A RELAÇÃO ESCOLA VERSUS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INTERMEDIADA PELO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS
Resumo:Este artigo tem o objetivo de discutir a parceria entre o Órgão Gestor da Educação em um Município baiano, na gestão das ações pedagógicas, e as escolas da rede municipal de ensino, tendo como intermédio a execução das ações definidas no Plano de Ações Articuladas (PAR). Os dados foram coletados por meio de entrevistas com servidores do órgão central e das instituições de ensino pesquisadas. A análise focaliza em aspectos da gestão do currículo na escola, na profissionalização docente, bem como na existência e utilização dos recursos didáticos. Os resultados demonstraram que o PAR não contribuiu de forma efetiva para auxiliar a rede de ensino com relação ao aspecto pedagógico da gestão educacional. Verificou-se, ainda, um centralismo do planejamento e gestão da educação nas políticas atuais no Brasil.
Palavras-chave: Gestão Escolar; Função da Secretaria Municipal de Educação; Plano de Ações Articuladas.
INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo discutir a parceria entre o Órgão Gestor da Educação em um Município baiano, na gestão das ações pedagógicas, e as escolas da rede de ensino O Município pesquisado optou por continuar organizando sua educação de forma a manter o atrelamento ao estado, por isso definimos como “rede” e não sistema. Não entraremos nas discussões sobre as controvérsias do termo “sistema” apontadas por Dermeval Saviani., tendo como intermédio a execução das ações definidas no Plano de Ações Articuladas (PAR) do Município. O foco de análise desta parceria está no desenvolvimento das ações mais especificamente pedagógicas da escola, na medida em que estas se constituem como as que estão diretamente relacionadas à aprendizagem dos alunos.
O Plano de Ações Articuladas (PAR) é um abrangente instrumento de planejamento educacional na esfera municipal, idealizado e construído a partir da implementação de política de planificação, no Brasil. No PAR, instituído em 2007 como mecanismos de articulação entre Municípios e Ministério da Educação (MEC), estão contidas ações que perpassam quase que a totalidade das dimensões da gestão da educação municipal.
Assim, buscou-se identificar e analisar em que medida uma Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) vem exercendo a sua função de apoiar o trabalho pedagógico nas escolas da sua rede, tendo como ponto de partida o PAR. Dessa forma, como se trata de uma análise a respeito do comportamento da SMEC frente ao trabalho pedagógico das escolas, mediado pelo PAR, a análise se baseia, tanto nas falas dos profissionais diretamente ligados à este órgão, que foram entrevistados, como a partir dos profissionais ligados às escolas.
A função da SMEC é a de dar suporte às escolas para que estas cumpram com seus objetivos que, segundo Paro (2002), são de transmitir o saber historicamente acumulado e auxiliar na formação de sujeitos críticos e reflexivos. Assim, o pressuposto dessa pesquisa foi de que a SMEC, respeitando a autonomia escolar, tem a função de oferecer apoio constante às escolas na realização de suas atividades de forma geral, e para o olhar desta pesquisa, nas ações eminentemente pedagógicas.
Como o foco foi na dimensão pedagógica da gestão escolar, definimos algumas categorias de análise para direcionar o olhar sobre o objeto e circunscrever o campo de estudo: a gestão das ações pedagógicas da escola. Assim, observou-se como a SMEC auxilia ou não a escola, por meio do PAR, nos seguintes aspectos: (1) Gestão do currículo na escola; (2) Formação inicial, continuada e as condições de trabalho dos professores; (3) Existência e utilização dos recursos didáticos. A seguir, os dados serão apresentados e analisados nestas três dimensões definidas na pesquisa.
2 O APOIO E A ASSISTÊNCIA DA SMEC NA GESTÃO DO CURRÍCULO NAS ESCOLAS, A PARTIR DA ELABORAÇÃO DO PAR
No que tange à gestão do currículo escolar, inicialmente já se pode afirmar que a SMEC não encontra suporte, no PAR, para apoiar as escolas. Dentre os entrevistados é unânime a afirmação de que o PAR não trabalhou questões referentes à definição dos conteúdos programáticos, de forma direta. Ou seja, o Plano não abrange proposições diretamente articuladas à relação professor-conteúdo-aluno, nesse sentido, o que pode ser visto como uma fragilidade deste instrumento de planejamento. Para uma das técnicas da SMEC, essa definição fica “entre os professores e a direção das escolas. Isso já vem da Secretaria de Educação” (Técnica da Secretaria). Assim, pensando o PAR como um instrumento que teoricamente deve auxiliar os municípios a desenvolverem educação de qualidade, tal proposição não se realiza na prática, neste particular.
Ao ser perguntada sobre a relação do PAR com o trabalho educacional municipal diante dos conteúdos de ensino e metodologia de aula, uma das respostas encontradas informa que
enquanto documento não, ele não diz, ele não mexe em conteúdo não, currículo escolar, não. Ele mexe em plano de carreira do professor, né?, valorização do professor, formação do professor, mas o currículo mesmo, não, a relação aluno, não. (Ex-secretária de Educação).
Entendendo a ação de “mexer em conteúdos” como o trabalho com a parte diversificada do currículo e que é de suma importância para a educação municipal, pode-se observar que não há um auxílio direto ao município nesse quesito, já que não se trata de uma questão basilar do plano. Dessa forma, o PAR conduz o município a traçar o que deve fazer em termos gerais, mas não chega a orientar o como fazer. Por seu turno, as equipes do município, muitas vezes, não sabem o “como fazer”. Termina o PAR ficando inoperante ao partir do pressuposto de que o município tem estrutura de pessoal qualificado para realizar tal tarefa ou que tem disponibilidade para tal.
Assim, ficando isento da responsabilidade de prover os municípios de condições reais para promover ações concretas referentes às questões relacionadas aos conteúdos diversificados, principalmente, o PAR apenas indica a necessidade de haver reuniões pedagógicas, coordenadores na escola. Contudo, tal instrumento de planejamento, não promove ações concretas que subsidiem os municípios, seus coordenadores pedagógicos e professores para agirem em termos de gerir o currículo, de modo a dar suporte às ações pedagógicas dos professores.
Relacionada ao primeiro indicador da categoria Gestão do currículo, a qual pode ser vinculada também à definição do conteúdo, encontra-se a definição da metodologia de ensino nos municípios. Consoante já afirmado, questões mais próximas das atividades pedagógicas como a definição da metodologia de ensino não é abordada diretamente no PAR. Para uma das entrevistadas, “diretamente o PAR não chega nisso. Ele está indiretamente na formação, porque o professor querendo ou não, na formação, ele vai estudar metodologia... Se vai colocar em prática, não sei... Mas, o PAR não dá essa garantia” (Ex-secretária de Educação).
Até então uma afirmativa vai ficando cada vez mais evidente: o PAR aparece como instrumento predominantemente facilitador da formação continuada dos professores. Além disso, conforme observado na fala, a estrutura de planejamento do PAR não dá direção para a efetivação de algumas atividades pedagógicas como, por exemplo, a definição dos métodos e técnicas de ensino. Junto a isso, o fato de que são muitas as atribuições da Secretaria Municipal de Educação e Cultura, o que limita a sua capacidade de dar respostas às múltiplas demandas específicas, principalmente, quando se refere ao auxílio aos professores para as atividades de sala de aula. Nesse caso, se a iniciativa da instância nacional, traduzida aqui pelo PAR/MEC não dá suporte às ações específicas de sala de aula, conforme definição exposta neste trabalho, e a SMEC não consegue exercer suas atividades devido ao acúmulo de funções, faz-se necessário rever todo o processo gestor da educação municipal. Tudo isso reforça as críticas ao modelo de planejamento e gestão educacional nacional, que envolve os municípios, feitas por Paro (2006), Azevedo (2002), Saviani (1999), Mendonça (2001) e Barroso (2002). Tais modelos são considerados, muitas vezes, nesta literatura, como consequência do centralismo do planejamento e gestão da educação das políticas atuais no Brasil.
Questões específicas como o apoio aos professores, por meio da existência de uma Coordenação Pedagógica, diretamente relacionada com o pessoal de Apoio Pedagógico Em Teodoro Sampaio-BA, no ano de 2007, para atender à demanda dos professores em relação ao auxílio pedagógico, foi designada uma pessoa para cada uma das 5 maiores escolas do município que passou a ser chamado de Apoio Pedagógico que executa a função de coordenação pedagógica. das escolas, apesar de estarem inseridas no PAR, não são trabalhadas com a constância e qualidade necessárias para o bom desempenho das atividades educativas.
Pode-se afirmar, segundo Veiga (1995), que o principal documento de planejamento no âmbito da escola é o Projeto Político Pedagógico (PPP) ou Projeto Pedagógico (PP), conforme reza ainda a LDB 9.394/06. Tal quesito está ligado à nossa definição de gestão curricular. O PAR funcionou como um motivador inicial, abrindo o espaço para que fossem discutidas nos sistemas questões referentes à elaboração do PPP. Isso promoveu uma associação entre o PAR, um documento novo no município e os Planos que já eram de conhecimento da comunidade escolar. No depoimento seguinte pode-se perceber como é vista a interferência do PAR, neste sentido.
O PAR interferiu, porque assim: com o “bum” do PAR, no município... as pessoas começaram a perceber que o PPP é uma ação do PAR...PAR é PPP, virou um discurso só, o PPP também é uma ação do PAR, o PME também é uma ação do PAR, então nós precisamos fazer, já era necessário fazer, e agora melhor, porque tá contemplado no PAR, eu senti isso. (Ex-secretária de Educação)
O plano de curso e de unidade são definidos pelas escolas no início do ano letivo, normalmente em um dia ou dois, determinado pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Um dos entrevistados, a esse respeito, afirma que:
Eles são elaborados em um momento único da Jornada Pedagógica, depois terminados em casa e entregue à escola que por sua vez coloca e guarda, salvo engano uma escola de vez em quando pega o plano para ver se o professor está cumprindo ou não, que é uma coisa boa. (Ex-secretária de Educação)
Esse dia é definido pela SMEC para ser realizado antes ou imediatamente depois da Semana Pedagógica, dias que antecedem o início das aulas. A elaboração desses planos, conforme exposto, não é feita com o acompanhamento da SMEC.
São elaborados [o plano de curso e de unidade] na escola, pelos professores, pela coordenação pedagógica, pela diretora, apenas. Mas, ultimamente a gente tem feito assim, o professor senta, no início do ano, elabora o plano de curso [anual], né?, depois, ao final de cada unidade, se faz um desmembramento desse plano, que fica por unidade, e, alguns professores, não sei se todos, fazem o plano de aula, todos os dias. No seu caderno, tá lá, plano de aula um, plano de aula dois...(Técnica da SMEC)
Trata-se de uma exigência da política nacional de educação, visto que é sempre frisada a importância do planejamento anual, de unidade e de aula, mas fica apenas no nível da obrigação, efetuada pelo SMEC perante as escolas e pelo Diretor e Coordenador Pedagógico, dentro das instituições de ensino. Tal constatação corrobora com a ideia de que há um processo de fortalecimento do papel do MEC nas práticas de planejamento para o município, conforme assinala Oliveira (2002). Porém sem o município contar com o devido suporte para que consiga realizar tais atribuições. Tal ausência de suporte pode ser observado no PAR devido ao fato de tal instrumento de planejamento não dar ênfase aos aspectos do planejamento de curso, de unidade e de aula.
Muitas vezes, as exigências são vistas como positivas. Parece haver uma necessidade de que haja uma obrigação formal ou mesmo jurídica para que as normas sejam cumpridas. Isso mostra um distanciamento do processo de convencimento pela importância pedagógica e educacional. Tanto o PPP quanto os planos de curso e de unidade, até mesmo os de aula, segundo observado na fala abaixo, poderiam ser elaborados com mais facilidade se fizessem parte do PAR, caso houvesse uma definição clara de suporte na elaboração. Todavia, o que fica evidente no discurso de um dos entrevistados é que o PAR poderia auxiliar na medida em que transformasse em meta tal ação citada.
Eu não vejo assim essa meta no PAR... Vamos acompanhar os planos de aula, os planos que as escolas tem, e fazendo isso... Se os gestores usassem esse discurso: nós vamos fazer nossos planos de unidade, de aula, porque fazendo isso nós estaríamos cumprindo uma meta do PAR, sabe? Ficaria melhor, tipo o PPP... Estaríamos cumprindo uma meta, não existe isso. (Ex-secretária de Educação)
Há uma maior observância, mesmo no nível da escola, nos planos anuais e de unidade. A escola busca garantir a elaboração dos planos, mas não consegue acompanhar a elaboração dos planos de aula. A SMEC, por sua vez, se preocupa também em garantir a elaboração dos planos anuais e de unidade, mas faz isso apenas definindo datas para que a escola os faça, sem realizar um acompanhamento e suporte necessários, “não auxilia na elaboração do plano de aula dos professores” (Diretora da escola). Além disso, de acordo com os dados da pesquisa, pôde-se observar que a função de auxílio da SMEC às escolas se limita às questões administrativas, financeiras e legais. Predomina nessa articulação escola e SMEC a ajuda financeira solicitada pelas escolas.
Instituído pela LDB de 1996, os conselhos passam a ser criados, mas não exercem função pedagógica. Tal mecanismo abarca funções meramente administrativas e financeiras ou até legais. As questões pedagógicas não são abarcadas por esse mecanismo de gestão. A Secretaria Municipal de Educação e Cultura cobra um funcionamento mais amplo dos Conselhos Escolares, mas o município não instrumentaliza as escolas e seus conselheiros, de forma que a função pedagógica seja trabalhada. “Sim, tem Conselho Escolar. Funciona...Agora...Não quando precisa, mas sempre, mensalmente o Conselho tem que se reunir, porque se reúne quando precisa, quando o dinheiro vai chegar, para prestar conta...Vai ter que mudar esse modo”. (Diretora de Escola)
Segundo foi abordado, o amparo legal do Conselho Escolar está pautado no princípio da gestão democrática, a qual tem como um dos princípios a “participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes” nas decisões importantes da escola (LDB/9.694/96, Art. 14, inciso II). Dentre as ações relacionadas ao Conselho Escolar, inseridas no PAR, foram realizados dois encontros de capacitação e o envio de material didático, promovido pelo MEC, em parceria com a Secretaria Estadual de Educação, para serem trabalhados pelos municípios. Apesar de ações já realizadas e previstas no PAR, ainda são deficitárias as ações de criação e principalmente de aprimoramento das funções do CE. Para conseguir deixar de ser meramente burocrático, imposto pelas leis e presente também no PAR e colaborador com o aprimoramento do processo de ensino das escolas, é necessário que haja ações diretamente focadas no fortalecimento da função pedagógica dos conselhos.
As Atividades Complementares (ACs), dentro do horário dos professores, momento de planejamento previsto em lei, não são observadas de forma direta pelo PAR. Faz parte da rotina das escolas organizarem um tempo específico para a realização das ACs, momento em que os professores se reúnem para elaborarem o planejamento de aula, trocar experiências e saberes. Entretanto, tais ações não são encontradas no instrumento de planejamento em questão, o que reforça a idéia de que as ações do PAR estão mais focadas no cumprimento de atividades burocráticas, ao invés de se preocupar de forma mais enfática com ações pedagógicas e diretamente relacionadas com a aprendizagem dos alunos.
Assim, vê-se uma necessidade de mudança do foco da gestão, pois, conforme vem sendo realizada, tal gestão, embasada em instrumentos de planejamento como o PAR, não são levados em consideração os princípios, valores e elementos de uma gestão para práticas educativas. Pois, no sistema municipal de ensino, orientado pelo planejamento da educação municipal, o centro da ação deve ser a escola, e na escola, o centro é o aluno, como sujeito do processo, razão de ser da escola (GRACINDO e BORDIGNON, 2006).
3 A FORMAÇÃO INICIAL, CONTINUADA E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DOS PROFESSORES A PARTIR DA ELABORAÇÃO DO PAR
Mesmo quando a técnica de pesquisa, no caso a entrevista, não questionava diretamente sobre a formação continuada dos professores, os sujeitos da pesquisa a ela se referiam. Assim, perguntas referentes às categorias de análise gestão do currículo, quanto à existência e utilização de recursos didáticos, bem como às condições de trabalho dos professores, culminavam com respostas, muitas das vezes, relacionadas à realização de cursos de formação inicial e continuada. Sobre isso, afirma uma das entrevistadas:
São previstas claramente [ações de formação]. Como metas. É uma ação do Governo Federal, inicial. E o município tem a sua contrapartida em garantir que esse professor participe...Da Plataforma Paulo Freire. A DIREC também estabelece os Polos...A formação continuada está acontecendo...O município disse a quantidade no PAR. Já teve formação relacionada à História...A Lei 10.639. A UAB também está fazendo a formação...Em Educação Física, Educação Artística. (Ex-secretária)
Dessa forma, dentro da categoria de análise “Formação e institucionalização da carreira do magistério” e que se desdobra nos indicadores “Curso de formação inicial e continuada”, “Ingresso no cargo” e “Plano de carreira dos profissionais do magistério”, o que fica em evidência, como já exposto, é a grande ênfase para a realização de cursos de formação inicial e continuada para os professores. O PAR, no município, conforme, aqui informado anteriormente, em alguns momentos começa a ser confundido com um projeto de formação de profissionais da área da educação. E é fato que a maioria das ações realizadas pelo PAR estão relacionadas à formação. Essa visão é observada, tanto pelo pessoal da SMEC, quanto pelo pessoal das escolas, conforme pode ser observado na fala de uma Diretora de escola: “tem, está acontecendo [as ações do PAR]... Principalmente na parte pedagógica, tem... Os cursos, os seminários... Os professores participam, a parte do PAR tá desenvolvida” (Diretora escola)
O município de Teodoro Sampaio cadastrou quase que a totalidade dos professores em exercício da rede na Plataforma Paulo Freire Informações acessadas no site http://freire.mec.gov.br/index/principal/. Esta Plataforma foi criada para atender ao Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica, ação do Decreto 6.755, de janeiro de 2009, que instituiu a Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, vinculada ao PAR. Assim como as demais ações do PAR, tal política tem como finalidade, segundo o MEC, implementar o regime de colaboração entre os entes federados, no atendimento à LDB/1996, no que se refere à formação mínima exigida para os professores.
Quanto à Plataforma Freire, até o momento de análise dos dados desta pesquisa, o que foi realizado diz respeito à inscrição dos professores, por parte do Município, porém não há indicativo de data para início das aulas. Mesmo assim, tal ação do PAR, apenas no papel, é bem avaliada pelos profissionais da educação do município.
O fato de o município ter feito a inscrição dos professores na Plataforma é apontado como uma ação concreta do PAR. Isso melhora a avaliação do PAR pelos munícipes. O fato de o órgão de educação do município ter enviado os nomes dos professores, ou seja, cadastrado os professores traz um otimismo por parte dos sujeitos da pesquisa.
Tem ações que já estão sendo realizadas... O município já enviou o nome dos professores [para a Plataforma Paulo Freire]...A parte do MEC era dá a formação, a parte dos municípios era enviar os professores, transporte, essas coisas, então o município já fez ...Educação física, artística, ciências humanas, educação inclusiva. (Diretora de escola).
Conforme exposto anteriormente, o PAR e a formação de professores, muitas vezes aparecem como sinônimo. Contudo, não há um entendimento claro, por parte dos sujeitos da pesquisa, no que se refere à ação do PAR na melhoria das condições de trabalho dos professores. Ao tempo em que relatam sobre as ações já realizadas do PAR, como a formação continuada e, também, a inicial, entendendo como ação prática do PAR, a inserção dos professores da Plataforma Freire, os informantes não fazem uma ligação entre a formação dos professores e a melhoria das condições de trabalho.
Vale ressaltar que com a realização de algumas ações de formação, consoante o já observado, o município foi incitado a compartilhar essa ação com o MEC e as instituições estaduais de ensino. A função do município, nesse caso, é a de oferecer as condições para que os professores se desloquem para o local onde o curso acontece, assim como oferece o suporte financeiro para a manutenção desses professores durante a realização do curso. Foi observado que os cursistas e, até a SMEC é alvo de críticas em relação à geração de custos, mesmo tendo o município assumido no PAR que arcaria com tais despesas.
O Município decolou aí nessa questão de cursos...Porque foi a era que o povo mais tomou curso. Tanto na clientela de professor, quanto na clientela de direção....De secretário escolar...De Coordenação, todo mundo tomou curso...Isso aí a Secretaria de Educação foi até criticada por causa de transporte, de diária...Então isso aí foi um leque que se abriu e que não existia. (Coordenador Pedagógico de Escola)
A ênfase do PAR à formação dos professores e demais profissionais de educação, vinculada ao Plano Nacional de Formação de Professores está presente de forma clara no documento. Porém, ainda não há sinal de concretização da realização dos cursos de formação inicial, até o momento em que esse trabalho de pesquisa foi finalizado. O que podemos questionar, no entanto, é sobre se tais cursos incidem nas reais necessidades e carências dos profissionais da educação para melhorar a sua prática, especialmente os professores, no desenvolvimento de suas ações na sala de aula. Poderíamos questionar: Em que sentido os cursos estão, de fato, capacitando esses profissionais de forma a contribuir para a aumento do rendimento escolar dos alunos? Esta é uma indagação que esta pesquisa não se propôs a responder, mas que aparece como uma nova questão.
Por outro lado, as formas de ingresso no cargo do magistério e, vinculado a ele, o Plano de Carreira dos profissionais do magistério é assinalado pelo PAR, mas pouca ou nenhuma ênfase é dada à esses quesitos, de forma estrita no plano elaborado pelo município em análise.
Para uma das entrevistadas, o PAR “mexe em plano de carreira do professor, né?, valorização do professor, formação do professor” (Ex-secretária). Mas, o fragmento da fala revela que se trata da realização de cursos e não da implementação e principalmente atualização do Plano de carreira.
De acordo com o observado, o Plano, apesar de ter sido elaborado naturalmente vinculando às formas de acesso aos cargos do magistério por força da lei, segundo uma entrevistada, não cumpre o que nele está determinado, nem está sob a tutela da SMEC. A gestão da educação municipal exime-se de tratar de questões referentes ao Plano de Carreira e acesso ao cargo do magistério, o que mostra um distanciamento do município no que se refere às questões da legislação nacional perante tal assunto. Por sua vez, o instrumento de planejamento do PAR, não assegura ações para mudar essa realidade, já que apenas pontua a necessidade de sua elaboração. Como tais questões têm um conteúdo político muito forte no município, o Plano termina não sendo implementado, conforme determina a legislação na direção da valorização do profissional da educação.
4 A EXISTÊNCIA E UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS DIDÁTICOS
Relacionada à nossa categoria de análise “Recursos Didáticos” estão as categorias “Disponibilização de recursos essenciais para o processo de ensino (mobiliário, equipamentos básicos), materiais didáticos (livros didáticos, livros paradidáticos, jogos) e a “Criação e manutenção de biblioteca, salas de leitura, laboratório de informática, de Ciências”.
Segundo uma das entrevistadas, tratando sobre a disponibilização de recursos, “O mobiliário sim, o mobiliário...O Gastão Escola Municipal Deputado Gastão Pedreira, uma das escolas na qual a pesquisa foi realizada. solicitou e conseguiu o mobiliário” (Técnica da SMEC). A afirmação coletada na entrevista, advinda da SMEC é a de que a escola está recebendo o mobiliário. Contudo, para um dos professores ouvidos, “Falta espaço, falta mobiliário que precisa disponibilizar”. (Professora).
Em relação aos materiais didáticos, os entrevistados informam que não se trata de um quesito deficitário, pois “o governo tá mandando” (Técnica da SMEC).
Contudo, quando o assunto está relacionado aos livros paradidáticos e jogos, materiais esses que estão diretamente relacionados à criação de bibliotecas, foi possível detectar na fala de uma das entrevistadas que “os livros já estão na escola, mas ainda não funciona como biblioteca” (Técnica da SMEC). Há uma dificuldade da Secretaria para munir as escolas de condições essenciais para o funcionamento da biblioteca.
Pelas informações coletadas, o material que vai chegando, proveniente das políticas dos governos estadual e federal, por meio do PAR, não é inserido em espaços e mobiliário adequados. Ou seja, a biblioteca escolar não é realidade da maioria das escolas municipais, apesar de esforços esporádicos, o que pode repercutir no andamento das ações pedagógicas da escola.
Vale ressaltar que, em se tratando do livro didático, a sua distribuição é fato, acontece entre o alunado, mas quando se trata de outros materiais didáticos como jogos, livros paradidáticos, há uma dificuldade de fazer com que esse material seja utilizado. Para a ação de utilização dos recursos didáticos, o PAR fez a previsão do envio dos materiais, por parte do MEC, assim como a adequação do espaço físico das escolas para a criação de bibliotecas escolares. Para isso, o município, no PAR, propôs a reforma para criação do espaço e aquisição de mobiliários para as bibliotecas escolares.
Contudo, as ações não foram realizadas de forma integral.
Ainda sobre este aspecto, o indicador relacionado com o laboratório de informática e de ciências é algo que não foi concretizado. “Os computadores chegaram, estão lá encaixotados” (Professora). No que se refere aos laboratório de ciência, nenhuma ação foi realizada.
A realidade municipal frente a tudo que foi definido nesta pesquisa como recursos didáticos sendo um indicador da dimensão pedagógica da gestão educacional é deficitária. Confirma-se aqui o que aponta Vieira (1998) sobre a situação de desarticulação entre planejamento e execução das ações no contexto educacional brasileiro, quanto à afirmação de que a burocracia planeja de um lado e as escolas executam de outro. Neste caso, as escolas e a Secretaria da Educação do município. Assim, há um descompasso entre as necessidades básicas das escolas e as intenções expostas nos planos educacionais, no nosso caso, o PAR. A forma como é feito o acompanhamento da SMEC às ações pedagógicas das escolas, através do PAR, não parece auxiliar na resolução dos problemas da rede municipal quanto a estas questões ligadas aos recursos didáticos.
Todas essas constatações nos levam a ratificar o que teorizam Gracindo & Bordignon (2006) quando alertam sobre a necessidade da mudança de paradigma, no que se refere ao foco da gestão educacional. Para eles, o foco da gestão deve ser redirecionado, para que a qualidade do ensino seja colocada em primeiro plano. Mesmo sem esquecer do quanto a esfera municipal fica dependente da política nacional, seria necessário assim, um redirecionamento do foco das ações desenvolvidas pelo órgão gestor da educação municipal e, conseqüentemente, das escolas.
Para uma das respondentes, a SMEC recebe os materiais do MEC e apenas encaminha para as escolas, sem uma breve análise das condições de uso de tais equipamentos. Verifica-se uma transferência de responsabilidades do MEC para as Secretarias de Educação que, por sua vez responsabilizam as escolas quanto à garantia da utilização desses equipamentos no sentido de oferecer uma educação de qualidade, sem dar o devido apoio na instalação dos equipamentos e materiais bem como na sua utilização.
Simplesmente recebeu os livros e enviou para a escola, mas não procurou saber se a escola tem estantes para expor os livros, se tem os mobiliários, se tem espaço....Tem algumas escolas mesmo que os livros estão lá nas caixas ainda ...Lá a gente ainda abriu, carimbou...Mas, tem escola que não abriu (Professora)
Dessa forma, as escolas vão acumulando material didático com excelente capacidade de auxiliar nas atividades de sala de aula, em depósitos ou salas sem o uso. Assim, a função de auxílio no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, com a utilização desses materiais, fica comprometida.
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A pesquisa realizada mostra que ainda há um grande distanciamento entre a Secretaria Municipal de Educação (SMEC) e a Unidade Escolar (UE) na qual foi realizada a pesquisa. Mantem-se o lógica de hierarquia entre as duas esferas administrativas municipais e fica comprometido o apoio necessário ao melhor desenvolvimento da educação municipal. Prevalece a lógica gerencialista (TENORIO, 2003), na qual, de forma hierárquica, busca-se resultados das escolas, sem um devido acompanhamento por parte da SMEC.
Dessa forma, a SMEC utiliza a maior parte do tempo em atividades de organização, controle, prestação de contas etc., ou seja, atividades técnicas, em vez de imprimir maior tempo e dedicação ao acompanhamento das escolas, em suas ações pedagógicas, diretamente vinculadas ao aprendizado dos alunos.
Ficou evidente que não há uma relação de parceria eficiente entre a SMEC e as escolas, também no que se refere às questões relacionadas ao Conselho Escolar - CE. O CE é um mecanismo imprescindível para o funcionamento de uma gestão democrática e que está relacionado com o exercício da participação dos vários segmentos nas decisões, nas escolas.
No que se refere à formação e institucionalização da carreira do magistério, as ações são muito pontuais no município e isto, por certo repercute nas ações da dimensão pedagógica da gestão educacional nas escolas da rede de ensino. Demandas antigas da categoria dos docentes continuam a ser reprogramadas em novos planos como o PAR. Assim, este Plano, nessa questão, aparece apenas como um instrumento burocrático que reafirma o que já está em lei, mas não leva efetivamente à superação de um problema que reflete no trabalho docente.
Tal realidade demonstra em certo sentido a limitação do instrumento de planejamento, levando-se em conta a autonomia assegurada aos sistemas de ensino, mesmo que a instância nacional venha a desenvolver ações de apoio aos municípios para planejarem suas ações e para desenvolverem uma gestão que atente ao estabelecido nas políticas educacionais.
O PAR, da forma como foi elaborado e operacionalizado, nesse município, não contribui de forma efetiva com a função de auxiliar o seu sistema de ensino quanto ao aspecto pedagógico da gestão educacional.
São muitos os desafios a serem enfrentados, tanto na gestão do currículo das escolas, quanto na formação e valorização dos professores, assim como na obtenção e utilização dos materiais didáticos, aspectos que são vistos nesta pesquisa como de fundamental importância para a melhoria da qualidade da educação.
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