A EDUCAÇÃO SUPERIOR PÚBLICA EM PORTUGAL: DIVERSIFICAÇÃO DE FONTES DE FINANCIAMENTO E AUTONOMIA ACADÉMICA

INTRODUÇÃO

Uma dos problemas que actualmente assolam as instituições públicas de ensino superior, em Portugal, é o seu subfinanciamento crónico. Nas últimas décadas, em particular desde o virar do milénio, o contributo do Estado Português, através do OE, para o orçamento das instituições públicas de ensino superior, tem vindo a diminuir de forma drástica. Se esse contributo chegava a cerca de 95% da totalidade do orçamento destas instituições em meados da década de 1990, actualmente não ultrapassa os 60%. Considerando que uma qualquer instituição não funciona sem recursos, a situação presente revela-se muito preocupante.

Para colmatar estes défices que, aliás, são comuns à generalidade das instituições públicas do ensino superior (IES), nomeadamente europeias, estas instituições têm vindo a implementar estratégias diversas de captação de fundos originando o que se designa, genericamente, por diversificação de fontes de financiamento. Recorrer ao financiamento externo surge, assim, como a alternativa possível. Todavia, tal prática não é isenta de riscos nomeadamente a instabilidade decorrente de uma captação deficitária de fundos, a concorrência que estabelece entre instituições, a dependência da “academia” face a elementos que lhe são estranhos.

Assim, não surpreende que este tema seja alvo de ampla discussão pelos cientistas da educação, havendo uns que defendem a universidade empreendedora enquanto outros se referem aos problemas que o financiamento externo pode suscitar.

No sentido de aprofundar o assunto e de melhor perceber os efeitos que este tipo de recursos pode trazer/trouxe às IES portuguesas, os autores têm vindo, nos últimos anos, a pesquisar no quadro desta problemática. O presente artigo decorre de um projecto de investigação conduzido por um dos autores no quadro do seu doutoramento em Educação na Universidade de Lisboa, intitulado “Financiamento do ensino superior público português: diversificação de fontes” (bolsa de doutoramento atribuída pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, com a referência SFRH/BD/84398/2012).

O financiamento das IES

Até ao início do século XIX o financiamento das IES era, maioritariamente privado, proveniente fundamentalmente do pagamento por parte dos alunos; este pagamento dava aos estudantes força para levar professores e instituições a responderem às suas exigências (Ziderman & Albrecht, 1995). Nos finais do séc. XIX a consolidação das funções do Estado exigiu o crescimento do aparelho governativo de estado, em particular na Europa, de que decorreu o aumento das necessidades em técnicos altamente qualificados para a administração pública. Este crescimento da administração exigiu uma resposta adequada por parte da universidade e que veio a concretizar uma mudança de paradigma de financiamento das IES: o estado começa a financiar as IES no sentido de garantir a formação de indivíduos para as carreiras técnicas e administrativas da função pública. A industrialização e o progresso crescentes deram à universidade outros papéis a nível da investigação e na formação de pessoas tornando-se a universidade, particularmente na Europa, essencialmente em “instalações de formação de profissionais, sendo o estado o primeiro empregador e cobrindo os custos educacionais” (Ziderman & Albrecht, 1995: 6). A resposta às necessidades do estado e, posteriormente, dos restantes sectores sociais, explica a rápida expansão do ensino superior por todo o mundo seguindo, em geral, a organização que concretizava o modelo europeu.

Progressivamente, o estado assumiu a função dominante na regulação, provisão e financiamento na maior parte dos sistemas de ensino superior. É nos finais do século passado que este papel começa a reduzir-se particularmente em virtude das inúmeras solicitações sociais que se colocaram aos estados e que conduziram a uma progressiva redução da contribuição dos orçamentos de estado para as IES. Nos últimos anos, a crise económica e financeira que atingiu a generalidade dos países, as políticas de austeridade financeira que muitos países atravessam e o aumento do número de alunos justificaram a redução contínua e, por vezes, brutal, da participação dos estados no orçamento das IES. Como referia Williams (1999), nos anos da década de 1960, e por mais cerca de mais duas décadas, viveu-se a “época dourada” no ensino superior, acompanhando os trinta gloriosos, mas a expectativa de um regresso a esse período de prosperidade não parece viável.

Todavia, e independentemente desta redução da participação dos estados no financiamento do ensino superior, são múltiplos os factores que explicam o seu crescimento, nomeadamente, e como referia Trow, ainda em 1972, as exigências de estruturas ocupacionais, as novas profissões ligadas às actividades terciárias, a falta de emprego para jovens em idade de frequentar a universidade, o aumento do nível educacional, o direito à educação.

E, de facto, durante a última metade do século XX e no início deste século, o ensino superior cresceu em tamanho, recursos e importância (Newman, 2000), situação que se vem consolidando nos últimos anos, apesar das políticas restritivas de financiamento do ensino superior por parte dos estados e das expectativas que nele as sociedades colocam. Às IES exige-se a diversidade das ofertas, assimilação do número sempre aumentado de estudantes, a “produção” de graduados para funções altamente especializadas, a eficiência de forma a fazer mais com menos dinheiro. Estas exigências impõem, segundo alguns cientistas sociais como Clark (1998), a mudança de paradigma da universidade para uma atitude mais activa, mais empreendedora seja na procura e diversificação das fontes de financiamento seja na sua diferenciação.

Também autores como Johnstone (2012, 2014) constatam que o papel que a Europa desempenhou no passado recente explica as semelhanças organizativas da universidade por todo o mundo, nomeadamente no quadro financeiro, apesar das especificidades culturais, económicas e políticas de cada país. A matriz europeia da universidade globalizou-se, bem como os problemas que a caracterizam, observando-se um aumento acelerado dos custos, uma crescente austeridade institucional, a pressão financeira sobre os estudantes e famílias e a necessidade de redução de custos e de aumento das receitas, apesar dos efeitos negativos que poderão surgir na qualidade e na capacidade das IES e nos objectivos de participação, acesso e equidade ao ensino superior.

Em resposta a estas dificuldades, as IES diversificam-se, no intuito de serem mais competitivas no mercado educacional e procuram fontes não-governamentais de financiamento. O ensino superior é um empreendimento caro (Johnstone, 2012, 2014; Cabrito, 2002) e a sua sobrevivência depende da capacidade das IES em expandirem as bases de receita (Namalefe, 2014). Gradualmente, as universidades públicas vão-se privatizando, no sentido de serem cada vez mais dependentes de fundos privados (Williams, 1999), sejam eles oriundos dos estudantes e suas famílias, de filantropos ou de empresários.

Esta dependência externa de financiamento alimenta o debate acerca da autonomia das instituições de ensino superior (Gibb, Haskins & Robertson, 2013) já que se para alguns autores o financiamento pelo estado limita a liberdade académica e que a diversificação das fontes de financiamento assegura um nível mais elevado de liberdade (LiChuan, 2004, cit por Gibb, Haskins & Robertson, 2013), para outros, fontes de financiamento extra governamentais, principalmente quando oriundas do setor privado, têm muitas vezes interesses associados (Leslie & Ramey, 1998, cit por Gibb, Haskins & Robertson (2013) que podem induzir as universidades noutro sentido que não o da sua missão particular (Hearn, 2003, cit por Gibb, Haskins & Robertson, 2013) ou no deslocamento da sua missão (Froelich, 1999).

Diversificação de fontes de financiamento

Para Carroll & Stater (2008), o conceito de diversificação de fontes descreve o processo pelo qual o investidor selecciona um determinado portfolio de investimento. A selecção deste portfolio envolve uma dicotomia entre altos retornos expectáveis e variância indesejável dos retornos expectados. Chang & Tuckman (1994) referem que existem duas abordagens a nível económico que interpretam a forma como a origem das fontes de financiamento afecta o processo de tomada de decisão numa instituição, sendo que uma das abordagens considera as entidades não lucrativas como empresas que maximizam uma função objectiva, estão sujeitas a constrangimentos legais de não distribuição dos excedentes e constrangimentos económicos de orçamentos e recursos limitados; e, a segunda abordagem foca-se na gestão de portfolio e considera a diversificação de fontes como uma forma de ter estabilidade e uma estratégia de redução de risco para uma entidade financiadora (Chang & Tuckman, 1994). Outros cientistas sociais como Hansmann (1999, cit por Cunningham & Cochi-Ficano, 2002) focam-se nos ambientes interno e externo onde estas instituições desenvolvem a sua acção e as estratégias para poder fazer face às incertezas resultantes das relações de cooperação que se estabelecem entre fornecedores e utilizadores.

Independentemente da abordagem utilizada e, apesar de algumas diferenças, todas concordam que o comportamento destas instituições é afectado pelos objectivos que perseguem e pelos constrangimentos financeiros que sofrem (Brown, 2001) pelo que será vantajosa a diversificação de fontes de financiamento através de múltiplas fontes uma vez que assim aumentam as hipóteses de permanecerem financeiramente viáveis e de reduzirem a instabilidade no financiamento; neste quadro, a aposta numa só fonte de financiamento é considerada imprudente.

A perspectiva da dependência de recursos problematiza as relações políticas e sociais que se estabelecem entre estas instituições e as entidades que as apoiam bem como a influências destes financiadores externos na forma como estas instituições fornecem os seus serviços. Gronjberg (1992, cit. por Chang & Tuckman, 1994) e Carroll & Stater (2008) consideram que o desempenho destas instituições é melhor quando se estabelece uma relação prolongada e estável com poucos financiadores, desde que tais fundos assegurem continuidade e estabilidade. Para eles, a chave para a sobrevivência organizacional é a capacidade de adquirir e manter recursos. Todavia, a complexidade desta tarefa é forte devido às condições de escassez, incerteza e não adequabilidade dos recursos fornecidos, situações que podem levar à adaptação das organizações aos requisitos dos fornecedores (Froelich, 1999), com efeitos evidentes no desempenho da sua missão.

Mais recentemente, o financiamento externo das IES tem sido analisado numa perspectiva institucional desenvolvida por autores como Meyer & Rowan (1977), Scott (1987) e Bielefeld (1992) (cit por Chang & Tuckman, 1994) e que se focaliza na necessidade que estas instituições apresentam de aceitação e legitimação social levando-as, por um lado, a modelar-se de acordo com outras organizações bem sucedidas e, por outro, a focalizarem-se em problemas comunitários e sociais.

A diversificação de fontes de financiamento, com recurso a financiamentos externos à instituição é uma alternativa compensadora do subfinanciamento crónico a que são sujeitas por parte dos poderes públicos e cuja multiplicidade, de acordo com Chang & Tuckman (1994), Jaeger e Thorton (2005, cit por Namalefe, 2014) e Namalefe (2014), lhes dá mais força, mais segurança, menos incerteza e menos vulnerabilidade do que as instituições que dependem de uma ou poucas fontes de financiamento.

Também Carroll & Stater (2008) referem que a diversificação de fontes de financiamento indicia reduzida vulnerabilidade financeira em organizações não lucrativas e Greenlee & Trussel (2000, cit por Carroll & Stater, 2008) evidenciam que uma maior diversificação de fontes de financiamento diminui as probabilidades da organização ter de cortar nas despesas programadas e de insolvência. A diversificação parece ser, pois, um método eficaz para limitar a instabilidade associada à dependência de uma fonte de rendimento.

Namalefe (2014) referindo-se especificamente ao ensino superior público, salienta que face aos cortes do OE, a sobrevivência do ensino superior depende da capacidade institucional de encontrar outras bases de financiamento. Alerta, todavia, que tal diversificação e expansão bem como a ânsia de diversificarem os fundos de financiamento pode levar as IES a divergirem das suas missões e objectivos e que pode trazer consequências imprevistas, devendo a diversificação de fontes de financiamento ser prudentemente abordada.

Ainda no contexto da diversificação de fontes de financiamento, o debate teórico tem vindo a priorizar a questão da privatização da educação no sentido de que instituições públicas, que por definição são propriedade do estado, têm vindo a assumir regimes jurídicos diferentes das “agências públicas” em direcção ao modelo de fundação pública, instituições ainda de natureza pública mas com forte autonomia e fraco controlo governamental, especialmente nos países mais avançados e industrializados como os EUA, o Reino Unido, o Japão e a França (Sanyal & Johnstone, 2011; Cabrito, 2011). Portugal também tem vindo a integrar esta tendência, com a transformação em fundação de IES como o ISCTE ou a Universidade de Aveiro e a crescente tendência de privatização; como referem Cabrito et. al (2013) “Privatizar é, deste modo, a palavra de ordem no ensino superior público, em Portugal. O Estado tem vindo a desresponsabilizar-se continuamente do financiamento da educação superior, bem como da investigação” (2013: 10).

Como referem Ziderman & Albrecht (1995) a diversificação das fontes de financiamento surge, pois, como um bom complemento embora não resolva os problemas fundamentais, levando aqueles autores a afirmar que uma ênfase a mais na diversificação de fontes pode ser até danosa, uma vez que pode desviar a atenção dos gestores acerca da necessidade de resolver outros problemas causados pela expansão do sistema e do número de estudantes ou pela dependência face aos desejos do financiador, acrescentando Parker (2012) que a criação de novos recursos financeiros e a minimização de despesas se tornaram fins em si mesmos, transcendendo países, sistemas e culturas, constituindo “… um exemplo claro do deslocamento de missão (…) o capital intelectual e o conhecimento são transformados, de bens públicos e sociais, em comodidades comerciais: um recurso com profundas capacidades de gerar receitas.” (2012: 262).

Principais fontes externas de rendimento

Estes fundos, as novas fontes de receita das IES, são, todavia, de diferente natureza. Os contributos privados, como donativos individuais ou empresariais são uma base tradicional de apoio das organizações.

Recentemente as instituições começaram a desenvolver actividades comerciais, situação que causa alguma apreensão pelo seu impacto na estrutura, comportamento, filosofia e desempenho da organização (Froelich, 1999).

Em termos gerais, um pouco por todo o mundo, as receitas procuradas para fazer face aos sucessivos cortes do orçamento do estado por parte das IES públicas, são:

a) Empreendedorismo institucional e de faculdade, através da criação de pequenos cursos por exemplo de línguas, gestão, e gestão de sistemas de informação, que beneficiam alguns departamentos e membros da universidade mas com pouco impacto na universidade no seu conjunto (Johnstone, 2004a, 2014; Clark, 2003) ;

b) Cobrança direta, sob a forma de propinas e taxas de utilizador aos estudantes (Johnstone, 2004b, 2014; Barr, 2012; Clark, 2003; Woodhall, 1993, cit. por Weidman, 1995);

c) Eliminação das despesas fixas dos estudantes por parte do estado, ficando estas a cargo dos mesmos (Woodhall, 1993, cit. por Weidman, 1995);

d) Filantropia (Johnstone, 2004b, 2014; Clark, 2003; Woodhall, 1993, cit. por Weidman, 1995;

e) Bolsas de investigação financiadas pelo estado ou por financiador externo (Johnstone, 2004a, 2014; Clark, 2003; Woodhall, 1993, cit. por Weidman, 1995);

f) Donativos por pare da ajuda ao desenvolvimento (Johnstone, 2004b, 2014);

g) Formação de empresas nas IES (Woodhall, 1993, cit. por Weidman, 1995)

h) Expansão do setor privado (Gibb, Haskins & Robertson, 2013); Woodhall, 1993, cit. por Weidman, 1995).

Froelich (1999) salienta que todas as estratégias de obtenção de fundos por parte das organizações têm vantagens e desvantagens. Para este autor, o cenário ideal com fluxos contínuos para levar a cabo uma missão descomprometida não é nem nunca foi uma realidade, antes existem uma variedade de fontes de financiamento com constrangimentos específicos e diferentes tarefas de gestão. A filantropia (em forma de oferendas dos alumni, amigos, empresas ou fundações), é uma alternativa muito atractiva que, como refere Johnstone (2004a, 2004b), será a fonte de financiamento externo que menos efeitos imediatos acarretará, apesar de também poder em alguns casos distorcer a missão da universidade pois a filantropia vem sempre com influências associadas (Ball & Youdell, 2008).

Conforme Cerdeira (2009), a experiência portuguesa das últimas duas décadas pode ser inserida nesta tendência internacional da partilha de custos, em virtude da participação crescente dos estudantes no financiamento do ensino público através de propinas anualmente actualizadas e pela implementação de políticas que incentivaram o desenvolvimento do ensino privado. No final da década de 90, Cabrito (2002), já evidenciava a tendência marcante do ensino superior Português no sentido da diversificação das fontes de financiamento, com destaque para o contributo dos estudantes no financiamento do ensino público.

ENQUADRAMENTO DO ESTUDO: METODOLOGIA

A pesquisa levada a cabo pretende clarificar a forma como as IES através dos seus dirigentes (conselhos gerais/reitores/presidentes/directores das unidades orgânicas) interpretam a autonomia universitária e procuram fontes alternativas de financiamento, no mundo empresarial ou da filantropia. Assim, foi definido o ponto de partida da investigação: perceber qual o papel que a diversificação das fontes de financiamento poderá desempenhar no futuro do ensino superior português e analisar o modo como as instituições gerem a sua autonomia num quadro de “abertura” ao financiamento externo.

A pesquisa desenvolveu-se na Área Metropolitana de Lisboa, devido fundamentalmente a três factores: a) o número de IES existentes nesta área - três Universidades (duas após a fusão da Universidade Técnica e a Universidade de Lisboa), dois Institutos Institutos Superiores Politécnicos (Lisboa e Setúbal) e um Instituto Universitário – (ISCTE); b) porque é a região com maior peso no total da população nacional, abrigando 26% desse total (INE, Censos 2011); c) porque o número de inscritos no ensino superior público nesta região também é o mais elevado (150.669, num total de 403.445, correspondente a cerca de 37% do total de alunos em conformidade com GPEARI, 2011).

A pesquisa seguiu a metodologia de estudo de caso múltiplo (Arnal et al. cit. por Morgado, 2012) ou colectivos (Stake, 1999, cit. por Morgado, 2012) que se utiliza quando o investigador pretende estudar mais do que um contexto, sujeito ou situação simultaneamente, embora com o mesmo objecto de estudo e onde as conclusões obtidas se referem a um contexto mais abrangente e podem assumir uma grande variedade de formas (Bogdan & Biklen, 1994). Na presente investigação cada IES corresponde a um caso. Foi pois utilizada uma abordagem qualitativa, recorrendo-se, em termos de recolha de dados, à entrevista semi-directiva, que permite obter várias perspectivas dos casos (Stake, 2007).

Para definição dos sujeitos de estudo O sistema de ensino superior português compreende dois tipos de instituições: as universidades e os institutos superiores politécnicos. Os dois tipos de instituição apresentam diversas especificidades caracterizadoras e que os distinguem e das quais destacamos a maior proximidade dos institutos superiores politécnicos ao “mercado” e o facto de apenas as universidades concederem doutoramentos. As faculdades e institutos superiores constituem unidades orgânicas das universidades e têm o seu contraponto, nos institutos superiores politécnicos, nas escolas superiores. A função executiva é exercida, na universidade, pelo reitor enquanto que nos institutos superiores politécnicos é exercida pelo presidente; a gestão das faculdades e institutos superiores e escolas superiores é realizada pelo director. Quer as universidades quer os institutos superiores politécnicos são coordenados por um Conselho Geral onde estão representados os professores e a sociedade civil. Cabe ao Conselho Geral definir a missão da universidade/instituto superior politécnico e eleger o reitor/presidente., deu-se atenção a Bogdan & Bliken (1994) na determinação dos “interlocutores” ou “informantes” privilegiados. Nesse sentido, entrou-se em contacto com a direcção de cada uma das instituições, apresentaram-se os objectivos do estudo e solicitou-se o encaminhamento para os indivíduos que, em função dos conhecimentos, experiência e função desempenhada melhor assegurariam um contributo alargado e crítico para a investigação. Deste caminho vieram a ser definidos, como sujeitos de estudo, membros dos órgãos de gestão e de direcção das IES (directores, presidentes, membros do Conselho Geral, directores financeiros) e mecenas/financiadores externos, os quais foram seleccionados após as entrevistas realizadas aos restantes sujeitos de estudo.

O objectivo da pesquisa foi o de perceber as razões subjacentes a esses financiamentos e sua influência nas organizações, muito particularmente no que respeita a sua autonomia financeira, académica e científica. Foram realizadas 37 entrevistas no total, a 12 directores de faculdades, 3 administradores financeiros de faculdades, 14 presidentes de escolas de institutos superiores politécnicos, um presidente de um instituto superior politécnico, um administrador financeiro de um instituto superior politécnico, 2 presidentes de Conselho Geral e 3 patrocinadores (dois representantes de duas instituições bancárias e um representante de uma fundação).

RESULTADOS PRELIMINARES

Nas entrevistas realizadas, na sequência dos objectivos da pesquisa e da questão de investigação enunciada, foram tratados diversos temas/problemas que decorrem da incerteza em que, nos nossos dias, as IES se encontram, seja no que respeita à sua missão, legitimidade e sobrevivência. Para o presente artigo, apenas nos interessaram as informações relativas ao processo de financiamento das IES (receitas próprias, mecenato, contratos e parcerias) bem como à atitude das IES face à procura de financiamentos não-governamentais e sobre as contrapartidas associadas àqueles financiamentos externos, no sentido de perceber se a diversificação das fontes de financiamento implica limites à autonomia destas instituições.

A realização das entrevistas e a análise dos respectivos protocolos teve em atenção o contexto económico e social muito particular em que a investigação se desenvolveu. De facto, a conjuntura económica em que Portugal se encontrava e em que ainda se encontra, resultava de uma crise económica e financeira global e que, no caso português exigiu o recurso a instâncias económicas e financeiras internacionais, como o FMI, o Banco Central Europeu e a União Europeia dando lugar a medidas de política económica e financeira que se caracterizavam pela extrema austeridade e que para as IES, enquanto instituições públicas abrangidas pelo enquadramento legal da Administração Pública, significou dificuldades acrescidas na sua autonomia administrativa e financeira.

Assim, em decorrência das políticas de austeridade impostas por aquele três “agentes” financeiros (FMI, BCE e EU, comummente conhecidos pela Troika), Portugal ficou abrangido pela lei de contenção orçamental cujo objectivo é o de conter a despesa, impossibilitando novas contratações e despesas para além das cabimentadas. Simultaneamente, também não é possível ao país a realização de investimentos, em virtude de o investimento representar despesa.

Portugal viveu, pois, não apenas uma crise financeira global mas, também, uma crise económica interna grave. Estes factores tornam mais complicada a gestão das IES pois, por um lado, não podem fazer investimentos geradores de receitas nem podem contratar professores e, por outro, necessitam de receitas próprias para fazer face aos cortes sucessivos do orçamento de estado. A procura de receitas próprias está assim condicionada por esta conjuntura a qual se percebe do discurso dos entrevistados.

A procura de receitas próprias

Em conformidade com os alguns dos entrevistados, a procura de receitas próprias requer uma forte imaginação e voluntarismo. Não é fácil encetar a procura de novos financiamentos sem estratégia definida, devendo seguir-se o exemplo de universidades estrangeiras, nomeadamente os modelos inglês e norte-americano. Para outros é necessário ter uma visão de onde se quer chegar e que a falta de recursos não é impeditivo para se desenvolver uma ideia, nomeadamente candidatar-se a projectos nacionais e internacionais; outras instituições, em especial de natureza universitária, afirmam ter começado a contactar alumni no sentido de desenvolver o seu espírito de retribuição à semelhança do que acontece com as universidades norte-americanas. Nas palavras de um dirigente, “é uma questão de ser criativo na forma de diminuir a despesa e aumentar a receita não vendendo a alma ao diabo, isto é, não transformando isto numa empresa que vende serviços.”

Internamente, as IES disponibilizam novas ofertas formativas, nomeadamente ao nível do 2º e 3º ciclos, bem como cursos não conferentes de grau cursos de especialização tecnológica. Captar mais alunos internacionais aparece, também, como um recurso a que as IES estão a recorrer.

No caso particular dos institutos politécnicos, a sua postura de maior relação e entrosamento no tecido económico da região, tem conduzido ao estabelecimento de diversos protocolos e parcerias com câmaras municipais e empresas no quadro de implementação de projectos de desenvolvimento regional.

Do lado dos patrocinadores, há alguma perplexidade pelo facto de as IES não os procurarem mais activamente, como se as IES tivessem pudor em pedir dinheiro situação que se compreende quando do discurso dos dirigentes entrevistados se percebe que eles não perspectivam as IES como empresas produtoras de serviços.

Principais fontes de receitas próprias

A maior fatia das receitas das IES públicas é o orçamento de estado que contribui entre 50% e 60% para o orçamento das instituições. De salientar o papel dos estudantes e famílias cujas taxas de frequência atingem os 30%/35% do orçamento das IES. Deste modo, apenas 10% a 15% do orçamento destas instituições decorre de uma real procura de novas fontes de financiamento denotando uma procura ainda incipiente de diversificação das fontes externas de financiamento. No que respeita as universidades, os entrevistados destacaram, no quadro destas receitas:

a) Prestação de serviços à comunidade, a empresas, a individuais, ao estado (resultantes de vários tipos de protocolos, contratos e parcerias nomeadamente de investigação);

b) Overheads oriundos de projectos nacionais (nomeadamente financiados pela FCT - a Fundação para a Ciência e Tecnologia) e internacionais (onde se destacam os projectos financiados pela União Europeia) sendo que algumas destas instituições já possuem gabinetes especializados na procura desses projectos e na elaboração de candidaturas;

c) Contratos com a indústria que se concretizam, fundamentalmente, em lugares de estágio para os alunos, na concessão de bolsas de doutoramento, no financiamento de doutoramentos dos seus trabalhadores;

d) Cursos de duração variável não conferentes de grau;

e) Mecenato;

f) Aluguer de espaços e/ou equipamentos para eventos;

g) Merchandising concretizado na venda de produtos com o logotipo da faculdade, ainda que não seja uma prática muito corrente;

h) Aluguer de espaço fixo como espaço para bares e livrarias.

No que respeita aos institutos superiores politécnicos, cuja maior fatia de receita é igualmente o OE e as propinas, as receitas próprias decorrem, fundamentalmente, de:

a) Prestação de serviços especializados, tanto a empresas como particulares nomeadamente das empresas da região (estudos de peritagem e consultorias);

b) Aluguer de espaços numa situação mais comum do que nas universidades e que incluem laboratórios, anfiteatros, estúdios de televisão, naves de estacionamento, instrumentos, palcos, equipamento; de registar que, à semelhança do que se verifica nas universidades, este aluguer é uma não receita dado que os espaços são cedidos graciosamente ou por valores simbólicos;

c) Ações de formação, pequenos cursos não conferentes de grau, cadeiras isoladas que complementam as licenciaturas;

d) Alunos internacionais, nomeadamente oriundos dos Países de Língua Oficial Portuguesa (PALOP);

e) Projectos com a indústria;

f) Projectos comunitários;

g) Projectos da FCT;

h) Actividades de carácter mais comercial como gabinetes de tratamentos ou massagens que também servem os alunos e a comunidade, a um preço ligeiramente inferior aos do mercado

i) Mecenato.

Como se percebe, as fontes de receitas próprias de ambos os tipos de instituições são semelhantes ainda que se note uma maior participação das receitas resultantes da prestação de serviços especializados e de projectos com a indústria, parcerias com empresas, associações e câmaras municipais nos institutos superiores politécnicos, como seria expectável dada a ligação desejável destas instituições ao contexto local, nomeadamente através de um forte entrosamento com as autarquias, o mercado e à rede empresarial local. Efectivamente, espera-se dos institutos superiores politécnicos um forte e franco diálogo com os actores locais, no sentido de, com a sua actividade, poderem responder às necessidades da região em mão-de-obra qualificada.

Pelo contrário, no que respeitas às universidades, deve destacar-se a importância das receitas oriundas de projectos de investigação, sejam nacionais sejam internacionais. A quase inexistência deste tipo de receitas nos institutos superiores politécnicos decorre da própria legislação que “impede” estes institutos de realizarem investigação. Os docentes dos institutos superiores politécnicos podem, obviamente, realizar investigação mas sempre desde que integrados em equipas universitárias a cujas unidades de investigação eles pertençam em consequência de acordos de cooperação entre universidades e institutos politécnicos.

Procura de financiamento externo e constrangimentos

Um dos obstáculos ao desenvolvimento de iniciativas de diversificação das fontes de financiamento radica na legislação, por vezes contraditória e revelando a burocracia associada aos procedimentos da administração pública, que dificultam quer a procura e obtenção de novos financiamentos quer a sua utilização. Como referia um dos entrevistados de um instituto superior politécnico:

“Cria-nos dificuldades burocráticas tremendas (…)só podemos adquirir equipamento se tivermos tido receitas que permitem adquirir esse equipamento, a lei do compromisso, ora se o compromisso ainda não foi feito porque o curso não arrancou e não podemos investir antes do curso, o compromisso fica logo complicado. A menos que tenhamos feito receitas provenientes de outros sítios (….) mas como o orçamento é cada vez mais curto, a disponibilidade dessas receitas é praticamente zero, nunca é possível fazer um grande investimento.”

Por outro lado, o mecenato é praticamente inexistente porque não existe a cultura do mecenato em Portugal tal como não existe, aliás, na Europa Continental, em geral. A falta de tradição histórica do mecenato, a inexistência de uma cultura de retribuição à sociedade ou uma legislação longe de ser apelativa são as razões mais apontadas para o fraco papel que o mecenato desempenha no financiamento das IES. No que respeita à legislação é paradigmática a situação em que as IES se encontram. Como refere um dos entrevistados : “(…) (o mecenato) é um problema muito sério porque depois temos constrangimentos que nos impedem de gastar (…) não é possível porque a lei dos compromissos diz assim, só pode gastar se cabimentou primeiro, como é que isto no mecenato funciona, é difícil.”

De referir que alguns institutos superiores politécnicos vêem com desconfiança os mecenas, preferindo falar em parceria onde as duas partes saem beneficiadas “(…) procuramos sempre ver isso como parceria mais do que alguém que dá algo a alguém, é como podemos partilhar e temos uma situação de win win, os dois dão aos dois.”

De acordo com os entrevistados, o mecenato é praticado fundamentalmente por:

- uma entidade privada, a Fundação Calouste Gulbenkian, que financia projectos de investigação, publicações, congressos, etc., sem quaisquer contrapartidas para além da presença do logotipo nos eventos e publicações;

- uma fundação privada, que ajuda alunos da universidade atribuindo bolsas a alunos de 3º ano e que patrocina também projectos esporádicos ligados à vida académica;

- entidades bancárias, presentes nos campus e que fornecem os cartões magnéticos de estudante, com conta bancária associada ou não; oferecem prémios aos melhores alunos dos vários ciclos; oferecem algum montante em dinheiro; patrocinam projectos esporádicos ligados à vida académica. Estas entidades são convidadas a estar presentes em todos os eventos que patrocinam, de ver o seu logotipo e a referência ao apoio nos eventos, oferecem lugares de estágios nas áreas relacionadas com a actividade;

- entidades individuais, que fazem dádivas atípicas em geral ligadas a questões de natureza afectiva;

- entidades empresariais que dão prémios e bolsas aos alunos, patrocinam pequenos projectos, financiam congressos;

- Alumni, através de doações, da organização de jantares, festas e espectáculos e cujas receitas revestem para a instituição; todavia, esta fonte de receita ainda não é prática corrente tendo sido salientado por alguns dos entrevistados que esta prática será difícil de implementar quer porque não há, em Portugal, a cultura de retribuição perante a instituição quer porque os próprios alumni também não têm uma situação económica que lhes permita esta colaboração.

A criação de actividades comerciais dentro das IES que pudessem gerar alguma receitas também não é uma prática fácil por um lado porque a filosofia, tanto das universidades como dos institutos superiores politécnicos, não é tanto o lucro mas “(…) servir o objectivo da investigação e da formação avançada (…) ter receitas que possam ser investidas ou no aumento de material (…)” que pode ser utilizado nas aulas, para recolha de dados, etc., pelo que o preço cobrado nunca é muito elevado, “(…) o preço nunca é um bom negócio e foi pensado nessa perspectiva (…).” ; por outro lado, a legislação não é apelativa nem facilitadora já que com essas actividades as IES podem estar a fazer concorrência desleal com entidades que prestem serviços semelhantes na mesma área. Nesse sentido, um dos entrevistados destaca que poderiam desenvolver mais actividades lucrativas ou “colocar” empresas dentro da escola mas isso contraria a filosofia e missão das IES pois “não pode ser também, não vamos virar uma empresa (…) a lei também não nos permite isso, senão depois dizem que estamos a fazer concorrência desleal porque estamos a usar software mais barato, património do estado, para concorrer. Não é bem assim.

Refira-se que sobre os contratos, parcerias, protocolos de colaboração, etc., universidades e institutos politécnicos têm maior ou menor capacidade de intervenção em função da área científica e o prestígio da instituição e assumem variadas formas e natureza do financiamento: “(…)em cada projeto é estabelecido qual o montante que se consegue adquirir ou angariar ou candidatar e depois serão essas duas pessoas [representantes dos parceiros] que irão construir as equipas de trabalho e dar seguimento aos trabalhos”.

Já acima se referiu que os parceiros das IES exigem estarem representadas em termos publicitários nos diversos congressos, seminários, etc. Essa representação, frequentemente, exige exclusividade. Geralmente são estabelecidos acordos de médio e longo prazo, entre os três e os cinco anos porque as entidades consideram que é uma forma de terem retorno em termos de imagem pois essa colaboração entre bancos/empresas e IES “(…)também gera simpatia nos estudantes para com a imagem do banco e acreditamos que isso, a longo prazo, é positivo para o banco.”.

Para os entrevistados patrocinadores desse financiamento esperam que a projecção da sua imagem possa trazer dividendos e esperam, também, ter visibilidade no presente e até poderem vir a intervir e a terem uma abordagem comercial na instituição escola, por exemplo num congresso ser possível que o financiador possa contribuir com a exposição de um tema determinado ou, em caso de remodelação, que a instituição atribua o nome do financiador a uma sala ou ala da IES, etc.

Referem, ainda, que o objectivo é apoiar o desenvolvimento e a difusão do conhecimento (…) o desenvolvimento da academia naquilo que é o core, conhecimento e geração de conhecimento; [todavia] a alocação desse apoio financeiro é decidido escola a escola.”. De facto, se as IES têm autonomia para decidir onde vão aplicar o dinheiro, elas têm que apresentar os resultados dessa aplicação, uma vez que, concretamente no caso das instituições bancárias, estas entidades querem que “(…) as verbas sejam alocadas àquilo que consideramos mais relevante e que se enquadra no nosso posicionamento (…).

Interessante também é, perceber que o apoio financeiro que os patrocinadores realizam é função de características da própria instituição apoiada, sendo dado preferência a instituições de mais prestígio, de maior dimensão, com maior número de alunos e de formações, com maior capacidade de intervir no contexto local, etc.

A selecção das instituições depende, pois, de interesses próprios dos patrocinadores. Por exemplo, um dos entrevistados refere que a sua instituição (uma fundação) apoiou uma universidade ao invés de um instituto superior politécnico, por necessidade de visibilidade para a obtenção do estatuto de fundação de utilidade pública “(…) precisávamos de ter relevância porque estávamos à procura da utilidade pública, tínhamos que apresentar trabalho, digamos, e as universidade (…) a universidade tem outra dimensão, outro impacto, outra visibilidade.

O apoio directo aos alunos é realizado em função de critérios como o mérito e os rendimentos e é, em geral, resultado da escolha realizada por um júri em que participa um membro da direcção da instituição financiadora sendo, posteriormente, exigidas contas às universidades: “ (…) há esse retorno da universidade porque faz parte até do protocolo definido que é termos que saber de tudo e fazermos parte também da escolha, não é feito sem a nossa, nós somos financiadores, como é óbvio, senão nos agradar um projecto, não financiamos.

No processo de escolha dos alunos, quando fazem a selecção “(…) é tudo claro, a perspectiva não é beneficiar nem este nem aquele (…)o critério é sempre de isenção porque não conheço rigorosamente nenhum aluno, a selecção é feita de acordo com aquilo que nos parecem os trabalhos mais interessantes”.

Como se percebe do acima exposto, são diversas as situações em que as IES são forçadas a ajustar as suas práticas às exigências e necessidades dos financiadores externos, particularmente quando são entidades empresariais com fins lucrativos. Todavia, quando questionados directamente sobre a autonomia que sentem ter ou não ter neste momento, é de salientar o sentimento particamente unânime de perca de autonomia pela via do financiamento.

A esse propósito, um dos entrevistados manifesta-se referindo: “Nunca estive ao nível dos órgãos de gestão do ensino superior. Estou ao nível de uma unidade orgânica, mas tenho ideia, para as coisas que queremos fazer, que as coisas estão a mudar. Acho que a autonomia está a diminuir significativamente nos últimos anos, pelo financiamento”.

Ainda outro entrevistado refere “Portanto, a autonomia para mim hoje em dia, dito de forma abruta, é muito simples, não existe, não tenho autonomia financeira, nem científica nem pedagógica, não existe, temos uma margenzinha de autonomia, para mim não existe. Para mim é manifestamente excessivo, ser logo quando se publica o RJIES atualmente em vigor e de certeza que será igual o próximo, o primeiro paragrafo introdutório da lei é a autonomia das instituições, é uma falácia, para mim não existe.”.

Outro dos entrevistados, refere-se também à inexistência de autonomia, em virtude, fundamentalmente, da questão financeira. Nas suas palavras “Que autonomia é que existe desta maneira? Autonomia financeira, zero, porque os saldos são cativados, não podemos gastar, não podemos fazer planos de investimento, não podemos fazer nada, a partir do momento em que não há autonomia financeira, toda a outra autonomia, pode ser filosoficamente muito bonita mas cai logo de raiz.

Outro dos entrevistados refere-se, deste modo, à autonomia: “Sinto que tenho alguma autonomia para gerir as migalhas porque o que fazemos é, de acordo com aquilo que nos é dado, de acordo com aquilo que a escola gere em termos de receitas próprias, daquilo que a escola consegue efectivamente amealhar ao longo do ano, temos efectivamente autonomia para empurrar aquilo um bocadinho mais para a investigação, um bocado mais para lá, mas é tudo tão pouco que é uma autonomia de meter o nariz de fora para conseguir respirar, estar vivo, portanto, é difícil.

Tendo em atenção as respostas dos entrevistados, existe uma consciência clara de que a autonomia das IES se encontra muito limitada pela via do financiamento, sendo que tal se repercute a todos os níveis da vida académica, mesmo em termos pedagógicos dado que a aquisição de novos materiais de ensino, equipamentos, etc. é inviabilizada pela via do financiamento. Existe, também, uma consciência clara de que esta perda de autonomia decorre não apenas pela quebra de financiamento como pela burocracia envolta que a tutela impõe e que dificulta a gestão autónoma do pouco que existe. Como se queixa um dos entrevistados: “Não existe, para mim, não existe. Existe autonomia em doses muito reduzidas. Não sei se o que vou dizer tem valor, vou especular, somos o único país da europa, do mundo, por exemplo, faço uma alteração num plano de estudos que está aprovado e esse plano de estudos tem que ser publicado em DR (Diário da República), isto é autonomia?”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto, verifica-se que as IES portuguesas acompanham as tendências mundiais no que respeita às formas que as receitas próprias podem assumir, seja na forma de prestação de serviços, oferta de formação, aluguer de espaços e/ou equipamentos e, em menor grau, mecenato. No entanto, em face da conjuntura económica actual, em parte expressa na lei de contenção orçamental, as IES têm dificuldades de gestão destas receitas, tanto ao nível da recepção como ao nível da sua aplicação, uma vez que o aparato legislativo contradiz-se, sobrepõe-se e limita a acção das IES neste sentido.

Um outro factor ainda relacionado com a conjuntura económica resulta do facto de alguns dos serviços e alugueres prestados são-no de forma graciosa, uma vez que as empresas da região também se encontram em dificuldades económicas, pra além de que a obtenção de lucros se afasta, para os entrevistados, da missão crucial da educação havendo mesmo dirigentes que são contra estes financiamentos.

Também para alguns dos entrevistados, a diversificação de fontes de financiamento deve ser realizada de forma prudente e cautelosa porque, se é verdade que pode dar dinamismo a uma instituição, também é verdade que pode acentuar as desigualdades pois é mais fácil para as instituições maiores, mais robustas, com maior número de alunos conseguirem mais fundos do que ao contrário.

No que respeita ao mecenato, apesar de ser ainda muito incipiente, vão existindo pequenas iniciativas. De acordo com a classificação de Wright (2002), os mecenas portugueses parecem assumir as duas formas: por um lado, a fundação que se enquadra no altruísmo inglês, de dar sem esperar retorno; por outro lado, as entidades bancárias enquadram-se mais na generosidade americana, pois estas entidades dão mas têm um interesse, a banca e os potenciais clientes.

De referir que se configura nesta procura de novas fontes de receita por parte das IES o aumento das desigualdades entre elas indo ao encontro de Ball & Youdell (2007) porque as instituições mais beneficiadas são as mais robustas, aquelas que têm, geralmente nome e prestígio podendo ocorrer, portanto, o fenómeno creaming para o qual Froelich alerta (1999).

Da investigação pode concluir-se sobre a progressiva desresponsabilização do estado no financiamento da educação superior e sobre o aparato burocrático e legal que empurram as IES no sentido da privatização. De facto, a lei de bases do financiamento do ensino superior (Lei n.º 37/2003 de 22/8, com alterações depois na Lei n.º 49/2005 de 30/8) estimula as IES na procura activa de receitas e mudança jurídica da instituição. Aliás, uma das opções disponibilizadas pelo novo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (REGIES) IES tem vindo a ser a constituição das IES em fundações privadas (Cabrito, 2011), o que lhes permite maior liberdade de movimentos na aquisição e gestão das receitas próprias.

Para terminar, destacamos o facto de os entrevistados concordarem com a progressiva perda de autonomia aos diversos níveis pela via do financiamento, seja pela diminuição do papel do estado nesse financiamento seja pela dificuldade em diversificar fontes de receitas e em utilizar as entretanto obtidas.

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