direção, o PPP pode ser visto em uma perspectiva de conquista de autonomia, na medida em que permite à escola gerir-se e orientar-se com base em regras e compromissos assumidos coletivamente.
Entendemos que, no âmbito do PAR, o direcionamento dado para que as escolas elaborem ou reelaborem suas propostas pedagógicas está pautado na concepção estratégica que orienta a política educacional na atualidade, em que os critérios técnicos e operacionais se sobrepõem à dimensão política e estão vinculados a tomadas de decisões centralizadas.
No entanto, cabe salientar que a implementação das ações do PAR pressupõe o confronto entre os princípios norteadores da política educacional vigente e os referenciais, visão de mundo, crenças e valores que permeiam a cultura local. Nesse processo, o contexto local pode se alinhar à realidade mais ampla ou pode divergir desta e levar a uma ressignificação das ações e da maneira como são implementadas. Desse modo, mesmo seguindo diretrizes comuns, definidas em âmbito nacional, os atores locais são orientados por lógicas de ação distintas que influenciam os processos suscitados pela construção do PPP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado permitiu a percepção de que o PDE traz inovações do ponto de vista das relações entre as esferas de governo, bem como limitações que são alvo das críticas de educadores e organizações historicamente engajadas no debate acerca das questões educacionais no Brasil. Mediante esse cenário de luta política, onde representantes de diversos grupos e classes sociais buscam assegurar interesses distintos, o PDE vem se consolidando por meio da adesão dos subgovernos ao Plano de Metas, que demandou a elaboração do PAR.
O PAR, por sua vez, é representativo das contradições inerentes à política educacional brasileira, revelando-se como um espaço dessa disputa de diferentes interesses. Enquanto plano operacional do PDE, coloca a melhoria da qualidade da educação como foco de suas ações e também se apresenta como uma proposta democrática, uma vez que pressupõe a participação de gestores, educadores e comunidade em sua elaboração. No entanto, as análises realizadas levam à compreensão de que autonomia dos estados e municípios fica restringida quando se submetem à proposta padronizada do MEC, disponibilizada por meio do SIMEC. Dessa forma, escolhem entre as ações e subações predefinidas, aquelas que consideram mais próximas de sua realidade, não sendo permitidas alterações ou inclusão de outras ações. Em consequência, o padrão estabelecido não contempla as especificidades locais, levando estas instâncias a se adequarem ao que foi proposto.
O estudo revelou que, na educação brasileira, as decisões políticas mais importantes permanecem concentradas na União, que concebe e define como se dará a implementação das políticas para que as esferas locais as executem. Para assegurar a observância das diretrizes estabelecidas, o repasse de recursos é condicionado à adesão de estados e municípios aos planos e programas propostos, e são instituídos mecanismos de avaliação e controle dos resultados, caracterizando uma relação de caráter impositivo e regulatório.
Por outro lado, entende-se que é necessário considerar os desdobramentos dessas diretrizes em confronto com as especificidades locais, podendo assumir diferentes configurações, conforme as concepções e práticas dos sujeitos que se envolvem na sua implementação e as diferentes interpretações que fazem das políticas públicas. Concebido para ser implementado em uma perspectiva estratégico-gerencial, o PAR não deixa de contemplar elementos da gestão democrática, a exemplo da área 1 da dimensão de Gestão Educacional que propõe, dentre outras, ações direcionadas à implantação e fortalecimento de conselhos e à elaboração e reelaboração do projeto político-pedagógico das escolas.
Percebe-se que, no âmbito do PAR, o direcionamento dado para que as escolas elaborem ou reelaborem suas propostas pedagógicas, está pautado na concepção estratégica que orienta a política educacional na atualidade, em que os critérios técnicos e operacionais se sobrepõem à dimensão política e estão vinculados a tomadas de decisões centralizadas. No entanto, cabe salientar que a implementação das ações do PAR pressupõe o confronto entre os princípios norteadores da política educacional vigente e os referenciais, visão de mundo, crenças e valores que permeiam a cultura local.
Nessa configuração, a cultura organizacional das instituições locais exerce influência na forma como as ações são implementadas, podendo afastar-se das concepções que originalmente orientam a política de modo geral e ganhar contornos mais democráticos.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal. Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988.
______. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Câmara da Reforma do Estado. MARE. Brasília, 1995.
______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
______. Plano plurianual 2008-2011. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília: MP, 2007a.
______. Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Diário Oficial da União, Brasília, 24 de abril de 2007b.
______. Ministério da Educação. O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas. Brasília: MEC, 2007c.
______. Ministério da Educação. Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Instrumento de Campo. Brasília, DF, 2008.
______. Ministério da Educação. Orientações gerais para elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR) dos municípios. Brasília, DF, nov. 2009.
CAMINI, L. A política educacional do PDE e do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.RBPAE, Goiânia, v. 26, n. 3, p. 535-550, set./dez. 2010.
FARENZENA, N. et al. Implementação de Planos de Ações Articuladas Municipais: achados de uma pesquisa de avaliação. Revista da FAEEBA- Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 21, n. 38, p. 151-165, jul./dez. 2012.
GADOTTI, M. Projeto Político-Pedagógico da Escola: fundamentos para a sua realização. In: GADOTTI, M; ROMÃO, J. E. (Org.). Autonomia da escola: princípios e propostas. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 36-56.
LUCE, M. B.; FARENZENA, N. O regime de colaboração intergovernamental. In: GRACIANO, M. (Org.). O Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE. São Paulo: Ação Educativa, 2007. p. 09-13.
OLIVEIRA, G. H. J. Contrato de Gestão e Modernização da Administração Pública Brasileira. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, n. 8, dez. 2006/ jan./fev. 2007.
PFEIFFER, P. Planejamento estratégico municipal no Brasil: uma nova abordagem. Brasília: Enap, out. 2000.
SAVIANI, D. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do MEC. Educ. Soc., Campinas, v. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007.
SHIROMA, E. O.; GARCIA, R. M. C.; CAMPOS, R. F. Conversão das “almas” pela liturgia da palavra: uma análise do movimento Todos pela Educação. In: BALL, S.; MAINARDES, J. (Org.). Políticas Educacionais: questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011. p. 222-247.
TODOS PELA EDUCAÇÃO. Relatório de Atividades 2008. Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/c4d8d61f-3fba-4ea3-9b60-32e99be31740.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2016.
VEIGA, I. P. A. Projeto Político-Pedagógico da Escola: uma construção coletiva. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Projeto Político-Pedagógico da Escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 1995. p. 11-35.