COLABORAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL NO PLANEJAMENTO EDUCACIONAL DO MUNICÍPIO DE RIACHUELO/RN
Resumo:O artigo objetiva analisar a colaboração intergovernamental estabelecida entre o município de Riachuelo/RN e o governo federal no tocante a adesão ao PDE/Plano de Metas e elaboração do Plano de Ações Articuladas – PAR. Para tanto, utilizamos os procedimentos de análise documental, pesquisa bibliográfica e análise de entrevistas realizadas com membros da equipe local municipal de elaboração do PAR. A pesquisa revelou que a colaboração materializada a partir dos Planos pode ser melhor compreendida como sendo uma colaboração que vem do centro já que se trata de uma política concebida pelo governo central. A participação desses se deu na adesão à proposta já elaborada e no compromisso assumido de alcançar as metas definidas pela União.
Palavras-chave: Relações intergovernamentais; Colaboração intergovernamental; Planejamento Educacional.
Este artigo resulta de estudos desenvolvidos no âmbito do projeto de pesquisa intitulado “Avaliação do Plano de Ações Articuladas: um estudo nos municípios do Rio Grande do Norte, Pará e Minas Gerais, no período de 2007 a 2012”, financiado pelo programa Observatório da Educação/Capes. Objetiva analisar a colaboração intergovernamental estabelecida entre o município de Riachuelo e o governo federal no tocante a adesão ao PDE/Plano de Metas e elaboração do Plano de Ações Articuladas – PAR.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado pelo governo federal em 2007, tem como principal objetivo melhorar a qualidade da educação brasileira, em todos os níveis e modalidades. O PDE é operacionalizado pelo Decreto 6094 de 24 de abril de 2007, o qual dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. O referido Plano de Metas fixa vinte e oito diretrizes como metas para a melhoria da qualidade da educação a serem alcançadas por meio da colaboração entre os entes federados, bem como da participação das famílias e da comunidade. Visando cumprir as metas do Compromisso, em seu Art. 9º, o Decreto estabelece o PAR como instrumento de planejamento a ser elaborado em regime de colaboração entre os entes da federação visando a assistência técnica e financeira por parte do MEC aos municípios. Trata-se de uma discussão pertinente, haja vista a interdependência cada vez mais necessária entre os entes federativos para a implementação de políticas públicas nas áreas sociais, sobretudo no que se refere à educação, em razão das competências comuns à estados e municípios, bem como a função supletiva da União nesta área.
O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL NO CONTEXTO DO FEDERALISMO BRASILEIRO: O PDE/PLANO DE METAS E O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS
O sistema educacional brasileiro tem primado por uma organização descentralizada da educação. No caso da educação básica, este nível de ensino está organizado por 26 sistemas estaduais de educação, 1 distrital e 5.565 sistemas municipais, com autonomia para legislar e baixar normas. Essa diversidade de sistemas autônomos faz com que o atendimento educacional pelas distintas redes de ensino seja bastante diferenciado entre elas.
Na tentativa de minimizar as disparidades, o Art. 211 da Constituição Federal de 1988 institui para o campo educacional o regime de colaboração entre os entes federados e determina como competências da União as funções redistributiva e supletiva no tocante à educação, de modo a garantir a equalização de oportunidades e um padrão mínimo de qualidade mediante assistência técnica e financeira deste ente aos estados e municípios. Esse pode ser considerado uma tentativa de efetivar o pacto federativo, haja vista que a transferência de recursos e assistência técnica constituem-se numa das bases da cooperação no regime federalista O Federalismo é uma forma de organização político-territorial no qual coexistem diferentes níveis de governo que gozam de relativa autonomia. De acordo com Elazar (1987) o federalismo é um pacto, um tratado de confiança e de respeito estabelecido entre os entes e composto por regras partilhadas e regras autônomas. Uma das características dos sistemas federais, como o brasileiro, é a existência de unidades federadas distintas com autonomia para formular políticas próprias, bem como influenciar na formulação das políticas advindas do governo central. .
Em 2007, o governo federal lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), cujo principal objetivo é melhorar a qualidade da educação brasileira em todos os níveis e modalidades, tendo como um de seus pilares de sustentação o regime de colaboração. O PDE foi divulgado à sociedade como a reunião de diversos programas e ações federais, alguns novos e outros já em funcionamento, tendo sido acrescentadas ao Plano, novas ações desde sua criação, em 2007.
O PDE é operacionalizado pelo Decreto Federal 6.094 de 24 de abril de 2007. Denominado Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o Decreto fixa vinte e oito diretrizes como metas para a melhoria da qualidade da educação a serem alcançadas em colaboração com estados, Distrito Federal e municípios, junto com a participação das famílias e comunidade. Ao assinarem o termo de adesão voluntária, previsto no Art. 4º do Decreto, os entes federados assumem a responsabilidade de implementar as diretrizes do Plano de Metas visando promover a melhoria da qualidade da educação básica em sua esfera de competência, a qual será aferida por meio da evolução do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb.
A assinatura do termo credencia municípios, estados e distrito federal a receberem apoio técnico e financeiro do MEC. No tocante ao apoio financeiro, esse se trata das transferências voluntárias da União à municípios e estados, excetuando-se, portanto, as transferências decorrentes de determinação constitucional ou legal. Destaca-se que qualquer transferência financeira voluntária do MEC aos municípios e estados posterior ao lançamento do PDE, passa a estar condicionada à adesão do ente ao Plano de Metas.
Para receber o apoio da União, é necessário a elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR), previsto no Art. 9º do Decreto. O Plano é um “[...] conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, que visa o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes” (BRASIL, 2007). Ou seja, trata-se de um instrumento de planejamento e de gestão de caráter plurianual Municípios e estados elaboraram seus respectivos Planos para o período de 2007 a 2011. Em 2011 um novo diagnóstico foi realizado, tendo sido elaborados novos Planos para o período de 2011 a 2014. desenvolvido em regime de colaboração entre os entes federados. Nesse caso, a colaboração ente os níveis de governo requer Relações Intergovernamentais – RIGs Wrigth define que relações intergovernamentais “[..] é um termo que pretende designar um importante corpo de atividades e interações que ocorrem entre unidades governamentais de todos os tipos e níveis dentro do sistema federal” (WRIGHT, 1988, p. 14, tradução nossa). do tipo autoridade interdependente (WRIGHT, 1988) caracterizada pela relação de interdependência e compartilhamento entre os entes.
O PAR envolve quatro dimensões do campo educacional: Gestão Educacional; Formação de Professores e Profissionais de Apoio Escolar; Prática Pedagógica e Avaliação; Infraestrutura. Cada dimensão é subdividida em áreas e indicadores. Para a construção do PAR é necessário que as equipes técnicas dos municípios e estados, com o auxílio de uma consultoria disponibilizada pelo MEC, elaborem um diagnóstico de sua situação educacional, no qual são considerados aspectos como: dados demográficos e educacionais; dados dos dirigentes locais; questões pontuais sobre as quatro dimensões do PAR; entre outros aspectos. Essas informações são inseridas no Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle – SIMEC, o qual gera as ações que serão desenvolvidas bem como aquelas que contarão com assistência técnica e financeira da União. Cabe ressaltar que tais ações são padronizadas e pré-determinadas de acordo com a pontuação recebida para cada indicador de cada dimensão. Ou seja, pode ocorrer que em municípios de regiões distintas com realidades distintas sejam elencadas as mesmas ações. Em seguida acontece a análise técnica do Plano por parte da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Após aprovado, é gerado o Termo de Cooperação Técnica que será firmado e assinado pelo ministro da educação e pelo chefe do executivo local, constando as ações a serem executadas bem como o comprometimento de ambas as partes de perseguirem as diretrizes estabelecidas no Decreto 6094/2007, visando a melhoria da qualidade da educação, mensurada pela elevação do Ideb.
A assistência técnica e financeira do MEC que se consubstancia por meio da assinatura do Termo de Cooperação Técnica, faz parte das competências da União previstas no Art. 211 da Constituição Federal de 1988. Faz parte, portanto, “[...] do quadro prescrito das responsabilidades ou competências governamentais no setor da educação no Brasil, articulando-se, pois, a outras responsabilidades e à diretriz mais ampla de organização dos sistemas de ensino em regime de colaboração” (FARENZENA, 2012, p. 12).
Entretanto, no atual contexto, a adesão ao PAR tem sido o único meio de oferta de assistência técnica e financeira voluntária da União. Ou seja, no tocante à educação, os recursos federais que não se tratam das transferências obrigatórias da União aos demais entes só chegarão a esses mediante assinatura do Termo. Conforme Oliveira (2009), não é de se estranhar que em 2008 todos os 26 estados, os 5.563 municípios houvessem aderido ao PAR.
Nesse sentido, convém destacar que governos federais, estaduais e municipais apresentam diferentes capacidades arrecadatórias e administrativas as quais podem significar o deslocamento do equilíbrio de poder nas arenas de tomadas de decisão (SANO, 2008). Assim, determinados governos, de modo especial o central, dada a arrecadação superior, podem utilizar-se do mecanismo de indução das políticas ao prestarem apoio tanto técnico quanto financeiro aos demais para implementação de uma determinada ação, como por exemplo o PAR, de modo que a cooperação neste caso, esteja atrelada a algum benefício recebido em troca.
COLABORAÇÃO INTERGOVERNAMENTAL NA ELABORAÇÃO DO PAR DE RIACHUELO/RN
Sob a justificativa de atender os municípios brasileiros buscando alcançar melhores índices de rendimento educacional, o MEC instituiu o PDE em 2007. Para atendimento inicial, o MEC elencou os municípios caracterizados como prioritários, conforme consta relação no anexo das Resoluções 029 de 20 de julho de 2007 e 047 de 20 de setembro de 2007 do FNDE que estabelecem os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da assistência financeira suplementar e voluntária a projetos educacionais, no âmbito do Compromisso Todos pela Educação.
Tal classificação se deu com base no Ideb de cada município, podendo os demais não relacionados na Resolução, elaborarem seus Planos e receberem assistência técnica e financeira do MEC, desde que houvesse disponibilidade orçamentária (BRASIL, 2007d).
Na compreensão do MEC, o município assume lugar de destaque na execução das políticas educacionais, considerando que é no território que “[...] as clivagens culturais e sociais, dadas pela geografia e pela história, se estabelecem e se reproduzem.” (HADDAD, 2008, p. 6). A participação dos municípios na execução das políticas públicas nacionais ou mesmo federais tem sido cada vez mais intensa na história brasileira, especialmente a partir da promulgação da Constituição de 1988, a qual o município é considerado ente federativo, assim como estados e União. É a partir desse período que se observa uma diretriz descentralizadora para os municípios bem como responsabilidades compartilhadas entre os entes federados.
A heterogeneidade dos municípios brasileiros, com suas diferentes capacidades arrecadatórias e administrativas, pode ser um dos fatores que fez o MEC se aproximar mais de determinados municípios para implementar o PAR. Nessa perspectiva, nossas análises buscarão compreender como se deu a relação do MEC com os municípios, especificamente com o município de Riachuelo/RN, na adesão ao PDE/Plano de Metas e elaboração do PAR para o período de 2007-2011.
Riachuelo é um dos municípios prioritários do Rio Grande do Norte. De pequeno porte, o município de localiza-se na região do agreste potiguar e possui uma área de 262.887 km² e população de 7.067 habitantes. Seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM é 0,592, ocupando a 107ª colocação no ranking estadual de IDHM de um total de 167 municípios, de acordo com os dados do censo de 2010. Quanto aos dados do Índice de desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, o município apresentou em 2013 a média 3,0 para as séries iniciais do ensino fundamental e 2,4 para as séries finais, sendo a média nacional para o referido ano de 5,2 e 4,2 respectivamente. O baixo Ideb apresentado pelo município foi um dos fatores que levaram à adesão do PDE/Plano de Metas e, por conseguinte, à elaboração do PAR no intuito de elevar esses resultados.
Municípios e estados que aderiram ao PDE/Plano de Metas se comprometem a seguir suas 28 diretrizes do Compromisso pautadas em resultados de avaliação de qualidade e de rendimento dos estudantes, visando a melhoria da qualidade da educação básica. A assinatura do chefe do executivo é elemento indispensável para firmar o convênio que estabelece a cooperação entre municípios e União para a implementação do PAR.
Em Riachuelo, ao questionarmos o Secretário de educação à época sobre a adesão do município ao Plano de Metas foi afirmado:
E o PAR eu digo sempre, eu me orgulho muito de ter feito parte desse período, porque foi exigência do Governo Federal, Lula na época exigiu que todo prefeito tinha que ir à Brasília, assinar esse PAR, o meu prefeito não queria ir, e eu disse pra ele: se você não for você vai arcar com as despesas, com os recursos para o município, porque o Ministério, o Presidente exigiu isso, a presença dos prefeitos, um encontro pra assinar o termo, como se fosse o termo de cooperação para avançarmos juntos na educação, Município, Estado e a União, que era chamado de a tripartite, para todos trabalharem juntos (ENTREVISTADO 1, 2015).
No que concerne a percepção do secretário em relação à adesão ao Plano de Metas, essa seria uma exigência não apenas do governo federal, mas também do chefe do executivo federal, o então presidente da república. Essa fala revela certa falta de compreensão do secretário acerca do regime político vigente no Brasil, o federalismo, que pressupõe a autonomia dos três níveis de governo. Pode ser, também, um indicativo de como o secretário situa o município de Riachuelo na dinâmica federativa brasileira, numa perspectiva de aceitação e legitimação das políticas propostas pelo governo central em troca de recursos financeiros, em razão, provavelmente, de uma baixa arrecadação municipal e da dependência dos recursos federais.
A fala também traduz a maneira como o PDE/Plano de Metas se tornou conhecido pelo município. Podemos inferir que ao ser convidado para assinar o Termo de adesão, prefeito e secretário não tinham conhecimento acerca dos Planos. Ainda que o PDE/Plano de Metas tenha sido considerado a grande política educacional do segundo governo Lula, ele foi elaborado pelo governo federal sem a participação dos demais entes da federação ou mesmo organizações de profissionais da educação, entidades científicas ou sindicais. Dessa forma, municípios e estados foram alijados do processo de elaboração da política, não tiveram poder de veto, tendo sido convidados apenas para aderirem à proposta já elaborada. Esse tipo de política remonta à relações intergovernamentais fundadas no modelo de autoridade inclusiva ou hierárquica (WRIGHT, 1988), nas quais a atuação dos governos subnacionais depende das decisões tomadas pelo governo central. Além disso, RIGs do tipo autoridade inclusiva salientam o papel predominante do nível nacional. De acordo com Sano (2008), RIGs baseadas nesse modelo foram predominantes no Brasil especialmente em períodos autoritários e ainda podem ser observadas em diversas ações da esfera federal.
No caso do Plano de Metas/PDE, podemos afirmar, portanto, que há um tensionamento entre dois modelos de RIGs propostos por Wrigth (1988): o de autoridade inclusiva e o de autoridade interdependente. Através da fala do entrevistado, ficou claro que o governo federal precisou alcançar a legitimação de Riachuelo para a implementação dos Planos no município, o que foi alcançado mediante a assinatura do Termo de Adesão e, consequentemente, do compromisso em atingir as diretrizes propostas.
Após a assinatura do Termo de adesão ao Plano de Metas/PDE, foi iniciado o diagnóstico da situação do sistema de ensino. Concluído o diagnóstico, deu-se prosseguimento à elaboração do Plano, contemplando as ações e subações para aqueles indicadores que receberam pontuação 1 ou 2 bem como a indicação da pessoa responsável pela ação/subação, cronograma de execução e resultado esperado.
No que diz respeito ao diagnóstico da rede e elaboração do plano, do documento do PAR 2007-2011 de Riachuelo, consta a relação da equipe que participou desse processo. No total, são relacionadas onze pessoas entre dirigente municipal, professores, membros das equipes técnicas das escolas e secretaria de educação, representante do Conselho Municipal de Educação e duas consultoras do Ministério da Educação. A consultoria do MEC é, em geral, realizada por pessoas contratadas por esse Ministério advindas das universidades ou de outras instituições para assessorar a elaboração do PAR.
Não há menção à participação de servidores do governo estadual na equipe de elaboração do PAR. Esse fato contraria uma das cinco características das RIGs propostas por Wright (1988; 1974), a que trata do envolvimento de todas as unidades de governo. Conforme o autor: “Em resumo, RIGs englobam todas as permutações e combinações de relações entre as unidades de governo em nosso sistema “In short, IGR encompasses all the permutations and combinations of relations among the units of government in our system”. (WRIGHT, 1988, p. 15, tradução nossa)”. A articulação entre as três esferas governamentais quanto ao planejamento e gestão da educação básica deveria ser uma prerrogativa para a materialização do regime de colaboração. No entanto, observamos que o governo estadual esteve à margem do processo de elaboração do PAR nos municípios, tendo apenas sendo comunicado sobre o período de visita da assessoria do MEC, conforme determina a Resolução 047/2007 do FNDE.
Identificamos que a Resolução 029 de 2007 do FNDE apresenta ambiguidade quanto à equipe necessária para a formulação do PAR. O parágrafo primeiro do Artigo 14, que trata das condições de participação, determina que para a efetivação da colaboração, é condição que deve ser atendida pelos dirigentes locais: “receber a consultoria disponibilizada pelo MEC, garantindo a participação de seu dirigente municipal, dirigente educacional e outros representantes da sociedade civil e organizada, na formulação do Plano de Ações Articuladas (PAR)” (BRASIL, 2007c). Por seu turno, o Artigo 16 da mesma Resolução estabelece que: “O PAR será elaborado em regime de colaboração com dirigentes e técnicos dos entes da federação aderentes, configurando-se base para a celebração dos convênios de assistência financeira a projetos educacionais pelo FNDE/MEC” (BRASIL, 2007c).
Na elaboração do PAR de Riachuelo não foram envolvidos representantes da sociedade civil e organizada, talvez porque a ambiguidade da Resolução tenha dado abertura para a ausência desse segmento. Ainda que reconheçamos a heterogeneidade da sociedade civil, a qual suporta interesses de diferentes e antagônicas classes sociais – como por exemplo trabalhadores e capital – acreditamos ser necessário envolver representantes de outros segmentos que não apenas os do governo na formulação de um instrumento de planejamento e gestão educacional do município. A constituição da equipe para elaboração do Plano de Ações Articuladas de Riachuelo pôde ter comprometido a defesa dos interesses da população do município. Além disso, também é possível que tenha havido superposição dos interesses governamentais, quer seja os de âmbito municipal quanto federal na política educacional do município, considerando que não houve participação da sociedade civil no processo de deliberação da política.
Em relação à elaboração do PAR, questionamos os entrevistados sobre seu processo e obtivemos as seguintes respostas:
Tivemos a assessoria de duas pessoas pra essa elaboração. Essas pessoas vieram e ficaram hospedadas em nosso município e durante esses três dias deram toda a assistência para essa elaboração. Foi construído dessa maneira junto com elas (ENTREVISTADO 2, 2015).
[...] estávamos na secretaria e chegaram lá duas pessoas, duas mulheres, e chegaram com esse objetivo de implantar o Plano de Ações Articuladas, chegaram lá, e a gente tinha informações que tem que ter esse plano, que seria o coração da educação para aquele período. E que tínhamos um prazo determinado para que elaborássemos o plano (ENTREVISTADO 1, 2015).
Os depoimentos evidenciam, de modo geral, que o PAR foi elaborado por representantes do município em colaboração com as assessoras contratadas pelo Ministério da Educação para auxiliar tecnicamente na elaboração do Plano. Alguns aspectos, no entanto, chamam nossa atenção para o tipo de colaboração que pode ter se dado naquele momento. Um deles diz respeito a compreensão da equipe local acerca do PAR. Uma das falas demostra até certa surpresa com a chegada das assessoras na Secretaria de Educação do município. A certeza do entrevistado, ao que parece, era a de que o PAR seria algo que obrigatoriamente o município deveria ter e que conduziria as ações na educação municipal para um determinado período.
É possível concluir que houve interação entre os funcionários de diferentes governos. Essa é uma das características das RIGs, conforme Wright (1974). O que nos questionamos quanto aos depoimentos, é se houve colaboração entre esses servidores públicos de diferentes instâncias governamentais e que tipo de colaboração pode ter havido quando as partes estão em condições desiguais no que competia ao conhecimento das diretrizes do PAR. Fica evidente nos depoimentos que a formação necessária a equipe local sobre o PAR foi dada pelas assessoras do MEC. Nesses termos, alguns questionamentos feitos por Werle (2006) podem ser refeitos aqui, examinando as relações entre os funcionários da SEMED de Riachuelo e do MEC no contexto da elaboração do PAR para o período 2007-2011:
Se o MEC ‘atualiza e capacita’ um dos entes com os quais deveria estabelecer o regime de colaboração, qual a relação de poder que se estabelece entre os mesmos? São ambos igualmente atores, sujeitos de ação nesse programa? Como se construirá a colaboração pretendida neste quadro desigual?” (WERLE, 2006, p. 39).
Mesmo correndo o risco de ser mais um espaço de condensação de forças e de reforço de ingerência da União, os entrevistados da equipe local destacam a importância da presença de representantes do MEC na elaboração do Plano. A fala a seguir reforça essa afirmação: “Foi muito boa a atuação delas, compreensivas de acordo com a realidade do município, [...] a cobrança delas foi importante para que a gente pudesse elaborar o PAR”. (ENTREVISTADO 01, 2015). Ao mesmo tempo em que reitera a importância das assessoras para a elaboração do documento, o entrevistado revela uma possível subserviência em relação ao controle do trabalho da equipe local.
O exímio controle do trabalho alheio é uma das características do modelo burocrático weberiano que podem ser identificados no PAR e, nessa perspectiva, o controle visa verificar se objetivos estão sendo perseguidos, buscando alcançar tecnicamente o máximo de rendimento. De fato, o modelo de planejamento educacional burocrático, o qual supervaloriza a dimensão técnica do processo foi predominante em diferentes momentos da trajetória brasileira e ainda não rompemos com esse modelo tradicional de planejamento, como pode ser observado no PAR. De acordo com Silva; Ferreira; Oliveira (2014, p. 91): O PAR materializa um paradigma conservador de planejamento educacional”.
É oportuno destacar que as assessoras do MEC estiveram em Riachuelo apenas por três dias, tendo que proporcionar formação sobre o PAR à equipe local, fazer levantamento dos índices educacionais e situação das escolas, realizar o diagnóstico do sistema de ensino e elaborar as justificativas e demandas para cada uma das ações que foram geradas. Consideramos que o tempo foi exíguo diante da demanda e da complexidade das atividades que foram desenvolvidas e que seria necessário mais tempo para formação dos sujeitos locais e reflexão da situação educacional visando o planejamento do sistema de ensino.
Ainda que consideremos o tempo destinado à elaboração do PAR curto, as entrevistadas afirmaram que as dúvidas em relação ao PAR foram sanadas durante o período com as assessoras, como pode ser observado nos relatos a seguir:
Dúvida não restou. Foi tudo esclarecido. Até porque era novidade e a gente estava sempre questionando, porque a gente não sabia como é que funcionava (ENTREVISTADO 03, 2015).
Eu acho que se viesse assim: os município tem que formar, elaborar o Plano de Ações Articuladas, se não tivesse a orientação, a consultoria do MEC, a gente teria muito mais dificuldade em elaborar, porque vem aí a parte técnica, que é importante e a gente não tinha. A gente tem o conhecimento prático antes da realidade, mas precisa de uma técnica para colocar isso sistematizado no plano, a importância é mais ou menos por aí (ENTREVISTADO 01, 2015).
Na última fala, um aspecto importante é o reconhecimento por parte do entrevistado da fragilidade técnico-administrativa da equipe local, o que viria a impossibilitar a elaboração do PAR caso não houvesse assessoria. O mesmo entrevistado, que era o secretário de educação à época, também afirma: “A questão de formação das pessoas nessa área de gestão, nenhum dos meus auxiliares tinham formação em gestão, então essa foi a maior dificuldade da gente” (ENTREVISTADO 01, 2015).
A baixa capacidade técnica dos servidores das secretarias municipais de educação não é uma especificidade de Riachuelo, é algo também constatado em outras pesquisas realizadas em âmbito nacional sobre o PAR. É um aspecto que engessa o município quanto à formulação de suas próprias políticas. Por não saber como fazer por conta própria, a alternativa seria aguardar que o MEC mande a receita pronta.
Os limites gerados pelas dificuldades técnico-administrativas e ainda financeiras também foram identificados por Farenzena em pesquisa realizada sobre o PAR em quatro estados brasileiros das regiões sul e nordeste. As constatações dos autores também podem ser relacionadas com a situação de Riachuelo e a necessária mudança, visando superar alguns desafios:
De todo modo, a incidência desses limites manifesta o enorme desafio que é a qualificação político-administrativa local-municipal diante de precariedades financeiras e institucionais e de contextos heterogêneos e desiguais. Essa qualificação envolve tanto o fortalecimento financeiro das administrações locais quanto o fortalecimento da gestão local da educação, em termos de constituir estruturas mais sólidas nas secretarias de educação para a proposição e a execução de políticas educacionais continuadas e referenciadas no contexto local com o PAR e para além PAR (FARENZENA ET AL, 2012, p. 158)
Em relação à contribuição do PAR para o sistema de ensino de Riachuelo, no geral os entrevistados avaliam o Plano de maneira positiva, ressaltando inclusive a construção de conhecimentos sobre a organização, gestão e planejamento do sistema de ensino que o PAR, possivelmente de maneira inédita no município, oportunizou. Uma das entrevistadas destaca o recebimento de recursos como um aspecto positivo:
Antes, nós fazíamos o levantamento de toda a situação, tinha todo esse trabalho, mas os recursos não vinham. Era como se a gente arquivasse ali alguma coisa. Era como se a gente arquivasse, mandava para o MEC, para o FNDE e não vinha aquela política de incentivo e recurso. Para a Educação funcionar bem a gente também conta com recurso. (ENTREVISTADA 2, 2015).
Nesse caso, a entrevistada referencia o fato de que, embora realizasse um levantamento das condições de infraestrutura e equipamentos das escolas, o município não dispunha de recursos financeiros para melhorar a situação identificada e ao demandar recursos federais para resolução dos problemas indicados, não obtinha resposta. Nesse caso, o PAR se apresenta como uma vantagem aos municípios, invertendo a lógica predominante até então: a de os municípios irem até o MEC. Com o PAR: “[...] não são os entes assistidos (governos estaduais e prefeituras) que propõe este ou aquele projeto/ação, mas é o MEC que disponibiliza um menu de programas e ações” (FARENZENA ET AL, 2012, p. 161).
Vemos a importância da indução de ações por parte do MEC que assistam financeira e materialmente os demais entes da federação visando o cumprimento do mandamento constitucional que estabelece as funções redistributiva e supletiva em matéria educacional para a União, nível de governo que detém a maior parte das receitas tributárias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação básica nacional está organizada sob o pressuposto da colaboração entre União, estados, distrito federal e municípios, com competências educacionais exclusivas para cada um desses e outras compartilhadas. Esta perspectiva funda-se no federalismo, que prevê a autonomia e interdependência entre os níveis de governo, bem como uma inter-relação de colaboração.
A colaboração prevista no PDE, no Compromisso e, por conseguinte, no PAR, no entanto, pode ser melhor compreendida como sendo uma colaboração que vem do centro (OLIVEIRA; SOUSA 2010) já que se trata de uma política concebida pelo governo central sem participação dos demais entes da federação. A participação desses se deu na adesão à proposta já elaborada e no compromisso de alcançar as metas definidas pela União.
Especificamente em relação ao município de Riachuelo, concluímos que o PAR possibilitou a compreensão sobre à execução dos programas e planos federais e do próprio planejamento local. Também se constituiu como uma possibilidade de recebimento de recursos do governo federal sem que esses estivessem atrelados ao tráfico de influência ou pelo jogo de interesses. Além disso, podemos afirmar que houve colaboração intergovernamental no planejamento municipal no que se refere aos planos em análise. Contudo, o inter-relacionamento identificado evidencia o tensionamento entre dois modelos de RIGs propostos por Wrigth (1988): o de autoridade inclusiva e o de autoridade interdependente, já que identificamos aspectos como a ausência do município na elaboração da política e o controle do governo federal na elaboração do PAR.
O PAR também evidenciou que o planejamento não é um ato neutro e, no caso em análise, o controle exercido em sua elaboração refletiu as relações de poder que se estabeleceram entre MEC e Semed no delineamento da política educacional municipal para o período de 2007 a 2011. Nesse sentido, é preciso consolidar um modelo de planejamento educacional que considere o princípio da gestão democrática, o qual não está restrito as unidades escolares, mas compreende também a gestão educacional. O planejamento não dever ser compreendido como mais um procedimento burocrático que busca atender às exigências de instâncias superiores.
REFERÊNCIAS
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____. Resolução n. 047. Altera a Resolução CD/FNDE n. 29, de 20 de julho de 2007, que estabelece os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da assistência financeira suplementar e voluntária a projetos educacionais, no âmbito do Compromisso Todos pela Educação. Brasília, DF: MEC/FNDE, 2007d.
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