O PLANEJAMENTO EDUCACIONAL DO REGIME MILITAR ÀS PRIMEIRAS DÉCADAS DO SÉCULO XXI: AUTORITARISMO, RECONSTRUÇÃO E ESPERANÇA QUE SE ADIA

Resumo:O planejamento educacional desde a década de 70 até hoje, esteve atrelado a objetivos ideológicos e econômicos em prejuízo de uma concepção articulada e sistêmica. Enfrentamos ainda as consequências dos períodos de descaso com o ensino e da propalada “falta de vontade política”. Após o primeiro ano de vigência do novo Plano Nacional de Educação, constatamos metas ainda não realizadas, e outras, continuam sem perspectivas de efetivação, ampliando a chance de ações essenciais previstas e construídas coletivamente pela sociedade brasileira não serem executadas conforme o planejado. Apesar das conquistas, a árdua tarefa de transformar para melhor nosso sistema educacional, por meio da efetivação do Regime de Colaboração, além de desafiadora, ainda se desenha como uma esperança que se adia.

Palavras-chave: Política Educacional; Planejamento da Educação; Plano Nacional de Educação.


Ao lado de um amplo debate sobre o desenvolvimento de um plano educacional que fizesse jus à grandeza do desafio de organizar adequadamente a educação nacional, observou-se a difusão de uma concepção nacional-desenvolvimentista que impactou decisivamente a elaboração dos planos educacionais, consolidando-se a lógica tecnocrata no exercício da coordenação e planejamento educacionais, principalmente a partir da instauração do Regime Militar implantado a partir de 1° de abril de 1964.

Em que pese sua preocupação com ações mais permanentes, os governos do Regime Militar se utilizaram de ações provisórias como meio de resolver problemas seculares resultantes do longo período de descaso e negligência para com a situação da educação nacional. Assim surgiram o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que visava a erradicar o analfabetismo de jovens e adultos do país, e a Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) que tinha o objetivo de apoiar o estudante por meio de programas de merenda escolar e aquisição de material didático. Cabe ressaltar, no entanto, que referido Regime enfatizou o planejamento central como instrumento de governo, cujas ações partiam da esfera decisória central (União) para os Estados e Distrito Federal, de modo que a cada planejamento global corresponderia um planejamento setorial, por área de atuação. (ver VIEIRA e FARIAS: 2011, 165).

Tanto é verdade que, em seguida à Reforma do Ensino de 1°e 2° graus, a Ditadura inaugura a fase dos planos de desenvolvimento. Segundo Bordignon o I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND (1972-1974) correspondeu ao período do “milagre brasileiro”, cujo presidente era o General Emílio Garrastazu Médici. Dentre seus principais objetivos estavam “elevar o Brasil, no espaço de uma geração, à categoria de nação desenvolvida; duplicar, até o final da década, a renda per capita; e fazer a economia crescer entre 8 e 10% até o final do Plano”. (2011; 11, 13). Mantendo a coerência com o PND, o I Plano Setorial de Educação e Cultura – I PSEC para o mesmo período, tinha caráter economicista e estava constituído por 10 programas e 21 projetos. (idem).

Concebido e executado em um período de fortes dificuldades econômicas, o II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND (1975-1979), segundo Bordignon, “foi elaborado sob o impacto das crises do petróleo e monetária internacional, com tensões econômicas em âmbito mundial e, por isso, foi voltado para o homem brasileiro nas suas diferentes dimensões e aspirações.” (2011, 15). Seu objetivo principal era o aumento da mão de obra qualificada, tendo em vista municiar a produção para o atendimento das exportações e do mercado interno.

No que se refere ao II Plano Setorial de Educação e Cultura – II PSEC, vinculado a este PND, Bordignon explica que, além de uma visão sintética do panorama cultural na qual se avaliam os avanços do plano anterior, “na segunda parte, definia os objetivos gerais e específicos para cada etapa e nível de educação e as estratégias globais e específicas para alcançá-los. Na parte III apresentava a programação detalhada das ações estratégicas.” (2011, 15).

As crises econômicas mundiais das décadas de 70 e 80 afetaram fortemente o processo de desenvolvimento nacional, até então considerado um “milagre”. Tanto a desregulamentação do sistema monetário internacional como a crise petrolífera de 1973, fizeram com que o Brasil sofresse com bastante intensidade os reflexos dos desastres internacionais. A situação se agravou ainda mais por ocasião da segunda grande crise do petróleo em 1979 quando os seguidos aumentos dos preços dos combustíveis no mercado interno provocaram a aceleração inflacionária. Com o flanco da economia fatalmente aberto, o Regime Militar começou a dar mostras de cansaço ao mesmo tempo em que os movimentos sociais renovavam sua força e capacidade de organização e mobilização.

É nesse cenário que se processa a elaboração do III Plano Nacional de Desenvolvimento – III PND (1980-1985), que acontece em paralelo às vigorosas manifestações em defesa das eleições diretas para presidente e ao processo de abertura política. Bordignon cita como seu objetivo síntese “a construção de uma sociedade desenvolvida, equilibrada e estável, em benefício de todos os brasileiros, no menor prazo possível” (2011, 15-16). Por seu turno, o III Plano Setorial de Educação e Cultura – III PSEC para o mesmo período

foi elaborado a partir da realização em Brasília, em julho de 1979, de um seminário sobre política e planejamento da educação e cultura, com a participação dos secretários de educação e cultura das unidades federadas. A ele seguiram-se os encontros nacionais de planejamento realizados em Manaus, Natal, Goiânia, Vitoria e Florianópolis nos meses de agosto a setembro do ano de 1979, quando foram identificados os desafios a superar. (BORDIGNON: 2011, 15-16).

Em meados da década de 1970, segundo Loureiro, retorna o “debate sobre a vinculação de parte da receita de impostos para manutenção e desenvolvimento do ensino, que culmina, em 1976, com a apresentação, pelo Senador João Calmon, membro da Comissão de Educação do Senado, de proposta de vinculação”. (LOUREIRO, 2010, sp). Entretanto, é somente na década de 1980, já no contexto da abertura política, que o Congresso Nacional aprova a Emenda Constitucional 24/83, que teve o nome do Senador que a apresentou e que estabelecia a vinculação de recursos da União em 13% e de Estados, Distrito Federal e Municípios em 25%. Infelizmente, referida emenda, aprovada em 1983, só se efetivou em 1986. (LOUREIRO, 2010, sp).

Sem forças para fazer frente ao vigor das manifestações da Sociedade Civil a Ditadura acabou perecendo. O marco final de seu ocaso foi a eleição indireta — no Congresso Nacional — de um candidato moderado e de centro: Tancredo Neves. Após sua eleição, Tancredo faleceu em circunstâncias ainda duvidosas, assumindo a presidência seu vice, José Sarney.

O regime que emerge a partir do fim da ditadura, denominado “Nova República”, tinha como maior desafio a reestruturação do arcabouço político jurídico do país, no sentido da reconstrução dos aparatos democráticos. É nesse contexto que foi elaborado, sob a coordenação do ministro de planejamento do governo Sarney, João Sayad, o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República – I PNDNR (1986-1989) que, segundo Matos, se concentrou nos seguintes aspectos: crescimento econômico; combate à pobreza, às desigualdades e ao desemprego; educação, alimentação, saúde, saneamento, habitação, previdência e assistência social; justiça e segurança pública. (MATOS: 2002, 72).

Esse período se fecha com a promulgação da chamada “Constituição Cidadã”, de 1988 cuja relação com o Plano Nacional de Educação se pronuncia explicitamente no artigo 212, no qual estabelece os percentuais que União, Estados, Distrito Federal e Municípios deverão aplicar na manutenção e desenvolvimento do ensino nos termos do plano nacional de educação.

Em seguida, a Carta Magna determina em seu artigo 214 que deve haver um plano nacional de educação, “de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas”. (BRASIL, 1988). Complementando o caput do artigo, o texto relaciona as metas a serem perseguidas pelo plano:

I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País; VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto. [Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009].

A Constituição de 1988, no capítulo referente à educação, foi fortemente influenciada pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), criado em 1986, agregando várias entidades científicas, sindicais e de classe, todas mobilizadas no sentido da construção da redemocratização da sociedade brasileira. Ressalte-se que nos artigos 211, 214 e 216 da Constituição, está configurado um importante instrumento para viabilizar a execução de competências comuns por parte dos entes federados: o Regime de Colaboração.

Importante destacar que, antes mesmo da lei maior da educação (LDB), do plano nacional, ou de qualquer outra iniciativa de construção legal, é uma lei referente aos direitos da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990) que inaugura a década da reconstrução educacional pós Constituição de 88, destinando, inclusive, um capítulo inteiro para essa temática.

Três anos após, foi editado o Plano Decenal de Educação para Todos, que se caracterizava como um ‘‘conjunto de diretrizes de política em processo contínuo de atualização e negociação, cujo horizonte deverá coincidir com a reconstrução do sistema nacional de educação básica.” (BRASIL: 1993, 15). A proposta pretendia que as referidas diretrizes servissem de referência e fundamentos para os planos estaduais e municipais e que suas metas fossem, posteriormente, “detalhadas pelos Estados, pelos Municípios e pelas escolas, elegendo-se, em cada instância, as estratégias específicas mais adequadas a cada contexto e à consecução dos objetivos globais do Plano” (Idem).

Outro marco da época foi a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/96), que representou um importante momento de retomada do debate acerca da construção de uma educação emancipatória no país.

Criado para atuar junto à Constituição Federal, em defesa da educação pública e gratuita, o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública retornou à luta, agregando forças para garantir uma Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional que estivesse em consonância com os interesses da maioria da população. Por meio da realização de diversos eventos sobre o assunto em diferentes estados, o Fórum construiu a base de um projeto de lei que foi atribuído ao Deputado Jorge Hage, que passou a ser conhecido como “Projeto da Sociedade Civil”. No que se refere à tramitação no Congresso Nacional, infelizmente, “após demoradas discussões, novas propostas e novos relatores, este projeto sucumbiu, prevalecendo outro de origem do Executivo, encaminhado via Senado, tendo como relator Darcy Ribeiro, e que veio a ser aprovado constituindo a atual LDB (Lei nº 9.394/96).” (BORDIGNON: 2011, 19).

Em 20 de dezembro de 1996, a sociedade brasileira recebia sua segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que se propunha a subsidiar as ações que precisavam ser desencadeadas para modificar o panorama caótico do sistema educacional brasileiro àquela época. Uma dessas ações estava consignada no seu artigo 9º, inciso I, que atribuía à União a incumbência de elaborar o Plano Nacional de Educação, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Uma iniciativa importante, referente ao planejamento educacional no âmbito das escolas, foi a criação do PDE Escola. Embora concebido em 1997 a partir do Fundescola e circunscrito até 2005 às unidades escolares de ensino fundamental localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nos últimos anos o programa se expandiu e em 2012 chegou a contemplar mais de 13 mil escolas de todo país.

Seguindo determinação da LDB, o Congresso deu início à construção do Plano Nacional de Educação para o decênio 2001-2010, deflagrando processo de fortes disputas, basicamente a partir de duas perspectivas e concepções inconciliáveis e antagônicas de plano. Uma delas ficou conhecida como sendo “Projeto da Sociedade Brasileira” enquanto a outra se reconhecia como “Proposta do Poder Executivo”. Ambos os projetos explicitavam perspectivas políticas e educacionais distintas, bem como diferentes prioridades. Após intensos debates entre os parlamentares, inclusive com audiências públicas, obteve hegemonia a proposta governamental. (Ver DOURADO, 2011, 25-26).

A maioria dos analistas do Plano Nacional de Educação 2001-2010, disposto por meio da Lei 10.172, concorda que ele não se consubstanciou, efetivamente, em política de Estado, configurando-se, no máximo, em instrumento de críticas à ausência de compromissos dos governantes em relação ao enfrentamento efetivo das mazelas que assolam a educação nacional há séculos. Dourado afirma que este plano “não constituiu base e diretriz para políticas, planejamento e gestão da educação nacional, nem foi acionado como tal pelos diferentes segmentos da sociedade civil e da política brasileira.” (DOURADO: 2011, 30).

Findo o período dos governos neoliberais com a ascensão de um projeto democrático social ao Poder Executivo em 2003 várias alterações começaram a ser produzidas.

A partir de 2003, as políticas públicas orientadas para promover uma melhor distribuição de renda e o acesso dos mais pobres a uma ampla esfera de direitos aumentaram significativamente. O aumento progressivo e sistemático do gasto público social durante os dois governos do presidente Lula é uma clara evidência disso, chegando a R$ 638,5 bilhões, 15,24% do Produto Interno Bruto (PIB). (GENTILI e OLIVEIRA, 13, 254).

Na esteira das mudanças, em 2008 o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) escolheu “Aprender” como o tema central para sua atuação no Brasil naquele ano. “Aprendizagem como direito” foi o slogan de um esforço interinstitucional de Municípios, Estados e União e o título do estudo que buscou identificar boas práticas educacionais desenvolvidas pelos municípios brasileiros na área educacional. Uma das conclusões reafirmava o já conhecido preceito de que o exercício da docência vai muito além do ensino exclusivamente, comportando ações que tenham em vista a criação de ambientes de aprendizagem para o estudante. As redes municipais de ensino abordadas tinham em comum tanto a inserção em contextos de vulnerabilidade social quanto os resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) acima da média nacional e estavam situadas em municípios de diferentes regiões do país, além de possuírem tamanhos variados, o que deu uma dimensão nacional aos resultados.

No estudo, quando foram entrevistados gestores, diretores, coordenadores, docentes, funcionários, familiares, comunitários e estudantes, buscou-se configurar “redes de aprendizagem que desenvolvem boas práticas a partir de municípios que garantem o direito de aprender”. Foram relacionadas 37 redes municipais que, segundo o trabalho, influenciaram de fato no aprendizado dos alunos, já que o contexto sócio econômico foi isolado da análise. Como prioridade nacional a educação básica de qualidade exigia que, para além do comprometimento de gestores, técnicos e conselheiros da educação, as comunidades educativas, compostas por pais, estudantes e profissionais da educação em geral, atuassem conjuntamente na proposição e acompanhamento de alternativas que fundamentem e consolidem a permanência e o sucesso do aluno na escola.

Para o cumprimento dessa meta, o Governo Federal lançou simultaneamente o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Decreto n° 6.094 em 2007. O primeiro, de acordo com o próprio documento fundante, “oferece uma concepção de educação alinhada aos objetivos constitucionalmente determinados à República Federativa do Brasil. (BRASIL, 07a).

O segundo dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com os outros entes federados, inclusive as famílias, mediante programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. (BRASIL, 07b). De acordo com o Decreto, a participação da União no Compromisso deverá se pautar pela realização direta ou pelo incentivo e apoio à implementação de 28 diretrizes previamente estabelecidas às quais Municípios, Estados e Distrito Federal deveriam aderir para fazer jus a transferências voluntárias e a assistência técnica do Ministério da Educação (MEC) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), assim como fazer o diagnóstico da situação educacional do ente e elaborar seu Plano de Ações Articuladas (PAR).

No âmbito das ações estruturantes do período em tela, ressalta-se a promulgação da Emenda Constitucional N° 59, de novembro de 2009 e a realização da CONAE – Conferência Nacional de Educação em 2010. A primeira, sem sombra de dúvidas, pode ser considerada uma das mais importantes iniciativas legais da política educacional brasileira das últimas décadas. Ela deu nova redação aos incisos I e VII do art. 208 da Carta Magna, de forma a tornar obrigatória a educação básica por meio da universalização do ensino de quatro a dezessete anos. Referida medida passou a ser regulada pela Lei 12.796 de 4 de abril de 2013, garantindo a implementação progressiva da educação básica obrigatória até 2016.

Resta esclarecer que antes de referida norma, o Estado brasileiro ofertava de forma obrigatória somente a etapa do ensino fundamental, resguardando a oferta do ensino médio a uma extensão progressiva. Com isso, no plano normativo e na organização dos sistemas de ensino, ampliou-se o período de obrigatoriedade da educação básica de nove para 14 anos. De forma incontestável, a médio prazo, esta medida, terá a capacidade de ampliação cidadania ativa de crianças e adolescentes por meio de seu acesso ao mais fundamental dos direitos humanos, a educação.

Por seu turno, a CONAE representou o coroamento de um amplo processo de debates que se iniciou com a elaboração dos Planos de Ações Articuladas e as conferências municipais, regionais e estaduais, constituindo uma extensa e consistente rede de discussão sobre a educação nas diferentes esferas governamentais e territórios do país até chegarmos à aprovação, pelo Congresso, da Lei 13.005, de junho de 2014, que estabelece o novo Plano Nacional de Educação.

Com 20 metas distribuídas por temas como o acesso e garantias de direitos (1, 2, 3, 5, 6 e 9); diversidade e combate à desigualdade (4 e 8); qualidade do ensino (7); formação técnica e profissional (10 e 11); valorização dos profissionais da educação (15, 16, 17 e 18); educação superior (11,13 e 14); gestão democrática (19) e; investimento e financiamento (20), o atual Plano Nacional de Educação tem a pretensão de atender o disposto no artigo 214 da Constituição Federal que lhe atribui o “objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas”. (BRASIL, 14).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da década de 70 a sociedade brasileira testemunhou a experiência de um governo autoritário e repressor, uma ditadura militar instalada ainda na década de 60. O período foi inaugurado pela Lei 5.692, de 1971, que reformou a educação primária e secundária. Pouco depois surgem os planos setoriais de educação acoplados aos planos plurianuais de desenvolvimento. Em meados da década de 80 a eleição de um candidato civil para a presidência da República (Tancredo Neves) dá fim à ditadura e inicia a chamada “Nova República”, regime coroado com a promulgação da Constituição de 1988.

Finalmente, na década de 90 e nas primeiras décadas do século XXI temos momentos de forte mobilização e reconstrução democrática da sociedade civil e seus aparatos legais. Tratava-se de uma fase que começa com a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente que assegura “com absoluta prioridade” a efetivação dos direitos referentes à educação. Posteriormente é criado o “Plano Decenal de Educação para Todos”, em 1993, e promulgada a lei de diretrizes e bases em 1996. Tivemos o primeiro plano nacional, o plano de desenvolvimento e o plano de ações articuladas. O período é concluído com a promulgação da Lei 13.005, de junho de 2014, que estabelece o atual Plano Nacional de Educação, cuja vigência vai até o ano de 2024.

Essas experiências históricas nos alertam para o fato de que a construção do novo Sistema Nacional Articulado de Educação — que inicia a partir da promulgação de todo um complexo legal que o normatiza, desde a promulgação da Constituição de 1988, até o atual Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14), passando pela Lei 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) —, exigirá um esforço não só do Estado mas, sobretudo, da sociedade civil, no que tange à compreensão da necessidade e da importância da mobilização popular e do exercício do controle social para a efetivação da melhoria da oferta de serviços educacionais no país por meio do uso mais profícuo e racional de recursos financeiros e humanos.

Na verdade, a garantia da educação como direito de crianças e adolescentes tem uma ligação estreita com o financiamento público das atividades de manutenção e desenvolvimento do ensino que, por sua vez, é submetido à matriz ideológica e à concepção política dos governos que se sucedem. Uma breve retrospectiva da história da educação no Brasil demonstra que a vinculação — leia-se, a garantia efetiva — de recursos para a educação acontece justamente nos períodos considerados democráticos (de 1934 a 1937, de 1946 a 1964, 1983 e 1988), assim como a desvinculação de recursos acontece precisamente em períodos autoritários (de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985), fato que, indubitavelmente, compromete a garantia do direito e da gratuidade da educação. (Ver OLIVEIRA, sd, sp).

Em que pese vivermos um período democrático, ainda convivemos com as consequências de longos anos de descaso, de ideais mercadológicos do ensino e da propalada “falta de vontade política”. Continuamos a enfrentar limites não superados como a baixa qualidade do ensino que condena milhões de brasileiros à ignorância ou ao analfabetismo funcional; a cultura da meritocracia; a baixa capacidade instalada em termos de recursos humanos nas secretarias de educação (principalmente dos entes municipais) e a insistente e persistente influência do setor privado nas deliberações e ações governamentais. Nesse campo, equivocadamente, o atual PNE 2014-2024 resguardou dispositivo que fere a exclusividade de repasse de recursos públicos para instituições públicas “como a contabilização das parcerias público-privadas na meta de investimento público em educação (parágrafo 4º ao Art. 5º) e a permanência do estímulo à remuneração dos professores por resultados (Estratégia 7.36)”. (CAMPANHA, 2014).

Por outro lado, as rupturas realizadas resultaram em avanços significativos. Podemos relacionar, dentre as superações, a racionalização do financiamento, que após o advento do FUNDEB, passou a ter concepção sistêmica, superando a fragmentação entre níveis e modalidades de ensino e a implementação plena do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), com participação da União para sua viabilização financeira, colaborando com Estados e Municípios; a formação de professores, que contou com o incremento proporcionado pelo Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica - PARFOR; a democratização do acesso e o fortalecimento da diversidade nas escolas, por meio de iniciativas como programas de Educação Especial, Educação para as Relações Étnico-Raciais, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Quilombola, Educação em Direitos Humanos, Educação Inclusiva, Gênero e Diversidade Sexual, Combate à Violência, Educação Ambiental e Educação de Jovens e Adultos. Avanço decisivo no campo das iniciativas estruturantes é a mudança nas próprias condições de planejamento da educação que, a partir do exercício do planejamento de ações articuladas (PAR) modificou-se em termos de concepções e práticas nas secretarias de educação.

Outra ruptura positiva deu-se com a aprovação da Emenda Constitucional nº 59/2009 que incluiu no texto constitucional a expressão “Sistema Nacional de Educação”; prevê a obrigatoriedade e universalização do ensino de 4 a 17 anos; amplia a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica e estabelece meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). (BRASIL: 2014, 9).

Como se vê, as rupturas foram significativas e proativas, e apontam para um novo momento no qual as conquistas “saiam do papel”, rompendo com os hábitos nocivos da imobilidade e da procrastinação, garantindo sua efetivação na prática. Por essa razão concordamos com a Campanha Nacional pelo Direito à Educação quando sustenta que o “principal desafio do PNE agora é o da sua implementação, que deve estar alicerçada na elaboração de planos estaduais e municipais, no fortalecimento do Fórum Nacional de Educação e dos fóruns subnacionais (estaduais e municipais) e no estabelecimento de práticas e mecanismos de controle social. O PNE precisa tomar o centro do debate público nacional.” (CAMPANHA, 2014).

Analisando os posicionamentos de representantes do Estado e da Sociedade Civil, o que já foi efetivado e o que deverá ser feito a seguir, é possível constatar (CAMPANHA, 2015), no pleno exercício de controle social do plano, que, infelizmente, no seu primeiro aniversário, algumas metas não conseguiram ser realizadas no prazo determinado, enquanto outras, com o prazo próximo do fim, continuam sem perspectivas de efetivação, o que amplia exponencialmente a chance de ações essenciais previstas no plano e construídas coletivamente pela sociedade brasileira não serem executadas conforme o planejado. Alguns fatores confirmam essa tese:

Em primeiro lugar, é inegável que o Estado brasileiro atravessa um período de significativos cortes de recursos que tem afetado e afetarão a implementação de projetos e programas educacionais. Embora denominada “Pátria Educadora” no segundo mandato da Presidente Dilma, o que se tem constatado é um forte contingenciamento de ações que até então vinham sendo desenvolvidas desde o PDE e que serviam de suporte para o alcance de grande parte das metas previstas pelo plano em vigência.

O ajuste fiscal em curso atinge e inviabiliza a educação como tarefa primordial da nação, como bem define um dos documentos divulgados pela CampanhaA Campanha Nacional pelo Direito à Educação foi lançada em 5 de outubro de 1999 por um grupo de organizações da sociedade civil com o propósito de somar diferentes forças políticas pela efetivação dos direitos educacionais garantidos por lei para que todo cidadão e toda cidadã tenham acesso a uma educação pública de qualidade. em 22 de junho de 2015 No Seminário “O PNE e o futuro da educação brasileira”, salvo em câmara.leg.br/discursoparlamentares., “uma pátria educadora não pode descuidar do cumprimento de uma das principais leis da educação nacional, como é o caso do PNE”. Desta forma, o fato de termos atualmente a maior parcela do Produto Interno Bruto destinado às políticas educacionais (atualmente cerca de 6,2% de acordo com pronunciamento do Secretário Executivo do MEC no seminário de 25 de junho 2015 ), não significa que estamos efetivando uma ação educacional com maior qualidade a um número maior de pessoas. Consequência deste fato é que os desafios contidos no alcance das metas do PNE ganham novos contornos diante do contingenciamento dos recursos públicos à educação.

Em segundo lugar, associado à questão do financiamento, mas extrapolando a importância restrita desta dimensão, reiteramos como um dos principais desafios à implementação das metas, o fortalecimento do regime de colaboração entre os entes federativos da nação. Percebemos que quanto às tarefas dos entes federados no que tange ao plano, se podemos afirmar que as responsabilidades já estão definidas sob o ponto de vista da regulamentação formal, ainda não possuímos claro conhecimento de como se dará a tão almejada colaboração. Este desafio, a nosso ver estruturante à organização sistêmica das políticas educacionais brasileiras, tem constituído pauta prioritária desde a CONAE 2010 e até os dias de hoje ainda constitui meta a ser perseguida.

Com isso afirmamos como condição preliminar da execução do plano de forma exitosa, a regulamentação do constante no parágrafo único do artigo 23 da atual Constituição Federal que estabelece que “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)”, ou seja, surge como desafio inadiável a regulamentação do Regime de Colaboração;

Em terceiro lugar, vemos instituições do governo e a Câmara dos Deputados avaliando que, embora com atraso no cumprimento gradual das metas previstas para os próximos 10 anos, o PNE está em movimento. A nosso ver tal dinâmica se sustenta por meio de ações formais, mais voltadas à formulação de suporte legal para efetivação das metas, do que pela efetivação de estratégias propriamente ditas.

Finalmente, destacamos como uma das principais conquistas ao final de 2015, o esforço da maioria dos estados e municípios em elaborarem seus Planos Estaduais e Municipais de Educação, respectivamente como tarefa de se adaptar às orientações emanadas do Nacional e ressignificar desafios históricos, como o fim da evasão do ensino médio, por exemplo.

Nossa esperança é que, realizando o plano, sejamos capazes de integrar os três níveis de governo e a sociedade organizada no esforço de fazer acontecer o Regime de Colaboração previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases, além de começarmos a construir as bases políticas e técnicas de um novo Sistema Nacional de Educação no Brasil. Tomara que esse protagonismo signifique novos tempos para nossas crianças e adolescentes, cidadãos presentes de uma nação em travessia para o futuro

A esperança é que sejamos capazes de integrar os três níveis de governo e a sociedade organizada no esforço de fazer acontecer o Regime de Colaboração previsto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases, além de começarmos a construir as bases políticas e técnicas de um novo Sistema Nacional de Educação no Brasil. Tomara que esse protagonismo signifique novos tempos para nossas crianças e adolescentes, cidadãos presentes de uma nação em travessia para o futuro.

REFERÊNCIAS

BORDIGNON, Genuíno et alli. O planejamento educacional no Brasil. Brasília. Fórum Nacional de Educação. Junho/2011.

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

BRASIL. Decreto n° 6.094, de 24 de abril de 2007a.

BRASIL. Lei n° 13.005, de 25 de junho de 2014.

BRASIL. Planejando a Próxima Década: Alinhando os Planos de Educação. Brasília: Ministério da Educação / Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (MEC/SASE), 2014.

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CAMPANHA Nacional pelo Direito à Educação. Carta à sociedade brasileira - PNE sancionado sem vetos: vitória do Brasil! 26 de junho de 2014. Disponível em: http://campanhaeducacao.org.br/?idn=1377. Acesso em 26/06/14.

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