O CONTROLE SOCIAL DA EDUCAÇÃO PÚBLICA: UM ESTUDO DO FUNCIONAMENTO DA CÂMARA DO FUNDEB INTEGRADA AO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ALTA FLORESTA, MATO GROSSO
Resumo:Este trabalho apresenta resultados de pesquisa para a Dissertação de Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso, objetivando compreender o funcionamento da Câmara de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), do município de Alta Floresta - MT, no ano de 2014. Os instrumentos de coleta de dados adotados foram: entrevistas, questionários, observação e análise documental. Os resultados evidenciam, no município de Alta Floresta, muitos desafios para os Conselheiros da Câmara do FUNDEB, no que tange ao acompanhamento e controle social dos recursos aplicados na rede pública municipal.
Palavras-chave: Câmara do FUNDEB; Controle Social; FUNDEB.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe a apresentar resultados de pesquisa de Dissertação que teve por objetivo compreender o funcionamento da Câmara de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (CACS do FUNDEB) do Conselho Municipal de Educação do município de Alta Floresta, Mato Grosso, no período de janeiro a dezembro do ano de 2014.
Os CACS do FUNDEB são espaços institucionalizados Segundo Lima (2011), são órgãos públicos colegiados que integram a Administração Pública, e que são criados e postos em funcionamento mediante regimento e normas próprias. São instituídos nas esferas: federal, distrital, estadual e municipal, por força dos Poderes Públicos. que garantem a articulação entre diferentes segmentos da sociedade civil local e representantes da Administração Pública. De um modo ou de outro, se dá a experiência participativa no controle social das políticas públicas, como é o caso da Educação.
Contudo, na atuação desse Colegiado há dificuldades em se fazer o acompanhamento e o controle social das políticas. Tal questão não é tarefa fácil de ser compreendida, posto que o processo de participação da sociedade em instâncias públicas, como é o caso dos Conselhos, não é acabado, suficiente e findável.
Existe uma diversidade de limites, atrelados ao pouco conhecimento técnico dos Conselheiros para o exame e entendimento dos documentos de prestação de contas, e o baixo exercício de participação popular em discussões e debates de caráter político da realidade educacional em que estão inseridos. (DAVIES, 2008; UMANN, 2008; CABRAL, 2009; FARIAS, 2009; NACIF, 2010; BORBA, 2010; SILVA, 2011; 2013; LIMA 2011; BRAGA, 2011, 2015; SANTOS FILHO, 2012; PASUCH, 2013; GONÇALVES, 2015)
Compreendendo a existência de limitações de ordem externa e na dinâmica interna, e possibilidades na prática participativa de controle social na gestão da educação pelo CACS do FUNDEB, enveredamos para o estudo de uma situação concreta em nível municipal.
Como o objeto de pesquisa, em sua atuação, penetra um contexto marcado por conflitos, pelas contradições, pelo antagonismo, pelos lemas, pelos dilemas e pelas possibilidades, em suas diferentes formas, importa evitarmos a compreensão dessa realidade da maneira como nos é posta, e fazermos uso do referencial teórico do materialismo histórico e dialético que se utiliza do princípio da crítica para o desvelamento das aparências.
Optamos pelo estudo exploratório de caráter qualitativo, utilizando as seguintes técnicas: I) observações; II) análise documental; III) entrevistas semiestruturadas; e IV) questionário. Para complementar as informações coletadas, observamos 3 (três) reuniões, realizadas nos dias de 18/06, 19/08 e 19/09/2014. Além disso, procedeu-se a análise de 14 (quatorze) Atas de reuniões ordinárias/extraordinárias.
A CÂMARA DO FUNDEB EM ALTA FLORESTA - MT: ORGANIZAÇÃO, COMPOSIÇÃO E ATRIBUIÇÕES
O município, cujo nome oficial “Alta Floresta” veio de um concurso realizado nas escolas de Cuiabá, se localiza na mesorregião Norte matogrossense, a 830 km de Cuiabá, a capital do Estado. De acordo com a última contagem censitária realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2010), estimava-se a população do município em 49.877 habitantes, distribuídos numa área territorial de 8.947,06 km2. A base da economia deriva da pecuária extensiva, da agricultura, da agropecuária, da agroindústria e do comércio.
O marco histórico do município de Alta Floresta se insere no processo de ocupação de espaços dados como “vazios” na região amazônica, uma política incentivada pelo Estado brasileiro que beneficiou empresas colonizadoras nos anos de 1970 a alcançarem lucros por meio de projetos da colonização. O Projeto foi desenvolvido pela colonizadora INDECO Integração, Desenvolvimento e Colonização (INDECO) surgiu em 1975, como projeto privado, para colonizar cidades do Norte de Mato Grosso, como Alta Floresta, Paranaíta e Apiacás. Atualmente sua sede está em Alta Floresta e comercializa lotes em áreas urbana e rural, e oferece serviços com máquinas pesadas., no Vale do Rio Teles Pires. E, em 19 de setembro de 1977, por meio da Lei Estadual nº 3.929, criou-se o Distrito de Alta Floresta, pertencendo ao município de Aripuanã. Dois anos depois, a Lei Estadual nº 4.157, de 18 de dezembro de 1979, de autoria do Deputado Estadual Osvaldo Roberto Sobrinho, sancionada no governo de Frederico Campos, emancipou o município, quando foi criado oficialmente, após completar 4 (quatro) anos de existência.
A educação se organizou efetivamente como sistema de ensino a partir do ano de 2007. Naquela época, institucionalizou-se o Sistema de Ensino do Município de Alta Floresta (SISMEN/AF) por meio da Lei Municipal nº 1.572/2007, de autoria do Executivo Municipal, a qual traz a criação do Conselho Municipal de Educação e a integração do Conselho do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação como Câmara do FUNDEB. A referida Lei foi reeditada e, no ano seguinte, foi substituída pela Lei Municipal nº 1.666/2008, mantendo-se em vigência atualmente.
O referido sistema, de acordo com os artigos 2º e 3º da Lei nº 1.666/2008, abrange: I – Instituições públicas municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental; II – Instituições privadas de Educação Infantil; III – Unidades escolares das modalidades de Educação Especial e Educação de Campo; IV – Secretaria Municipal de Educação; IV – Conselho Municipal de Educação.
Em Alta Floresta há 18 (dezoito) escolas municipais, 16 (dezesseis) escolas estaduais e 4 (quatro) escolas privadas. No período analisado estiveram matriculados nas redes de ensino: 4.316 estudantes em nível municipal, 8.563 em nível estadual e 1.315 em nível privado. Sobre o número de professores, informamos: 253 lotados na rede municipal, 658 em escolas estaduais e 143 docentes na rede privada.
No que diz respeito ao desempenho dos estudantes das escolas públicas municipais, buscamos verificar por meio dos Índices de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), relativos ao Ensino Fundamental dos anos de 2011 e 2013. O município apresentou leve queda de 0,1 pontos na nota dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Com relação aos anos finais, verificamos também uma queda no desempenho. A pontuação alcançada em 2011 foi de 4,9, descendo para 4,1 no ano de 2013, o que correspondeu, em termos percentuais, a diminuição de 20% na nota.
Pelos resultados dos IDEBs, notamos como são preocupantes esses índices, pois a nota de 5,1, em 2013, para séries iniciais do Ensino Fundamental, coloca o município na posição de 54º (quinquagésimo quarto) lugar entre as escolas municipais do Estado. E, nos anos finais, o município atingiu a nota 4,1, posicionando-se na 53ª (quinquagésima terceira) colocação. Este quadro remete ao desafio de melhorias da educação pública municipal pelos órgãos locais.
A respeito dos recursos financeiros à manutenção e ao desenvolvimento da educação pública municipal, a Prefeitura de Alta Floresta recebeu, em conta única, no ano de 2014, pouco mais de R$ 12 milhões de reais do FUNDEB, contudo, a folha de pagamento dos profissionais da Educação Básica atingiu o montante de R$ 15 milhões, indicando déficit de R$ 3.301.476,44.
O acompanhamento e o controle social do FUNDEB, em Alta Floresta, se dá por meio da Câmara de Acompanhamento e Controle Social que integra o Conselho Municipal de Educação. O Colegiado, objeto deste estudo, foi criado na ocasião em que se teve institucionalizado legalmente o CME/AF, no ano de 2007, por meio da Lei Municipal nº 1.572/2007. Em geral, de acordo com o artigo 28 do Regimento Interno do CME, as suas atribuições são:
a) acompanhar, controlar e fiscalizar os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB);
b) conferir e emitir pareceres conclusivos acerca da aplicação, quanto às prestações de contas referentes aos Fundos e Programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE);
c) supervisionar o censo escolar anual e a elaboração da proposta orçamentária anual, no âmbito do município com o objetivo de concorrer para o regular e tempestivo tratamento e encaminhamento dos dados estatísticos e financeiros que alicerçam a operacionalização dos Fundos;
d) acompanhar a aplicação dos recursos federais transferidos à conta do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (PNATE) e do Programa de Apoio aos Sistemas de Ensino para atendimento à Educação de Jovens e Adultos;
e) propor, analisar, acompanhar e registrar as questões específicas da Câmara;
f) apreciar os processos e emitir pareceres sobre assuntos de sua competência;
g) propor indicações a Plenária;
h) a Câmara do FUNDEB também deverá se orientar pela Lei Federal n. 11.494/2007 que cria o FUNDEB, bem como a Lei 1.666/2008 que integra o Conselho do FUNDEB como Câmara do Conselho Municipal de Educação e dá outras providências;
i) a Câmara reunir-se-á ordinariamente no mínimo uma vez por mês;
j) em caso de não comparecimento do presidente ou vice para presidir a reunião, a mesma deverá ser remarcada (ALTA FLORESTA, 2008).
Em relação ao cadastramento da Câmara do FUNDEB, ao consultarmos o “Sistema de Cadastro dos Conselhos do FUNDEB” na página eletrônica do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) - órgão responsável pelo registro e divulgação de dados dos CACS do FUNDEB, averiguamos que se encontra devidamente regularizado. O seu funcionamento operacional se dá no mesmo prédio em que se encontra o Conselho Municipal de Educação de Alta Floresta. Além disso, a Secretaria Municipal de Educação disponibiliza funcionários, instalações, equipamentos e materiais de consumo, atendendo ao disposto no artigo 22 da Lei Municipal nº 1.666/2008.
Com relação a composição, há 22 (vinte e dois) Conselheiros, dos quais 11 (onze) são titulares e 11 (onze) são suplentes, representando os seguintes segmentos:
a) um(a) representante (titular/suplente) dos Diretores das Escolas (Poder Público);
b) um(a) representante (titular/suplente) dos Servidores Públicos – Técnico Administrativo (Poder Público);
c) dois representantes (titular/suplente) do Poder Executivo Municipal, dos quais pelo menos um da Secretaria Municipal de Educação (SED) ou órgão equivalente (Poder Público);
d) um(a) representante (titular/suplente) dos professores de Educação Básica Pública (Poder Público);
e) dois representantes (titular/suplente) dos pais de alunos da Educação Básica Pública (sociedade civil);
f) dois representantes (titular/suplente) dos estudantes da Educação Básica Pública (sociedade civil);
g) um(a) representante (titular/suplente) do Conselho Tutelar (sociedade civil);
h) um(a) representante (titular/suplente) do Conselho Municipal de Educação (sociedade civil) (ALTA FLORESTA, 2008).
A acerca das práticas de acompanhamento e controle social dos recursos do FUNDEB, procuramos inicialmente conhecer os Conselheiros - os atores envolvidos diretamente no controle social. Desse modo, 92,88% residem em Alta Floresta há mais de 12 (doze) anos, pressupondo, diante deste tempo, entendimento da realidade educacional local. Observamos a composição a partir do gênero e identificamos a presença maciça de mulheres, com um total de 71,43%. A faixa etária está concentrada entre 40 e 50 anos, envolvendo 7 (sete) Conselheiros, seguida de 4 (quatro) com idade acima de 50 anos, 2 (dois) com 28 anos de idade e apenas 1 (um) com 39 anos, ou seja, são cidadãos que nasceram em época de grande efervescência política nacional: a redemocratização dos direitos já conquistados e a luta pela garantia de novos direitos. Com relação ao referencial escolaridade, 64,29% dos Conselheiros têm formação de alta escolarização Escolaridade alta se refere a graduados e especialistas em nível superior., 21,42% média escolarização e 14,28% baixa escolarização.
Adentrando as reuniões, assinalamos que as pautas são preparadas pelas técnicas e a Presidência do CME e da Câmara/AF, enviadas com antecedência, por ofício e e-mail aos Conselheiros. Os encontros na Câmara do FUNDEB foram agendados e aconteceram todos conforme previsto em calendário mensal de reuniões ordinárias, com duração média de três horas.
Os trabalhos operacionais, desenvolvidos em reuniões, seguem a seguinte lógica operacional: I) conferência da folha de pagamento dos profissionais da educação - a1) averiguando quem pertence ou não à carreira dos Profissionais da Educação, a2) se o número de profissionais está ou não superior às Portarias da Secretaria Municipal de Educação; II) verificação da aplicação dos recursos do FUNDEB; III) averiguação dos recursos empenhados e pagos; IV) apuração da contrapartida do município para a educação, proveniente dos 27% de impostos municipais destinados à rede escolar de ensino; V) análise da prestação de contas do FUNDEB, enviada pela Prefeitura; VI) constatado irregularidades na utilização de recursos do FUNDEB, notificação formalmente ao órgão executor, solicitando providências cabíveis para corrigi-las; VII) emissão de parecer, podendo conter uma das seguintes situações: favorável ou desfavorável acerca da prestação de contas.
No período assinalado de pesquisa, diante da análise da folha de pagamento dos salários dos profissionais da educação, encontramos registrado na Ata de nº 2 uma contratação, por parte da Secretaria Municipal de Educação, de uma servidora, como Técnica Administrativa Educacional, atuando em atividades referentes à função de Técnica de Desenvolvimento da Educação Infantil (TDEI).
A Câmara do FUNDEB concluiu que estava em voga o mau uso do recurso financeiro do FUNDEB, motivo pelo qual determinou que a Secretaria Municipal de Educação tomasse as providências cabíveis. Contudo, como o órgão responsável não tomou as providências, a Câmara do FUNDEB representou tal situação junto ao Ministério Público de Mato Grosso, através da Promotoria de Justiça de Alta Floresta. Providências foram tomadas, não na presteza que se esperava. O episódio despertou interesse na averiguação da suposta morosidade da Secretária de Educação Municipal no atendimento das deliberações da Câmara do FUNDEB. Em entrevista com a senhora Secretária Executiva do CME são expostos alguns apontamentos:
[...] eu diria que o diálogo com a Secretaria Municipal de Educação não está profícuo, Câmara do FUNDEB com a Secretaria, eu acho assim que... algumas vezes demora muito os Conselheiros terem respostas de algumas deliberações, de alguns encaminhamentos que fazem, acho que parece que tá faltando um link aí... não sei muito bem..., se é falta de entendimento, da necessidade de se efetivar esse controle social, falta de conhecimento da Lei 11.494 que é bastante incisiva em alguns pontos, que dá muita liberdade para a Câmara do FUNDEB atuar, inclusive as questões de informações; outras vezes me parece que falta um pouco de informação a respeito da Lei de Acesso a Informação, a LAI, que é relativamente nova, enquanto o órgão público, não dá para ficar guardando as informações ou deixando de responder; eu vejo, assim, que existe uma dificuldade nisso, se a gente conseguisse um diálogo melhor, um feedback melhor, as coisas teriam mais celeridade, acho que o trabalho da Câmara do FUNDEB seria mais produtivo nesse momento, porque eu penso que, através do diálogo, algumas questões que chegam para o Ministério Público resolver, são questões pequenas, e até simples de serem resolvidas; não precisaria chegar lá, entendeu, não precisaria chegar ao Ministério Público, então, falta alguma coisa, falta um elo, falta um link, em minha opinião, que poderia ser resolvido talvez com diálogo, com reuniões [...].
Nas falas de alguns Conselheiros entrevistados foi possível ratificar a problemática mencionada anteriormente. A Conselheira afirma que:
Muito complicado. Na maioria das vezes não fomos atendidos. Precisou-se tomar medidas assim um pouco mais forçadas. Mandavam-se se ofícios, os ofícios não eram respondidos, e quando respondidos não eram claros, então a gente sempre ficava na dúvida, e muitas vezes a gente precisou entrar no Ministério Público para resolver as questões levantadas pelo grupo. (C7).
Outra Conselheira, em resumo:
Nem sempre foi rápido. Teve problemas que a gente teve que mandar dois requerimentos, dois ofícios pedindo. Depende... tem uns que vêm rapidinho, resolve rapidinho, tal, já mudou, já fez lá certinho... mas tem uns que a gente tem mais dificuldade, eu não sei porquê. Até hoje a gente fica no pé. Eles têm que mostrar. Às vezes vem até alguma coisa, assim, que a gente nem acredita muito, mas se você manda de novo, vem a mesma coisa, então a gente tenta fazer um relato daquilo, averiguar, e ficar cuidando, ficar sempre em vigília, sempre vendo porque que está acontecendo aquilo [...]. (C14).
Sobre o assunto, a Conselheira, de forma ponderada, opinou:
Olha essa parte é meio complicada, por causa que o FUNDEB é um conselho, e ele sendo um conselho deliberativo, consultivo, e executor também, porque ele tem que fazer essas três funções, geralmente a gente não é bem vista pelas administrações; a Secretária por exemplo que, muitas coisas que a gente pede para ser feito a prazo, não é cumprido, então... é aquela divergência, o que teria que ter é um casamento entre as duas partes, de cooperação, para que haja, realmente, a efetividade daquilo que se propôs. (C8).
Finalizando os depoimentos, temos o Conselheiro:
Alguns pontos são fundamentais. Primeiro, a dificuldade que a gente tem de uma relação bastante estreita entre Conselho e Poder Executivo. Quando eu digo Poder Executivo, Prefeitura e, ao mesmo tempo, Secretaria de Educação, porque nem sempre, as informações, os documentos que a gente precisa, chegam a tempo, e algumas coisas que acontecem nos bastidores do Poder Executivo, muitas vezes não chegam de forma muito clara pra gente; dá bastante... um certo trabalho, mas o Conselho tem atuado bastante nisso e eu acho muito importante para que a gente tenha controle social da educação. (C6).
O cenário apresentado nos permite, preliminarmente, indicar o quadro de descontentamento de Conselheiros pela demora no atendimento das solicitações/deliberações da Câmara do FUNDEB por parte da Secretaria de Educação Local. O atraso com envio de documentos solicitados pelo Colegiado posterga as decisões dadas, com espera ou falta da documentação necessária para análises.
A ação de controle social se fragiliza perante a morosidade de Autoridades públicas que, por Lei, são obrigadas a zelar pelo envio de documentos necessários para a celeridade dos trabalhos em Conselhos/Câmaras do FUNDEB. O descompromisso de gestores públicos com o CACS/Câmara revela falta de vontade política em percebê-los como órgãos de democratização e participação da sociedade na cogestão das políticas educacionais.
Nas três reuniões da Câmara do FUNDEB, das quais participamos, pudemos observar que alguns Conselheiros, sobretudo os segmentos da sociedade local (pais, estudantes, Conselho Tutelar e Conselho Municipal de Educação), apresentaram participação que se processa muito condizente com as competências que lhes foram determinadas legalmente pelo Estado, isto é, o exercício do controle, concebido como “fiscalização” dos recursos do FUNDEB. O papel de fiscais da aplicação dessa verba é aceito em detrimento ao protagonismo na participação das discussões políticas no Colegiado.
Os depoimentos de duas representações da sociedade local expuseram as percepções deles em relação a si próprios quanto à participação na Câmara do FUNDEB:
Então eu acredito assim, que os representantes da Prefeitura, atualmente, eles tinham mais voz ativa, falavam mais, devido a eles terem mais conhecimento; como eu era do segmento dos pais, eu me via perdida, geralmente ouvia mais do que falava, até por falta de conhecimento, capacitação, eu me via ali acuada. (C12).
Minha experiência no FUNDEB, por enquanto, é mínima, está pouca ainda. Porque eu não tenho, ninguém nunca me ensina o regimento do órgão lá. Só fico lá, assino a entrada e a saída. Nunca dei opinião, nunca ninguém me perguntou sobre o que eu acho, o que não acho, se está bom ou ruim. (C10).
Alguns Conselheiros do FUNDEB sinalizaram baixa participação intervencionista durante as reuniões. Alguns se mantêm calados, conformados em efetuar as atribuições lhes conferidas, outros poucos suscitam questionamentos, sem um apoio dos demais.
Houve a necessidade de saber se os pesquisados se sentem em condições de acompanhar e controlar as aplicações dos recursos financeiros do FUNDEB na rede municipal de ensino escolar de Alta Floresta. A tabela seguinte mostra se os Conselheiros pesquisados participaram de cursos de formação no período de janeiro a dezembro do ano de 2014.
Tabela 1 – Participação dos Conselheiros do FUNDEB em cursos de capacitação | ||||
---|---|---|---|---|
Recebeu algum curso de capacitação entre janeiro e dezembro 2014? | ||||
Respostas | Qt. PP* | % | Qt. SC** | % |
Não | 2 | 25,00% | 6 | 100,00% |
Sim | 6 | 75,00% | 0 | 0,00% |
Total | 8 | 100,00% | 6 | 100,00% |
Ainda que os resultados apresentados atestem a necessidade de capacitação dos Conselheiros do FUNDEB em Alta Floresta, sobretudo os representantes da sociedade civil, não encontramos documentado, nas Atas lidas, quaisquer solicitações por cursos de formação aos órgãos competentes, tampouco registro de programas do Poder Executivo Local suplementando com treinamentos os Conselheiros. As representações da Câmara do FUNDEB parecem se conformarem pela situação apontada. Cabe sublinhar que o CME/AF os ofertam anualmente, por meio da equipe técnica; além disso, foram ofertados e realizados, em 2014, cursos virtuais a distância, propostos pelo FNDE, Tribunal de Contas de Mato Grosso e a UFMT.
Freire (1996) já problematizava de forma lúdica e contemplativa as questões sociais, políticas e econômicas, inspiradoras e libertadoras. A exemplo disso, temos a Pedagogia da Autonomia, em Freire (1996), que nos ensina poeticamente: “meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências”; [...] “Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra” (FREIRE, 1996, p. 77). Em outras palavras, aprendemos que é possível a promoção da postura submissa em postura revolucionária, mediante exercício da prática permanente do rompimento de concepções que negam os sujeitos enquanto atores sócio-históricos e culturais. Nesse sentido, Kosik (1976) nos ensina que é necessário romper com a pseudoconcreticidade, para que se possa organizar um projeto de sociedade e pensá-la sob a ótica popular, o que tira a exclusividade do poder das mãos dominantes. Essa ótica nacional-popular é pensada a partir do ponto de vista da classe trabalhadora, que passa a identificar suas necessidades quando se tiram do centro os interesses privados de uma restrita classe social (COSTA, 2012).
Nessa direção, o pensamento de Gramsci se faz atual e pertinente às questões deste estudo, sobretudo pela aproximação de seus ideais de construção de uma hegemonia das classes subalternas em relação ao processo político nas sociedades capitalistas. Com Gramsci (1981) compreendemos que o pensamento “submisso”, que toma o senso comum como sua expressão máxima, é superado pela consciência da transformação prática da realidade, movida pelas posições políticas coletivas em consonância ao progresso intelectual do “homem ativo de massa”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatamos, a partir deste estudo, que Conselhos/Câmaras do FUNDEB oportunizam ao cidadão brasileiro participarem e controlarem a gestão das aplicações de recursos financeiros em serviços educacionais. Pelos estudos realizados no campo teórico, no Brasil, a participação social no âmbito da Administração Pública enfrenta obstáculos no plano da democratização da gestão pública. As práticas de participação e controle social na educação pública brasileira ainda são muito recentes, somado às questões culturais históricas e às contradições veladas nos trâmites de legislações, alguns fatores que dificultam a participação ativa de Conselheiros.
Detendo-nos ao município de Alta Floresta, em que se destaca a existência de Câmara de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB, inserida ao Conselho Municipal de Educação, que é um dos poucos municípios matogrossenses a se enquadrar ao Artigo 37 da Lei nº 11.494/2007, verificamos que o seu funcionamento se configura como instância pública institucionalizada, cumpridora de funções compatíveis com as competências estabelecidas pela legislação que instituiu o FUNDEB, o qual, em geral, atribui funções preponderantemente técnicas, como fiscalização e acompanhamento do controle dos recursos financeiros alocados no âmbito da educação municipal.
Em Alta Floresta, em que pese a existência de algumas limitações, aqui fundadas no despreparo técnico e político na atuação dos Conselheiros, a leitura quanto à experiência vivenciada pela integração de CACS ao CME, como Câmara do FUNDEB, revela que está sendo valiosa para o controle social local. Ainda que estejamos em constante aperfeiçoamento e enfrentamento das contradições impostas pela legislação, ela fragiliza e limita vários aspectos do Colegiado, consubstanciados aos demais obstáculos culturais e políticos do município.
É preciso introduzir, nos currículos escolares, conhecimentos que apropriem nossas crianças e nossos jovens a se sentirem autorizados ao exercício do controle social daquilo que é público e lhes diz respeito como cidadãs e cidadãos.
É imperioso, nesse movimento pela conscientização do controle social efetivo para a melhoria do ensino público do município, o compromisso da sociedade de Alta Floresta pelo debate educacional dos problemas da rede pública municipal de educação.
Compreendemos que, nesse plano que almejamos, as classes populares precisam de maturidade ideológica para a crítica da democracia formal predominante e para a compreensão do controle social na perspectiva progressista. Esses aspectos não estão incorporados pelos cidadãos brasileiros. É nessa ótica que propomos que sejam realizadas audiências públicas que pautem a publicização dos gastos dos recursos do FUNDEB, bem como dos problemas da rede pública municipal de educação, e que sejam debatidas em plenário aberto ao público questões correlatas à sua gestão municipal.
Nessa direção, sindicatos, universidade, faculdades, escolas, Conselhos e Câmaras em Alta Floresta precisam criar condições à população para o debate e a discussão das políticas educacionais de Alta Floresta.
O estudo nos permitiu constatar, finalmente, que, não somente no município de Alta Floresta, mas na grande maioria dos municípios brasileiros há de se pensar no desenvolvimento e implantação de ferramentas que sirvam, de fato, como canais de comunicação, articulação e interação entre os colegiados, a Secretaria Municipal de Educação e demais Conselhos e Câmaras do FUNDEB, a fim de que os problemas que afetam o desenvolvimento da educação pública sejam publicizados e deliberados com representação colegiada seriamente comprometida com os interesses públicos.
REFERÊNCIAS
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