PLANO DE CARREIRA E REMUNERAÇÃO DOCENTE DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA DO ESTADO DE RONDÔNIA: APROXIMAÇÕES INICIAIS
Resumo:O presente artigo tem como objetivo analisar o plano de carreira e remuneração dos docentes da rede estadual em Rondônia, instituído em 2012. A análise considerará a estrutura, a movimentação e a amplitude na carreira, por meio da observação da composição da jornada de trabalho e da dispersão entre o vencimento inicial e final. Trata-se de um recorte da Pesquisa Nacional em Rede “Remuneração de Professores de Escolas Públicas de Educação Básica no contexto do FUNDEB e do PSPN”, do Programa Observatório da Educação. A metodologia utilizada foi a análise bibliográfica e documental, tendo como referencial teórico o materialismo histórico e dialético. Os resultados apontam os desafios de se instituir um plano de carreira docente que valorize o professor e apresente uma carreira atrativa.
Palavras-chave: Piso Salarial Profissional Nacional; Plano de carreira; Valorização do professor.
INTRODUÇÃO
No contexto da implantação de duas políticas públicas nacionais, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), Lei 11.494/1997, e o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN), Lei 11.738/2008, apresenta-se como objeto de estudo desse artigo o Plano de Carreira e Remuneração (PCR) dos docentes da educação básica pública do estado de Rondônia.
O objetivo desse trabalho, que apresenta um recorte da Pesquisa Nacional em Rede denominada “Remuneração de Professores de Escolas Públicas de Educação Básica no contexto do FUNDEB e do PSPN”A pesquisa é financiada pelo Edital n. 49, da CAPES e coordenada nacionalmente pelos Professores Marcos Edgar Bassi (UFPR), Rosana Maria Gemaque Rolim (UFPA) e Maria Dilnéia Espíndola Fernandes (UFMS). , é analisar a Lei Complementar 680, de 07 de setembro de 2012 (RONDÔNIA, 2012), a qual dispõe sobre o Plano de Carreira, Cargos e Remuneração (PCCR) dos profissionais da educação básica do estado de Rondônia frente à legislação e às normas superiores que orientam sua elaboração, a partir de três eixos de análise estabelecidos por Rolim e Gutierres (2015): a) estrutura, movimentação e amplitude na carreira; b) composição da jornada de trabalho e c) dispersão entre o vencimento inicial e final na carreira.
O texto foi organizado em duas seções: a primeira traz uma breve caracterização do perfil e do contexto histórico e legal do Estado brasileiro, a fim de compreender a materialização da obrigatoriedade dos PCCRs na agenda de estados e municípios; a segunda apresenta a sistematização e a descrição das especificidades do PCR do estado de Rondônia para os professores da educação básica pública no tocante aos eixos supramencionados, destacando as particularidades do objeto em nível stricto.
BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E LEGAL
Em contexto neodesenvolvimentista, o Estado, nos anos 2000, buscou sustentar ações que favorecessem a inclusão social, no intuito de superar as desigualdades, a partir da reconstituição do Pacto Federativo e da reversão das consequências da agenda neoliberal no Brasil (OLIVA, 2010). Essas ações materializaram importantes mudanças no plano das políticas públicas em educação, percebidas nas alterações que provocaram na Constituição Federal/1988 (CF/1988) e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9.394/1996, assim como na criação do FUNDEB, em substituição ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
Segundo Arelaro e Fernandes (2015, p. 179), tais mudanças, inclusive as somadas pela Emenda Constitucional 53 (BRASIL, 2006), incluíram “[...] na agenda de estados e municípios, a obrigatoriedade de Planos de Cargos, Carreira e Remuneração para o Magistério (PCCRs), o que deu concretude aos dispositivos de valorização do magistério [...]” tanto na CF/1988 quanto na LDBEN 9.394/1996.
No entanto, no contexto de Rondônia, o poder público estadual só aprovou a Lei Complementar 680 (RONDÔNIA, 2012) quase três anos após o limite estabelecido pela Lei do PSPN e um ano e meio depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) considerá-la constitucional Os governadores dos estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Pará, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Ceará propuseram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.167), a fim de questionar a validade da Lei do PSNP, quanto “[...] ao conceito de Piso, refere-se a vencimento ou remuneração global, e à fixação de tempo mínimo para dedicação a atividades extraclasse em 1/3 da jornada.” (BRASIL, 2011, p. 2). Em 27 de fevereiro de 2013, os argumentos foram derrubados por 8 votos a 1 no STF. No entanto, os governadores de Rio Grande do Sul, Ceará, Santa Catarina e Mato Grosso propuseram um recurso, no qual pediam “[...] modulação temporal dos efeitos de declaração de constitucionalidade.” (BRASIL, 2013b, p. 1), novamente negado. Reforçou-se, nessa decisão, que os efeitos da Lei contavam a partir de 27 de abril de 2011, conforme a decisão do STF. , fato que tornou obrigatório a implantação do PSPN e da jornada de trabalho por ele instituída a partir de 27 de abril de 2011, a todo ente federativo.
No Brasil, uma República Federativa, constatam-se garantias de direitos, entre suas unidades subnacionais, estaduais ou municipais, tais como: autonomia decisória; interdependência entre os governos de iguais ou diferentes níveis; espaços públicos de deliberação, negociação e decisão; espaços de representação política e controle mútuo (ABRÚCIO, 2010). Todavia, nem sempre, de fato, ocorre a elaboração de políticas públicas que possam ser plenamente executadas por todos, mesmo na presença de garantias legais para tanto, devido às divergências de interesses e a competitividade encontrada entre os governos das unidades subnacionais.
Ao refletir sobre a lei como sistema normativo que cria, modifica ou extingue direitos e as normas como regulamentadoras do especificado nas leis, o Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE)/Câmara de Educação Básica (CEB) n. 18, alerta:
[...] a administração pública não é livre para tratar dos seus interesses, porque há rígidos princípios que ela é obrigada a seguir. O principal destes princípios é o da legalidade que, em poucas palavras, é o princípio que afirma que a Administração, quando deseja qualquer ação ou omissão, só pode concretizar sua vontade se há lei que, expressamente, comande a ação ou omissão desejada. Este princípio, igualmente, vale quando o assunto que a administração resolve abordar são os servidores públicos. (BRASIL, 2013a, p. 5).
Esse alerta se torna importante, pois, no processo de reiterar o aparato jurídico de instâncias superiores nos diferentes entes federados, as substituições linguísticas e teóricas “[...] alteram concepções e proposições político-educativas.” (NASCIMENTO, 2006, p. 79).
Dessa forma, a depender das condições materiais de cada estado, a garantia de autonomia e a descentralização de políticas públicas, sem uma instância maior que os articule, podem incorrer, segundo Saviani (2014), na cristalização de suas deficiências e em uma condição de isolamento, contrariamente ao que pretensamente se buscava: o fortalecimento e a articulação dos entes federados.
O PCR PARA O MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA DE RONDÔNIA
Apresenta-se, neste tópico, para uma melhor compreensão das especificidades encontradas em Rondônia, uma breve descrição do PCR para os professores da educação básica da rede pública, sistematizado nesse estado.
Quanto à estrutura, movimentação e amplitude na carreira, o PCR de Rondônia está estruturado em três cargos, professor A, B e C, sendo o enquadramento relacionado ao nível de formação do professor. A classe A, refere-se aos professores formados em nível médio, na modalidade normal, e a classe B aos formados em cursos superiores de licenciatura curta. Contudo, os cargos A e B são considerados em extinção e não serão providos após vacância. A classe C refere-se à formação em cursos superiores de licenciatura plena, bacharel ou licenciado em Pedagogia, com habilitação em administração, supervisão ou orientação educacional.
Tal organização foi efetuada levando em consideração a investidura dos docentes nos cargos antes da vigência do atual PCR, e se relaciona às possibilidades de exercício do magistério conforme a natureza e a complexidade das atribuições e a escolaridade do profissional. Desse modo, os professores da classe A podem atuar na Educação Infantil (ou pré-escolar), no Ensino Fundamental, do 1° ao 5° ano, e, excepcionalmente, em função pedagógica e/ou administrativa, no 5º ao 9º ano e Ensino Médio. Os professores da classe B, no 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental e, também, excepcionalmente, do 1º ao 3º ano do Ensino Médio, caso tenham formação complementar e compatível com a habilitação. Por fim, os professores da classe C podem atuar em áreas específicas do currículo escolar, sendo que os bacharéis ou licenciados em Pedagogia, com habilitação em administração, supervisão e orientação escolar, atuarão exclusivamente nessas áreas. O PCR prevê, ainda, o escalonamento, variando entre as referências 1 a 16.
Tem-se, assim, o cargo de profissionais do magistério organizados por título (nível médio, licenciatura curta, licenciatura plena com ou sem habilitação específica para os pedagogos) em três classes (A, B, C), distribuídos entre as referências 1 a 16, excluindo-se a titulação acadêmica em nível Lato Sensu (especialização) e Stricto Sensu (mestrado e doutorado) como meio de movimentação em carreira, pois reverte benefício apenas sob forma de gratificação por titulação não cumulativa, para professores classe C. Considera-se, para tanto, o maior título, remunerado em percentuais de 15%, 20% e 25%, respectivamente.
O ingresso se dá por meio de concurso público de provas e títulos e permite movimentação na carreira, a qual implica mudança de cargo, por promoção funcional, mediante apresentação de titulação e requerimento do interessado, ou por progressão funcional na carreira, entre as referências de 1 a 16, de modo automático, a cada dois anos.
Contudo, o PCR apresenta vários impeditivos para progressão funcional. Caso, no interstício (dois anos), for constatado: a) 5 ou mais ausências anuais injustificadas; b) resultado da avaliação sistemática; c) afastamento das atribuições específicas do cargo, exceto por convocação para exercício de atividades comissionadas ou de chefia nas unidades administrativas da Secretaria de Estado da Educação, cargo de direção superior no Governo do Estado de Rondônia e nos municípios ou em mandato eletivo do Magistério Público Estadual; d) licenças sem remuneração; e) em disponibilidade remunerada; f) suspensão disciplinar; g) licença médica superior a sessenta dias por biênio, exceto as previstas por lei; h) prisão determinada por autoridade competente.
As avaliações de desempenho citadas como fator que pode impedir o docente de ser promovido, segundo o PCR, seriam regulamentadas por Decreto específico, com previsão de publicação até setembro de 2013. No entanto, até a data da elaboração do presente artigo, tal decreto não havia sido promulgado.
No que se refere à amplitude da carreira, ao “[...] tempo compreendido entre o início e o fim da carreira, representado pelo menor e o maior escalonamento de um cargo.” (ROLIM; GUTIERRES, 2015, p. 214), depreende-se, a partir do PCR em análise, que para atingir a referência 16 de cada classe, seriam necessários 33 anos de exercício do magistério, contando os três anos do período probatório (referência 1) e desde que nenhuma intercorrência interrompesse a contagem do interstício de dois em dois anos.
Quanto à análise da composição da jornada de trabalho, a LC 680/2012, no art. 66, incisos I a III, a apresenta sob três formas: parcial de 20 horas semanais; integral de 25 horas semanais, apenas para professores integrantes da classe A; e integral de 40 horas.
Assim, o referido artigo, nos parágrafos 1º ao 8º, organiza as jornadas de trabalho supramencionadas e o tempo destinado às atividades extraclasse A Lei 11.738 (BRASIL, 2008) não faz menção a um termo que designe as horas de atividade docente referentes à complementação dos 2/3 da jornada de trabalho em interação com o educando. O Parecer CNE/CEB 24 (BRASIL, 2009a), refere-se ao 1/3 da jornada de trabalho como “atividades complementares”. O momento aparente em que se convenciona formalmente a denominá-la “atividade extraclasse” parece localizar-se com a homologação do Parecer CNE/CEB 9 (BRASIL, 2009b) e reafirmado no Parecer CNE/CEB 18 (BRASIL, 2013a). , conforme proposto pelo PSPN, considerando a formação docente, a função docente e a carga horária de docência, sem fazer menção a essa denominação. E, no § 9º, estabelece o módulo aula como equivalente à uma hora (sessenta minutos).
Frente à organização da carga horária total da jornada de trabalho do professor, pode-se depreender que as horas para atividades extraclasse são variáveis, sendo que houve, em relação ao PCR anterior, LC 420 (RONDÔNIA, 2008), de modo geral, a manutenção desse percentual como orienta a Resolução CNE/CEB 2, art. 4º, Inciso VII (BRASIL, 2009c).
Ao cotejar as Leis Complementares citadas, observa-se o ganho atual de duas horas em atividades extraclasse para professores 40 horas das classes B e C e perda de três horas para o professor com jornada de 20 horas, atuantes na primeira etapa do Ensino Fundamental, Educação Infantil e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Assim, pode-se questionar a forma com que foi organizada e dividida a carga horária do profissional docente em Rondônia, uma vez que se distribui de maneira desigual o direito ao tempo para executar atividades extraclasse, garantido em lei e considerado essencial para a qualidade da ação docente e da educação. Ademais, o próprio entendimento do se que pode ser considerado como atividade extraclasse entra em conflito com o que preconiza outros dispositivos legais, pois inclui, nessas atividades, o reforço escolar, que pode ser realizado em espaço físico e horário distinto de onde se dá a regência de classe.
Nesse sentido, destaca-se o art. 2º, §4º da Lei 11.738, “Na composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos.” (BRASIL, 2008, grifo nosso).
Compreende-se que esse parágrafo, ao indicar o tempo máximo de trabalho com atividades de interação com os alunos, as exclui, consequentemente, do 1/3 da carga horária destinada para atividades extraclasse.
Ao recorrer à Resolução CNE/CEB 2, art. 4º, Inciso VII (BRASIL, 2009c, grifos nosso), observa-se o seguinte princípio:
jornada de trabalho preferencialmente em tempo integral de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais, tendo sempre presente a ampliação paulatina da parte da jornada destinada às atividades de preparação de aulas, avaliação da produção dos alunos, reuniões escolares, contatos com a comunidade e formação continuada, assegurando-se, no mínimo, os percentuais da jornada que já vêm sendo destinados para estas finalidades pelos diferentes sistemas de ensino, de acordo com os respectivos projetos político-pedagógicos.
A Resolução em questão não define como atividade extraclasse aquelas realizadas em interação com o aluno, um posicionamento reafirmado no Parecer CNE/CEB 18 (BRASIL, 2013a, p. 22), quando registra “[...] em uma jornada de 40 horas semanais, independentemente da unidade de tempo que as compõem para os estudantes (60 minutos, 50 minutos e 45 minutos) 26,66 destas serão destinadas à interação com educandos e as demais 13,33 para atividades extraclasse”, do que se depreende que a carga horária de atividades deve apresentar 2/3, no máximo, de atividades com a presença do aluno e 1/3, no mínimo, sem a presença do aluno, composta por atividades de “[...] trabalho coletivo – reuniões escolares, contatos com a comunidade e formação continuada – e de trabalho individual do professor – preparação das aulas e avaliação da produção dos alunos.” (ABREU, 2013, p. 105).
Definindo como ficariam essas atividades de ações docentes em Rondônia, tem-se no PCR atual, art. 65, Parágrafo único, “[...] observar-se-á o limite de 2/3 (dois terços) da carga horária para o desempenho das atividades de docência.” (RONDÔNIA, 2012, grifos nosso).
Percebe-se que houve a substituição da expressão “interação com educandos” pela expressão “atividade de docência”. No entanto, ainda que a primeira esteja implicada na segunda, uma não pode ser substituída pela outra, sob o risco de reduzir ao que se nomeia cotidianamente como “dar aulas”, o que implica a presença do aluno durante o período para o qual está matriculado, todo o conjunto de ações docentes, que envolvem, além da regência de classe, outras atividades inerentes à profissão docente e que são desenvolvidas pelo professor sem a presença do aluno.
No Parecer CNE/CEB 18 (BRASIL, 2013a, p. 27, grifos do autor), as atividades extraclasses são para:
Estudo: investir na formação contínua, graduação para quem tem nível médio, pós-graduação para quem é graduado, mestrado, doutorado. Sem falar nos cursos de curta duração que permitirão a carreira horizontal. Sem formação contínua o servidor estagnará no tempo quanto à qualidade do seu trabalho, o que comprometerá a qualidade da Educação, que é direito social e humano fundamental;
Planejamento: planejar as aulas, da melhor forma possível, o que é fundamental para efetividade do ensino;
Avaliação: corrigir provas, redações etc. Não é justo nem correto que o professor trabalhe em casa, fora da jornada sem ser remunerado, corrigindo centenas de provas, redações e outros trabalhos.
Têm-se então cinco diferentes situações estabelecidas no PCR de Rondônia, para os professores:
1) jornada de 20 horas, classes C e B: 13 horas de interação com o aluno. É a única que não atingiria o máximo previsto na legislação, 13,33 horas;
2) jornada de 20 e 25 horas e formação para atuação no 1º ao 5º ano EF regular: não têm qualquer especificação, no PCR, quanto ao limite da carga horária de interação com os aluno;
3) integrantes das classes C e B, com formação para atuação do 6º ao 9º ano EF e EM: na jornada de 40 horas, 27 horas de interação com os alunos, quando o máximo seria 26,66 horas, segundo o PSPN; na jornada de 25 horas, 17 horas de interação com alunos, o que difere do máximo de 16,66 horas previstos pela Lei do Piso;
4) com formação docente para atuação nos primeiros anos do Ensino Fundamental, Educação Infantil e EJA seriado (do 1º ao 4º ano EF): pelo PCR, 20 horas de interação com alunos, nas jornadas de 25 ou 20 horas, enquanto pelo PSPN deveriam ser, respectivamente, 16,66 e 13,33 horas;
5) com formação docente para atuação nos primeiros anos do Ensino Fundamental, Educação Infantil e EJA seriado, com jornada de 40 horas: aparentemente, teriam a maior valorização docente ao se observar a garantia de 20 horas (50% da carga horária) para interação com o aluno, enquanto que, para o PSPN, seriam, no máximo, 26,66 horas. Todavia, há de se observar que, do total de horas reservadas para atividades extraclasse, 7 horas são destinadas para reforço escolar, que, embora possa ser feito em espaço físico e horário distinto da sala de aula onde se dá a regência de classe, é uma atividade de interação com o aluno.
Ainda que seja um fazer específico da docência, o reforço escolar não se adéqua ao tipo de atividade descrito na legislação a ser desenvolvida na hora-atividade, período de tempo destinado ao estudo, planejamento e avaliação. Dessa forma, em Rondônia, com 0,34 horas a menos por semana, esse professor perde parte da conquista de sua valorização profissional. Embora a atividade de reforço possa ser considerada uma necessidade, esta não pode ser realizada à custa do direito do docente às horas extraclasse e apenas em benefício de alguns alunos, em detrimento de todos os outros da mesma sala e em nome da qualidade na educação.
Sob essa ótica, o Parecer CNE/CEB 24 (BRASIL, 2009a) traz o posicionamento legal referente à consulta sobre implantação de projeto de reforço escolar, especificando a necessidade da observância: a) do direito do aluno; b) do direito do professor; e c) da forma e competência do ente federado em proceder à regulamentação. Assim, estabelece, para o primeiro caso, que a “[...] recuperação da aprendizagem é um direito do estudante e obrigação do sistema de ensino.” (p. 2, grifo do autor); para o segundo caso, que “[...] os profissionais do magistério público da Educação Básica têm o direito de ter 1/3 de sua jornada de trabalho reservados para o desenvolvimento de atividades complementares à sala de aula [...]” (p. 2, grifo do autor); e, por fim, quanto à forma e competência do ente federado para regulamentar, afirma que os municípios, e por indução os estados, “[...] devem estabelecer normas complementares [...] adequadas ao melhor funcionamento de seus respectivos sistemas [...] elaboradas de forma democrática com suas escolas e docentes [...]” (p. 3, grifo do autor).
No caso dos alunos, as aulas para o período em que foi matriculado seriam parte da garantia mínima de padrão de qualidade, em atendimento ao inciso IX, art. 4º da LDBEN 9.394 (BRASIL, 1996) e as aulas de reforço integrariam o atendimento obrigatório de estudos de recuperação, a serem disciplinados pelas unidades de ensino, em seus respectivos regimentos internos, conforme a alínea “e”, inciso V, art. 24, da Lei supramencionada.
Dessa forma, o ente federado, a partir da legislação em seu âmbito de responsabilidade, propõe-se a cumprir o limite de 2/3 para o desempenho da atividade de docência, e o faz, embora não especificando se esse limite é máximo ou mínimo, uma vez que, ao registrar “para a atividade de docência”, diferentemente do exposto no PSPN que denomina “atividade de interação com o aluno”, entra em clara contradição com a legislação federal. Assim, ao passo que apresenta o ganho aparente de manter a conquista da hora-atividade no PCR/2012, no embate das correlações de forças o professor acaba perdendo a garantia de seus direitos.
Tal análise merece maior aprofundamento e seria melhor explicitada no tocante às ações de valorização profissional do professorado tanto com o levantamento da historicidade para a materialização dessa legislação no ente federado, quanto da análise da garantia de fato, considerando a prática da distribuição de aulas e organização dos tempos e espaços escolares nas unidades de ensino, a partir de orientação da Secretaria de Estado da Educação.
Por fim, de acordo com o proposto nesse tópico, analisaremos a dispersão entre o vencimento inicial e final na carreira, que se refere à “[...] distância entre a menor e a maior remuneração que correspondem, respectivamente, ao início e ao fim da carreira de uma determinada categoria profissional.” (DUTRA JÚNIOR et al., 2000, p. 131).
Para essa análise, o cálculo foi efetuado em relação à progressão e à promoção na carreira para uma mesma jornada de trabalho. No primeiro caso, o cálculo da dispersão percentual relativa subtraiu do valor máximo do vencimento na classe (referência 16), o valor mínimo (referência 1), dividido pelo valor mínimo e multiplicado por 100 (cem). No segundo, buscou-se realizar o cálculo para uma mesma jornada ao estabelecer a diferença entre o valor máximo (vencimento final – referência 16 para professor com educação superior, licenciatura plena) e valor mínimo (vencimento inicial referência 1 – formação em nível médio – modalidade Normal), conforme pode ser observado na Tabela 1.
Tomou-se como referência os valores afixados na LC 680/2012, de acordo com a tabela de vencimentos dos profissionais do magistério, para a qual, segundo o art. 75, “O intervalo entre as referências corresponderá a 2% (dois por cento).” (RONDÔNIA, 2012, p. 9).
Tabela 1 – Dispersão entre o vencimento inicial e final por formação, classe e carreira do professor, Estado de Rondônia, 2012. | ||||||
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Classe / Jornada de trabalho (h) | Titulação | Valor das referências inicial e final | Dispersão | Dispersão total | ||
Ref -01 | Ref -16 | Carreira 20 h | Carreira 40 h | |||
A e B / 40 | Nível médio e licenciatura curta | 1.451,18 | 1.886,53 | 29,99% | 70,63% | 70,63% |
A e B / 20 | 725,59 | 943,27 | 30% | |||
C / 40 | Educação superior e licenciatura plena | 1.904,78 | 2.476,22 | 30% | ||
C / 20 | 952,39 | 1.238,11 | 30% | |||
C / 25 | 1.190,49 | 1.547,64 | 30% |
Os valores percentuais de dispersão, em relação à progressão, são os mesmos (30%) para as diferentes classes, bem como os percentuais de dispersão total, para a carreira nas jornadas de 20 e 40 horas (70, 63%).
Ao longo de sua carreira, a diferença salarial no vencimento se dará em 30%, ao passo que, para o professor de nível médio com promoção seria ao final da carreira de até 70%, a depender do tempo de serviço em que a promoção se deu. Entretanto, destaca-se que essa vantagem dar-se-á apenas para as classes A e B, pois o cargo estará em extinção quando da sua vacância, atenuando o impacto na folha pela quantidade dos profissionais que a onerariam com a promoção. Isso posto, os valores pecuniários acrescidos na carreira pela promoção são insignificantes em relação ao vencimento básico do magistério.
Esses resultados de dispersão parecem não organizar uma carreira com atratividade, já que não incluem, por exemplo, a possibilidade de promoção por titulação (Lato e Stricto Sensu) para o professor, em especial para aquele com formação inicial em educação superior com licenciatura plena, pois a retribuição se faz por meio de gratificação.
Recorrendo à Resolução CNE/CEB 2 (BRASIL, 2009c), art. 5º, inciso V, encontra-se a seguinte diretriz:
diferenciar os vencimentos ou salários iniciais da carreira dos profissionais da educação escolar básica por titulação, entre os habilitados em nível médio e os habilitados em nível superior e pós-graduação lato sensu, e percentual compatível entre estes últimos e os detentores de cursos de mestrado e doutorado;
Esse é um aspecto que o PCR de Rondônia deixa a desejar em sua proposta de valorização dos professores da Educação Básica pública estadual.
À GUISA DE CONCLUSÃO
A educação, em sua totalidade, e a carreira do professor, especificamente, parecem ser áreas não priorizadas pelo poder público, a ponto de serem enfrentadas com vistas à conquista da qualidade a que se propõe.
Frente aos objetivos e eixos de análise estabelecidos, o presente estudo aponta que o plano vigente, no contexto de Rondônia, atende a necessidade de reformulação da lei, porém em detrimento de algumas diretrizes que favoreceriam a valorização do professor, como é o caso da ausência de promoção por titulação em pós-graduação, em especial para o professor graduado em educação superior com licenciatura plena.
Outro aspecto observado foi em relação à jornada de trabalho, que revela, em suas contradições, ganhos, perdas e desafios para a efetivação do direito das horas reservadas às atividades de interação com os alunos e às atividades extraclasse. Ainda que se aproxime das formas de jornada de trabalho estabelecidas pela lei em âmbito nacional, não cumpre plenamente o princípio legal de 2/3 da carga horária, no máximo, para atividade de interação com o aluno. Ao retirar do professor um direito estabelecido pela União, em contradição com a orientação de âmbito federal quanto à concepção e proposição político-educativa, apresenta aos docentes uma carreira com pouca atratividade.
No contexto do estado de Rondônia, assim como nas demais unidades da federação, está em curso, nesse momento histórico, o alinhamento dos Planos Estaduais de Educação ao Plano Nacional de Educação (PNE) com vistas à construção do Sistema Articulado de Educação.
Diante disso, disputas estarão sendo travadas, certamente, no âmbito da elaboração das políticas educacionais locais, em interseção com as políticas oriundas da esfera nacional. Entre tais disputas, a temática da remuneração docente vem ganhado centralidade, a partir das alterações que, necessariamente, a LC 680 (RONDÔNIA, 2012) está tendo que enfrentar diante da Meta 17 do PNE e de sua estratégia 17.3. Esses aspectos estão relacionados à questão da autonomia dos entes federados que, segundo Saviani (2014), revelam efeitos distintos do esperado ao longo da história e das condições atuais, indicando a necessidade de articulá-los no todo como forma de propiciar fortalecimento às instâncias locais, evitando-se isolá-los sob o risco de constatar cristalização de suas deficiências.
A busca pelo fortalecimento e concretização da organização do Sistema Nacional de Educação enquanto conjunto coerente e operante, que age intencionalmente em consonância com a ideia do Plano Nacional de Educação, implicaria a ação sistematizadora das atividades intencionais, planejadas, com vistas a atingir determinados fins previamente diagnosticados e a consequente valorização do professor.
REFERÊNCIAS
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ABRÚCIO, L. F. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnósticos e propostas de aperfeiçoamento. In: OLIVEIRA, R. P. de; SANTANA, W. (Orgs.). Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNESCO, 2010.
ARELARO, L. R. G.; FERNANDES, M. D. E. O FUNDEB no contexto das relações federativas brasileiras: implicações para a valorização docente. In: GOUVEIA, A. B.; PINTO, J. M. de R.; FERNANDES, M. D. E. Financiamento da Educação no Brasil: os desafios de gastar 10% do PIB em dez anos. Campo Grande, MS: Oeste, 2015. p. 177-198.
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______. Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições constitucionais transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2006.
______. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb [...] e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 jun. 2007.
______. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Brasília, 2008. Disponível em:
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